Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01680/06.9BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/24/2017
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:GERÊNCIA EFETIVA
Sumário:1. A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributo
2. Para se concluir pela existência de responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias por parte de administradores ou gerentes, não bastará demonstrar a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. Exige-se a demonstração de que os mesmos a exerceram efectivamente ou de facto.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O EXMO. REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou procedente a oposição deduzida por J... contra a reversão da execução instaurada contra a sociedade “Indústria… Lda.” dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões:

Em conclusão:
a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a oposição à execução fiscal em referência, com a consequente extinção do processo de execução fiscal n.º 2585200701002520 e apensos relativamente ao oponente.

b) O aludido processo executivo e seus apensos correm termos no Serviço de Finanças de Nelas para cobrança de dívidas tributárias temporalmente situadas no período de 2000 a 2002, respeitando a IRC e a IVA, cifrando-se em € 164.636,45 o montante da dívida.

c) Considerou-se na sentença sob recurso que “…a Fazenda Pública não logrou demonstrar que o Opoente, haja exercido, de facto as funções de gerência, da sociedade executada, conforme resulta do probatório. Sendo pressuposto da responsabilidade subsidiária a prática de atos em nome e por conta da sociedade devedora originária por parte do Oponente, que a Fazenda Pública não logrou provar, dúvidas não restam de que o Oponente não é pessoa legítima na reversão que contra ele foi determinada pela AT”.

d) A este respeito refere a douta sentença que “mesmo quanto ao contrato de arrendamento celebrado, nele encontram-se apostas as assinaturas das pessoas que pelo contrato de sociedade obrigam a sociedade devedora originária, sem que daí se possa concluir que, efetivamente, o Oponente exerceu a gerência, de facto dessa devedora”.

e) Consta, ainda, da decisão que “resulta mesmo da experiência comum que muitas das vezes um dos intervenientes com a assinatura não é mais do que a conferência de forma legal ao documento, como é, por certo, no presente caso”. A despeito do mesmo contrato, afirma o decisor que “no que tange à assinatura, por parte do Oponente de um contrato de arrendamento, de forma isolada, julgamos que tal facto é manifestamente insuficiente para se concluir que o Oponente exerceu efetivamente a gerência de facto da sociedade”.

f) Na Fundamentação de Direito refere-se que “por outro lado, a prova produzida nestes autos aponta no sentido que o Oponente, no período de 2000 a 2002, era agricultor dedicando-se à criação e venda de ovinos, vendendo leite e, por vezes, queijo. Note-se que, como resultou do depoimento da testemunha, F…, a ovinicultura exige um horário de trabalho alargado, podendo a jornada iniciar-se às 05h00 e terminar à noite”.

g) Da Motivação da matéria de facto consta, entre o mais, que “para a formação da convicção do Tribunal, também contribuíram os depoimentos das testemunhas ouvidas na inquirição”. Afirmando-se adiante que “relativamente ao depoimento das testemunhas José… e M…, funcionários do Serviço de Finanças de Nelas, julgamos que a eventual deslocação do Oponente ao Serviço de Finanças para tratar de assuntos da executada bem como a sua presença na sede da sociedade, só por si, são manifestamente insuficientes para provar a existência da gerência de facto, por parte do Oponente”.

h) Ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que, da factualidade e provas existentes nos autos e bem assim do direito ao caso especificamente aplicável, não se poderá extrair a conclusão que a sentença retira.

i) Previamente, cumpre referir, com a devida vénia, que o Tribunal a quo explica, aliás com particular justeza e oportunidade, o que são atos típicos de gerência e releva bem a importância da vinculação societária perante terceiros, naquilo que são materiais e representativas demonstrações da atuação de uma pessoa coletiva no comércio jurídico, nas relações que estabelece com as entidades que em torno dela gravitam.

j) No entanto, e com a ressalva do devido respeito, a sentença em apreço aplica de forma incorreta à concreta situação dos autos os sapientes ensinamentos da jurisprudência e da ciência jurídica que convoca.

k) Afigura-se-nos absolutamente incompreensível, que, existindo um instrumento jurídico válido, no caso um contrato de arrendamento assinado pelo oponente em representação da devedora originária, ainda por cima, outorgado em momento coincidente com o das dívidas executivas, se possa ajuizar que esse documento não permite concluir o exercício da gerência de facto. Trata-se, há que reconhecê-lo, de um entendimento inédito.

l) Em face do juízo do julgador, somos ainda levados a concluir que a assinatura de qualquer documento ou instrumento negocial, se subsume na prática de um ato revelador da gerência de direito, o que não se concebe. Nem tão pouco se compreende a que regras da experiência comum se refere o Tribunal quando afirma que muitas das vezes um dos intervenientes com a assinatura não é mais do que a conferência de forma legal ao documento. Com o devido respeito, além de não ter qualquer adesão à realidade negocial da vida societária, esta conclusão afigura-se-nos completamente desacertada.

m) Ora, tratando-se, como é o caso, de um instrumento jurídico válido do qual emergem obrigações e direitos para os contratantes, este ato configura o exercício de uma operação externa e vinculativa de representação da pessoa coletiva, enquadrável na noção de gerência de facto da sociedade.

