Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00799/22.3BEBRG-S1 |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/21/2023 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Helena Ribeiro |
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Descritores: | INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS; RELAÇÃO LISTISCONSORCIAL; DOLO OU CULPA GRAVE DO AGENTE; |
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Sumário: | 1.O incidente da intervenção, seja espontânea, seja provocada, apenas é legalmente admissível quando se esteja perante uma relação litisconsorcial, ou seja, quando a relação jurídica material controvertida, delineada pelo autor na petição inicial, e em discussão na concreta ação que se encontra pendente (em que é deduzido o incidente) tenha vários sujeitos do lado ativo e/ou do lado passivo e se pretenda, mediante o incidente, fazer com que esses terceiros, que não figuram como autores ou como réus primitivos nessa ação, sejam a ela chamados, a fim de nela passarem a intervir como autores ou como réus, conjuntamente, respetivamente, com os autores ou os réus originários (parte primitivas dessa ação pendente). 2. Tendo a intervenção principal provocada da Escala Braga, requerida pelo Réu, como escopo essencial, não o de associar à ação um novo réu, mas antes o de fazer substituir-se na ação pela pessoa que o mesmo julga ser o sujeito passivo da relação jurídica material invocada pelo autor, não estão verificados os pressupostos para o deferimento da sua intervenção principal provocada. 3. Em ação proposta contra o Estado ou pessoa coletiva pública para efetivação de responsabilidade civil por facto ilícito praticado por agente seu, no exercício das suas funções e por causa dele, só pode ser dirigida contra este último quando as lesões que deram origem aos prejuízos peticionados tiverem sido provocadas com dolo ou culpa grave. 4. Os médicos que assistiram a Autora só poderiam ser demandados se aquela tivesse alegado que os mesmos agiram com dolo, ou negligência grave, pelo que, tendo a Autora carreado factos passíveis de concluir apenas pela existência de uma culpa leve, não poder ser admitido o chamamento dos médicos a intervirem na causa como Réus, por falta da necessária legitimidade processual. (Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil). |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I.RELATÓRIO 1.1. «AA», residente na Rua ..., União de Freguesias ..., ... Feitos, ..., intentou a presente ação administrativa de responsabilidade civil por atos médicos contra o HOSPITAL ..., com sede em ... - ..., ... .... 1.2. Citado, o Réu contestou e juntamente com a contestação veio deduzir de forma individualizada, em separado do restante articulado, o incidente da intervenção principal provocada da [SCom01...], S.A. e das médicas «BB», «CC» e «DD» (Referência 006617337 – pág.366 e ss. – do processo eletrónico): 1.3.Por despacho de 11 de julho de 2022, o TAF de Braga indeferiu o incidente de intervenção provocada da [SCom01...], SA e das médicas «BB», «CC» e de «DD», deduzidos pelo Hospital ... nos termos do artigo 316º, nº 3, do Código de Processo Civil. Fixou o valor do incidente em € 242.620,00. 1.4. Inconformado com o despacho assim proferido, o Réu o HOSPITAL ..., interpôs recurso de apelação, a subir em separado, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «A – Inconformado, com a douto ou doutos “Despachos decisórios” proferido nestes autos, que decidiu a improcedência do incidente de intervenção principal provocada de [SCom01...], SA. e de «BB», «CC» e «DD». B – Vem o Réu/apelante interpor Recurso para este Venerando Tribunal, na convicção de que a razão lhe assiste. C – A apelante recorre do douto Despacho decisório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a que se reportam os autos supra, porquanto: – O Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação das normas jurídicas, violando o disposto nos artigos 32º, 260º, 262º, 312º e 316º do Código de Processo Civil, artigo 10º, nº 10 do Código de Procedimento Administrativo e artigo 3º do Decreto-Lei 75/2009 de 30 de maio. – O Tribunal “a quo” ignorou o clausulado do Contrato de Gestão do Hospital ... em Regime de Parceria Público-Privada celebrado em 9 de fevereiro de 2009 e o clausulado do Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar celebrado no dia 30 de agosto de 2019. – A decisão do Tribunal a quo, encapota vícios de raciocínio que importa corrigir. – Por ser injusta, carece de ser revogada e substituída por outra que decida admitir a Intervenção Principal Provocada da [SCom01...], S.A., e das médicas «BB», «CC» e «DD», com as legais consequências. D – A Autora «AA», propôs ação administrativa contra o Réu/Apelado, tendo como causa de pedir a assistência que lhe foi prestada no Hospital ..., no período de 2 de novembro de 2018 a 3 de maio ou 5 de julho de 2019 e formula um pedido de € 242.620,00 (Duzentos e quarenta e dois mil seiscentos e vinte euros) E – O Réu/Recorrente, apresentou contestação no dia 30 de maio de 2022, na qual se defendeu por exceção (invocando a sua ilegitimidade passiva) e por impugnação e deduziu Incidente da Intervenção Principal da [SCom01...], S.A., e de «BB», «CC» e «DD». F – O Réu/Recorrente juntou como prova, os seguintes documentos: – “CONTRATO DE GESTÃO – Hospital ... EM REGIME DE PARECERIA PÚBLICO-PRIVADA”, celebrado em 2 de fevereiro de 2009 (disponível em http:www.utap.pt/Contratos/saúde/...). – “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR”, celebrado em 30 de agosto de 2019. G – A Autora disse nada tem a opor ao requerido pela Ré, “Hospital ....”, nomeadamente quanto às intervenções provocadas requeridas.” H – Mediante “Despacho”, O Tribunal julgou improcedente o Incidente de Intervenção Provocada da [SCom01...], S. A., e improcedente o Incidente de Intervenção Provocada de «BB», «CC» e de «DD». I – Salvo o devido respeito que é muito, o “Despacho” recorrido não cumpre a lei, incorre em erros de raciocínio e não pondera devidamente o alegado pelo Recorrente no requerimento em que deduz o Incidente de Intervenção Principal Provocada, nos documentos juntos e na petição inicial apresentada pela Autora, J – Na Contestação, o Réu/Apelante nos artigos 1º a 11º e 85º a 107º alegou os fundamentos de facto e o direito para requer as Intervenções Principais Provocadas e juntou para prova do alegado os “Contrato de Gestão – Hospital ... em Regime de Pareceria Público-Privada” e “Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar”. Assim, L – Em 2 de fevereiro de 2009 foi celebrado Contrato de Gestão em Regime de Parceria Público-Privada entre o Estado Português (representado pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P.) e a [SCom01...], S. A. (além de outra), através do qual esta se obrigou a organizar o funcionamento do Hospital ... integrado no Serviço Nacional de Saúde e a realizar prestações de saúde, de acordo com o perfil assistencial constante do Anexo I e tendo em conta a Produção Prevista.” M – Através deste Contrato de Gestão a [SCom01...], S.A. reconheceu e aceitou ser a única e direta responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato e responsabilizou-se perante o Estado Português por quaisquer prejuízos causados no exercício da atividade, pela culpa ou pelo risco e ainda nos termos gerais da relação comitente-comissário e a responder civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses. – Cfr. cláusula 14ª (“Responsabilidade das Entidades Gestoras”. N – Este Contrato de Gestão celebrado entre o Estado Português e a [SCom01...], S.A teve como escopo contratual: “... a organização e o funcionamento do Hospital ..., integrado no Serviço Nacional de Saúde ..., e que se destina a realizar prestações de saúde, de acordo com o perfil assistencial constante do Anexo I e tendo em conta a Produção Prevista”. – Cfr. Cláusula 6ª O – Antes do termo desta parceria público-privada (PPP) que ocorreu em 31 de agosto de 2019, foi criada uma “E.P.E. com vista a garantir a manutenção da prestação dos cuidados de saúde”, ou seja, foi criado o Hospital ..., aqui recorrente, através do Decreto–Lei nº 75/2019, de 30 de maio. P – Conforme o previsto no Decreto-Lei nº 75/2019, de 30 de maio, o Réu/recorrente Hospital ... às 24 horas do dia 31 de agosto de 2019 sucedeu na universalidade de bens, direitos e obrigações da “[SCom01...], S.A.” que reverteriam para a “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.” (representante do Estado Português). Q – Ainda antes da transmissão do estabelecimento hospitalar da [SCom01...], S.A. para o H..., E. P.E., que ocorreu às 24H00 do dia 31 de agosto de 2019, foi celebrado, no dia 30 de agosto de 2019, o contrato designado por “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR”, no qual foram outorgantes “[SCom01...], S.A.”, “Hospital ...” e “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.”. R – Nos termos da Cláusula 2ª, número 2.4 deste Contrato de Transmissão, as partes signatárias acordaram que: “Não são transmitidas pela [SCom01...] as dívidas nem quaisquer outras responsabilidades de qualquer natureza que decorram de factos anteriores à Data Efetiva, ...” S – O Artigo 3º sob a epígrafe “Sucessão”, do Decreto-Lei 75/2019, de 30 de maio estabelece: “1 – O Hospital ..., sucede na universalidade de bens, direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de agosto de 2019, para a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARS Norte, I.P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do Contrato de Gestão do Hospital ... (Contrato de Gestão), celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARS Norte, I.P., e a [SCom01...], S.A. ([SCom01...]). T – Ou seja, o aqui recorrente Hospital ..., sucedeu nos, direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de agosto de 2019, para a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARS Norte, I.P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do Contrato de Gestão do Hospital ... (Contrato de Gestão), celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARS Norte, I.P., e a [SCom01...], S.A. ([SCom01...]). U – Na cláusula 14ª do Contrato de Gestão em Regime de Parceria Público-Privada, a [SCom01...], S.A. aceitou perante o Estado Português representado pela IRS Norte, I.P ser a única e direta responsável pelo pontual cumprimento das obrigações que decorrem do Contrato de Gestão relativa à gestão do estabelecimento hospitalar, respondendo nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto do Contrato, pela culpa ou pelo risco; respondem nos termos gerais da relação comitente-comissário pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das atividades compreendidas no Contrato; responde civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados por parte dos seus colaboradores enquanto tal. V – Conjugado o artigo 3º do Decreto-Lei Lei 75/2019, com esta cláusula 14ª do Contrato de Gestão resulta claramente que as enunciadas responsabilidades decorrentes da execução deste Contrato de Gestão não eram transmitidas à ARS Norte, I.P. (representante do Estado Português) no termo do mesmo e consequentemente não foram transmitidas tais responsabilidades ao Hospital ... (“O Hospital ..., sucede na universalidade de bens, direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de agosto de 2019, para a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARS Norte, I.P.) ...), porque as mesmas não revertiam para a ARS, Norte, I.P. X – Posição esta reforçado no “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR” celebrado no dia 30 de agosto de 2019. Z – Pelos Contrato de Gestão do Hospital ..., Decreto-Lei 75/2019 de 30 de maio, bem como pelo Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar, a [SCom01...], S.A., assumiu as obrigações e responsabilidades inerentes às atividades que constituem o objeto do Contrato, durante a execução do mesmo em regime de parceria público-privada o que aconteceu no período de 9 de fevereiro de 2009 a 31 de agosto de 2019. – AA – Nesta conformidade o ressarcimento de eventual lesado/a, nomeadamente em consequência de ato médico ou omissão praticado por profissionais médicos no estabelecimento hospitalar – Hospital ... – no período de 9 de fevereiro de 2009 a 31 de agosto de 2019, será da responsabilidade da [SCom01...], S. A., pelo que foi requerida a Intervenção Principal da mesma. – Cfr. Cláusula 14ª do Contrato de Gestão em Regime de Parceria Público-Privada e Cláusula 2ª, número 2.4 do Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar. AB – O tribunal ao “Decidir”, como decidiu, julgar improcedente o incidente de intervenção provocada da [SCom01...], S. A., ignorou completamente o acordado pelas partes no Contrato de Gestão do Hospital ... celebrado em 9 de fevereiro de 2009, no Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar celebrado no dia 30 de agosto de 2019 e no determinado pelo Decreto-Lei 75/2019 de 30 de maio. AC – Sendo certo, que “No nosso ordenamento jurídico-processual civil vigora o princípio da estabilidade da instância” certo é, também, que o mesmo admite modificações da mesma (“Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.” – cfr. artigo 260.º do Código de Processo Civil) AD – Determina a Lei, no artigo 262º do C.P.C., sob a epígrafe “Outras modificações subjetivas”: “A instância pode modificar-se quanto às pessoas: ... b) Em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros.” AE – Estabelece o artigo 316º, nºs 1 e 3 a) do C.P.C: “1. Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. ... 3. O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passíveis da relação material controvertida;...” (O destaque é nosso) AF – Conforme configurados os factos pela Autora na petição inicial, qualquer ato médico ou omissão praticado no período referido nessa peça – 2 de novembro de 2018 a 3 de maio ou 5 de julho de 2019 – foi praticado durante a gestão da [SCom01...], S.A.. do estabelecimento Hospital ..., que ocorreu entre 9 de fevereiro de 2009 a 31 de agosto de 2019. AG – Estando os profissionais de saúde que assistiram a Autora no período de 2 de novembro de 2018 a 3 de maio ou 5 de julho de 2019 sob a direção jurídica e dependência económica da [SCom01...], S.A., e a prestar funções no estabelecimento hospitalar por esta gerido. AH – Com base no Contrato de Gestão do Hospital ... celebrado em 9 de fevereiro de 2009 – cláusula 14ª –, no Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar celebrado no dia 30 de agosto de 2019 – Cláusula 2ª, número 2.4 – e Decreto-Lei 75/2019 de 30 de maio – Artigo 3º –, o agora recorrente Hospital ..., tem um interesse, verdadeiramente atendível em chamar a intervir a [SCom01...], S.A.. – Artigo 316º, nº 3, alínea a) do C.P.C.. AI – Tal como tem interesse o Recorrente Hospital ..., pela forma como se encontram configurados os factos na petição inicial, em fazer intervir as médicas mencionadas pela Autora na petição inicial. AJ – As médicas «BB», «CC» e «DD», são as médicas a quem a Autora refere “não agiram diligentemente e não seguiram as legis artis, quer na ciruurgia inicial, quer posteriormente e até então.” AL – Alegando a Autora na petição inicial, entre outros artigos: – Artigo 290º: “A conduta da Ré e dos seus trabalhadores consubstancia a prática de crimes por ofensa à integridade física negligente, prevista e punida pelo artigo 148º, nº 1 e 3, do CDódigo Penal, bem como do crime de intervenções e tratamentos médico-cirurgicos, 150º, nºs 1 e 2, do código Penal, ambos puníveis com pena de prisão até dois anos” – Artigo 356º: “...houve efetiva e comprovada culpa de quem assistiu medicamente a Autora, dada a objetiva desconformidade entre os atos médicos praticados (e as condições em que o foram) e as legis artis correspondendo o ato ilícito e culposo daí derivado ao cumprimento defeituoso da prestação pelo que opera a presunção da culpa a que alude o nº 1 do artigo 799ºdo Código Civil.” – Artigo 362º: A conduta da Ré e dos seus trabalhadores não pode deixar de ser considerada ilícita e culposa ou pelo menos negligente.” AM – Pelo que poderão, pela forma como estão configurados os factos pela Autora na petição inicial, ser aquelas responsáveis civilmente pelas suas ações ou omissões na assistência que prestaram à Autora, o que legitima, também, o seu chamamento. AN – A forma como a Autora configura os factos na petição inicial, qualquer ato médico ou omissão praticado no período referido nessa peça – 2 de novembro de 2018 a 3 de maio ou 5 de julho de 2019 – foi praticado durante a gestão da [SCom01...], S.A.. do estabelecimento Hospital ... e por profissionais que nesse período exerciam as respetivas funções sob a sua direção e subordinação económica, nomeadamente pelas médicas visadas «BB», «CC» e «DD». Assim, AO – Nos termos dos artigos 1º e 10º, nº 10 do CPTA, no regime de contencioso administrativo, é admissível a dedução do incidente de intervenção de terceiros na modalidade de intervenção principal ao abrigo dos artigos 262º e 316º, nºs 1 e 3 do C.P.C., sem que tal ponha em crise o princípio da estabilidade da instância (artigo 260º do C.P.C.). AP – Pelo que não se pode sustentar que no atual contencioso administrativo ou mesmo no âmbito do ordenamento processual civil vigore, como princípio geral, o da inadmissibilidade dos incidentes de instância, porquanto o incidente de intervenção de terceiros na modalidade da intervenção principal provocada visa suprir o litisconsórcio necessário e/ou em situações de litisconsórcio subsidiário admissão essa que se justifica por razões da regularização da instância, ou de salvaguarda de direitos de terceiros e mesmo como cumprimento do próprio princípio da adequação. AQ – A intervenção principal destina-se a assegurar a intervenção de terceiros no processo em que faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa. AR – O incidente da intervenção principal provocada da “[SCom01...], S. A. e das médicas «BB», «CC» e «DD» é oportuno e admissível, porque é relevante o interesse no seu chamamento. AS – Só podia e devia ter sido admitido pelo tribunal incidente da intervenção principal provocada e em consequência ser considerado procedente, seguindo-se os ulteriores termos processuais. AT – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em ações análogas propostas contra o recorrente tem vindo a admitir a intervenção principal provocada da [SCom01...], S.A e dos profissionais de saúde. AU – A fundamentação deixada pelo Tribunal no Despacho ou Despachos recorridos parece-nos, salvo o devido respeito, desadequados a todas as circunstâncias do caso em concreto. AV – Faz o Tribunal uma incorreta interpretação do Artigo 3º do Decreto-Lei 75/2019, de 30 de maio e artigos 260º, 262º, 312º e 316º do Código de Processo Civil. AX – O Tribunal não fez a devida ponderação do alegado pelo Recorrente e documentos por este juntos à sua contestação, com a qual é deduzido o incidente de intervenção principal provocada – Contrato de Gestão do Hospital ... celebrado em 9 de fevereiro de 2009 e Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar celebrado no dia 30 de agosto de 2019. AZ – O Tribunal não ponderou o alegado pela Autora na petição inicial nem ponderou os fundamentos de facto e de direito alegados pelo Recorrente no Incidente de Intervenção Principal Provocada da “[SCom01...], S. A. e das médicas «BB», «CC» e «DD». BA – Não poderá resultar válido o raciocínio jurídico efetuado na decisão judicial recorrida, mediante “Despacho”, em julgar improcedente o Incidente de Intervenção Principal Provocada da [SCom01...], S. A. e de «BB», «CC» e de «DD». BB – Por tudo quanto ficou exposto, a decisão do Tribunal a quo, só poderia e deveria ter sido a de admitir a intervenção principal provocada: da [SCom01...], S.A., de «BB», de «CC», e de «DD». Termos em que, nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de V. Exªs deve ser revogada a decisão ou decisões recorridas, devendo, em consequência, ser substituída por outra decisão que julgue procedentes os incidentes de intervenção provocada da [SCom01...], S.A., de «BB», de «CC» e de «DD», seguindo-se os ulteriores termos de direito. Para que seja feita justiça!». 1.5. A Autora não contra-alegou. 1.6. Por despacho de 28/10/2022 o recurso interposto foi rejeitado, tendo o Apelante apresentado a competente reclamação, sobre a qual recaiu decisão sumária da Relatora datada de 22/01/23, que julgou a reclamação procedente e em consequência, nos termos do disposto no n.º4 do artigo 643.º do CPC, ordenou a subida em separado do recurso interposto, conforme o disposto no artigo 645.º, n.º2 do CPC. 1.7. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer. 1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO. 2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT. Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”. 2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento decorrente de o Tribunal a quo ter decidido que no caso não era admissível quer a intervenção principal provocada da [SCom01...], S.A., quer das médicas «BB», «CC» e «DD». ** III. FUNDAMENTAÇÃO A.DE FACTO 3.1. Não foram dados como provados pela 1.ª Instância factos, considerando-se bastantes os que foram alvo de indicação no relatório supra elaborado. ** III.B. DE DIREITO b.1. do erro de julgamento quanto à decisão que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada da [SCom01...], S.A. 3.2.O Apelante, nas conclusões A) a AH) das alegações de recurso, insurge-se contra o despacho recorrido na parte em que o Tribunal a quo julgou improcedente a intervenção principal provocada de [SCom01...], SA.( doravante [SCom01...]), requerida pelo Réu/Apelante na contestação, assacando-lhe erro de julgamento, pretendendo que essa decisão seja revogada e que este Tribunal ad quem proferira decisão que admita a intervenção principal provocada da [SCom01...]. 3.3.Em sede de fundamentação para a não admissão da requerida intervenção principal provocada da [SCom01...], a 1.ª Instância expendeu as seguintes considerações: «(…) o campo de aplicação da intervenção principal (espontânea ou provocada), com exceção da situação prevista no artigo 317.º do CPC, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio, pelo que só pode intervir na ação, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objeto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio. No caso concreto, os Réus deduziram o incidente de intervenção principal alegando, em síntese, que a responsabilidade pelos danos em causa nos autos é da sociedade [SCom01...]. Ora, tendo em conta o que se acaba de sintetizar (causa de pedir e alegação para a admissão do Interveniente Principal), a verdade é que não foi alegada qualquer relação jurídica que tenha sido estabelecida entre a pretendida Interveniente e a Autora que possa ser enquadrada numa situação de litisconsórcio. Com efeito, o que está em causa é a efetivação da responsabilidade civil extracontratual entre a Autora e o Réu, enquanto responsável pelo estabelecimento hospitalar em que se produziram os danos alegados e os profissionais que realizaram os procedimentos cirúrgicos e outros, pelo que não se vislumbra qualquer efeito útil na admissão do presente incidente. Na verdade, do DL 75/209 de 30 de maio, que procede à constituição do Hospital ..., aqui Réu, não resulta a existência de um litisconsórcio necessário entre o Réu e sociedade [SCom01...], nem resulta uma situação de litisconsórcio voluntário. De facto, não se verifica uma situação de litisconsórcio necessário, na medida em que, resulta do n.º 1, do artigo 3.º do referido DL que «O Hospital ..., sucede na universalidade de bens, direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de agosto de 2019, para a Administração Regional de Saúde do Norte, I. P. (ARS Norte, I. P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do Contrato de Gestão do Hospital ... (Contrato de Gestão), celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARS Norte, I. P., e a [SCom01...], S. A. ([SCom01...])». Portanto, houve uma transmissão da universalidade de bens, direitos e obrigações e não uma partilha de responsabilidade. E, também, não se verifica um litisconsórcio voluntário, uma vez que, atento à causa de pedir e ao pedido, a pretendida interveniente não faz valer no processo um interesse próprio paralelo do Réu. Portanto, em nenhum momento, seja na petição inicial, seja no pedido de incidente de terceiros, pode, pois, vislumbrar-se a existência de uma situação de litisconsórcio nos termos exigidos pelo legislador. E é por isso que não pode ser admitida a Intervenção principal provocada requerida, pois não se insere em nenhumas das hipóteses do artigo 316.º. do CPC. Improcede, sem necessidade de mais alongadas considerações, o presente incidente de intervenção principal provocada da sociedade [SCom01...], SA.». 3.4.O Apelante não se conforma com tal decisão, invocando que o Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação das normas jurídicas, violando o disposto nos artigos 32º, 260º, 262º, 312º e 316º do Código de Processo Civil, artigo 10º, nº 10 do Código de Procedimento Administrativo e artigo 3º do Decreto-Lei 75/2009 de 30 de maio. Para tanto aduz que na contestação que apresentou, nos artigos 1º a 11º e 85º a 107º alegou os fundamentos de facto e o direito para requerer as Intervenções Principais Provocadas, juntando para prova do alegado os “Contrato de Gestão – Hospital ... em Regime de Pareceria Público-Privada” e “Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar”. O “Contrato de Gestão em Regime de Parceria Público-Privada” foi celebrado entre o Estado Português (representado pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P.) e a [SCom01...], S. A. (além de outra), em 02/02/2009, e por via desse contrato a última obrigou-se a organizar o funcionamento do Hospital ... integrado no Serviço Nacional de Saúde e a realizar prestações de saúde, de acordo com o perfil assistencial constante do Anexo I e tendo em conta a Produção Prevista.” Através deste Contrato de Gestão a [SCom01...], S.A. reconheceu e aceitou ser a única e direta responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato e responsabilizou-se perante o Estado Português por quaisquer prejuízos causados no exercício da atividade, pela culpa ou pelo risco e ainda nos termos gerais da relação comitente-comissário e a responder civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses. – Cfr. cláusula 14ª (“Responsabilidade das Entidades Gestoras”). Este Contrato de Gestão celebrado entre o Estado Português e a [SCom01...], S.A teve como escopo contratual: “... a organização e o funcionamento do Hospital ..., integrado no Serviço Nacional de Saúde ..., e que se destina a realizar prestações de saúde, de acordo com o perfil assistencial constante do Anexo I e tendo em conta a Produção Prevista”. – Cfr. Cláusula 6ª. Mais alega que antes do termo desta parceria público-privada (PPP) que ocorreu em 31 de agosto de 2019, foi criada uma “E.P.E. com vista a garantir a manutenção da prestação dos cuidados de saúde”, ou seja, foi criado o Hospital ..., através do Decreto–Lei nº 75/2019, de 30 de maio, resultando deste diploma que o Hospital ..., às 24 horas do dia 31 de agosto de 2019 sucedeu na universalidade de bens, direitos e obrigações da “[SCom01...], S.A.” que reverteriam para a “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.” (representante do Estado Português). E que, ainda antes da transmissão do estabelecimento hospitalar da [SCom01...], S.A. para o H..., E. P.E., que ocorreu às 24H00 do dia 31 de agosto de 2019, foi celebrado, no dia 30 de agosto de 2019, o contrato designado por “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR”, no qual foram outorgantes “[SCom01...], S.A.”, “Hospital ...” e “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.”, constando da Cláusula 2ª, número 2.4 deste Contrato de Transmissão, que as partes signatárias acordaram que: “Não são transmitidas pela [SCom01...] as dívidas nem quaisquer outras responsabilidades de qualquer natureza que decorram de factos anteriores à Data Efetiva, ...”. Ademais, invoca o disposto no artigo 3º, do Decreto-Lei 75/2019, de 30 de maio, que que sob a epígrafe “Sucessão”, estabelece: “1 – O Hospital ..., sucede na universalidade de bens, direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de agosto de 2019, para a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARS Norte, I.P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do Contrato de Gestão do Hospital ... (Contrato de Gestão), celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARS Norte, I.P., e a [SCom01...], S.A. ([SCom01...]). Assim sendo, considera que o Hospital ..., sucedeu nos direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de agosto de 2019, para a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARS Norte, I.P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do Contrato de Gestão do Hospital ... (Contrato de Gestão), celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARS Norte, I.P., e a [SCom01...], S.A. ([SCom01...]). Refere que na cláusula 14ª do Contrato de Gestão em Regime de Parceria Público-Privada, a [SCom01...], S.A. aceitou perante o Estado Português representado pela IRS Norte, I.P ser a única e direta responsável pelo pontual cumprimento das obrigações que decorrem do Contrato de Gestão relativa à gestão do estabelecimento hospitalar, respondendo nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto do Contrato, pela culpa ou pelo risco; respondem nos termos gerais da relação comitente-comissário pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das atividades compreendidas no Contrato; responde civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados por parte dos seus colaboradores enquanto tal. 3.5.Conclui resultar da consideração do “Contrato de Gestão do Hospital ...”, do Decreto-Lei 75/2019 de 30 de maio, bem como do Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar, a [SCom01...], S.A., que a [SCom01...] assumiu as obrigações e responsabilidades inerentes às atividades que constituem o objeto do Contrato, durante a execução do mesmo em regime de parceria público-privada o que aconteceu no período de 9 de fevereiro de 2009 a 31 de agosto de 2019, pelo que, o ressarcimento de eventual lesado/a, nomeadamente em consequência de ato médico ou omissão praticado por profissionais médicos no estabelecimento hospitalar – Hospital ... – no período de 9 de fevereiro de 2009 a 31 de agosto de 2019, será da responsabilidade da [SCom01...], S. A., razão pela qual foi requerida a Intervenção Principal da mesma. Como tal, entende que o tribunal a qual ao “Decidir”, como decidiu, ou seja, julgar improcedente o incidente de intervenção provocada da [SCom01...], S. A., ignorou completamente o acordado pelas partes no Contrato de Gestão do Hospital ... celebrado em 9 de fevereiro de 2009, no Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar celebrado no dia 30 de agosto de 2019 e no determinado pelo Decreto-Lei 75/2019 de 30 de maio, desconsiderando que o Apelante tem um interesse, verdadeiramente atendível em chamar a intervir a [SCom01...], S.A.. – Artigo 316º, nº 3, alínea a) do C.P.C.. O que dizer? 3.6.Como escrevemos no Acórdão deste TCAN de 19/11/2021, que relatamos, proferido no processo n.º 01871/16.4BEBRG.S1, e como também se expendeu na decisão recorrida, os incidentes da intervenção de terceiros constituem uma exceção ao princípio da estabilidade da instância, na vertente subjetiva, ao permitirem que terceiros, isto é, quem não é demandante, nem sequer é demandado ab initio numa determinada ação que se encontra pendente, possa nela intervir espontaneamente, ou seja, por sua iniciativa própria (intervenção espontânea), ou a ela ser chamado por uma das partes dessa ação (intervenção provocada), com vista a assumir o estatuto de parte, seja, como co- autor ou como co- réu (intervenção principal), ou com vista a acautelar o direito de regresso dos réus caso estes sejam condenados nessa concreta ação (intervenção acessória). Pelo incidente da intervenção principal, em caso de deferimento do incidente, associam-se novas partes às partes primitivas do processo uma vez que o interveniente principal assume o estatuto de parte, isto é, de autor ou de réu, conforme a sua intervenção principal seja admitida pelo lado ativo ou pelo lado passivo da relação jurídica material controvertida na ação pendente. A este respeito veja-se Salvador da Costa – in “Os Incidentes da Instância”, 10ª ed., Almedina, págs. 70 a 73- , segundo o qual: “O princípio da estabilidade da instância, que veicula a ideia de que citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excecionado, na sua vertente subjetiva, pela intervenção de terceiros, ou seja de pessoas que não são partes, isto é, por quem ou contra quem não é solicitada em nome próprio alguma providência judicial tendente à tutela de direitos” (…) Na intervenção principal – do lado ativo ou passivo – o terceiro que podia acionar ou ser acionado inicialmente na posição de litisconsorte, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, com vista à apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade, conexa com a formulada pelas primitivas partes na ação, assumindo por essa via o estatuto de parte principal. É espontânea a intervenção que resulte da iniciativa do interveniente, caso em que se configura como ação por ele intentada contra o réu ou em quadro de defesa no confronto do autor da causa principal; é provocada se for da iniciativa de alguma das primitivas partes na ação. (…). Na intervenção acessória, o requerente invoca um interesse ou uma relação material controvertida conexa ou dependente daquela que é discutida na ação entre ele e o autor. O chamamento do terceiro pelo requerente visa que aquele o auxilie, em quadro de atividade subordinada à sua, para obstar ao prejuízo que indiretamente lhe possa advir da decisão proferida no confronto do autor. Não obstante a sua atividade processual se reportar à matéria relativa ao eventual direito de regresso de quem o chamou a intervir, tem a faculdade de contestar a ação”. (…) O escopo da intervenção principal “é essencialmente o de associar novas partes às primitivas, e não o de operar a exclusão destas últimas por via de substituição, com fundamento, por exemplo, na transmissão pelo autor de determinado direito de crédito”. Diversamente, na intervenção acessória, o interveniente, porque não é parte da concreta relação material controvertida que se encontra a ser discutida na ação pendente, mas apenas parte de uma relação conexa com aquela que está ser discutida nessa ação, relação conexa essa de que decorre que, em caso de condenação do réu na ação pendente, este último tem direito de regresso sobre o chamado, é admitida a intervenção acessória desse terceiro, não como parte (precisamente porque não é parte da relação jurídica que está a ser discutida na ação), mas exclusivamente como auxiliar na defesa do réu, e daí que a sentença que venha a ser proferida na ação apenas constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no art.º 332º, relativamente às questões de que depende o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização (arts. 323º, n.º 4 e 321º do CPC). Neste sentido, veja-se o Acórdão do TRC, de 15/05/2007, Proc. 6600/04.2TBLRA-A.C1, em que se pondera: “Os incidentes processuais da intervenção principal e da intervenção acessória são inconciliáveis, em termos de um excluir sempre o outro. Na base da configuração da intervenção acessória provocada está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexa com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor”. Naturalmente que atento o princípio da estabilidade da instância e, bem assim do escopo prosseguido pelos incidentes da intervenção de terceiros, que como dito, no caso de intervenção principal, no caso de deferimento do incidente, este tem por consequência jurídica a assunção pelo interveniente principal do estatuto de “parte”, de modo que admitida a intervenção principal, a sentença que aprecie o mérito da causa conhece da relação jurídica da titularidade do chamado e constitui quanto a ele caso julgado (art. 320º do CPC), a intervenção principal, seja espontânea ou provocada, e seja pelo lado ativo ou passivo (assim, como o próprio incidente de intervenção acessória), encontra-se sujeita a requisitos legais rígidos para que seja admitido. No âmbito do incidente da intervenção principal provocada, que é o incidente sobre que versam os presentes autos, conforme decorre do disposto no art.º 316º do CPC, a intervenção principal provocada encontra-se circunscrita à figura do litisconsórcio. A este propósito incumbe precisar que se verifica uma relação litisconsorcial quando se está perante uma única relação jurídica envolvendo vários sujeitos, que são partes dessa relação jurídica. Quando essa concreta relação jurídica está em discussão, nuns casos exige-se a intervenção de todos os sujeitos dessa relação jurídica para que esta possa ser discutida (caso em que o litisconsórcio se diz necessário) e noutros casos basta um dos sujeitos para que essa relação possa ser discutida na ação (caso em que o litisconsórcio se diz voluntário). Logo, para que exista uma relação litisconsorcial é necessário que numa determinada ação judicial esteja em discussão uma única relação jurídica com vários sujeitos, por exemplo, o direito de propriedade sobre determinado prédio, de que são comproprietários vários sujeitos, ou o exercício do poder paternal sobre um determinado menor, que é detido por ambos os progenitores, etc. No litisconsórcio voluntário, todos os titulares da relação jurídica unitária podem demandar ou ser demandados, não se verificando, portanto, qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo (art. 32º do CPC). Mas quando o litisconsórcio seja necessário, todos os titulares dessa relação jurídica têm de demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade- cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 152. A obrigatoriedade de todos os titulares da relação jurídica terem de demandar ou serem demandados na ação judicial que tenha por objeto essa relação jurídica e, portanto, o litisconsórcio necessário, pode ser imposto por lei, por contrato ou resultar da própria natureza da relação jurídica, a qual exige a intervenção de todos os sujeitos titulares da relação jurídica, sob pena de a decisão judicial que sobre ela venha a recair não produzir o seu efeito útil normal, impedindo uma composição definitiva entre as partes da causa (art.º 33º do CPC), como acontece com a ação de divisão de coisa comum em que só a intervenção de todos os interessados pode compor definitivamente a situação entre todos os comproprietários, porque qualquer divisão realizada entre apenas alguns deles é necessariamente incompatível com uma nova divisão entre quaisquer outros; ou da ação de anulação do testamento, em que a sentença a proferir só produz o seu efeito útil normal com a intervenção de todos os interessados, isto é, de todos os herdeiros e legatários do testador, porque só essa participação comum assegura uma decisão uniforme entre eles, ou da ação da decisão de prestação de contas, que tem de ser proposta por todos os interessados, porque a falta de qualquer deles pode impedir que a decisão a proferir seja definitiva, ou ainda da ação de reivindicação de uma fração autónoma de um imóvel em propriedade horizontal, com fundamento na sua ocupação, como parte comum, pelos condóminos, que tem de ser proposta contra todos os condóminos- cfr. Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 156 a 164.. Como dito, no âmbito do processo civil, o incidente da intervenção principal provocada (o mesmo acontecendo, aliás, no incidente da intervenção espontânea – art. 311º do CPC), encontra-se circunscrito à figura do litisconsórcio, o que significa que o interveniente, que é chamado para assumir a posição jurídica de parte na ação que se encontra pendente, tem de ser titular da relação jurídica que está a ser discutida nessa concreta ação. No entanto, quanto ao autor, este apenas pode deduzir incidente de intervenção principal provocada de terceiro para este passar a assumir igualmente a posição jurídica de autor, conjuntamente com ele, em caso de preterição de litisconsórcio necessário (n.º 1 do art. 316º do CPC), ou seja, quando a lei, o contrato ou a própria natureza da relação jurídica exija que a ação seja instaurada por todos os sujeitos da relação jurídica material controvertida que está a ser discutida naquela concreta ação, sob pena da falta de um deles determinar a ilegitimidade ativa do autor que a intentou sozinho. Em caso de litisconsórcio voluntário, o autor apenas pode recorrer ao incidente da intervenção principal provocada, quando tenha intentado a ação contra determinado sujeito ou sujeitos (réu ou réus) e perante a defesa por estes apresentada, fique numa situação de fundada dúvida sobre quem é o verdadeiro sujeito da relação jurídica controvertida, como acontece, por exemplo, quando o autor instaure uma ação de constituição legal de passagem em beneficio do prédio de que é proprietário, onerando o prédio de terceiro, que pensa ser propriedade da pessoa ou pessoas que demandou, e estas vêm alegar que esse prédio não é sua propriedade, mas antes propriedade de um terceiro, e perante essa defesa, o autor fique numa situação de fundada dúvida sobre quem é o real e verdadeiro proprietário do prédio que pretende ver onerado com a servidão de passagem que pretende ver constituída e, salvaguardando-se da possibilidade desse prédio ser efetivamente propriedade desse terceiro, pretende dirigir, a título subsidiário, o pedido da constituição da servidão legal contra esse terceiro, nos termos do art. 39º, caso em que pode fazê-lo intervir, mediante o competente incidente da intervenção principal provocada, requerendo a intervenção desse terceiro e deduzindo contra este o pedido que formulou contra o réu ou réus que demandou, a título subsidiário (n.º 2 do art. 316º do CPC). Fora deste caso previsto no n.º 2 do art.º 316º do CPC, no caso de litisconsórcio voluntário, em que, portanto, a relação jurídica em discussão nos autos, tem vários titulares do lado ativo ou passivo, designadamente vários credores ou vários devedores, mas em que a lei, o contrato ou a natureza dessa concreta relação jurídica controvertida em discussão na ação que se encontra pendente, não exige que o direito seja exercido por todos os credores ou contra todos os devedores, o autor que assumindo-se como um dos credores, optou por intentar a ação sozinho, isto é, desacompanhado dos restantes credores, não pode, posteriormente, requerer a intervenção principal provocada dos restantes credores, para estes passarem a figurar, conjuntamente consigo, na ação, assumindo a posição de autores, ou tendo optado por apenas demandar um dos condevedores, não pode depois, mediante o incidente da intervenção principal provocada, pretender que os restantes, também seus condevedores, sejam chamados à ação para assumirem a posição de réus, ao lado do réu contra quem intentou a ação. Já quanto aos réus, em caso de preterição de litisconsórcio necessário, estes podem deduzir o incidente de intervenção principal provocada contra o terceiro ou terceiros, titulares da relação jurídica controvertida em discussão na concreta ação que se encontra pendente e que contra eles foi intentada, mas em que por lei, por contrato ou atenta a própria natureza dessa relação jurídica, exige-se a intervenção de todos como autores (litisconsórcio necessário do lado ativo) ou como réus (litisconsórcio do lado passivo) para, respetivamente, assegurar a legitimidade ativa do autor que intentou essa concreta ação, ou a legitimidade passiva do réu ou réus contra quem essa ação foi instaurada (n.º 1 do art. 316º do CPC).No caso de litisconsórcio voluntário, os réus apenas podem requerer a intervenção principal provocada de qualquer sujeito da relação material controvertida em discussão na concreta ação que contra eles foi instaurada, quando esses terceiros sejam igualmente sujeitos passivos dessa relação jurídica controvertida em discussão na ação e quando, acrescidamente, mostrem ter interesse atendível em chamar esse terceiro ou terceiros para que estes também assumam a posição de réus na ação pendente (al. a), do n.º 3 do art.º 316º do CPC) ou quando pretendam provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (al. b), do n.º 3 do art. 316º do CPC). Logo, no caso de preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, qualquer das partes (autor ou réu) podem lançar mão do incidente da intervenção principal provocada para fazer intervir os terceiros, que figuram na relação jurídica material controvertida que está a ser discutida na ação pendente, como titulares ativos dessa relação material e que, portanto, têm de figurar na ação como autores, a fim de suprir a ilegitimidade ativa do autor ou autores que intentaram a ação desacompanhado do terceiro, ou para provocar a intervenção provocada de terceiros, titulares da relação jurídica material controvertida do lado passivo, para suprir a ilegitimidade passiva do réu ou dos réus contra quem a ação foi instaurada, desacompanhado desses terceiros. Assim, conforme se tem ponderado, nos casos de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, o incidente da intervenção principal provocada constitui o mecanismo processual que permite superar a ilegitimidade ativa ou passiva. Nos casos de litisconsórcio voluntário, porque a lei, o contrato ou a própria natureza da relação jurídica material que está a ser discutida na concreta ação que o autor intentou contra determinado réu, apesar dessa relação ter vários sujeitos do lado ativo e/ou do lado passivo, não exige a intervenção de todos os sujeitos que figuram na relação jurídica do lado ativo, sequer a intervenção de todos os sujeitos que nela figuram do lado passivo, podendo apenas um dos sujeitos intentar a ação contra um dos sujeitos ou contra todos os sujeitos que figuram como titulares dessa relação jurídica do lado passivo, compreende-se que a Lei seja extremamente limitadora na admissibilidade do incidente da intervenção principal, apenas admitindo que o autor recorra a esse incidente exclusivamente na hipótese prevista no n.º 2 do art. 316º, e que os réus apenas possam recorrer ao incidente em causa nas duas situações previstas taxativamente no n.º 3 desse mesmo art. 316º. Reafirma-se, o incidente da intervenção tem por escopo chamar novas partes (autores ou réus) ao processo para que este siga os seus termos legais com essas novas partes e as partes primitivas. A intervenção principal pressupõe, portanto, que exista sempre e necessariamente uma relação litisconsorcial, isto é, que a relação jurídica material controvertida que está a ser discutida na concreta ação que se encontra pendente, tem de ter vários sujeitos do lado ativo e/ou do lado passivo, destinando-se precisamente o incidente da intervenção principal provocada a chamar esses terceiros, que não figuram como autores ou como réus na ação, para que os mesmos passem a deter essa qualidade jurídica de autores ou de réus, ou seja, de partes, na concreta ação que se encontra pendente, ao lado de quem nela figura como autor ou como réu (isto é, das partes primitivas). Logo, o incidente da intervenção principal não tem por escopo operar, nem sequer opera, a substituição das partes primitivas pelas novas partes. Quanto ao réu, este apenas pode requerer a intervenção principal provocada de terceiros, para intervirem como réus, ao lado de si, no caso de preterição de litisconsórcio necessário passivo ou, tratando-se de litisconsórcio voluntário passivo, nos casos exclusivamente previstos no n.º 3 do art.º 316º, mas nunca para que esses terceiros o substituam na posição de réu . Com interesse veja-se Salvador da Costa - in ob. cit., págs. 73- em que escreve que o escopo da intervenção principal espontânea: “é essencialmente o de associar novas partes às primitivas, e não o de operar a exclusão das últimas por via de substituição”, acrescentando, a fls. 74”: “A intervenção principal provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, de terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária, sobretudo em situações de litisconsórcio. Não tem, porém, a virtualidade de servir para o réu se fazer substituir na ação pela pessoa que julga ser o sujeito passivo da relação jurídica material invocada pelo autor. Destina-se, pois, essencialmente a chamar à ação terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, em quadro de relações de litisconsórcio” ( negrito nosso). Posto isto, no âmbito das ações administrativas, os incidentes da intervenção de terceiros, encontram-se previstos no n.º 10 do artigo 10º do CPTA, onde se estatui que: “Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra uma entidade pública exija a colaboração de outra ou outras entidades, cabe à entidade demandada promover a respetiva intervenção no processo”. Conforme ponderam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, a primeira parte do n.º 10, admite a aplicação subsidiária de qualquer das formas de intervenção e terceiros previstas nos artigos. 311º e segs. do CPC. (…). Por outro lado, o n.º 10, interpretado em conjugação com o n.º 9, igualmente autoriza a que o incidente de intervenção de terceiros possa ser utilizado em relação a sujeitos privados que devam intervir na posição de demandados, desde que se encontrem preenchidos os correspondentes requisitos de legitimidade. De facto, (…) o n.º 9 admite que sejam demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares, o que permite configurar situações de litisconsórcio voluntário passivo entre entidades públicas e interessados particulares quando a relação material controvertida lhes diga respeito, tendo então plena aplicação o disposto no art.º 31º do CPC. A questão coloca-se nos mesmos termos em relação à intervenção de terceiros, na modalidade de intervenção principal. O interveniente principal faz valer, em relação ao objeto da causa, um direito próprio, paralelo ao do réu de modo que poderia constituir ab initio, com uma das partes, um litisconsórcio necessário voluntário ou necessário. A intervenção origina, assim, um litisconsórcio sucessivo, que necessariamente terá de obedecer aos mesmos pressupostos processuais do litisconsórcio necessário: num caso, a intervenção processual do sujeito processual é requerida, logo na petição inicial, na qualidade de litisconsorte enquanto que, no outro, o chamamento do particular surge na pendência da ação. Deste modo, se a ação poderia ser originariamente proposta contra uma entidade pública e um sujeito privado, por aplicação das regras do litisconsórcio voluntário, nada obsta a que a intervenção do interessado particular venha a ser suscitada, espontaneamente ou por iniciativa do primitivo réu, no decurso do processo. É o que resulta com linear clareza no art. 311º, que estabelece que, “estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir aquele que, em relação ao objeto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos arts. 32º, 33º e 34º. Ou seja, verificando-se os requisitos do litisconsórcio voluntário ou do litisconsórcio necessário passivo, a que se referem estes preceitos da lei processual civil, aquele que pudesse figurar desde o início como sujeito passivo também pode intervir no processo como associado do réu, seja a título de intervenção espontânea (situação versada no art. 311º do CPC), seja a título de intervenção provocada (hipótese prevista no art. 316º do CPC)”- cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 122 e 123. E ainda, Ac. do TCAN de 22/06/2006, Proc. n.º 214/04; de 12/01/2006, Proc. 769/05. No mesmo sentido veja-se o Ac. do TCAS de 12/04/2007, Proc. 2344/07, em que se considera que o art. 10º, n.º 8, na versão originária do CPTA, a que corresponde o atual n.º 10, veio tornar admissível no contencioso administrativo, por aplicação subsidiária, as diversas formas de intervenção de terceiros dos arts. 311º e segs. do CPC. - destacado nosso. Destarte, resulta do que se vem dizendo, que no âmbito do contencioso administrativo, na sequência do n.º 10 do artigo 10º do CPTA passaram a ser admitidos, por aplicação subsidiária do CPC, todas as formas de intervenção de terceiros, incluindo a intervenção principal provocada, contanto que se encontrem preenchidos os requisitos legais previstos para os incidentes de intervenção em causa na lei processual civil. Quanto ao incidente da intervenção principal provocada, os requisitos legais fixados para a admissão deste incidente encontram-se elencados no artigo 316º do CPC e já foram acima enunciados e analisados. Acresce que por força do disposto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 10º do CPTA, contanto que se encontrem preenchidos os requisitos legais fixados na lei processual civil para a admissibilidade do incidente da intervenção principal provocada, não constitui óbice a essa intervenção a circunstância de o interveniente ser um particular, uma vez que o n.º 9 prevê expressamente que os particulares podem ser demandados nos tribunais administrativos, no âmbito de relações jurídico administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares, pelo que quando a relação jurídica controvertida que está a ser discutida na concreta ação pendente, desde que o particular seja parte/sujeito dessa relação jurídica material controvertida e esta seja uma relação jurídica administrativa, nada obsta à sua intervenção principal provocada. Como dito, o incidente da intervenção, seja espontânea, seja provocada, reclama e, portanto, apenas é legalmente admissível quando se esteja perante um relação litisconsorcial, isto é que a relação jurídica material controvertida, delineada pelo autor na petição inicial, e em discussão na concreta ação que se encontra pendente (em que é deduzido o incidente) tenha vários sujeitos do lado ativo e/ou do lado passivo e se pretenda, mediante o incidente, fazer com que esses terceiros, que não figuram como autores ou como réus primitivos nessa ação, sejam a ela chamados, a fim de nela passarem a intervir como autores ou como réus, conjuntamente, respetivamente, com os autores ou os réus originários (parte primitivas dessa ação pendente). Quanto ao incidente da intervenção principal provocada, quando a lei, o contrato ou a própria natureza da relação litisconsorcial exija a intervenção da todos os sujeitos dessa relação do lado ativo para poderem demandar, ou a intervenção de todos os sujeitos passivos dessa relação, a fim de serem demandados, em que, por conseguinte, se afirma, respetivamente, uma relação litisconsorcial necessário do lado ativo (exigindo-se que a ação seja intentada por todos os titulares ativos dessa relação unitária, sob pena de ilegitimidade do autor que intentou a ação) ou uma relação litisconsorcial necessária do lado passivo (que exige que a ação seja instaurada contra todos os titulares passivos/devedores dessa relação unitária, sob pena de ilegitimidade dos réus contra quem a ação foi intentada), o n.º 1 do art. 316º do CPC., admite que qualquer das partes primitivas, ou seja, autor(es) ou réu(s) primitivos da ação pendente, possam deduzir incidente da intervenção principal, requerendo a intervenção dos terceiros, que não figuram na ação como autores (mas que nela tinham obrigatoriamente de figurar como autores), ou que nela não figuram como réus (mas que tinham de figurar nela como tal), a fim de assumirem essa qualidade de autores ou de réus, seguindo a ação com os mesmos e com as partes primitivas dessa ação, assim se suprindo a ilegitimidade ativa ou passiva antes verificada. Já se tratando de litisconsórcio voluntário, os réus apenas podem deduzir o incidente da intervenção principal provocada de terceiros, que figurem como titulares passivos (devedores) da relação jurídica material delineada pelo autor na petição inicial, a fim destes assumirem, conjuntamente com eles (réus primitivos na ação pendente), a posição de réus, nas situações enunciadas no n.º 3 do art. 316º do CPC. Ora, na situação em análise a 1.ª Instância não admitiu a intervenção principal provocada da [SCom01...], por considerar não se estar perante uma situação litisconsorcial necessário ou voluntário, escrevendo-se no despacho recorrido que « em nenhum momento, seja na petição inicial, seja no pedido de incidente de terceiros, pode, pois, vislumbrar-se a existência de uma situação de litisconsórcio nos termos exigidos pelo legislador» e « por isso que não pode ser admitida a Intervenção principal provocada requerida, pois não se insere em nenhumas das hipóteses do artigo 316.º. do CPC». A admissão da [SCom01...] como interveniente principal exige o reconhecimento de que a relação jurídica material controvertida delineada pela autora, na petição inicial, e em discussão nos presentes autos, em que pretende ser ressarcida pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de ato médico realizado no Hospital ..., por alegada violação das leges artis a que os seus profissionais se encontravam obrigados quando exerciam essa sua atividade profissional no Hospital (...), integrado no Serviço Nacional de Saúde, com fundamento no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, é única e tem como sujeitos passivos o Réu (primitivo), mas também a interveniente [SCom01...] ( que geria aquele Hospital), a qual, com o deferimento do incidente em causa, adquiriria o estatuto processual de Ré (isto é, de “parte”) na presente ação. Acontece que, como dissemos, o réu apenas pode requerer a intervenção principal provocada de terceiros, para intervirem como réus, ao lado de si, no caso de preterição de litisconsórcio necessário passivo ou, tratando-se de litisconsórcio voluntário passivo, nos casos exclusivamente previstos no n.º 3 do artigo 316º do CPC, mas nunca para que esses terceiros o substituam na posição de réu. No caso, a intervenção principal provocada da [SCom01...], requerida pelo Réu/Apelante tem como escopo essencial, não o de associar à ação um novo réu, mas antes o de fazer substituir-se na ação pela pessoa que o mesmo julga ser o sujeito passivo da relação jurídica material invocada pelo autor. Nas conclusões de recurso a Apelante afirma expressamente resultar da consideração do “Contrato de Gestão do Hospital ...”, do Decreto-Lei 75/2019 de 30 de maio, bem como do Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar, a [SCom01...], S.A., que a [SCom01...] ( pretendida Interveniente) assumiu as obrigações e responsabilidades inerentes às atividades que constituem o objeto do Contrato, durante a execução do mesmo em regime de parceria público-privada o que aconteceu no período de 9 de fevereiro de 2009 a 31 de agosto de 2019, pelo que, o ressarcimento de eventual lesado/a, nomeadamente em consequência de ato médico ou omissão praticado por profissionais médicos no estabelecimento hospitalar – Hospital ... – no período de 9 de fevereiro de 2009 a 31 de agosto de 2019, será da responsabilidade da [SCom01...], S. A., razão pela qual foi requerida a Intervenção Principal da mesma. Assim sendo, destinando-se a intervenção principal provocada , essencialmente a chamar à ação terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, em quadro de relações de litisconsórcio, bem andou a 1.ª Instância em decidir pela não admissão da intervenção principal provocada da [SCom01...]. Termos em que se impõe julgar improcedente o recurso interposto contra o despacho recorrido no segmento analisado. b.2. do erro de julgamento quanto à decisão que indeferiu a intervenção principal provocada das médicas «BB», «CC» e «DD». O Tribunal a quo julgou ser inadmissível a intervenção principal requerida das referidas médicas, ao abrigo do artigo 316.º, n.º 3 do CPC. O Apelante discorda da decisão proferida, pelas razões que aduz nas conclusões de recurso que formulou essencialmente sob as alíneas AI) a AS) das alegações de recurso. Aí começa por observar que as médicas «BB», «CC» e «DD», são as médicas em relação ás quais a Autora refere que “não agiram diligentemente e não seguiram as legis artis, quer na cirurgia inicial, quer posteriormente e até então.” Seguidamente refere que a Autora alegou na petição inicial, entre outros artigos, o seguinte: (i) Artigo 290º: “A conduta da Ré e dos seus trabalhadores consubstancia a prática de crimes por ofensa à integridade física negligente, prevista e punida pelo artigo 148º, nº 1 e 3, do Código Penal, bem como do crime de intervenções e tratamentos médico- cirúrgicos, 150º, nºs 1 e 2, do código Penal, ambos puníveis com pena de prisão até dois anos”; (ii) Artigo 356º: “...houve efetiva e comprovada culpa de quem assistiu medicamente a Autora, dada a objetiva desconformidade entre os atos médicos praticados (e as condições em que o foram) e as legis artis correspondendo o ato ilícito e culposo daí derivado ao cumprimento defeituoso da prestação pelo que opera a presunção da culpa a que alude o nº 1 do artigo 799ºdo Código Civil.”; (iii) Artigo 362º: A conduta da Ré e dos seus trabalhadores não pode deixar de ser considerada ilícita e culposa ou pelo menos negligente.” E entende que, pela forma como estão configurados os factos alegados pela Autora na petição inicial, aquelas médicas são responsáveis civilmente pelas suas ações ou omissões na assistência que prestaram à Autora, o que legitima, também, o seu chamamento. Quid iuris? Desde já se adianta que não assiste nenhuma razão ao Apelante, tendo a 1.ª Instância decidido de forma irrepreensível o referido incidente, razão pela qual a referida decisão se deve manter invicta. Para melhor compreensão, procedemos à transcrição da decisão recorrida, que assentou na seguinte fundamentação: «(…) Decorre do disposto no artigo 10.º, n.º 9 do CPTA que, no contencioso administrativo, «[p]odem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares». O campo de aplicação do artigo 10.º, n.º 9 do CPTA dirige-se àquelas situações em que, conforme vem enunciado no artigo 4.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, as entidades públicas devem ser conjuntamente demandadas com particulares, por entre ambos existir um vínculo jurídico de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos, ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade. Esta disposição normativa abrange, designadamente, aquelas situações em que, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 2 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e de demais Entidades Públicas (“RRCEE”), entre o Estado e os titulares de órgãos ou de outros servidores públicos a quem seja imputada a prática de um ato danoso, quando estes atuem com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo, o Estado seja titular de um direito de regresso contra o titular de órgão, funcionário ou agente que tenha praticado o facto ilícito, em razão de se ter antecipado na satisfação da pretensão indemnizatória do lesado. Com efeito postulam os artigos 7.º, n.º 1 e 8.º, n.ºs 1 e 2 do RRCEE, o seguinte: Artigo 7.º Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de direito público 1 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício. (...) Artigo 8.º Responsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave 1 - Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo. 2 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício. (...) No caso, o Réu chama a intervir nos autos as suas funcionárias, médicas, porque a Autora imputa a estas médicas a violação das legis artis, pelo que, poderão ser responsáveis civilmente pelas suas ações ou omissões na assistência que prestaram à Autora. Sucede que, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1 e 8.º do RRCEE, a graduação da culpa tem reflexo jurídico na definição sobre se a ação poderá ser dirigida apenas contra a Administração ou também contra o funcionário a quem seja imputada a prática do ato lesivo. Só quando se invoque o dolo ou culpa grave é que o autor poderá satisfazer o seu crédito acionando individualmente a Administração ou o agente diretamente responsável ou ambos conjuntamente, segundo o regime da solidariedade passiva. Compulsada a petição inicial, verifica-se que o ali alegado permite-nos concluir que a Autora considera que a atuação das médicas foi pautada por uma diligência/zelo manifestamente inferiores àquele a que se encontrava obrigada, mas não nos permite concluir que esta lhe esteja a imputar qualquer atuação intencional. Não tendo o Autor alegado factos demonstrativos da existência de negligência grave ou dolo, apenas tendo carreado factos passíveis de concluir pela existência de uma culpa leve, não poderão as aqui chamadas intervir na causa como Rés, pois são destituídas da necessária legitimidade processual. Pelo que, não será de admitir a intervenção principal requerida, ao abrigo do artigo 316.º, n.º 3 do CPC.» Não podemos estar mais de acordo. Decorre do disposto no artigo 7.º n.º 1 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RCEEP), aprovado pela lei n.º 67/2007, de 31/12, que: «O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício». Outrossim, estabelece o artigo 8.º, n.º 1 do RCEEP que «Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo» e o n.º 2 que «O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício». Daqui resulta que a ação proposta contra o Estado ou pessoa coletiva pública para efetivação de responsabilidade civil por facto ilícito praticado por agente seu, no exercício das suas funções e por causa dele, só pode ser dirigida contra este último quando as lesões que deram origem aos prejuízos peticionados tiverem sido provocadas com dolo. O mesmo é dizer que a responsabilização dos réus médicos se encontra limitada aos casos de dolo ou culpa grave. Tratando-se de negligência/culpa leve, o ressarcimento de tais danos só poderá ser exigido ao Estado, ou a pessoa coletiva pública que responda direta e exclusivamente perante o lesado, pelos danos resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos, funcionários ou agentes. No caso, os referidos médicos só poderiam ser demandados se a Autora tivesse alegado que os mesmos agiram com dolo, ou negligência grave, o que, como resulta da petição inicial, máxime, dos artigos indicados pelo Apelante, contrariamente ao afirmado por este, não foi feito. De facto, coligida a petição inicial, verifica-se que a Autora não imputa aos médicos indicados nenhuma comportamento doloso, mas apenas uma atuação negligente, a omissão de zelo e cuidados exigíveis pelo não cumprimento das leges artis, mas nunca refere que esse comportamento foi doloso ou com uma diligência e zelo manifestamente inferiores ao que era exigível. Em parte alguma da petição inicial vem dito que os médicos agiram com dolo ou negligência/culpa grave, nem tal resulta da factualidade alegada. Não tendo sido alegados pela Autora quaisquer factos que, quando provados, pudessem conduzir à conclusão de que os mesmos atuaram com dolo ou culpa grave, nunca os mesmos poderiam ser demandados, por não poderem ser objeto de condenação. Como bem conclui a 1.ª Instância só quando se invoque o dolo ou culpa grave é que o autor poderá satisfazer o seu crédito acionando individualmente a Administração ou o agente diretamente responsável ou ambos conjuntamente, segundo o regime da solidariedade passiva. Assim sendo, não tendo a Autora alegado factos demonstrativos da existência de negligência grave ou dolo, apenas tendo carreado factos passíveis de concluir pela existência de uma culpa leve, bem andou a 1.ª Instância ao decidir que não poderão as aqui chamadas intervir na causa como Rés, pois são destituídas da necessária legitimidade processual. Termos em que se impõe julgar improcedente o recurso interposto. ** IV-DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam, com a presente fundamentação, a decisão recorrida. * Custas pela Apelante ( art.º 527, n.ºs 1 e 2 do CPC) * Notifique. * Porto, 21 de abril de 2023 Helena Ribeiro Nuno Coutinho Ricardo de Oliveira e Sousa |