Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00563/17.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO; ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
Sumário:
I – Vindo referido na informação camarária coligida na alínea d) do probatório que, no ano de 2014, os serviços camarários da Câmara Municipal de Ovar detetaram que o Arguido, aqui Recorrido, ampliou o armazém onde desenvolve a sua atividade comercial sem a respetiva licença, não sendo tal ampliação detetável nas peças topográficas de procedimento camarário datado de 1980, e provindo esta materialidade nuclear de documento autêntico não impugnado pelo Recorrido, deve ter-se por assente que as obras de ampliação [para norte do armazém anteriormente existente] detetadas pelos serviços camarários sem a respetiva licença foram, efetivamente, realizadas pelo Recorrido posteriormente a 1980.
II- Deste modo, apontando os factos apurados nos autos para prática do ilícito de mera ordenação social previsto e sancionado nos termos n.°5 do artigo 4 e da alínea d) do n.° 1 e 4 do artigo 98°, ambos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro), é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida, que, assim, se não pode manter. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:MASP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar improcedente a impugnação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
MASP, devidamente identificado nos autos, impugnou judicialmente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [doravante T.A.F. de Aveiro] a decisão proferida pela Câmara Municipal de Ovar, em 31.03.2017, no âmbito do processo de contra-ordenação n.° 132/2014, que o condenou no pagamento de uma coima no valor de € 500,00 [quinhentos euros], pela prática de contra-ordenação prevista e punida na alínea d) do n.° 1 e 4 do artigo 98.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro.
O T.A.F. de Aveiro julgou esta impugnação judicial procedente, tendo anulado a decisão administrativa que aplicou a coima de € 500,00, absolvendo o arguido.
É desta sentença que o MINISTÉRIO PÚBLICO vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso:
“(…)
1. A sentença recorrida absolveu o arguido MASP do arguido da prática da contra-ordenação prevista e punida nos termos da alínea d) do n.° 1 e n.° 4 do artigo 98.° do D.L. 555/99 de 16-12, na sua redação atual.
2. Todavia, a nosso ver, a sentença padece de erro de interpretação e aplicação das normas que subjazem ao vertente caso, assentando em confusão de conceitos, induzidos pelo recurso.
3. Ainda que não se olvida, face à prova produzida, que o prédio será anterior a 1951 e, como tal, por si, não estaria sujeito a autorização de utilização, desde 1922, estava sujeito a alvará de licença sanitária, para titular a sua utilização para o fim específico a que estava afeto (e tal não se confunde com a licença de exploração da atividade industrial).
4. E, mais ainda, tendo sido efetuadas obras de ampliação da edificação independentemente do uso a que está afeto, o edifício passou a estar sujeito a alvará de licença (e atualmente) autorização de utilização.
5. O mesmo é dizer, a regra geral da não sujeição do prédio a licença de utilização em virtude do ano da edificação (anterior a 1951) é liminarmente afastada pela execução de obras na edificação, sujeitas a licença (como ficou provado na sentença);
6. Na nossa convicção, o auto de notícia encontra-se corretamente lavrado e a decisão administrativa proferida em conformidade com o direito, não existindo fundamento para a sua revogação, uma vez que sempre foi exigida a titulação do uso do espaço, através de alvará de licença sanitária, como oficina de carpintaria, que o arguido não possui, em nada se confundindo esta exigência com o título exigido para o exercício da atividade per si, que o arguido também não possui, mas que não foi objeto de auto de notícia, sem olvidar o que ficou exposto quanto à execução de obras de ampliação da edificação, sujeitando automaticamente o prédio a alvará de autorização de utilização para legitimar o seu uso em conformidade com o direito;
7. Assim a interpretação feita pela sentença traduz-se em erro flagrante de interpretação e aplicação do direito que subjaz à boa decisão da causa e que, a nele não se ter incorrido, conduziria a decisão diametralmente oposta, de condenação.
8. Neste conspecto, sufragando tal entendimento, o Tribunal violou as normas jurídicas aplicáveis ínsitas no artigo 98°, n.°1, alínea d) e n.°4 do Regime Jurídico do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro.
9. Pelo exposto, e tendo em conta que a factualidade dada como provada na sentença recorrida integra todos os elementos objetivos e, bem assim, todos os elementos subjetivos da contra-ordenação a que se veio fazendo referência, deve o arguido MASP ser condenado pela prática da contra-ordenação em apreço.