n) A base instrutória encontra-se incorretamente elaborada, na medida em que dela não consta qualquer referência aos documentos oportunamente juntos aos autos pela Fazenda Pública, passíveis de insofismavelmente demonstrar o exercício da gerência de facto pelo oponente, sendo estes documentos de 2003 e, o último, de 2004, e em todos se encontrando aposta a assinatura do oponente, que, na qualidade em que se achava investido, representou para todos os legais efeitos a sociedade que geriu.

o) Assim sendo, não é legítimo nem razoável considerar que no período de 2000 a 2002 o aqui oponente se dedicou em exclusivo à agricultura, pois que se assim tivesse acontecido, não teria certamente assinado, em representação da sociedade, os documentos que supra referimos e que contam do processado. É possível que o oponente tenha exercido a agricultura/criação de gado enquanto atividade complementar, mas não é sensato, em face dos documentos que vimos de referenciar, dar por assente que o oponente a exercia em regime de exclusividade.

p) Cabia ao decisor analisar de forma conjugada toda a prova produzida no processo e proceder à sua prudente e conjugada apreciação crítica, o que se nos apraz que não ocorreu.

q) Importa, com efeito, atentar no disposto no n.º 2 do art. 393º do CC, onde consta que “também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio de prova com força probatória plena”. Ora, já resultava documentalmente assegurado nos autos que o oponente havia desempenhado funções de gerente, pelo que, a bem dizer, nenhuma prova havia que ser produzida a esse propósito.

r) Não é dito nem se compreende quais as razões, ponderosas e justas, que levaram o julgador a desvalorizar o depoimento das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública, ou de não lhe ter dado valor suficiente, tanto mais que essas testemunhas tiveram conhecimento direto dos factos, são homens sérios e profissionais honrados e briosos, com larga experiência, espírito de missão e sentido de serviço público, contando ambos com um passado irrepreensível e que, além do mais, prestaram juramento legal.

s) Acresce que os depoimentos das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública caracterizam-se pela seriedade, coerência e credibilidade, sobretudo o de Manuel…, que, por ser bastante mais jovem e gozar de melhor saúde, foi especialmente escorreito, seguro e fluente, além de esclarecedor.

t) Consta dos autos prova documental de que o oponente exerceu em 2001, 2003 e 2004 a gerência de facto da originária devedora. A prova testemunhal permitiu ainda demonstrar que, entre 2000 e 2002, o oponente se deslocava ao Serviço de Finanças de Nelas para tratar assuntos da sociedade, intervindo, com efeito, em representação desta, apresentando-se munido de notas de cobrança enviadas pela AT à sociedade e procurando, junto dos funcionários, encontrar formas de melhor regularizar a situação, tendo-se ainda provado que, em diligências externas realizadas nas instalações da devedora, o oponente estava presente, inclusive em ato de constituição de penhora, da qual foi até nomeado fiel depositário.

u) Nesses contactos pessoais, quer no Serviço de Finanças, quer nas instalações da devedora originária, nunca o oponente se recusou a assinar a correspondência, nem invocou falta de legitimidade para representar a sociedade, nem tão pouco se negou ao exercício do cargo de fiel depositário. Também por estas razões se demonstra que a agricultura/ovinicultura a ser exercida, não o era, verdadeiramente, em regime de exclusividade, pelo que, alguma conclusão ou interpretação a sentença deveria ter retirado no tocante à credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente.

v) A sentença em apreço está, portanto, eivada de erro de julgamento, como também carece de razoabilidade, sendo ofensiva das regras da lógica e da experiência comum, pelo que também foi nitidamente violado o princípio da livre apreciação da prova consignado no n.º 5 do art. 607º do CPC.

w) Resulta dos documentos que integram o processado que o revertido desempenhou materialmente o cargo de gerente, tendo praticado ao longo do tempo um conjunto de atos em nome e em representação da sociedade, pelo que, ao contrário do que se consignou na sentença em crise, seria de concluir e considerar assente que o oponente exerceu de facto a gerência, porquanto praticou atos próprios e típicos da gerência relativamente ao período a que respeitam as dívidas fiscais que contra ele foram direcionadas.

x) Constam dos autos elementos que permitem apreender que o oponente praticou atos em representação da sociedade originária devedora, na medida em que, no plano material, nos deparamos com uma conduta é própria de um gerente, que age em nome e no interesse da sociedade, nomeadamente:

a. Deslocando-se aos Serviços da Administração Fiscal para se inteirar da situação e acordar a melhor forma de a solucionar;
b. Investindo-se como representante da sociedade nas suas instalações, designadamente perante a presença de funcionários do fisco que aí se deslocaram para constituição de penhora; e
c. Assinando notificações pessoais dirigidas à sociedade.

y) Pelo que é possível estabelecer um fio condutor temporalmente transversal no que concerne ao envolvimento do oponente na vida da sociedade, sendo que as ações acima apontadas reforçam a ideia do seu empenho e interesse na atividade da sociedade, factualidade que se afasta e destrói o argumento do alegado afastamento definitivo para a dedicação à agricultura/criação de gado, e consequente alheamento dos destinos societários.

z) Tendo a reversão sido efetivada nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, teria sido necessária a demonstração de que, enquanto gerente, não foi imputável a falta de pagamento ou de entrega do imposto.

aa) Apesar de estar onerado com o ónus da prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, certo é que o oponente não elidiu a presunção legal de culpa que sobre si impendia, pelo que, não tendo feito tal prova, essa circunstância não pode deixar de ser valorada contra o oponente.

bb) Mesmo que se invocasse, como causa da insuficiência patrimonial, o agravamento da situação económica da devedora originária, sempre se impunha ao gerente que demonstrasse que “…adoptou medidas no sentido de obviar ou, pelo menos, minorar, a previsível situação de insuficiência do património social, designadamente mediante a apresentação da sociedade à falência, em tempo útil, ou a processo de recuperação de empresas, por forma a permitir aos credores a cobrança dos seus créditos à custa do património social, sob pena de não se poder decidir, em processo de oposição à execução fiscal contra si revertida, que conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia” (Ac. TCASul de 23.04.2015, Proc. N.º 03249/09).

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida por outra em que se julgue o oponente parte legítima na execução e responsável pelo pagamento das dívidas fiscais exigíveis nos autos executivos que contra si reverteram, com as legais consequências, designadamente, condenando o oponente nas custas que forem devidas.

CONTRA ALEGAÇÕES.
1 - Resulta do artigo 24°, n.°1 da LGT que a responsabilidade é atribuída em função efectiva do cargo de administração/gerência e reporta ao período em que é exercida, posto que a responsabilização, a título subsidiário, dos administradores e gerentes não se basta com mera nomeação jurídica, impondo antes um exercício efectivo, e de facto, do cargo social, no período a que se reporta o pressuposto da responsabilização.
2 - Constitui jurisprudência assente que para integrar o conceito de tal administração de facto ou efectiva, à Administração Tributária cabe provar, para além dessa gerência/administração de direito assente na nomeação para o cargo, de que o mesmo gerente/administrador tenha praticado, em nome e por conta da pessoa colectiva, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-a com essa sua intervenção
3 - Vale isto para dizer que a gerência/administração de facto não se presume, sem mais, da gerência/administração de direito
4 - E que o exercício dos poderes de facto, deve ser inferido do global conjunto da prova que venha a ser recolhida, mediante o recurso às regras da experiência, recaindo sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que o gerente/administrador de direito, contra quem pretende reverter a execução fiscal, exerceu, de facto, tais funções.
5 - Sucede que a Administração Tributária nada provou. Aliás, não só nada provou como nada alegou
6 - E dificilmente o faria pois dos despachos que ordenaram a reversão e projecto de decisão que a precedeu não constam quaisquer “factos índice da gestão de facto”, limitando-se à indicação de elementos formais, como o decorrente do registo de matrícula da devedora originária e afins (fls. 55, 56 e 60)
7 - A fundamentação do despacho de reversão é igualmente omissa quanto à culpa do ora Oponente
8 - Mesmo tendo-se admitido, como se admitiu, a possibilidade de a Administração Tributária produzir prova adicional, já em sede de Oposição à Execução Fiscal, verificou-se que nos presentes autos, nenhuma prova foi feita por parte da Fazenda Pública tendente à demonstração e validação do pressuposto de facto em que se funda a reversão.
9 - Porquanto a existência de um contrato de arrendamento, alegadamente assinado pelo oponente, só por si, não se enquadra no apuramento do exercício de facto da gerência, nem pode, tão pouco, e desacompanhado de mais prova, ser considerada como uma forma indirecta desse exercício
10 - Até porque tal actuação, a ser verdadeira, sempre teria sido apenas um acto isolado
11 - Não sendo, todavia, lícito inferir da assinatura de um contrato (de arrendamento) a gerência de facto, quando o mesmo a nega
12 - Assim, não se encontrando demonstrada uma relação entre o opoente e a vida da sociedade que nos permita concluir que aquele, agiu com conhecimento da vida da sociedade, bem andou a sentença recorrida ao referir que tal, nunca seria mais do que dar forma legal ao documento,
13 - Não se verificando que exista contradição entre uma situação e outra
14 - Só o exercício, digamos, directo da gerência permite sustentar uma proximidade real com a vida da sociedade e só nele pode assentar a presunção de culpa e a responsabilidade subsidiária do gerente.
15 - O contrato de arrendamento supra não fornece pois uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.
16 - E a prova testemunhal oferecida pela Fazenda Nacional também não logrou convencer o Tribunal,
17 - O tribunal apreciou livremente as provas, decidindo segundo a sua (prudente) convicção acerca de cada facto, não descurando o ónus da prova
18 - Ainda que se entendesse que a Fazenda Pública houvesse produzido alguma prova, adiante-se que sempre o revertido logrou provar factos que suscitariam dúvida séria e fundada sobre o exercício efectivo da gerência, motivo pelo qual este sempre devia ser dado por não provado.
19 - Mas esta regra nem se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova, como foi o caso, e a falta de prova, ou a dúvida razoável, sobre o efetivo exercício da gerência, tem de ser valorada e julgada contra a parte sobre quem recai o respectivo ónus da prova, in casu, a Fazenda Pública 20 - O opoente alegou e provou a sua ilegitimidade, porquanto nunca exerceu a gerência da devedora originária
21 - No caso dos autos provou-se que no período de 2000 a 2006 o oponente, ora recorrido, dedicava-se à agricultura, criando e vendendo ovinos, vendendo leite e, por vezes queijo.
22 - Mais se provou que a Ovinicultura exige um horário de trabalho alargado, podendo a jornada iniciar-se às 5.30h e terminar à noite.
23 - Provou-se também que no período de 2000 a 2006 o oponente não contratava ou despedia trabalhadores, nem dava ordens ou instruções aos trabalhadores da Industria… Lda.
24 - Provado ficou ainda que no período de 2000 a 2006 quem contactava com clientes ou fornecedores da Industria… Lda. era D…
25 - E, bem assim, que as decisões relativas à empresa eram tomadas por este D…
26 - O exercício dos poderes de facto, resultou pois da análise crítica e conjugada da prova e inferiu-se do global conjunto da prova recolhida, mediante o recurso às regras da experiência, e juízos de normalidade, conforme Doutamente ficou decidido, por não se encontrar demonstrada qualquer relação entre o opoente e a vida da sociedade
27 - Assim, foi considerado não provado o exercício efectivo da gerência por parte do opoente, e provado esse exercício por parte apenas e só de D.., factualidade não suficientemente infirmada, pois, por nenhuma outra prova.
28 - O tribunal não produziu pois conclusão contrária, à prova produzida, inexistindo incongruência lógica, ou contrária aos princípios gerais da experiência comum, porquanto a valoração das provas produzidas apontam claramente no sentido do acolhido pela decisão.
29 - Não tendo logrado a Administração demonstrar o exercício, de facto, do cargo social para que o opoente havia sido nomeado, e que poderia permitir e legitimar a sua responsabilização,
30 - Tanto basta, e sem mais, para que se possa concluir pela ilegitimidade do opoente, por não se ter demonstrado um dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24°, n.°1 da LGT.
31 - Nesta conformidade, quanto à questão da culpa ou falta dela, igualmente invocada pela recorrida, não se tendo provado a gerência de facto por parte do opoente no período de pagamento das dívidas, ficou naturalmente prejudicado o seu conhecimento, e só isso pois ficou assente
32 - Pelo que, bem decidiu o Tribunal a quo, não estando a sentença em crise viciada de erro de julgamento ou violado o disposto em qualquer normativo legal
33 - Em situação idêntica à dos presentes autos, onde figuram as mesmas partes, reportando-se a IRC, Iva e coimas fiscais, dos mesmos e outros anos, pronunciou-se já o Tribunal Fiscal e Administrativo de Viseu, nos Processos N° 459/07.5BEVIS, 1769/08.0BEVIS, 748/07.9BEVIS, que mereceram igual decisão de ilegitimidade do oponente, com trânsito em julgado
Termos em que deve o presente recurso improceder, confirmando-se, integralmente, a douta sentença recorrida, e, deste modo, extinta a execução no que concerne às dívidas descritas nestes autos, como é de elementar Justiça


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença é (i) nula por falta de fundamentação da matéria de facto; (ii) e se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que a Fazenda Pública não logrou demonstrar que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Em 11.11.1996, no Cartório Notarial de Nelas, foi outorgada uma escritura de constituição de sociedade, com o seguinte teor:
CONSTITUÇÃO DE SOCIEDADE
PRIMEIRO: Jorge…, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com T…, natural da freguesia de Aguieira, concelho de Nelas, residente na localidade e freguesia de Canas de Senhorim, contribuinte 1…;
SEGUNDO – J..., casado sob o regime da comunhão de adquiridos com Maria…, natural e residente na localidade, freguesia e concelho de Nelas, contribuinte 1…;
TERCEIRO – D…, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com P…, natural e residente na mencionada localidade de Nela, contribuinte 1…;
QUARTO – F…, casado sob o regime da comunhão geral de bens com Maria…, natural da freguesia de S. Marcos do Campo, concelho de Reguengos de Monsaraz, residente na indicada vila de Nelas, contribuinte 1…
[…]
Pelos outorgantes foi dito que, pela presente escritura, constituem, entre si, uma SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, que se regerá nos termos constantes dos artigos seguintes:
---------------------------------------------PRIMEIRO------------------------------------------
A sociedade adopta a firma «INDÚSTRIA… LDA» e tem a sua sede na Rua Gago Coutinho, número 50, na localidade, freguesia e concelho de Nelas;
----------------------------------------------SEGUNDO-----------------------------------------
A SOCIEDADE TEM POR OBJECTO “FABRICAÇÃO DE PRODUTOS FORJADOS, ESTAMPADOS E LAMINADOS, INDUSTRIA E TRANSFORMAÇÃO METALÚRGICA DE FERRO”;------------------------------------
[…]
-----------------------------------------------QUARTO--------------------------------------------
A gerência da Sociedade, dispensada de caução, e com ou sem remuneração, conforme deliberado em Assembleia Geral, pertence aos sócios J... e D…, desde já nomeados gerentes.
PARÁGRAFO PRIMEIRO – Para qua a sociedade se considere validamente obrigada é necessária a assinatura conjunta de ambos os gerentes;
PARÁGRAFO SEGUNDO – Para actos de mero expediente, é suficiente a assinatura de qualquer dos gerentes.
[…]”- cfr. fls. 43 a 46 dos autos.
2. Da certidão do registo da Conservatória do Registo Comercial de Nelas, referente à Indústria… Lda. consta, entre o mais, o seguinte:
“Ap. 04/961126
FACTO REGISTADO: Contrato de sociedade
SEDE: Rua…, freguesia e concelho de Nelas
OBJECTO: Fabricação de produtos forjados, estampados e laminados, industria e transformação e metalúrgica de Ferro
CAPITAL: 500.000$00
QUOTAS E SÓCIOS: quatro quotas
1 – 50.000$00 – Jorge…, c.c. T…, na comunhão de adquiridos.
2 – 200.000$00 – J..., c.c. Maria…, na comunhão de adquiridos;
3 – 200.000$00 – D…, c.c. P…, na comunhão de adquiridos;
4 – 50.000$00 – F…, c.c. Maria…, na comunhão geral.
GERÊNCIA: Pertence aos sócios J... e D….
FORMA DE OBRIGAR: Assinaturas conjuntas dos dois gerentes, excepto nos casos de mero expediente que basta a assinatura de qualquer um dos gerentes.
[…]
FACTO REGISTADO: Transmissão de quotas
QUOTA: 50.000$00
CESSIONÁRIO: J...
CEDENTE: Francisco D…
[…] - cfr. fls. 44/45 dos autos.
3. Contra a Industria…, Lda., foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Nelas, o processo de execução fiscal n.º 2585200401002520 e apensos para cobrança de dívidas relativas a IVA e IRC de 2001 a 2002, no valor total de 164.636,45 €. - cfr. fls.72 dos autos.
4. Em 09/06/2006 foi proferido, pelo Chefe do Serviço de Finanças, o projeto de decisão de reversão, cujo teor se tem por reproduzido. – cfr. fls. 50/51 dos autos.
5. Em 13/07/2006, foi proferido o despacho de reversão contra o Oponente, cujo teor se tem por reproduzido. – cfr. fls. 72 dos autos.
6. Com data de 20/08/2001, a devedora originária, representada pelos seus sócios gerentes com poderes suficientes para o ato J... (Oponente) e D…, celebrou contrato de arrendamento de um prédio rústico – cfr. fls. 39 a 41 dos autos.
Mais se provou que:
7. No período de 2001 a 2002 o Oponente dedicava-se à agricultura, criando e vendendo ovinos, vendendo leite e, por vezes, queijo.
8. A ovinocultura exige um horário de trabalho alargado, podendo a jornada iniciar-se às 05h30 e terminar à noite.
9. No período de 2001 a 2002 o Oponente não contratava ou despedia trabalhadores, nem dava ordens ou instruções aos trabalhadores da Indústria…. Lda.
10. No período de 2001 a 2002 quem contactava com clientes ou fornecedores da Indústria…. Lda. era D….
11. As decisões relativas à Indústria…. Lda. eram tomadas por D….
3.2. Factos não provados:
Para além dos supra referidos, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos.
Para a formação da convicção do Tribunal, também contribuíram os depoimentos das testemunhas ouvidas na inquirição.
A testemunha Fernando…, industrial da construção civil, referiu que teve negócios com a sociedade devedora originária, tendo a sua empresa sido fornecedora e cliente da executada. Referiu que executou obras no pavilhão da sociedade. Afirmou perentoriamente que contactava sempre com o Sr. D…, que era ele quem negociava os contratos e se deslocava às obras. Referiu igualmente que era vizinho do pavilhão da executada e que nunca lá viu o Oponente, sendo certo que as pessoas perguntavam pelo Sr. D….
Também o Sr. Carlos…, sócio de empresa, a A… Lda., afirmou que a referida sociedade fez a eletrificação do pavilhão e também contratou à devedora originária trabalhos de serralharia tendo sempre negociado com o Sr. D….
A testemunha Mário…, Engenheiro Especialista Principal aposentado, referiu que o Oponente é agricultor tendo-se dedicado a criar ovelhas e, atualmente, pássaros. Referiu que acompanhava o Oponente profissionalmente deslocando-se à sua quinta 3 vezes por semana.
Relativamente ao depoimento das testemunhas José… e Manuel…, funcionários do Serviço de Finanças de Nelas, julgamos que a eventual deslocação do Oponente ao Serviço de Finanças para tratar de assuntos da executada bem como a sua presença na sede da sociedade, só por si, são manifestamente insuficientes para provar a existência da gerência de facto, por parte do Oponente.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
No SF de Nelas foi instaurado processo de execução fiscal contra a sociedade “Indústria… Lda.” para cobrança de dívidas de IVA e juros compensatórios dos anos de 2000 a 2002.
Verificada a insuficiência de património da devedora foi ordenada a reversão da execução contra J... por despacho de 13 de julho de 2006.
Citado para a execução, o oponente deduziu oposição. Alegou a falta de audição prévia, a falta de excussão do património da devedora originária e a sua ilegitimidade por não ter sido gerente da sociedade.
Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição por falta do exercício efetivo da gerência da devedora principal.
Não se conformando com o decidido, o Exmo. Representante da Fazenda Pública interpôs o presente recurso.
Os fundamentos do recurso reconduzem-se à nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de facto.
(i) O contrato de arrendamento prova a gerência de facto do oponente (ao contrário do decidido na douta sentença) – Conclusões K a M);
(ii) Para além disso, praticou actos em representação da devedora originária
-Deslocando-se aos Serviços da AT para se inteirar da situação e acordar a melhor forma de a solucionar;
- Investindo-se como representante da sociedade nas suas instalações, designadamente na presença de funcionários do fisco que aí se deslocaram para realização da penhora;
- Assinando notificações pessoais dirigidas à sociedade.
(iii) A Base Instrutória foi incorretamente elaborada; os depoimentos das testemunhas arroladas pela AT foram sérios e esclarecedores;


A nulidade da sentença (por falta de fundamentação da decisão de facto– alíneas P e R) é um vício de conhecimento prioritário uma vez que os vícios respeitantes à validade formal da sentença têm prioridade sobre os demais.

Esta questão foi já apreciada no âmbito do recurso n.º 1679/06.5BEVIS no qual o relator deste processo interveio como segundo adjunto, sendo as partes as mesmas, assim como idênticas as questões a apreciar. Não havendo razões para alterar o seu conteúdo, transcrevemos o que sobre esta questão foi decidido naquele acórdão:

“No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.T. (Código de Procedimento e de Processo Tributário), norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7508/14).
A exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de forma diversa, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.
Deste modo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.
Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.

O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. O tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.

Não basta, pois, apresentar como fundamentação, os simples meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.
Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321.
Também neste preciso sentido, entre outros, o Acordão do TCAN, desta Sessão de 27 de Fevereiro de 2014, no processo 409/06.6BEPNF.
Não podemos, também, deixar de sublinhar, como é doutrina e jurisprudência maioritária, que tal nulidade só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
E, ainda, Fernando Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª edição, 2003, pags 48 e 49, “Como atrás vimos, as decisões judiciais devem ser fundamentadas, face ao determinado no nº 1 doa rt. 205º da CRP e no artº 158.”
A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade da sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.
No caso dos autos, e perscrutado o probatório, e a sua motivação, manifesto é que o dever de fundamentação foi observado pelo tribunal recorrido, designadamente no que concerne à análise crítica das provas.
A Fazenda Pública ao não concordar com tal apreciação poderá assacar à sentença erro de julgamento da matéria de facto, mas nunca falta de apreciação crítica da prova, pois o M. Juiz explicitou as razões que o levaram a considerar como provados e não provados determinados factos, e quais os meios de prova utilizados.
Improcede, por isso, a nulidade invocada”.

Quanto ao erro de julgamento de facto e direito.
Também sobre esta questão o acórdão se pronunciou em termos que inteiramente aproveitam ao caso que ora nos ocupa pelo que, com a devida vénia, transcrevemos as reflexões e a decisão que a propósito se efetuaram.

“A recorrente ataca ainda a decisão por não concordar com as ilações retiradas pelo tribunal, considerando desde logo quea base instrutória encontra-se incorrectamente elaborada, na medida em que nela não consta qualquer referência aos documentos oportunamente juntos aos autos pela Fazenda Pública, passíveis de demonstrar o exercício da gerência de facto, sendo estes documentos de 2003 e 2004, em que todos se encontrando aposta a assinatura do oponente (…) e que não é legítimo nem razoável considerar que no período de 2000 a 2002 o aqui oponente se dedicou em exclusivo à agricultura (…) e que consta dos autos prova documental e que o oponente exerceu em 2001, 2003 e 2004 a gerência de facto da originária devedora. A prova testemunhal permitiu ainda demonstrar que o oponente se deslocava ao Serviço de Finanças de Nelas para tratar de assuntos da sociedade, intervindo, com efeito em representação desta, apresentando-se munido de notas de cobrança enviadas pela AT à sociedade e procurando, junto dos funcionários encontrar formas de melhor regularizar a situação (…). Nesses contactos pessoais, quer no Serviço de Finanças, quer nas instalações da devedora originária, nunca o oponente n se recusou a assinar correspondência, nem invocou falta de legitimidade para representar a sociedade (…) alguma conclusão ou interpretação a sentença deveria ter retirado no tocante à credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente, (…) foi nitidamente violado o princípio da livre apreciação da prova. (…) Resultam dos documentos que integram o processado que o revertido desempenhou materialmente o cargo de gerente – conclusões n), o), q), t), u), v), w) e x).

Dispõe o n.º 1 do art.º 676.º, actual 627º do Código de Processo Civil que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Mas, como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas - cfr. art. 607º. O juiz a quo, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio.
Daí que a convicção do tribunal se forme de um modo dialéctico.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assentando a decisão da matéria de facto, no presente caso, na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância, na respectiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Sublinhe-se que no que tange à apreciação pelo tribunal de recurso da prova gravada, como é o caso do presente recurso, “deve ter-se em conta, por um lado, que “O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655º, nº1 do CPC), pelo que, sob pena de pôr em causa os princípios da oralidade e da livre convicção que informam a nossa lei processual civil, o tribunal de recurso deve reservar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência que não é razoável a solução da 1ª instância” (acórdão STA de 27.1.10, proferido no recurso 358/09), mas por outro, que “No caso de gravação da audiência de julgamento o tribunal superior deve agir com cautela já que se encontra privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1.ª instância,…” – vide, acórdão do STA, de 9/2/2012 (processo nº 967/11).
E, tal como refere Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil. Novo Regime, pag 268 e ss. a gravação dos depoimentos por registo áudio (…) não consegue traduzir tudo quando pôde ser observado no tribunal a quo. (…)
Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores.(…)
Por certo que as circunstâncias anteriormente apontadas ou outras que podiam ser enunciadas terão de ser ponderadas na ocasião em que o tribunal da relação proceda à apreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações na decisão da matéria de facto quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível, concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro na apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.(…)
Nestas circunstâncias, se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à modificação da decisão, (…).”
E só quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é afastado o princípio da livre apreciação. (cfr.artº.371, do CC)

Sobre este entendimento do duplo grau de jurisdição, também já o Tribunal Constitucional se pronunciou (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
É pois de concluir do expendido que a modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e aprendida pela 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada na instância recorrida.

Tendo presente o agora exposto, compreende-se que a conjugação do nº 1 do artigo 685ºB, actual n.º 1 art.º 640.º e n.º1 do art.º 712º, actual 662.º do CPC afaste a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento. Consequentemente, tais normativos fazem recair sobre o/a recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto-artº 685º-B do CPC, actual 640.
Analisando o formulado pela recorrente, conclui-se que a impugnação da matéria de facto fixada com base na prova testemunhal produzida não respeita o ínsito no dito artigo 685º-B do Código de Processo Civil que dispõe o seguinte: “1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.

5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.”

Sobre esta questão e neste sentido se pronunciou o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no douto acórdão de 13.03.2012, lavrado no proc. n.º 5275/12, que parcialmente transcrevemos: “(…) o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690.º-A do CPC - na redacção anterior ao DL n.º 303/07, de 24.08, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC -, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690.º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690.º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.(…)”.

No caso de não serem observados os requisitos mencionados nos artigos 685º-B e 712º, pela recorrente, o recurso no que tange à impugnação da matéria de facto, será imediatamente rejeitado, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria. (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 134 e seg).
Assim, cabendo à Recorrente demonstrar o alegado desacerto da valoração da prova efectuada, antecipando, para tanto, os concretos motivos susceptíveis de fundar a sua divergência, não tendo cumprido ónus que sobre si recaía, nomeadamente identificando a prova documental e delimitando as passagens dos depoimentos em que baseava a sua discordância, de acordo com o preceituado no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2 do CPC rejeita-se o recurso na parte correspondente à impugnação da matéria de facto.”

Vejamos agora se face à prova existente nos autos, a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à ilegitimidade do oponente para a execução.

Também esta questão foi analisada e decidida no acórdão em referência, que subscrevemos, e agora transpomos para esta situação em concreto, devido à identidade de razões subjacentes aos dois recursos.

“A propósito do não exercício da gerência de facto da devedora originária, pelo Oponente, agora Recorrido, o M. Juiz do Tribunal Administrativo de Viseu, plasmou a seguinte fundamentação:

A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr. nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efetuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº. 1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redação atual introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):
“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.
Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas, culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou função ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente ou outra pessoa que exerça, ainda que somente de facto, funções de administração, é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efetuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor ou outra pessoa exerce, efetivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por ato culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24.º, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efetivo do cargo societário de gerente ou outra pessoa que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efetuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente ou contra a pessoa que, de facto, exerceu funções de gestão, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº. 24.º, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgotado o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr. Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.142 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, Vol. III, 2011, pág.475.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b) do artº.24.º, da L. G. Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 – autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12).
“In casu”, a Fazenda Pública não logrou demonstrar que o Opoente, haja exercido, de facto as funções de gerência, da sociedade executada, conforme resulta do probatório.
Sendo pressuposto da responsabilidade subsidiária a prática de atos em nome e por conta da sociedade devedora originária por parte do Oponente, que a Fazenda Pública não logrou provar, dúvidas não restam de que o Oponente não é pessoa legítima na reversão que contra ele foi determinada pela Administração Tributária.
Volvendo ao caso sub judice, do despacho de reversão resulta que a gerência de facto foi atribuída ao Oponente com base nos seguintes documentos:
- fotocópia do teor da matrícula da sociedade;
- fotocópia do teor da escritura de constituição da sociedade;
- fotocópia da declaração do início de atividade, apresentada em 22.11.1996;
- fotocópia de contrato de arrendamento celebrado em 20/08/2001;
Ora, tais documentos provam, no essencial, apenas a gerência nominal da sociedade executada, por parte do Oponente.
Mesmo quanto ao contrato de arrendamento celebrado, nele encontram-se apostas as assinaturas das pessoas que pelo contrato de sociedade obrigam a sociedade devedora originária, sem que daí se possa concluir que, efetivamente, o Oponente exerceu a gerência, de facto dessa devedora.
Resulta mesmo da experiência comum que muitas das vezes um dos intervenientes com a assinatura não é mais do que a conferência de forma legal ao documento, como é, por certo no presente caso.
Com efeito, o contrato de sociedade comprova que o Oponente foi nomeado gerente da sociedade e a certidão de registo que a referida gerência se encontra registada, o mesmo sucedendo com as declarações que indicam o Oponente como sócio gerente. No que tange à assinatura, por parte do Oponente de um contrato de arrendamento, de forma isolada, julgamos que tal facto é manifestamente insuficiente para se concluir que o Oponente exerceu efetivamente a gerência de facto da sociedade
Por outro lado, a prova produzida nestes autos aponta no sentido que o Oponente, no período de 2000 a 2002, era agricultor dedicando-se à criação e venda de ovinos, vendendo leite e, por vezes, queijo. Note-se que, como resultou do depoimento da testemunha, Fernando…, a ovinocultura exige um horário de trabalho alargado, podendo a jornada iniciar-se às 05h00 e terminar à noite.
Resultou igualmente provado que quem exercia de facto a gerência da Indústria…Lda., praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa era o irmão do Oponente, D…, pois era este quem contactava com fornecedores e clientes e dava ordens e instruções aos trabalhadores.
Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve, no caso concreto, contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.
Considerando o caráter cumulativo dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, a falta de exercício efetivo da gerência, per si, determina a ilegitimidade para a execução, não sendo necessário o tribunal averiguar a culpa do Oponente.
(…)”
(...)
O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade.
Constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo quea responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos” – cf. Acórdão de 29/06/2011, proferido no proc.º0368/11, pelo que sendo as dívidas exequendas referente aos anos de 2000, 2002 a 2004, é de aplicar o regime previsto no artigo 24º da LGT,
O aludido artigo 24º, nº 1 da LGT estabelecia que:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
(…) ”.
Resulta, ainda, e de forma inequívoca, da norma legal acabada de transcrever que, para se concluir pela existência de responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias por parte de administradores ou gerentes, não bastará demonstrar a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. Exige-se a demonstração de que os mesmos a exerceram efectivamente ou de facto.
Neste pressuposto, o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência ou, dito de outra forma, da gerência de facto, recai sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes através da reversão da execução fiscal.
Com efeito, a gerência de facto da empresa constitui facto constitutivo do direito do exequente e este não beneficia de qualquer presunção legal ou de outra natureza que inverta o aludido ónus – cf. artigos 74º nº 1 da LGT e 342º e 344º do Código Civil.

A questão de saber se existe uma presunção legal quanto à gerência de facto, foi largamente debatida pela jurisprudência, tendo o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA tomado posição, no acórdão de 28.2.2007, proc. nº 01132/06, a qual é por nós sufragada e donde se retiram os seguintes ensinamentos:
De acordo com o art. 349° do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida (id quod plerumque accidit),a presunção diz-se legal, ou natural (simples ou judicial).3
Nos termos do disposto no art. 350º, nº 1, do C. Civil, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, todavia, idêntica regra não está consagrada relativamente à presunção judicial.
Ora, ao contrário da presunção legal, que está plasmada na lei, resultando dela sem necessidade de intermediação, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. Só nessa ocasião e por força do raciocínio do juiz é que o facto desconhecido (não presumido legalmente, nem provado por qualquer meio probatório) passa a ser, também, conhecido, inferido pelo julgador a partir do conjunto factual que a prova revelou.
Por isso, o regime contido no art. 350º, nº 2, que estabelece as condições de ilisão da presunção, não faz sentido quando aplicado às presunções judiciais. Quanto a estas, não se trata de as ilidir, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova.
Assim, provada que seja a gerência de direito, é à administração tributária, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto (de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – cfr. art. 342º, nº 1, do C. Civil e art. 74º, nº 1, da LGT), pois não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária.
Saliente-se que a inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal - cfr. artigo 11º do Código do Registo Comercial - de que é gerente de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência/administração.

Este efectivo exercício pode, contudo, o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc, mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
Importa, por isso, apurar se os factos provados permitem concluir pelo exercício de facto da devedora originária por parte do Oponente.
Saliente-se que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – já nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, in Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139, citado, entre outos, nos acórdãos do TCAN de 18.11.2010 e 20.12.2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respectivamente.

No caso em apreço, como se extrai da materialidade provada, a administração nominal, a partir de 11.11.1996, mostra-se provada.

Porém, o mesmo não se pode dizer quanto à gestão de facto, como se explicitará. Com efeito, inexiste qualquer elemento no probatório que revele que o opoente praticava actos de gestão ou tinha qualquer intervenção na direcção da empresa.
Por outro lado, o órgão de execução fiscal não apresenta provas determinantes e cabais da prática, pelo opoente, de actos de gestão em representação da devedora originária, como era seu ónus.
É certo que do probatório consta que o Oponente foi sócio da sociedade executada e, juntamente com outro dos sócios, foram gerentes daquela, e ainda que para obrigar a sociedade eram necessárias as assinaturas dos dois gerentes, sendo que para actos de mero expediente era suficiente a assinatura de qualquer dos gerentes [cf. Pontos 1 do probatório].
E, ainda que celebrou um contrato de arrendamento conjuntamente com D…, também nomeado gerente, enquanto representantes legais da devedora originária – [cfr. ponto 2 do probatório].
Todavia, o facto de ter celebrado tal contrato, sem outros factos que densifiquem o exercício da gerência, e concatenado com os outros factos dados como provados, nomeadamente nos pontos 7, 8, 9, 10 e 11, para o qual se remete, se retira não ser a celebração do contrato de arrendamento suficiente para demonstrar cabalmente o exercício efectivo da gerência, pelo oponente.
Em suma, dos factos dados como provados, se retira que a administração fiscal não apresentou factos donde fosse possível concluir que o executado por reversão representava a sociedade devedora, que era quem tomava as decisões e praticava os actos necessários à gestão da empresa, pelo que contra ela deve ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

Relativamente às conclusões z) a bb), nada haverá a acrescentar ao referido na sentença sob recurso, por com ela se concordar: ”Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve, no caso concreto, contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.
Considerando o caráter cumulativo dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, a falta de exercício efetivo da gerência, per si, determina a ilegitimidade para a execução, não sendo necessário o tribunal averiguar a culpa do Oponente.”

Em face do que deixámos exposto, improcedem todas as conclusões pelo que o recurso deve improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

V DECISÃO.

Termos em que com os fundamentos expostos acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 24 de janeiro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira