Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01700/17.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:OMISSÃO OU DEFICIÊNCIA DA NOTIFICAÇÃO DO ACTO; VALIDADE DO ACTO; ARTIGO 268º, N.º 3, 1.ª PARTE, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA;
ARTIGOS 132º E 66º A 70º DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO;
ARTIGOS 27º, Nº 3, 48º-A E 68º, TODOS DO REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO; NULIDADE ANULABILIDADE; ARTIGOS 161º E 163º, N.º1, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO; CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO; ALÍNEA B) DO Nº 1 DO ARTIGO 58º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA; ALÍNEA K) DO ARTIGO 88º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:1. A omissão ou deficiência da notificação do acto não integra vício desse acto, por lhe ser algo externo e posterior; a notificação do acto administrativo é uma formalidade que constitui um requisito de eficácia do acto (artigo 268º, n.º 3, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 132º e 66º a 70º do Código do Procedimento Administrativo), pelo que a sua falta tem apenas como consequência a inoponibilidade do acto, em particular para efeitos de impugnação contenciosa.

2. Os invocados vícios de violação do disposto nos artigos 27º, nº 3, 48º-A e 68º, todos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, não integram qualquer caso de nulidade previsto em normas especiais nem previsto no artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que caem na regra geral de invalidade dos actos, a mera anulabilidade – n.º1 do artigo 163º do mesmo diploma.

3. Inexistindo no caso qualquer vício invocado que pudesse, em abstracto, conduzir à nulidade do acto impugnado, impõe-se aplicar ao caso o prazo de 3 meses para impugnação de actos meramente anuláveis, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que a acção interposta em 12.07.2017, mostra-se intempestiva dado que os autores tiveram, reconhecidamente, conhecimento do acto, em 17.03.2021, pela própria consulta do processo, pelo que se verifica a excepção de caducidade do direito de acção, a impor a absolvição do réu da instância, nos termos do previsto na alínea k) do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., LDA, E OUTROS
Recorrido 1:MUNICIPIO (...), E OUTROS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

C., Lda., A., e mulher, A., R., e mulher, J., I., Lda., e D. vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 05.03.2021, pela qual foi julgada procedente a arguida excepção de intempestividade da acção que moveram contra o Município (...), para impugnação do acto praticado pelo Vice-Presidente desta edilidade, a 25.06.2015, que aprovou uma alteração ao alvará de loteamento nº 17/07, e, consequentemente, foi absolvido da instância o Réu, Município (...).

Invocaram par tanto que, ao contrário do decidido, o acto impugnado padece de vícios que conduzem à sua nulidade, ao contrário do decidido.

O Município (...) contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Os ora Recorrentes não foram notificados para se pronunciarem a propósito do pedido de alteração do loteamento do qual constituem a maioria absoluta dos comproprietários dos (cf. 12 supra).

2. As cartas, entranhadas no processo administrativo, destinadas, supostamente, a tal fim, foram remetidas para as moradas/sede que os ora Recorrentes tinham anteriormente a 2012, 2013 e 2014 e não para as suas residências/sede efectivas, desde então, na rua (...), (...), no loteamento em apreço ( Cf 13 supra ).

3. Foram as Contra Interessadas quem indicou tais moradas/sede à Ré e ora Recorrida, bem sabendo aquelas que os ora Recorrentes tinham moradas/sede efectivas no loteamento, como se concluiu no número antecedente, pretendendo com isso impedir que estes tomassem conhecimento do pedido de alteração em apreço, imbuídas do propósito doloso de evitarem que os mesmos se pronunciassem, nos termos da lei, a propósito de tal alteração (Cf. 14 e 15);.

4. A Ré e ora Recorrida poderia/deveria - em face dos elementos constantes no processo administrativo ( cópias da descrição e inscrições do Registo Predial, relativas aos prédios dos ora Recorrentes no loteamento, bem como cópia do « anúncio publicitário » da alteração de tal loteamento, que nenhuns dizeres continha/contém, afinal - ter repetido as notificações ( avisadamente por contacto pessoal mesmo, na rua (…), (...) ) tendo agido, pelo menos, com negligência grosseiríssima e absolutamente reprovável a todos os títulos (cf. 16 e 17 ).


Fraude à Lei

5. Com tal actuação assim intencionada, defraudou-se por completo o propósito legal de se dar a conhecer aos ora Recorrentes o teor do pedido de alteração do loteamento por parte das Contra Interessadas - sendo certo que a realização regular de tais comunicações/notificações, com lisura e sem fraude, constitui uma garantia fundamental, análoga às dos direitos, liberdades e garantias - violando-se, assim, entre o mais, o estatuído nos artigos 268º., 3., 4, da Constituição e 280º., 294º CC e alegado, v, g, nos números 37 a 40 destas Alegações, sendo nulas tais « notificações » assim industriadas.

Direito de Propriedade

6. Acresce que os ora Recorrentes, na qualidade de comproprietários ( maioria absoluta) do loteamento, foram directamente ofendidos no seu direito fundamental, tendo ficado, por causa directa e necessária do simulacro de notificações referidas, irremediavelmente impedidos de exercerem o seu direito de oposição a tal alteração ao loteamento, o que gerou também nulidade absoluta do acto recorrido, por violação directa frontal do disposto, designadamente, nos artigos 62º CR., ( 1305º., e 1408º CC ) e 161º., 2., d CPA, conforme se alegou nos números 33., e 34 a 36 destas alegações.

Inoponibilidade

7. Aliás, aquelas notificações, assim intencionadas e simuladas, nem sequer tornaram o acto recorrido oponível aos ora Recorrentes, sendo-o, pois, e apenas, a partir do decurso do prazo que lhes fosse reconhecido, em novas notificações expressas, correctamente direccionadas, para exercerem, querendo e por escrito, o seu direito de oposição à alteração do loteamento a que o acto recorrido reporta (Cf. 110º. e 112º.,1., b CPA e 60º. CPTA e alegado no número 41).

Oposição

8. E a verdade é que os ora Recorrentes, quando, em Fevereiro de 2017, tomaram ciência, incidentalmente, da factualidade em apreço, logo deduziram oposição escrita à alteração do loteamento, tendo, consequentemente, a partir desse momento, o acto administrativo que a aprovou ficado inquinado com o vício jurídico de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 27º.,3 e 68º., 1., al a., RJUE (cf. ainda documento 08 anexo à petição inicial e alegado nos números 31., 32., ., 42., 43., 44., destas alegações ); tudo sem prejuízo do alegado quanto à falta expressa de notificação, aos ora Recorrentes, expurgadas dos vícios assinalados.

A decisão recorrida

9. Ao contrário do que na sentença ora recorrida se exarou, as notificações, viciadas nos termos alegados, bem como a oposição escrita à alteração ao loteamento, não geraram nem deram causa ao vício de anulabilidade, mas outrossim de nulidade – nulidades diversas, como se alegou e ora se concluiu, devendo a mesma ser revogada por ofensa directa, designadamente, aos dispositivos legais mencionados neste conclusivo e que aqui damos, por economia processual, por integralmente referidos.

Requerimento

Nestes termos – e nos demais a suprir doutamente – requerem a V Exª.s, Venerandos, se exare acórdão que:

1 Revogue a decisão recorrida, por violação frontal, nomeadamente, dos preceitos legais e constitucionais mencionados supra, devendo outrossim e consequentemente, acordar-se, em tais termos, que o acto recorrido é nulo e de nenhum efeito, com todas as consequências legais, em conformidade requerido, v.g., na petição inicial,

2 Ou, no caso de se entender - o que se não espera e por isso se não crê - que há matéria fáctica alegada a comprovar em sede de julgamento, sejam os autos reenviados à Instância para tal fim, seguindo-se os ulteriores.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) A 24.05.2007, pelo Vereador da Câmara Municipal do 1º Réu com o pelouro do urbanismo, foi emitido o Alvará de loteamento nº 17/07, a favor de A., de um prédio sito no Lugar (…), e do qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) É autorizada a constituição de 6 lotes, apresentando as áreas e ocupação que a seguir se discriminam: Área do prédio a lotear: 5.334,00 m2; Área dos lotes: 4.795,00 m2; Área total de implantação: 2.201,40 m2; Área total de Construção: 2.165,40 m2; Nº Lotes 6 (com a área de 682,00 m2 a 890,00 m2); Nº Máximo de Pisos acima da cota de soleira: 1; Nº de Fogos total: 6; Nº de Lotes para habitação 6; Área de cedência para o domínio público municipal: 539,00 m2; Finalidade das cedências: passeios, estacionamento, arruamento. Lote nº 1:Com a área de 682,00 m2, destinado à implantação de um edifício de habitação unifamiliar em banda, constituído por r/chão, com a área de implantação de 305,00 m2 e área de construção de 305,00 m2, destinando-se 275,00 m2 para habitação e 30,00 m2 para estacionamento (…)”.
(Cf. folhas 59 e seguintes da pasta IV do processo administrativo 2).

B) A 04.03.2010, a 1ª Autora celebrou com a entidade designada “C., Lda.” um designado contrato de aquisição dos lotes 2 a 6 do loteamento identificado em A), sito na Rua (...), em (...) (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 1).

C) A 1º Autora implantou nos lotes identificados em B) construções urbanas, destinadas à habitação, desde Janeiro de 2012, sendo ainda proprietária e possuidora do lote nº 4 e respectiva construção urbana, na qual instalou, a 24/03/2013, a sua sede social (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 1 e 2, e acordo das partes).

D) A 13.02.2012, a 1ª Autora celebrou com o 2º Autor um designado contrato de compra e venda referente ao lote nº 3 e respectiva construção urbana, através do qual o 2º Autor adquiriu o referido prédio para o destinar à sua habitação (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 3).

E) A 02.05.2014, a 1ª Autora celebrou com o 4º Autor um designado contrato de compra e venda referente ao lote nº 5 e respectiva construção urbana, através do qual o 4º Autor adquiriu o referido prédio para o destinar à sua habitação (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 4).

F) A 05.08.2015, a 1ª Autora celebrou com o Interveniente Novo Banco um designado contrato de compra e venda referente ao lote nº 2 e respectiva construção urbana (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 5).

G) A 11.08.2015, o Interveniente Novo Banco celebrou com a 3ª Autora um designado contrato de locação financeira relativamente ao lote nº 2, através do qual aquele transferiu a esta o gozo e fruição do respectivo prédio (cf. idem).

H) A 17.11.2016, a 1ª Autora celebrou com o 5º Autor um designado contrato de compra e venda referente ao lote nº 6 e respectiva construção urbana, através do qual o 5º Autor adquiriu o referido prédio para o destinar à sua habitação (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 6).

I) A 12.03.2015, a 1ª Contra-Interessada dirigiu ao Senhor Presidente da Câmara Municipal do 1º Réu um designado “pedido de licenciamento”, tendo por objecto a alteração à licença de loteamento nº 17/2007, especificamente do lote nº 1, que havia adquirido a 01.12.2014, propondo uma área de implantação de 318,60 m2, uma área total de construção de 396,40 m2, uma cércea de 6,20m, ao invés de 3,10m, e 2 pisos acima da cota de soleira, instruindo tal pedido com os documentos exigidos para o efeito (cf. folhas 1.1 a 1.45 do processo administrativo 1).

J) A 1ª Contra-Interessada instruiu ainda o pedido de licenciamento referido em I) com uma listagem dos proprietários da totalidade dos lotes, acompanhado de certidão de registo predial actualizada à data de 10/03/2015, e da qual constam as seguintes informações: lote 2 – 1ª Autora, com sede na Rua (…), (...); lote 3 – 2º Autor, com domicílio na Rua (…), (...); lote 4 – 1ª Autora, com sede na Rua (…), (...); lote 5 – 4º Autor, com domicílio na Rua (…), (...); lote 6 – 1ª Autora, com sede na Rua (…), (...) (cf. folhas 1.44 do processo administrativo 1).

K) Ao processo de licenciamento de alteração ao alvará de loteamento e obras foi atribuído o nº 1060/15 (cf. folhas 2.1 a 2.10 do processo administrativo 1).

L) A 14.04.2015, os serviços de urbanismo do 1º Réu emitiram parecer quanto ao pedido de alteração de licença de loteamento nº 17/07, no qual se conclui, designadamente, o seguinte: “(…) Face ao exposto propõe-se que sejam adoptados os seguintes procedimentos: 1. Em cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 27º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção conferida pelo DL nº 26/2010, de 30 de Março, deverá proceder-se à notificação de pronúncia dos titulares dos lotes constantes do alvará, conforme identificados pelo requerente através do requerimento em apreciação (…)” (cf. folhas 5 do processo administrativo 1).

M) A 20.04.2015, o Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal do 1º Réu apôs despacho de concordância sobre o parecer referido no ponto anterior, determinando a notificação dos titulares dos demais lotes (cf. idem).

N) A 13.05.2015, o Director Municipal de Urbanismo do 1º Réu remeteu uma missiva à 1ª Contra-Interessada, por carta registada, ordenando a esta que procedesse à afixação de aviso a publicitar o pedido de licenciamento da operação urbanística de alteração ao alvará de loteamento, de forma visível do exterior do prédio, no prazo de 3 dias úteis (cf. folhas 8 do processo administrativo 1).

O) A 20.05.2015, a 2ª Contra-Interessada, em representação da 1ª Contra-Interessada, informou a Divisão de Gestão e Fiscalização Urbanística do 1º Réu, através de correio electrónico, que já havia procedido à afixação do aviso a publicitar o pedido de licenciamento nº 1060/15, juntando fotografias comprovativas de tal facto (cf. folhas 9 e 10 do processo administrativo 1).

P) A 18.05.2015, o Director Municipal de Urbanismo do 1º Réu enviou missivas aos 1ª, 2º e 4º Autores, através de carta registada, e para as moradas indicadas no ponto J), prestando a seguinte informação:

“Comunico que, por despacho do Senhor Vice-Presidente Eng.º P. de 20.04.2015, foi determinado notifica-lo que através do requerimento indicado em epígrafe foi apresentado um pedido de alteração da licença de loteamento nº 17/07 para o lote n.º 1, que tem como objectivo a alteração da cércea da habitação, de cave e r/chão, para r/chão e andar; a alteração das áreas de construção destinadas a aparcamento e a habitação e a construção de anexos, destinados a área técnica. Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 27.º do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção conferida pelo D.L. n.º 26/2010, de 30 de Março, dispõe V. Ex.ª do prazo de 10 dias para, caso entenda, se pronunciar sobre a referida alteração. O processo n.º 1060/15 estará disponível para consulta, no Serviço de Atendimento da GAIURB. E.M., nos dias úteis, das 9.00h às 16.30h.
(…)”
(Cf. folhas 11 a 14 do processo administrativo 1).

Q) A 10.05.2015, os serviços técnicos do 1º Réu emitiram um parecer sobre o pedido de alteração de loteamento formulado pela 1ª Contra-Interessada, do qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) B – Análise da Pretensão. Verificada a conformidade da proposta com os instrumentos de ordenamento em vigor, conforme exposto na nossa apreciação anterior n.º 2760/15/4 de 2015-04-14, de acordo com o despacho proferido pelo Senhor Vice-Presidente, procedeu-se entre os dias 20 de Maio de 2015 a 3 de Junho de 2015, à notificação de todos os titulares dos lotes constantes do alvará, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 27.º do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as sucessivas alterações, para que os mesmos se pronunciassem sobre a alteração referida no prazo de 10 dias. Nesse período não ocorreu oposição escrita, conforme estipulada no n.º 3 do artigo 27.º do decreto-lei acima referido (…). Desta forma, não se observa qualquer inconveniente na aceitação da proposta formulada. II – Proposta. Face ao exposto, propõe-se o deferimento do pedido de alteração da licença de loteamento n.º 17/07 apresentado para o lote 1, de acordo com as seguintes condições: (…)”.

(Cf. 15 e 16 do processo administrativo 1).

R) A 25.06.2015, o Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal do 1º Réu apôs despacho de concordância sobre o parecer referido no ponto anterior, deferindo o pedido de alteração da licença de loteamento nº 17/07 (cf. idem).

S) A 02.07.2015, o 1º Réu entregou em mão à 1ª Contra-Interessada comunicação da decisão identificada no ponto anterior (cf. folhas 17 do processo administrativo 1).

T) Em Fevereiro de 2017, os Autores verificaram a existência, no lote 1, de aviso de um pedido de informação prévia, favoravelmente deferido, quanto a obras de construção de uma habitação, com a área de implantação de 318,60 m2, área de construção de 396,40 m2 e 2 pisos acima da cota soleira (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 7 e confissão dos Autores).

U) A 17.03.2017, os Autores, por sua iniciativa, consultaram o processo de alteração do loteamento nº 17/07, que correu termos sob o nº 1060/15 (cf. confissão dos Autores).

V) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 12.07.2017 (cf. folhas 1 e seguintes dos presentes autos).
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III - Enquadramento jurídico.

Defendem os Recorrentes que o acto impugnado é nulo.

Por isso, ao contrário do decidido, a acção será tempestiva., dado não se aplicar ao caso o prazo de 3 meses para impugnação de actos meramente anuláveis, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Vejamos os vícios que os Recorrentes imputam ao acto impugnado.

1. A notificação do acto.

A omissão ou deficiência da notificação do acto não integra vício desse acto, por lhe ser algo externo e posterior.

A notificação do acto administrativo é uma formalidade que constitui um requisito de eficácia do acto (artigo 268º, n.º 3, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 132º e 66º a 70º do Código do Procedimento Administrativo), pelo que a sua falta tem apenas como consequência a inoponibilidade do acto, em particular para efeitos de impugnação contenciosa.

Releva por isso para efeitos apenas de aferir da tempestividade do recurso, no caso de este padecer de vícios próprios que determinem a respetiva anulação.

Neste sentido, pacífico, ver, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2005, processo n.º 0716/04.

Pelo que nesta parte da sua fundamentação se impõe manter a decisão recorrida.

2. A violação do exigido pelo artigo 27º, nº 3, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

Determina este preceito que:

“Sem prejuízo do disposto no artigo 48º, a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará, devendo, para o efeito, o gestor de procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias”.

A questão que aqui se coloca, no entanto, não é saber se este vício se verifica ou não.

A questão que se coloca é prévia a esta.

Importa aqui apenas saber se este vício, a verificar-se, determina a anulação do acto ou a respectiva declaração de nulidade.

Ora este vício não integra qualquer caso de nulidade previsto em norma especial nem previsto no artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo.

Pelo que cai na regra geral de invalidade dos actos, a mera anulabilidade – n.º 1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.

Tal como decidido.

3. O disposto no artigo 48º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
Determina este preceito:

“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a alteração da operação de loteamento objecto de comunicação prévia só pode ser apresentada se for demonstrada a não oposição dos titulares da maioria dos lotes constantes da comunicação”.

Também este vício, a verificar-se, apenas poderia conduzir à anulação do acto, face à regra geral de invalidade dos actos em que se integra – artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.

Ainda que dissesse respeito ao processo de licenciamento; e não diz, pois é relativo ao procedimento de comunicação prévia.

Pelo que também neste segmento se impõe manter a decisão recorrida.

4. O disposto no artigo 68º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

Dispõe este preceito, sob a epígrafe “Nulidades”:

“Sem prejuízo da possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos nos termos gerais de direito, bem como do disposto no artigo 70º, são nulas as licenças, as autorizações de utilização e as decisões relativas a pedidos de informação prévia previstos no presente diploma que:
a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
b) (…)
c) Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações”.

Idem, o que se disse no item anterior.

Nenhum dos vícios imputados integra esta previsão legal.

Não se trata aqui de qualquer violação de planos de ordenamento do território ou licença anterior, e a consulta ou autorização e aprovação mencionadas no preceito acabado de transcrever dizem respeito a entidades com poderes públicos para emitirem pareceres ou concederem autorização ou aprovação; não diz respeito à notificação de particulares, contra-interessados.

E também este vício, ainda que se verificasse, apenas poderia conduzir à anulação do acto, face à regra geral de invalidade dos actos em que se integra – artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo.

Também neste capítulo de fundamentação se impõe manter a decisão recorrida.

5. A tempestividade da acção.

Inexistindo no caso qualquer vício invocado que pudesse, em abstracto, conduzir à nulidade do acto impugnado, impõe-se aplicar ao caso o prazo de 3 meses para impugnação de actos meramente anuláveis, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Como a acção foi interposta (deu entrada a petição inicial) em 12.07.2017, nesta data já tinham decorrido mais de 3 meses desde que os Autores, ora Recorrentes, tiveram, reconhecidamente, conhecimento do acto, em 17.03.2021, pela própria consulta do processo – facto provado sob a alínea U).

Pelo que, tal como decidido, verifica-se a excepção de caducidade do direito de acção, a impor a absolvição do Réu da instância, nos termos do previsto na alínea k) do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
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Custas pelos Recorrentes.
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Porto, 08.10.2021


Rogério Martins
Fernanda Brandão
Hélder Vieira