10. Sem prescindir, pese embora a posição assumida pelo Ministério Público pugnando pela condenação do arguido, no caso de V. Exas. não sufragarem os argumentos invocados, desde já se consigna que a sentença padece de erro notório na apreciação da prova, à luz do preceituado no artigo 410º, nº. 2, alínea c) do mesmo diploma legal.
11. É que sempre se imporia à Mma. Juiz, da análise global da prova que fundou a matéria de facto dada como provada, dar igualmente por provada a ampliação para norte do armazém anteriormente existente, a qual era inexistente na planta topográfica de localização no âmbito do processo n.° 633/80 e, daí que só se possa concluir que tal ampliação ocorreu em momento posterior.
12. Atenta a existência do vício apontado (caso não se entenda, sublinhamos, ser de condenar o arguido com fundamento nos argumentos alinhavados em A)), deve, ser determinado o reenvio para novo julgamento, nos termos do artigo 426°, do Código de Processo Penal, limitado às concretas questões elencadas.
Nestes termos, revogando a decisão recorrida e condenando o arguido ou, a assim não se entender, determinando o reenvio dos autos para novo julgamento,
VOSSAS EXCELÊNCIAS farão a habitual JUSTIÇA!
(…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
*
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões suscitadas pelo Recorrente consistem em saber se a sentença recorrida incorreu (i) em erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 98°, n.°1, alínea d) e n.°4 do Regime Jurídico do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, ou, quando assim não se entenda, (ii) em erro notório na apreciação da prova, à luz do preceituado no artigo 410º, nº. 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
“(…)
A) Em 19.08.2014, foi levantado “auto de notícia pela prática de contraordenação”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) No dia 19 de agosto de 2014, pelas 14h00, em Rua P…, freguesia de S. Vicente Pereira, onde eu ICOGV, categoria de Fiscal Municipal, me desloquei em Serviço de Fiscalização, verifiquei pessoalmente e na presença das testemunhas abaixo indicadas que o Senhor MASP, (...), praticou os seguintes factos ocupa armazém, como carpintaria, sem que para o efeito seja possuidor da competente autorização de utilização, em desconformidade com o n.°5 do artigo 4° do RJUE. O armazém localiza-se no local acima identificado. Tais factos são suscetíveis de constituir contraordenação nos termos de d) do n.° 1 do art° 98° do D/L 555/99 de 16/12, na sua redação atual, punível pelo n.°4 do art.° 98° do mesmo D/L. (...)” - cfr. fls. 51 dos autos (suporte físico);
B) Em 21.08.2014, foi remetido ao Recorrente, um ofício, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dando-lhe conhecimento do auto de notícia acima identificado, e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(.) Os factos referidos constituem contraordenação, por ocupação de edifício sem autorização de utilização, prevista na al. d), do n.° 1, do art.° 98°, do Dec. Lei 555/99, de 16 de dezembro, com a redação atual, por violação do n.° 5 do art.° 4° e punível pelo n.°4 do mesmo artigo deste diploma, com coima graduada entre € 500,00 a € 100.000,00, por se tratar de pessoa singular, a que acrescerão, havendo-as, as custas do processo. (.)”. - cfr. fls. 48 a 50 dos autos (suporte físico);
C) O Recorrente apresentou defesa no processo de contra-ordenação mencionado em A), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 42 a 47 dos autos (suporte físico);
D) Com data de 22.09.2014, foi proferida «informação técnica» do Departamento de Planeamento Estratégico e Urbanístico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
1. Tendo em conta todas as condicionantes emitidas pela antiga Delegação Regional da Industria e Energia do Centro e posteriormente, pela DREC, desde a vistoria realizada em 25/09/1990 e transcrita no ofício n’ 2735 de 15/03/1991 (fls nº. 10 do processo daquela Entidade (em anexo), não foi concedido o licenciamento industrial ao titular do processo e sim a laborar titulo experimental por um período de 60 dias, durante a qual deveriam ser cumpridas várias condicionantes, o que não aconteceu.
2. Foram várias as vistorias realizadas ao longo dos anos pela entidade citada no ponto anterior (ver fls. n° 11, 12, 13, 24, 22, 27 e 41) sempre resultando em autorizações experimentais com prazos mais alargados para cumprimento de condicionantes, o que não foram igualmente cumpridas pelo titular do processo.
3. Em 30/04/2012 foi realizada nova vistoria conjunta pela DREC e a C.M. de Ovar (fls 38 e 39) que resultou no ofício da DREC n° 203400 de 15/06/2012 onde foi autorizada a exploração pelo prazo de 365 dias, durante o qual deverá dar cumprimento às várias condicionantes, visto que o proprietário alegou, no ato da vistoria, que precisava desse tempo para requerer a sua aposentação e cessar a atividade industrial.
4. Através do ofício n° 203401/12/-SIN da DREC, o processo de licenciamento industrial foi remetido para a Câmara, a pedido do titular do processo, e a C.M. de Ovar passou a ser a entidade coordenadora do licenciamento, que nunca teve lugar.
5. Em 15/01/2013, a Câmara Municipal através da notificação n° 547 de 15/01/2013, concedeu um prazo de 15 dias ao titular do processo para este informar se pretende manter a atividade industrial que desenvolve no prédio, ou se pretende encerrar a mesma. O que não foi respondido pelo requerente.
6. Em 31/05/2013, através da notificação n° 6683 de 31/07/2013 (fls 55) a Câmara Municipal manteve o prazo estabelecido na notificação n° 303400 de 15/06/2012 de DREC, que autorizou a exploração temporária e alertou que findo o prazo, seria proposta nova vistoria ao local se confirmado o incumprimento do Auto de Vistoria e mantendo-se o anexo de apoio a habitação, (como é descrito no requerimento n° 31631 de 14/11/2012), será proposto o encerramento da atividade industrial.
7. Confirmado o incumprimento da notificação citada no ponto anterior, por despacho de 27/09/2013, foi determinada a vistoria ao local. Conforme o respetivo Auto de Vistoria de 10/01/2014, “o proprietário encontra-se reformado e executa ou restaura móveis, por encomenda, de forma intermitente...”
8. Através do ofício n° 1210/DPUE de 23/01/2014. Foi concedido um prazo de 30 dias para o titular do processo requerer a legalização da atividade desenvolvida.
9. Em 19/08/2014 a Fiscalização informa que foi verificado que o uso indevido mantém-se e por tal facto foi lavrado auto de notícia de contra-ordenação pelo uso de armazém de carpintaria, sem a devida autorização de utilização.
10. Com base no desenvolvimento do presente processo e do processo da DREC (fls 1 a 42, em anexo), constata-se que o titular do processo desde 1990 não cumpriu as sucessivas notificações e ofícios relacionados com a atividade industria que e no armazém que foi ampliado sem a respetiva licença. Assim, proponho:
10.1 Conceder um último e improrrogável prazo de 45 dias, para o titular do processo requerer o eventual licenciamento da ampliação do edificado onde funciona a carpintaria e a respetiva alteração ao uso, tendo em conta o seguinte.
10.1.1. A sua não existência na planta topográfica de localização no âmbito do processo n° 633/80 (em anexo) e a planta topográfica de localização (fls 44) constante no presente processo, onde se verifica a ampliação para norte do armazém anteriormente existente.
10.1.2. A cobertura do armazém é composta por telhas de fibrocimento (conforme fotos anexas ao auto de vistoria de 10/01/2014).
10.2. Findo o prazo estabelecido no ponto 10.1, confirmando-se mais um incumprimento será proposto:
10.2.1. Ordenar o encerramento da atividade industrial, no prazo de 30 dias, nos termos do n° 1 do Art.° 109° do RJUE (Dec. - Lei n° 555/99 de 16 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.- Lei n° 26/2010 de 30 de março.
10.2.2. Comunicar a AZAE a eventual ordem de encerramento da atividade.
(...)’’ - cfr. fls. 29 dos autos (suporte físico);
E) Com data de 17.10.2014, por ofício n.° 11867, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Recorrente foi notificado do teor da informação técnica que antecede. - cfr. fls. 28 dos autos (suporte físico);
F) Com data de 22.03.2017, foi proferida «informação interna - serviço de fiscalização», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...) após deslocação à Rua P…, em São Vicente Pereira Jusã, verificámos que as máquinas estão instaladas no local. Não visualizámos móveis a serem executados, mas vestígios de laboração, que segundo o Sr. MP, faz pequenas reparações para familiares. (...)”.- cfr. fls. 24 dos autos (suporte físico);
G) Em 30.03.2017, no âmbito do processo n.° 132/2014, foi proferida «proposta de decisão n.° 44/2017», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte: [imagem que aqui se dá por reproduzida];
H) Por correio registado com aviso de receção - assinado em 07.04.2017-, o Recorrente foi notificado do ofício n.° 3194, datado de 05.04.2017, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Em referência ao processo de contraordenação em epígrafe identificado, fica V. Exa. notificado, na qualidade de arguido, do teor da DECISÃO, cuja fotocópia se anexa, proferida, em 31.03.2017, pela Autoridade Administrativa do Município de Ovar, Dr. DMMS, Vereador com competências subdelegadas, ao abrigo do despacho de delegação e subdelegação de competências de 17 de outubro de 2013, nos termos do n°2 do artigo 36o da Lei n° 75/2013 de 12 de setembro. Fica ainda notificado de que: a) Nos termos do art.° 59.0 do DL n.° 433/82, de 27 de outubro, na redação atual, a decisão transitará em julgado, tornando-se exequível, se não for impugnada judicialmente no prazo de 20 dias a contar da data da notificação, devendo efetuar o pagamento da coima e custas no prazo de 10 dias subsequentes àqueles 20; b) Em caso de impugnação judicial, o Tribunal competente pode decidir mediante audiência ou mediante simples despacho, se a tal não se opuserem o Ministério Público ou o arguido; c) No caso de impossibilidade de pagamento tempestivo ou em caso de dificuldades financeira, deverá a arguida comunicá-lo, por escrito, à Câmara Municipal, para ponderação das possibilidades de haver pagamento deferido ou em prestações, nos termos dos n.°s 4 e 6 do art.° 88.° do RJCO (.)”.- cfr. fls. 14 a 20 dos autos (suporte físico);
I) O Recorrente apresentou recurso de impugnação. - cfr. fls. 8 a 13 dos autos (suporte físico);
J) Com data de 17.05.2017, a Entidade Recorrida emitiu a «informação n.° 138/DP/SJ/2017, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual consta, além do mais, o seguinte: [imagem que aqui se dá por reproduzida]- cfr. fls. 6 a 8 dos autos (suporte físico);
K) O Recorrente exerce, esporadicamente, a atividade de carpintaria, em instalações sitas na sua moradia. - declarações do Recorrente e depoimento da testemunha JSF;
L) A moradia onde reside o Recorrente foi edificada em momento anterior a 1951. - declarações do Recorrente e depoimento da testemunha JSF;
M) O Recorrente está coletado relativamente à atividade de carpintaria que exerce. - declarações do Recorrente;
N) Na década de 90, o Recorrente tentou licenciar o exercício da atividade de carpintaria no local, junto da Direção Regional de Economia do Centro - procedimento que não concluiu. - declarações do Recorrente em sede de petição de impugnação.
O) O Recorrente não possui licença de exploração para o exercício da atividade de carpintaria neste local. - declarações do Recorrente e depoimento da testemunha IGV;
(…)”
*
III.2 - DO DIREITO
Cumpre decidir, sendo que as questões que se mostram controversas e objeto do presente recurso jurisdicional consistem em saber se a sentença recorrida incorreu (i) em erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 98°, n.°1, alínea d) e n.°4 do Regime Jurídico do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, ou, quando assim não se entenda, (ii) em erro notório na apreciação da prova, à luz do preceituado no artigo 410º, nº. 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação de direito vertida na sentença recorrida:
“(…)
Resulta da factualidade assente que no auto de notícia consta como arguido o Recorrente, que na Rua P…, freguesia de S. Vicente Pereira, em 19.08.2014, estava a ocupar armazém, “como carpintaria, sem que para o efeito seja possuidor da competente autorização de utilização, em desconformidade com o n.°5 do artigo 4° do RJUE.” [cfr. ponto A) do probatório]; e, que por decisão de 31.03.2017, proferida pela Câmara Municipal de Ovar foi o Recorrente condenado pela prática do ilícito de mera ordenação social previsto e sancionado nos termos da alínea d) do n.° 1 e 4 do artigo 98° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro - adiante, RJUE), tendo-lhe sido aplicada a coima de 500,00€ [cfr. pontos G) e H) do probatório].
Vejamos.
O artigo 5° do RJUE, na redação aplicável à data do auto de notícia, dispõe que:
“1 - A realização de operações urbanísticas depende de controlo prévio, que pode revestir as modalidades de licença, comunicação prévia ou autorização de utilização, nos termos e com as exceções constantes da presente secção.
(…)
5 - Está sujeita a autorização a utilização dos edifícios ou suas frações, bem como as alterações da utilização dos mesmos.”
O artigo 98° n.1 alínea d), n.°s 4 e 9, do mesmo diploma, dispõem, por sua vez, que:
“1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contra- ordenação:
(...)
d) A ocupação de edifícios ou suas frações autónomas sem autorização de utilização ou em desacordo com o uso fixado no respetivo alvará ou na admissão de comunicação prévia, salvo se estes não tiverem sido emitidos no prazo legal por razões exclusivamente imputáveis à câmara municipal;
(.)
4- A contra-ordenação prevista nas alíneas c), d), s) e t) do n.° 1 é punível com coima graduada de (euro) 500 até ao máximo de (euro) 100 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1500 até (euro) 250 000, no caso de pessoa coletiva.
(.)
9 - A tentativa e a negligência são puníveis.
(.).”
Ora, resulta da factualidade assente que o imóvel em questão foi edificado em momento anterior a 1951 [cfr. ponto J) do probatório]. Assim, atento o disposto nos artigos 1°, 2° e 8 do Decreto-Lei n.° 38382, de 7 agosto 1951 - e porque não foi alegado ou provado que o Recorrente haja realizado obras de reconstrução, ampliação ou alteração - não é exigível ao Recorrente que seja possuidor de uma licença de utilização relativamente ao edifício em causa.
Questão diversa é a obrigatoriedade de o Recorrente ser detentor de uma licença/título de exploração relativamente ao exercício da atividade de carpintaria no local.
Com efeito, como refere a Entidade Recorrida, o Decreto n.° 8364, de 2 de setembro 1922 estatuiu o “regulamento da higiene, salubridade e segurança nos estabelecimentos industriais”, subjetivamente aplicável as “(...) fábricas, oficinas, estabelecimentos industriais e comerciais, estábulos, laboratórios, dormitórios, cozinhas, adegas, armazéns, escritórios, teatros, circos, casas de espetáculos e estabelecimentos similares, serviços de carga e descarga e suas dependências, serviços de transportes, e, em geral, todos os locais onde se exerce um trabalho profissional, (.)”.
Por sua vez, o Decreto n.° 46924, de 28 março 1966 estipulou o “Regulamento de instalação e laboração dos estabelecimentos industriais”, aplicável a “(.) todo o estabelecimento onde se exerça atividade constante das rubricas da tabela anexa, (...)”, de onde consta a “Classe 26 - industria do mobiliário”.
Posteriormente, foi aprovado o Decreto-Lei n.° 109/91, de 15 de março, o qual teve por escopo estabelecer “(.) as normas disciplinadoras do exercício da atividade industrial, com o objetivo da prevenção dos riscos e inconvenientes resultantes da laboração dos estabelecimentos industriais, tendo em vista salvaguardar a saúde pública e dos trabalhadores, a segurança de pessoas e bens, a higiene e segurança dos locais de trabalho, o correto ordenamento do território e a qualidade do ambiente.” [cfr. artigo 1°], no qual se prevê, além do mais, que ‘(...)A licença de obras para instalar ou alterar um estabelecimento industrial só poderá ser concedida pela câmara municipal respetiva após o industrial fazer prova da autorização emitida para o efeito pela entidade coordenadora do respetivo processo de licenciamento industrial.” [cfr. artigo 8°] e, além do mais, um regime sancionatório próprio [cfr. artigo 16°].
O diploma que antecede, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.° 69/2003, de 10 de abril, definindo no seu artigo 2° “(.) q) «Licença de exploração industrial» decisão escrita relativa à autorização ou aprovação de exploração dos estabelecimentos industriais emitida pela entidade coordenadora; r) «Licença de instalação ou alteração» decisão escrita relativa à autorização para instalar ou alterar um estabelecimento industrial, emitida pela entidade coordenadora; (.)” e, prevendo, além do mais, a necessidade de uma licença ou autorização de obras e de utilização [cfr. artigo 13°] e uma licença de exploração industrial [cfr. artigo 14°], a que acresce a previsão de um regime sancionatório próprio [cfr. artigo 21°].
Mais tarde, veio a ser aprovado do Decreto-Lei n.° 209/2008, de 29 outubro que, revogando o diploma anterior, aprova o regime de exercício da atividade industrial, aplicável à atividade em apreço, por se enquadrar na “Divisão 31 - fabricação de mobiliário e colchões” [cfr. anexo I], definindo expressamente a “licença de exploração” [cfr. artigo 2°, alínea o)], com regime sancionatório próprio [artigo 57°].
E, em 2012, foi publicado o Decreto-Lei n.° 169/2012, de 1 agosto, que visou aprovar o “Sistema da Indústria Responsável” e revogou o Decreto-Lei n.° 209/2008. Neste regime atualizado, prevê-se no seu artigo 25°, sob a epígrafe “Título de exploração” que “A exploração de estabelecimento industrial objeto do procedimento de autorização prévia individualizada só pode ter início após o requerente ter em seu poder título de exploração, emitido nos termos previstos nos números seguintes.” (nº.1), e, também aqui, um regime sancionatório próprio [cfr. artigo 75°].
Posto isto, analisada a sucinta resenha de regimes legais aplicáveis ao longo do tempo ao licenciamento de uma atividade industrial, em cujo âmbito o legislador tem vindo a enquadrar a atividade de carpintaria (fabricação de mobiliário) - in casu, a atividade exercida pelo Recorrente [cfr. ponto K) do probatório] -, a que acresce a isenção de licença de utilização relativamente ao edifício em causa, por ter sido construído antes de 1951, o Tribunal conclui que o Recorrente não praticou a infração que lhe vem imputada.
É que, do que acabamos de expor resulta que não consta dos citados regimes a pretensa equiparação entre licença/título de exploração e licença de utilização; e, ainda que a mesma exista no âmbito do Decreto-Lei n.° 370/99, de 18 setembro, este diploma, por força do regulamentado na Portaria n.° 33/2000, de 28 de janeiro, não se aplica à situação em apreço.
Com efeito, como bem alega o Recorrente, a Entidade Recorrida labora em erro quanto a duas realidades: a licença de utilização e a licença de exploração.
E, se é certo que o Recorrente não possui a segunda (licença de exploração), é também verdadeiro que, por força da data de construção do imóvel em causa (antes de 1951) e não tendo sido alegada a execução de qualquer obra de alteração, reconstrução ou ampliação, o Recorrente não está obrigado a possuir a licença de utilização, que só veio a ser instituída pelo Decreto n.° 38382.
Assim, a verdade é que a conduta pela qual vem o Recorrente acusado na situação em apreço, por força da factualidade assente, e ante o enquadramento legal expendido, não constitui infração.
Destarte, impõe-se assim julgar procedente o recurso apresentado pelo Recorrente e, determinar a sua absolvição.
(…)”.
Recapitulando o que se vem de expor, temos que o Tribunal a quo decidiu que, tendo o prédio visado nos autos sido edificado em momento anterior a 1951, e porque não foi alegado ou provado que o Recorrente haja realizado obras de reconstrução, ampliação ou alteração - não é exigível que este seja possuidor de uma licença de utilização relativamente ao edifício em causa, não carecendo a atividade de carpintaria exercida no local de qualquer autorização de utilização por não constar dos citados regimes a pretensa equiparação entre licença/título de exploração e licença de utilização, sendo que, ainda que a mesma existisse no âmbito do Decreto-Lei n.° 370/99, de 18 setembro, este diploma, por força do regulamentado na Portaria n.° 33/2000, de 28 de janeiro, não se aplica à situação em apreço.
O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, no mais essencial, por entender que a sentença recorrida assenta em erro e confusão de conceitos, pois, embora as construções edificadas anteriormente a 1951 não estivessem sujeitas a licença de utilização, se nelas fosse instaurada qualquer umas das atividades previstas nas Portarias 5046, 5049 e 6065, como era o caso da oficina de carpintaria do aqui arguido, seria necessário obter o correspondente alvará de licença sanitária.
Mais defende que, tendo sido efetuadas obras de ampliação da edificação, pelo menos desde 1980, o edifício passou a estar sujeito a alvará de licença, atualmente, a autorização de utilização, que o Recorrido nunca cuidou de obter, sendo que, sempre assim não se entenda, deverá ser o processo ser reenviado para novo julgamento, por erro notório da prova, já que se imporia à Sra. Juíza a quo, da análise global da prova que fundou a matéria de facto dada como provada, dar igualmente por provada a ampliação para norte do armazém anteriormente existente, a qual era inexistente na planta topográfica de localização no âmbito do processo n.° 633/80 e, daí que só se possa concluir que tal ampliação ocorreu em momento posterior.
Vejamos.
O arguido, aqui recorrido, foi condenado pela prática de um ilícito de mera contra-ordenação social, traduzido no exercício da atividade de carpintaria em edificação anterior a 1951 sem para o efeito ser possuidor da respetiva autorização de utilização.
Ora, deve-se considerar assente que as construções edificadas antes da publicação do RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de agosto de 1951, não carecem de licença/autorização de utilização, desde que devidamente comprovada, para além da sua antiguidade, a inexistência de obras recentes sujeitas a licença de utilização.
Independentemente da regra acima citada ser válida para as operações urbanísticas em geral e não para a implementação de atividades económicas, existe, desde logo, uma questão que ressalta do recurso, e que se prende com as alegadas obras de ampliação da edificação posteriores a 1980.
De facto, defende o Recorrente que, perante os factos provados em D), do qual evola a ampliação para norte do armazém anteriormente existente, sempre se impunha outra ilação que não uma que concluísse que: ”(…) por força da data de construção do imóvel em causa (antes de 1951) e não tendo sido alegada a execução de qualquer obra de alteração, reconstrução ou ampliação, o recorrente não está obrigado a possuir licença de utilização (…)”.
E, efetivamente, defende bem.
Na verdade, como se viu supra, as construções edificadas antes da publicação do RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de agosto de 1951, não carecem de licença/autorização de utilização, exceto se nelas forem posteriormente realizadas de obras sujeitas a licenciamento.
E nesta excecionalidade atinente à realização de obras recentes sujeitas a licenciamento prévio reside o “ punctum saliens” do argumento em análise.
Neste domínio, cabe notar que vem referido na informação de 22.09.2014 vertida na alínea d) do probatório que:
“(…)
10. Com base no desenvolvimento do presente processo e do processo da DREC (fls 1 a 42, em anexo), constata-se que o titular do processo desde 1990 não cumpriu as sucessivas notificações e ofícios relacionados com a atividade industria que e no armazém que foi ampliado sem a respetiva licença. Assim, proponho:
10.1 Conceder um último e improrrogável prazo de 45 dias, para o titular do processo requerer o eventual licenciamento da ampliação do edificado onde funciona a carpintaria e a respetiva alteração ao uso, tendo em conta o seguinte.
10.1.1. A sua não existência na planta topográfica de localização no âmbito do processo n° 633/80 (em anexo) e a planta topográfica de localização (fls 44) constante no presente processo, onde se verifica a ampliação para norte do armazém anteriormente existente.
10.1.2. A cobertura do armazém é composta por telhas de fibrocimento (conforme fotos anexas ao auto de vistoria de 10/01/2014).
(…)”.
Do circunstancialismo fáctico ora evidenciado destaca-se a certeza férrea de que, no ano de 2014, os serviços camarários da Câmara Municipal de Ovar detetaram que o arguido, aqui recorrido, ampliou o armazém onde desenvolve a sua atividade comercial sem a respetiva licença, não sendo tal ampliação detetável nas peças topográficas de procedimento camarário datado de 1980.
Provindo esta materialidade de documento autêntico não impugnado pelo Recorrido, deve ter-se por assente que as obras de ampliação [para norte do armazém anteriormente existente] detetadas pelos serviços camarários sem a respetiva licença foram, efetivamente, realizadas pelo Recorrido posteriormente a 1980.
Assente a realidade que se vem de expor, e sopesando a máxima que supra se expôs, no sentido as construções edificadas antes da publicação do R.G.E.U., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de agosto de 1951, não carecem de licença/autorização de utilização, assoma evidente que, quanto às referidas obras de ampliação, é exigível ao Recorrente que seja possuidor de uma licença de utilização relativamente ao edifício em causa.
Porém, o Recorrido não cuidou de a obter.
Deste modo, apontando os factos apurados nos autos para prática do ilícito de mera ordenação social previsto e sancionado nos termos n.°5 do artigo 4 e da alínea d) do n.° 1 e 4 do artigo 98°, ambos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida, que, assim, se não pode manter.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos [art. 608º n.º 2 do C.P.C], impondo-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.
Assim se decidirá.
* * *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.
Custas pelo Recorrido.
Registe e Notifique-se.
Porto, 12 de julho de 2019
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco