Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00215/07.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC;
MÉTODOS INDIRECTOS COM CORRECÇÕES TÉCNICAS;
INDEFERIMENTO INDEVIDO DO PEDIDO DE ABERTURA DO PROCEDIMENTO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL.
Sumário:
I – A ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de abertura do procedimento de revisão da matéria tributável, qualquer que tenha sido a natureza da motivação dessa decisão, é uma causa de ilegalidade da liquidação subsequente, invocável como causa de pedir da anulação desta nos termos da regra da impugnação unitária plasmado no artigo 54 do CPPT.

II - O indevido indeferimento do pedido de abertura do procedimento de revisão, ao preterir o acto de fixação da matéria tributável pelo órgão competente, ao cabo do devido procedimento de revisão, afectou transversalmente a legalidade de toda a fixação da matéria tributável e, consequentemente, a legalidade de toda a liquidação do imposto, pelo que o erro da AT sobre a caducidade do direito a pedir a revisão da matéria tributável nos termos do artigo 91º da LGT implica anulação total – não apenas parcial – das liquidações impugnadas.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I
Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), interpôs o presente recurso de apelação, inconformada que ficou com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 16/06/2020, que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativas ao exercício de 2003, no valor total de 39 979,21 €, instaurada por [SCom01... S.A]. e, entretanto, prosseguida pela respectiva Massa Insolvente.

Termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação adicional de IRC, com o n.° ...37, relativa ao ano de 2003, no montante de € 39.979,21.
B. Constituem fundamentos desta impugnação: a tempestividade do pedido de revisão da matéria colectável, apresentado na sequência de correcções perpetradas em sede de procedimento inspectivo realizado à impugnante; a ilegalidade de todas as correcções resultantes daquele procedimento (quer das correcções resultantes da aplicação de métodos indirectos, quer das correcções meramente aritméticas); e o erro sobre os pressupostos de facto, no que respeita à não consideração, para efeitos fiscais, de parte dos encargos financeiros suportados.
C. A douta sentença de que se recorre concluiu pela procedência desta impugnação, considerando o pedido de revisão da matéria colectável, apresentado nos termos do artigo 91º da LGT tempestivo, “pelo que a A.T. não poderia emitir a liquidação adicional do imposto, nem mesmo da parte decorrente das correcções aritméticas”, porquanto,
D. “conforme decorre a contrario do n.° 14 do artigo 91 ° da L.G.T., o disposto neste artigo também abrange as correcções aritméticas da matéria tributável que não sejam resultantes de imposição legal, tal como acontece nas correcções no caso em apreço”.
E. ordenando a anulação da liquidação impugnada, “ficando prejudicado o conhecimento do vicio decorrente do erro sobre os pressupostos de facto, no que respeita à não consideração, para efeitos fiscais, de parte dos encargos financeiros”.
F. A sentença recorrida considerou como assente a factualidade elencada nas alíneas A) a K) dos “Factos provados”, os quais aqui se destacam, por terem relevância para a discussão, as alíneas: B) a D).
G. Para a fixação da matéria tida como provada o Tribunal a quo “baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A. que não foram impugnados, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório”, não tendo como relevante a prova testemunhal produzida.
H. No entanto, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a FP conformar-se com o doutamente decidido, como a seguir se demonstrará.
I. O douto Tribunal a quo, após concluir pela tempestividade do pedido de revisão da matéria colectável, entendeu que, “a A.T. também estava impedida de emitir a liquidação correspondente às correcções aritméticas”, com base numa interpretação a contrario do disposto no nº 14 do artigo 91º da LGT.
J. Considerou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, aligeirando, na nossa opinião e com o devido respeito, a decisão final, que ali se encontram abrangidas “as correcções aritméticas da matéria tributável que não sejam resultantes de imposição legal, tal como acontece nas correcções no caso em apreço”, ordenando, a final, a anulação da totalidade da liquidação impugnada.
K. Acontece que, entende a FP, com o respeito devido pelo que assim vem decidido, que a douta sentença sob recurso olvidou fundamentar o motivo porque entende que as correcções meramente aritméticas, no caso em apreço, não são resultantes de imposição legal e, como tal, deveriam ser apreciadas no âmbito do pedido de revisão da matéria colectável.
L. Considera, assim, a FP que a douta sentença sob recurso preteriu um dos pressupostos necessários ao julgamento da causa, encontrando-se eivada do vício de falta de fundamentação, que importa a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº a, al. a) do CPC.
M. Acontece que, a Meritíssima Juiz a quo proferiu decisão aderindo, sem mais, às alegações da impugnante, sem que esta adesão total fosse sequer devidamente fundamentada, limitando-se, tão só, a referir que “a A.T. também estava impedida de emitir a liquidação correspondente às correcções aritméticas, uma vez que, conforme decorre a contrario do n.° 14 do artigo 91.° da L.G.T., o disposto nesse artigo também abrange as correcções aritméticas da matéria tributável que não sejam resultantes de imposição legal, tal como acontece nas correcções no caso em apreço”.
N. Não elucida a douta sentença sob recurso o porquê de concluir como concluiu, nem esclarece porque entende que as correcções aritméticas em causa não resultam de imposição legal, não efectuando a devida análise crítica do itinerário percorrido no sentido da conclusão obtida, não permitindo assim um juízo seguro quanto à alegada ilegalidade das correcções aritméticas desconsideradas.
O. O cumprimento do dever de fundamentação das sentenças tem de deixar claro o porquê da decisão tomada de forma a permitir a avaliação segura e cabal do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
P. Apenas se exige que o Juiz deixe consignada nos autos a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que decidiu daquela forma e não de outra, in casu, porque aderiu à tese da impugnante vertida na petição inicial (artigos 60 n2 3 e 4 do CPC) e que seja convincente nessa motivação, devendo transparecer, inequivocamente, a forma como julgou a matéria de facto dada como provada.
Q. Os destinatários da decisão têm o direito de conhecer os fundamentos de facto e os fundamentos de direito que estiveram na base da decisão, sendo nessa fundamentação que deve ser encontrada a sua legitimação, sob pena de nulidade da mesma, porquanto com total ausência de fundamentação, não pode a FP sindicar tal decisão, por falta de um dos pressupostos necessários, não sendo possível aferir se, no caso em apreço, foi bem ou mal aplicado o direito correspondente.
R. Quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu, deverá entender-se que se está perante uma nulidade da sentença por falta de fundamentação (cfr. artigos 125º do CPPT e 615º, nº 1, al. b) do CPC).
S. No caso em apreço, não especificou a douta sentença em análise, os fundamentos que justificam a sua decisão, não esclarecendo as razões que a levaram a aderir, na integra, às alegações da impugnante, não sendo suficiente concluir no sentido pugnado por esta, em violação do disposto no artigo 2052, n2 1 da CRP nos artigos 1542 e 6072, n2 2 do CPC.
T. Impõe-se, assim, a anulação da sentença controvertida e a prolação de uma nova, na qual deverá constar a discriminação de todos os factos ou elementos de facto provados com interesse para a decisão da causa, bem como a especificação dos fundamentos de direito (artigo 662º do CPC).
Não obstante e sem prescindir,
U. pese embora o vício invocado, entende a FP que a sentença sob recurso padece ainda de erro de julgamento de direito, porquanto considera que as correcções aritméticas em causa resultam de imposição legal.
V. Em causa nos autos estão encargos com empréstimos bancários não aceites como custo, nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC, correcções estas devidamente fundamentadas, de facto e de direito, no RIT junto aos autos - cfr. ponto III.2 do RIT (fl.s 5 a 7).
W. As correcções em crise não resultaram da mera análise das declarações apresentadas pela impugnante, tendo sido necessário, no âmbito do procedimento inspectivo, obter elementos adicionais referentes aos encargos e impostos contabilizados e declarados como custo do exercício pela impugnante.
X. O artigo 91º, nº 14 da LGT dispõe que “as correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal e as questões de direito, salvo quanto referidas aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável, não estão abrangidos por esse artigo”, logo, as correcções meramente aritméticas da matéria tributável
resultantes de imposição legal não admitem a revisão da matéria colectável, nos termos do art. 91º da LGT.
Y. Ora, tal como nos aponta o douto Acórdão do STA, de 2002/04/26, proc. 037/02, “A matéria colectável pode ser fixada através de três tipos de correcção (...), na correcção aritmética, a matéria colectável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação - directo ou indirecto - para determinar o imposto devido: a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objectivo de garantir a exactidão das autoliquidações”.
Z. “Distintas desta são as correcções técnicas que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte.
É o que sucede com a qualificação de encargos como não dedutíveis para efeitos fiscais (...). Estas correcções (...) alteram a matéria colectável”, sendo “esta alteração (...) mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou” (destacado nosso).
AA. Por fim, “as correcções podem ter ainda outra natureza (...) o que acontece quando a administração tributária se socorre de métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha”.
BB. O nº 4 do artigo 91º da LGT afasta do âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável “as correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imperativo legal”, conceito que integra, tal como concluiu aquele citado acórdão, “as correcções que não se limitam a garantir a exactidão, tout court, das liquidações (que não vem expressamente prevista na lei por, até, desnecessário, nos preditos termos, e, portanto, não resulta do dito imperativo legal), antes dimanam da previsão, nas leis tributárias, de métodos directos de fixação da matéria tributável - as ditas correcções técnicas”.
CC. E seguindo ainda as palavras do mesmo aresto, estão em causa “correcções que normativamente se impõem à Administração e aos contribuintes de modo estritamente vinculado (ainda que através do preenchimento de conceitos indeterminados), como nomeadamente, acontece com a qualificação de custos - artigo 23° do CIRC - ou com a matéria das amortizações e reintegrações” - v. ainda o douto acórdão do STA, de 21/10/2015, proc. 8/3/13-30.
DD. Posto isto, mais não será preciso dizer para facilmente se constatar estarem em causa nos autos correcções meramente aritméticas resultantes de imposição legal, as quais se encontram fora do âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, conforme o disposto no nº 14 do artigo 91º da LGT.
EE. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo concluir que “a A.T. também estava impedida de emitir a liquidação correspondente às correcções aritméticas”, por entender que as correcções aritméticas em crise nos autos não são resultantes de imposição legal, ordenando, a final, a anulação da totalidade da liquidação impugnada, pois é nossa opinião que a tempestividade do pedido de revisão apresentado apenas poderá inquinar a parte da liquidação resultante das correcções com recurso a métodos indirectos (no valor de € 270.597,86).
FF. Face ao exposto, com a ressalva do respeito devido, entende a FP que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por errónea interpretação do disposto no artigo 91º, nº 14, da LGT, o que conduziu a errada subsunção dos factos ao direito aplicável.
GG. Em conclusão, e face a tudo o que vem exposto, entende a FP, sempre com o respeito devido, que a douta sentença sob recurso encontra-se eivada do vício de nulidade por falta de fundamentação (cfr. artigos 125º do CPPT e 615º, nº 1, al. b) do CPC),
HH. padecendo ainda de erro de julgamento de direito, por errónea interpretação da lei, o que conduziu a que errasse ainda na subsunção dos factos ao direito aplicável, in casu, o disposto no artigo 91º, nº 4 da LGT.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser considerada nula a douta sentença recorrida, com as legais consequências ou, caso assim não se entenda,
Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por erro de julgamento, com as legais consequências.»
*
A Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:
«a) A impugnante nos autos, aqui Recorrida, foi declarada insolvente por douta sentença proferida pelo (extinto) Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, ... Juízo de ..., no dia 01-03-2010, às 06:00 horas, sob o processo n.° ..8/09...TYVNG, tendo o anúncio da declaração de insolvência foi publicado no Diário da República n.° .../2010, Série II de ..., sob o anúncio n.° ..00/2010, de 31 de Março, tendo sido nomeado como Administrador da Insolvência (conforme designação legal usada na altura), o Dr. «AA».
b) Atenta a invocada declaração de insolvência, e a caducidade do mandato que tinha sido conferida pela Insolvente, foi o Sr. Administrador da Insolvência notificado para provir pela regularização do mandato, com vista a prossecução da demanda em representação da Massa Insolvente (nos termos do art. 46.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e não da sociedade insolvente.
c) O aresto impugnado não enferma de nenhuma dos vícios que lhe são imputadas pela Recorrente, designadamente: nulidade por falta de fundamentação e, muito menos, do vício de erro de julgamento de direito, sendo que a decisão em crise foi a única que, após treze anos de processo judicial, curou pela reposição da verdade material e aplicou de forma consistente o direito aos factos.
D) Extrai-se das alegações da Recorrente, uma contradição nos seus termos e na identificação das nulidades de que a mesma padece, uma vez que entende que a fundamentação da matéria de facto e, outrossim, a motivação para a decisão sobre a matéria de facto se encontra, deficientemente fundamentada (se não mesmo, totalmente ausente) mas de seguida ataca a decisão alegando que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido sobre o artigo 91.0, n.° 14 da LGT não se coaduna com a concreta subsunção dos factos ao direito.
e) A Recorrente, entendeu na integralidade o aresto, e percebeu de forma suficientemente esclarecida, cabal e contextualizada todos os elementos constantes da decisão.
f) Em relação a tal factualidade, podemos, desde já, apontar - porque inteiramente previsto na Jurisprudência, que nenhum vício pode ser assacado à decisão, porque para além da impugnada e aqui recorrente, ter entendido, o sentido, alcance e efeitos da decisão recorrida, (ii) por outro lado vemos que as circunstâncias factuais que determinaram a aplicação do direito se encontram devidamente suportadas, quer por via dos factos julgados como provados, quer por via da motivação atinente à tomada de decisão e, outrossim, da subsunção destes à Lei.
g) Vejamos, a este respeito, o que ensina o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 13.07.2017, no âmbito do processo n.° 00011/05.0BEVIS, segundo o qual: “Só ocorre a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto e/ou de direito, quando essa falta seja absoluta."
h) Foi a AT que por sua exclusiva decisão, decidiu pela extemporaneidade da apresentação do pedido de revisão da matéria colectável (previsto nos artigos 91.0, e 92.0, da LGT) e, como tal, com base no erro de facto que cometeu, deu andamento ao procedimento para a emissão das liquidações objecto de impugnação, o qual lhe estava vedado em função de ter preterido um direito legalmente protegido da impugnante.
i) Assim, ao ser ilegal o erro de facto (consubstanciado num vício de violação de lei) cometido pela AT aquando da desconsideração do pedido de revisão (o qual foi considerado apresentado in tempore, pelo Tribunal a quo) tal procedimento acarreta a anulação da liquidação que a Recorrida impugnou, desde logo, e pela especial circunstância de lhe ter sido vedado o exercício de um direito constitucional e legalmente protegido - cfr. artigos 266°, n.° 1, da CRP e 8.° e 91.0, da LGT
j) A única circunstância que poderia estar inserida em termos de factualidade provada pelo Tribunal deveria, sim, cingir-se à questão relativa à declaração de insolvência da impugnante, com o devido averbamento de que a mesma está a ser representada em juízo pela Massa Insolvente, a qual se formou após a declaração de insolvência da impugnante.
k) A decisão tanto está fundamentada que a Fazenda Pública entendeu o sentido e alcance, bem como entendeu os pressupostos de facto e os fundamentos de direito em que a mesma se baseia; aliás, a Recorrente caí numa contradição, quanto refere que a fundamentação é insuficiente e, como tal, insusceptível de se lhe achar um caminho lógico que permita chegar à conclusão que se encontra vazada no dispositivo e, ao mesmo tempo, ataca a decisão quanto à interpretação das normas jurídicas vazadas no aresto, maxime art. 91.°, n.° 14, da LGT.
l) A decisão impugnada não padece do vicio de nulidade por falta de fundamentação, pelo que nenhum reparo merece nesta sede, e a merecer apenas o seria quanto a dar como provado que a impugnante, nos termos constantes do ponto prévio e da prova documental dos autos, tinha sido declarada insolvente e, por ora, é a Massa Insolvente que vem figurando nos autos.
m) Quanto ao alegado erro de julgamento de direito, importa clarificar que aquando da apresentação em juízo da petição de impugnação e tendo em conta os critérios normativos previstos no artigo 99.0, do CPPT foram imputados à impugnação dois vícios de violação de lei, um decorrente da desconsideração do pedido de revisão da matéria colectável (violação dos artigos 91.0 e 92.0, da LGT) e, ainda, um segundo vício de violação de lei decorrente da imperfeita e insuficiente interpretação e respectiva aplicação do artigo 23.0, n.° 1, al. c), do CIRC, hodiernamente art. 23.0, n.° 2, al. c.
n) Ora, este segundo vício de violação de lei, conforme consta da sentença em crise, ficou prejudicado no seu conhecimento pelo douto tribunal, porquanto em face da total procedência do primeiro vício, o Tribunal entendeu, e bem, que a análise decorrente do erro sobre os pressupostos de facto, no que à não consideração dos encargos financeiros diz respeito, quedava prejudicado o seu conhecimento.
o) De todo o modo, a Recorrente no que concerne com o alegado erro de julgamento de direito, começa por invocar que as correcções aritméticas que resultarem de imposição legal não admitem a revisão da matéria colectável.
p) Olvidou-se, contudo, a Recorrente de explicitar é que as correcções aritméticas resultaram da circunstância da AT não ter considerado como encargo dedutível, parte dos encargos financeiros que foram suportados pela recorrida com financiamentos por ela feitos, em sociedades nas quais detinha participação societária, talqualmente consta quer do pedido de revisão da matéria tributável e, outrossim, na petição de impugnação.
q) Pelo que, num juízo interpretativo do conceito normativo previsto no artigo 91.°, n.° 14 da LGT, “a contrario”, tal implicava que esta questão, referente às correcções aritméticas, deveriam ter sido apreciadas, discutidas e decididas em sede do pedido de revisão da matéria colectável, porque estas resultaram da desconsideração, como encargo dedutível para efeitos fiscais, dos financiamentos que foram feitos pela impugnante, na forma de suprimentos, em sociedades nas quais detinha participação societária.
r) Daí que, com a apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, nos termos em que estipula a interpretação feita, à contrario, do n.° 14, do art. 91.0, da LGT tal implicava que as correcções em crise fossem apreciadas no âmbito do procedimento de revisão, pelo que, bem andou o Tribunal a quo, quando nos refere que: De facto, a A.T. também estava impedida de emitir a liquidação correspondente às correcções aritméticas, uma vez que, conforme decorre a contrario do n.° 14 do artigo 91.0 da L.C.T., 0 disposto nesse artigo também abrange as correcções aritméticas da matéria tributável que não sejam resultantes de imposição legal, tal como acontece nas correcções no caso em apreço (transcrição do aresto recorrido).
Todavia, a Recorrente assume uma posição divergente e alega que as correcções aritméticas vertidas no RIT, resultam de imposição legal e, como tal, as mesmas não são enquadráveis nos termos da previsão normativo ínsita no n.° 14 do art. 91.0, da LGT, mas não fundamenta nem expende os seus argumentos, no sentido de justificar o quid de entender que tais correcções aritméticas resultam de imposição legal e não do seu contrário.
t) Tal como consta do RIT (fls. 6) a AT optou por fazer uma interpretação imperfeita das razões e objectivos subjacentes ao recurso a capitais alheios, tendo, incluso, feito uma interpretação do princípio da indispensabilidade, previsto no artigo 23.0, do CIRC, de forma muito peculiar e ao arrepio do próprio critério normativo, bem como da jurisprudência assente e da doutrina que se tinha versado sobre tema, veja-se a este propósito o que consta inscrito no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.° 0372/16, em 15-11-2017.
u) Assim, e em todo o caso, e uma vez que as correcções aritméticas não resultaram de imposição legal, a tempestividade do pedido de revisão que foi apresentado nos autos, inquina quer estas (atento ao conteúdo enunciativo exposto pelo sujeito passivo no pedido de revisão e em sede de impugnação) quer as correcções decorrentes do recurso a métodos indirectos.
v) Pelo que, a sentença em crise não enferma de nenhum dos vícios que lhe são assacados pela Recorrente, designadamente erro de julgamento de direito, quanto à errónea interpretação do art. 91.0, n.° 14.0, da LGT, nem tampouco padece de nulidade por falta de fundamentação, tando que, conforme constam das alegações e conclusões, a Recorrente entendeu e alcançou todo o incisivo jurídico e factual vazado no aresto em crise.
w) Sendo que, a decisão impugnada é a única que se impõe em face do circunstancialismo provado e do Direito que lhe é aplicado, não merecendo, assim, nenhum reparo.»




*
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível, no que toca ao que efectivamente foi objecto de recurso, aos seguintes excertos:
«(… )
Inconformada com a sentença proferida nos presentes autos, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a neles identificada a liquidação adicional de IRC de 2003, no montante de €. 39979,21, da mesma recorreu a AT, imputando-lhe, para além do vício da nulidade por falta de fundamentação, erro de julgamento (que circunscreveu à matéria de direito).
Sabido sendo que são as respectivas conclusões que definem e delimitam o objecto e o âmbito dos recursos (cfr. arts 635º, nºs 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPCivil).
Isto posto, cremos não estar a razão do lado da recorrente - seja quanto a um, seja quanto a outro dos vícios que afirma enxergar na sobredita sentença.
Antes se nos afigurando que tal decisão evidencia a observância dos princípios e regras legais atinentes à avaliação dos elementos probatórios relevantes para efeitos de formação da convicção do julgador (cfr. artº 607º, nº5 do CPCivil), bem como acertado e completo tratamento jurídico da correspondente matéria, em função do objecto do processo - como decorre da respectiva fundamentação e, no que concerne à invocada omissão de pronúncia, também do explicitado a respeito no despacho que ordenou a subida do recurso (cfr. SITAF, pág. 248). 
Competindo, neste ponto, ter presente que, conforme constitui há muito entendimento doutrinária e jurisprudencialmente consolidado, a falta de fundamentação prevista na al. b) do n.º 1, do artigo 615º do CPC só existe quando há falta absoluta de motivação, não consubstanciando tal vício/omissão a mera insuficiência, deficiência ou mediocridade da mesma (motivação) - que afectando, embora, o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, não gera a sua nulidade (cfr., entre outros, Acórdão do STA de 26/05/2022, tirado no Proc. nº 058/10.4BEPRT, publicado in www.dgsi.pt e Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 3- Edição, 2013, p.332).
E que, para efeitos do artº 91º, nº 4 da LGT, se consideram correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal "aquelas em que a administração tributária não recorre a qualquer método de avaliação da matéria colectável (directo ou indirecto) para determinar o imposto devido e se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações"(v. Acórdão do TCAN de 13/19/2013, tirado no Proc. n? 00120/03, publicado in www.dgsi.pt) - a que, salvo o devido respeito, se não reconduz, patentemente, a situação verificada e apreciada neste processo.
Neste entendimento,
não enfermando, a nosso ver, a sentença recorrida de quaisquer patologias que, do ponto de vista da legalidade, determinem ou justifiquem a sua revogação, deverá ser negado provimento ao interposto recurso.»
*
Dispensados os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
Questões a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos tribunais superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Assim, ante as conclusões enunciadas pela recorrente, julgamos que, por ordem lógica, as questões que a mesma pretende ver apreciadas por este Tribunal de apelação são as seguintes.

1ª Questão
É nula, a sentença recorrida, nos termos dos artigos 125º do CPPT e 615º nº 1 alª a) do CPC, por não apresentar fundamentação para a decisão de anular as liquidações impugnadas inclusivamente na parte procedente de correcções meramente aritméticas apesar de quanto a essas ser irrelevante a tempestividade do pedido de revisão da matéria tributável nos termos do artigo 91º da LGT?

2ª Questão
Se tal não ficar prejudicado pela resposta à questão anterior, haverá que apreciar se sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que lavrou no pressuposto de que as correcções técnicas efectuadas não resultaram de imposição legal quando na verdade resultaram, pois do que se tratou foi de desconsiderar determinados custos com financiamento bancário legalmente excluídos da relevância fiscal?




III
Apreciação do Recurso
Fundamentação
Para a discussão destas questões releva, antes de mais, a decisão tomada na instância recorrida em matéria de facto, cujo teor é o seguinte:
III. Fundamentação de facto
Factos provados
A) Ao abrigo da Ordem de Serviço n.° ...44, os Serviços de Inspecção Tributária efectuaram uma acção inspectiva à Impugnante, de âmbito parcial I.V.A. de 2001 e de âmbito geral para os exercícios de 2002 e 2003.
Relatório de inspecção tributária, a fls 31 a 50 do P.A..
B) A A.T. apurou, para o exercício de 2003, as seguintes correcções:
- correcções à matéria tributável de natureza aritmética: € 124.272,21.
- correcções à matéria tributável com recurso a métodos indirectos: € 270.597,86; originando um “Lucro tributável corrigido” de € 112.870,52.
Relatório de inspecção tributária, a fls 31 a 50 do P.A (em particular fls 32 e 33) e fls 41.
C) O Relatório de inspecção tributária e as notas de fixação foram remetidas à Impugnante pelo ofício n.° ...04, por carta registada com aviso de recepção assinado em 24/05/2006.
Fls 27 a 30 do P.A.
D) A Impugnante apresentou requerimento com pedido de revisão da matéria tributável.
E) Em 07/07/2006, foi elaborada Informação, com o seguinte teor:
1) OS FACTOS
1.1. Ao sujeito passivo acima identificado, foi fixada a matéria tributável de IRC respeitante aos exercícios de 2002 e 2003, respectivamente nos montantes de 145.525,60 € e 112.870,52 € com recurso a métodos indirectos, baseado no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária.
1.2. Desta decisão foi a reclamante notificada em 24/05/2006, data da assinatura do aviso de recepção, para contra ela reagir, se assim o entendesse, no prazo de 30 dias.
1.3. Efectivamente, deu entrada em 28/06/2006 no Serviço de Finanças ..., o pedido de revisão da matéria tributável anexo interposto, nos termos do art°. 91º. da L.G.T..
2) O DIREITO
2.1. O prazo de 30 dias para reclamar, é, por natureza, peremptório, substantivo, ou de caducidade, pelo que, contado nos termos gerais do art°. 279°. do Código Civil, por remissão do art°. 57°., n°. 3, da L.G.T., corre continuadamente desde o dia seguinte ao da notificação.
2.2. Significa por isso que, no caso concreto, a sua conclusão ocorreu no dia 23/06/2006.
2.3. É por conseguinte extemporânea a reclamação apresentada em 28/06/2006.
2.4. Acerca da situação em apreço, importará salientar que, por subordinação ao principio da legalidade, na sua actuação, a Administração Pública esta sujeita à Lei - art°. 3°. do Código do Procedimento Administrativo.
2.4.1. Assim, os Agentes da Administração Fiscal, só podem agir no exercício das suas funções, dentro dos limites por ela impostos.
3) A CONCLUSÃO
3.1. Face ao exposto, porque a petição para reclamar deu entrada nos Serviços para além dos 30 dias legalmente previstos, é a mesma intempestiva.
3.2. Razão pela qual, nos termos da alínea d), do art°. 83º. do CPA, a mesma deverá merecer despacho de indeferimento.
3.3. Da decisão do indeferimento poderá, querendo, interpor recurso hierárquico, nos termos e prazo referidos no art". 66a. do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Fls 54 do P.A.

F) Em 07/07/2006 foi elaborado Projecto de Decisão com o seguinte teor:
Verifica-se no processo que a notificação efectuada através do ofício nº ....29/0504, de 06/05/2006, se concretizou em 24/05/2006.
O Prazo de trinta dias referido no artigo 91º da Lei Geral Tributária, corre continuamente, nos termos do artigo 279º do CC, conjugado com o artigo 57º nº e da Lei Geral Tributária.
Sendo assim, o prazo para apresentação terminou em 23/06/2006,
Tendo o pedido de revisão dado entrada no Serviço de Finanças ... em 28/06/2006 é extemporâneo, e por isso o indefiro e determino o prosseguimento do processo para liquidação dos impostos que se mostrem devidos.
Notifique-se, para os fins previstos no art. ° 60. °, n.° 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, no prazo de oito dias e por forma escrita.
Fls. 54 do P.A.

G) Em 31/07/2006, foi elaborada Informação, com o seguinte teor:
Em complemento da informação n.° ..0/2006, de 07/07/2006, cumpre-me informar V. Ex.ª que a reclamante identificada em epígrafe foi notificada do projecto de decisão, em 11/0/2006 para exercer o direito de audição previsto no nº 1 do art. ° 61.° da Lei Geral Tributária, não o tendo feito dentro do prazo que lhe foi fixado.
Assim sendo, somos de parecer que o pedido de revisão deverá ser rejeitado por extemporâneo, devendo o processo prosseguir para efeitos de liquidação dos impostos que se mostram devidos.
Fls 53 do P.A

H) Em 31/07/2006, foi elaborado Despacho, com o seguinte teor:
Concordo com o informado
Em consequência, e com os fundamentos expressos na informação n. ° ..0/2006, indefiro e mando se arquive o pedido de revisão, prosseguindo o processo para liquidação dos impostos devidos.
Notifique-se o interessado, ficando ciente que, desta decisão cabe recurso hierárquico, nos termos e prazo constantes do art. ° 66. ° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Fls 53 do P.A.

I) Foi emitida a liquidação adicional de I.R.C. relativa ao exercício de 2003, com o montante a pagar de € 39.979,21.
Fls 16 a 18.
J) Do P.A. consta cópia do requerimento com pedido de revisão da matéria tributável com carimbo do qual consta: a data de 28/06/2006, n.° de entrada ....22 e a menção “Serviço de Finanças ... 6”.
Fls 56 do P.A.

K) Junto à P.I. foi apresentada cópia do requerimento com pedido de revisão da matéria tributável com carimbo do qual consta: a data de 22/06/2006, a menção “Repartição de Finanças ....° Bairro ...” e uma rúbrica.
Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
Motivação da decisão da matéria de facto
O acervo de factos provados baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A. que não foram impugnados, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.
Os depoimentos prestados pelas testemunhas não se mostraram relevantes para a presente decisão.

Da fundamentação em matéria de direito releva para o objecto do recurso, essencialmente, o seguinte excerto:
«Face ao exposto, será de considerar que o pedido de revisão foi apresentado em 22/06/2020, ou seja, dentro do prazo legalmente previsto; pelo que a A.T. não poderia emitir a liquidação adicional do imposto, nem mesmo na parte decorrente das correcções aritméticas. De facto, a A.T. também estava impedida de emitir a liquidação correspondente às correcções aritméticas, uma vez que, conforme decorre a contrario do n.° 14 do artigo 91.° da L.G.T., o disposto nesse artigo também abrange as correcções aritméticas da matéria tributável que não sejam resultantes de imposição legal, tal como acontece nas correcções no caso em apreço.
Face ao exposto, impõe-se a procedência da presente acção, determinando-se a anulação da liquidação impugnada.
(…)»

Voltemos ao objecto do recurso:

1ª Questão
É nula, a sentença recorrida, nos termos dos artigos 125º do CPPT e 615º nº 1 alª a) do CPC, por não apresentar fundamentação para a decisão de anular as liquidações impugnadas inclusivamente na parte procedente de correcções meramente aritméticas apesar de quanto a essas ser irrelevante a tempestividade do pedido de revisão da matéria tributável nos termos do artigo 91º da LGT?

Do extracto supra transcrito da fundamentação de direito retira-se a afirmação expressa de que a Mª Juiz a quo anulou os actos impugnados também na parte em que relevavam das autonomizadas correcções aritméticas porque entendia decorrer do artigo 91º nº 4 da LGT, a contrario sensu, que o procedimento de revisão de matéria tributável previsto nesse artigo é aplicável às correcções meramente aritméticas da matéria colectável não resultantes de imposição legal e que tal era o caso das correcções técnicas subjacentes aos actos tributários em crise.
A fundamentação aqui em causa é pobre, precisaria, até, de ser densificada quanto ao que se entende por “correcção meramente aritmética resultante de imposição legal”, mas não é inexistente.
Não se diga que por isso mesmo que aquele determinante conceito não vem minimamente densificado, é impossível ao destinatário normal reconstituir o raciocínio da Mª Juiz. Tal não basta para se concluir por uma falta de fundamentação. Note-se: a Sentença do processo tributário, como a de qualquer outro processo judicial, não é um acto administrativo, não vale para ela, sem mais, a rica doutrina sobre a fundamentação do acto administrativo. Nem tal se mostra ser imperativo constitucional, já que enquanto o acto administrativo se dirige em princípio, ao destinatário normal, a sentença tem como interlocutor, em princípio, um advogado que, munido dos conhecimentos próprios da ciência do Direito, poderá entender e sindicar a aplicação daquele conceito, como faz, aliás, in casu, o recorrente na segunda questão que integra o recurso.
Tanto basta para ser negativa a resposta a esta 1ª questão.

2ª Questão
Há, então, que apreciar se sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que lavrou no pressuposto de que as correcções técnicas efectuadas não resultaram de imposição legal quando na verdade resultaram, pois do que se tratou foi de desconsiderar determinados custos com financiamento bancário legalmente excluídos da relevância fiscal?

Poder-se-ia pensar que, atento o principio da legalidade que não só norteia como vincula bastante estritamente a actuação da Administração Tributária, o conceito de correcção técnica resultante de imposição legal, que o legislador do artigo 91º da LGT se representou abrange toda e qualquer correcção, inclusive essa que se limita a corrigir cálculo aritmético, pois também essas correcções, não apenas as que decorrem da exclusão ou aceitação de certos custos por força da Lei ou da interpretação que dela se faça, são imposição legal.
Porém, nessa interpretação quedaria sem objecto a distinção que o legislador do nº 14 parece ter pressuposto, entre correcções meramente aritméticas resultantes e não resultantes de imposição legal. Quanto ao objecto da distinção, parece-nos que o único logicamente possível será entre as correcções ditadas imediatamente pelo mero cálculo aritmético e só mediatamente pela lei, sem qualquer interferência no facto tributado tal como declarado pelo contribuinte, por um lado, e as ditadas por aplicação de normas de incidência ou conexas que alteram os pressupostos de direito da quantificação apresentada pelo contribuinte.
As correcções técnicas com fundamento em desconsideração, normativamente fundamentada, de custos contabilizados integram o segundo termo daquele binómio. Portanto, não são susceptíveis de revisão no procedimento de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91º da LGT.
Deste modo, é forçoso concluir que a Mª Juiz laborou em erro de direito quando invocou, como fundamento da decisão de anulação, em toda a medida, das liquidações impugnadas, a proposição jurídica de que as correcções matemática feitas à matéria tributável, no montante de € 124.272,21 não integravam a categoria excluída de revisão no procedimento da revisão da matéria tributável previsto no artigo 91º da LGT.

Dir-se-ia que tanto bastaria para o recurso proceder.
Não julgamos, sem embargo, que assim seja. Vejamos.
O raciocínio da Mª Juiz a qua, ao fundar no objecto de erro de direito acima exposto a anulação total das liquidações impugnadas, isto é, também no tocante à parte que relevou da matéria tributável alterada com base nas correcções técnicas, é o de que, sendo esta parte susceptível de procedimento de revisão, então a resposta negativa à questão da caducidade do direito a pedir o procedimento de revisão resultava na anulação de toda a liquidação, já que toda a matéria corrigida, pressuposto da liquidação, poderia ser objecto de revisão no referido procedimento.
Por sua vez, a Recorrente, embora não tenha suscitado esta distinção nos procedimentos de inspecção e de liquidação, pretende agora valer-se dela para, qualificando diversamente, nela, as correcções técnicas efectuadas, “salvar” uma parte da liquidação do imposto, no sentido de que esta apenas estaria inquinada pela ilegalidade procedimental integrada pela não abertura do procedimento de revisão na parte que relevou da correcção baseada em métodos indirectos.
Uma vez que foi a sentença que suscitou esta distinção, não consideramos questão nova, insusceptível de apreciação em recurso, esta questão de direito que as partes, na primeira instância, não suscitaram.
Apreciando a mesma, quid juris?
O raciocínio da recorrente ao invocar este erro, e do Juiz a quo, ao fundar nele a anulação total das liquidações impugnadas, isto é, também no tocante à parte da matéria tributável alterada com base em correcções técnicas, é o de que, não sendo esta parte susceptível de procedimento de revisão, então não se colocaria a questão da caducidade do direito a pedir este procedimento, pelo que as liquidações estariam nessa parte consolidadas na ordem jurídica, por não impugnadas directamente.
Sucede que o que se impugna nos autos não são as correcções à matéria tributável – meros actos do procedimento, posto que decisivos para a validade ou invalidade do acto final – mas sim e apenas as liquidações, que são, em princípio, o acto dotado de eficácia externa, o único susceptível de impugnação judicial, segundo a regra da impugnação unitária do acto tributário, veiculada pelo artigo 54 do CPPT.
Neste ponto do discurso convém deixar expresso que não vemos razão no entendimento de que a decisão de indeferimento de abertura do procedimento de revisão da matéria tributável, quando exclusivamente por extemporaneidade, deva ser tomada como um acto destacável do procedimento tributário, por imediatamente lesiva, com o consequente ónus da impugnação autónoma em processo próprio, pelo contribuinte, aliás, já não mediante impugnação judicial mas mediante acção administrativa nos termos das alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT.
Na verdade, se é certo que dessa decisão de indeferimento resultam imediatamente a possibilidade da imediata liquidação e se gora a possibilidade da procura de um consenso com o Fisco, também o é que sempre é o que sucede, sejam quais forem os fundamentos do indeferimento, aliás não se logra cogitar, em abstracto, alternativa a este fundamento (intempestividade) para o indeferimento da abertura do procedimento de revisão, se não a inexistência de avaliação indirecta a rever. Por outro lado, também a fixação da matéria tributável por métodos indirectos, a rever no procedimento, se consolidará na ordem jurídica, em ordem a um determinado resultada da liquidação, se não for requerido o procedimento de revisão, com consequências indeléveis na liquidação, e nem por isso se mostra sustentável a impugnação autónoma.
Bem vistas as coisas, a lesão é sempre mediata, pois só a liquidação, que é o escopo último do procedimento, bulirá definitivamente com a esfera jurídica do contribuinte.
Não se diga que o acto de indeferimento do procedimento de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91º da LGT – que, note-se, não se deve confundir com o pedido de revisão oficiosa do acto tributário, regulado no artigo 78º do mesmo diploma – não versa sobre a legalidade da liquidação, para se alegar que a forma de processo devida é a acção administrativa nos termos da alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT, segundo a qual a acção administrativa é o meio processual própria para a “impugnação ou condenação à prática de acto administrativo legalmente devido relativamente a outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação”;
Na verdade, se o procedimento de revisão da matéria tributável tem efeito suspensivo da liquidação (artigo 91º nº 2 da LGT) o que implica que, antes de precludido o prazo para o seu requerimento aquela não pode ser emitida Neste sentido, vide anotação ao artigo 91º da LGT na LGT anotada de Lopes de Sousa e outros, 2012, 4ª edição, páginas 91, 92., então, o indevido indeferimento da abertura de tal procedimento torna ilegal a liquidação emitida com a sua preterição, pelo que não se trata de um acto cuja legalidade não deva relevar para a legalidade da liquidação, portanto, que não seja susceptível de ser abrangido pela impugnação judicial unitária (cf. artigo 54º do CPPT) da consequente liquidação, para ter de ser impugnado autonomamente mediante acção administrativa nos termos da citada alª p).
Por fim, mas não por último, não se vê motivo razoável para fazer uma duvidosa ou duvidável excepção à regra do artigo 54º do CPPT causar a frustração da possibilidade da tutela jurisdicional de um direito do cidadão perante o Fisco, que é o que na prática aconteceria se prevalecesse o entendimento que vimos de criticar. Com efeito, não se vislumbra qualquer justificação para tamanha contracção do direito fundamental ao acesso à tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos para com a Administração Tributária.
Em suma, a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de abertura do procedimento de revisão da matéria tributável, qualquer que tenha sido a natureza da motivação dessa decisão, é uma causa de ilegalidade da liquidação subsequente, invocável como causa de pedir da anulação desta, como qualquer outra violação de lei, nos termos da regra da impugnação unitária plasmado no artigo 54 do CPPT.
Ora, a liquidação do imposto (bem como a dos respectivos juros compensatórios), é uma só, e o seu objecto é determinado tendo em conta não duas correcções de matéria tributável, autonomamente consideradas ou consideráveis, mas uma única e global alteração da matéria tributável que, havendo lugar a procedimento de revisão, é fixada globalmente pelo despacho final desse procedimento.
Tal é o que resulta, desde logo, da incidência do IRC. O IRC incide sobre o rendimento global de um exercício económico e é único para cada exercício. Mas também é o que resulta, e se não resultasse teria de ser dado como pressuposto na interpretação dos artigos que compõem todo o sistema do procedimento de revisão delineado nos artigos 91º a 93º da LGT, mais visivelmente nos termos literais do artº 92º nº 6, que comete ao “órgão competente” a fixação da matéria tributável, sem distinguir entre a parcela que provém de métodos directas e a que provier dos indirectos.
Deste modo, o nº 1 do artigo 91º, quando dispõe que “O sujeito passivo pode, (…) solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa”, refere-se não a uma parte da fixação da matéria tributável, a obtida com recurso a métodos indirectos, mas a toda a fixação de matéria tributável que tenha sido feita com recurso a métodos indirectos, mesmo que não apenas a eles, sob pena de ser inconjugável com a realidade de um único exercício e com o desígnio do legislador que criou o IRC, de tributar uma só vez a globalidade do exercício económico.
Assim, o que é graciosamente impugnado no procedimento de revisão é a única fixação de matéria tributável do IRC tendente a uma única liquidação desse imposto, bastando, para ele ser admissível, que (também) se tenha recorrido a métodos indirectos para a fixação da (única) matéria tributável.
Deste modo, se o procedimento fosse deferido, é evidente que o objecto da sua decisão final, isto é a fixação da matéria tributável, incluiria tanto as correcções meramente técnicas com fundamento na desconsideração de determinados custos contabilizados, como as obtidas por métodos genuinamente indirectos, mediante a soma de umas e outras. Por sua vez, o acto final de liquidação do imposto e dos juros compensatórios teria sempre como pressuposto esta fixação global da matéria tributável e não aquela outra que fora objecto de pedido de revisão.
Note-se, não pomos aqui em causa, em tese geral, a cindibilidade do acto tributário de liquidação, de maneira a poder ser anulado só parcialmente, quando a ilegalidade de que padeça não atinja todos os pressupostos de facto e de direito da quantificação. Simplesmente, no nosso caso, o indeferimento da abertura do procedimento de revisão impediu que a entidade competente para fixar a matéria tributável (entidade que teria que integrar as correcções técnicas com as “indirectas” e fixar de uno actu a matéria tributável) praticasse o acto, de maneira que não chegou a haver qualquer fixação da matéria tributável de qualquer natureza, directa ou indirecta. Não chegou a haver acto final de um procedimento que era devido e que fixaria legalmente toda a matéria tributável.
Trata-se, enfim, de um vício do procedimento em ordem à liquidação, que, por isso mesmo, atinge transversalmente toda a liquidação.
É verdade que as correcções feitas com fundamento na desconsideração dos custos, no entender da AT, por se tratar de imposições legais, não poderiam ser discutidas no procedimento de revisão (por força do invocado nº 14 do artigo 91º da LGT). Mas daí não decorre que isso mesmo não devesse ser considerado, com as legais consequências, no procedimento preterido, uma vez admitido, quando é certo que a Impugnante sustentara, no pedido de abertura desse procedimento, que as concretas correcções que designou “aritméticas” também eram susceptíveis da revisão, por não integrarem a espécie disso excluída nos termos do citado nº 14, pedindo, assim, a revisão da matéria colectável também no que lhes dizia respeito (cf. doc. 3 da PI). Com efeito, uma vez sustentada a admissibilidade e pedida a revisão destas correcções no procedimento de revisão, assistia ao contribuinte, segundo o princípio da decisão (artigo 9º do CPA de então) o direito a obter uma decisão administrativa quanto a essa pretensão.
Mais: se desfavorável, assistia-lhe, depois, o direito a impugnar tal decisão administrativa em juízo. Com efeito, tão pouco decorria, daquele entendimento da AT, que tais correcções não pudessem e devessem ser sindicadas pelo contribuinte na impugnação judicial da liquidação de imposto baseada em correcções de uma e outra natureza consideradas na decisão final do procedimento de revisão.
Na verdade, tendo havido avaliação indirecta e invocando-se erro nos pressupostos da ou na quantificação com recurso a avaliação indirecta, o procedimento de revisão era pressuposto indefectível da impugnação judicial da consequente liquidação, ao menos se com fundamento em tais erros (artigo 86º nº 5 da LGT), de maneira que, não tendo sido admitido, sequer, o procedimento de revisão, por alegada extemporaneidade, ficava gorado o direito do Impugnante a obter uma apreciação, também judicial, de todo acto tributário.
Esta questão – do aproveitamento parcial da liquidação impugnada na parte em que releva da fixação da matéria colectável por avaliação directa – aliás, só é possível se laborarmos num pressuposto que não é uma necessidade: o de que o recurso a correcções técnicas mantém a sua qualificação jurídica e um tratamento em separado quando em concurso com o emprego de métodos indirectos (como se de duas fixações de matérias tributáveis se tratasse).
Na verdade, o objecto do procedimento de revisão da matéria colectável delineado nos artigos 90º e 91º da LGT consiste numa fixação única e global da matéria tributável, não se prevendo aí qualquer individualidade ou destacabilidade à parcela eventualmente obtida com recurso a avaliação directa.
Aliás, parece conceber-se como avaliação indirecta toda aquela em que se recorra a métodos indirectos, mesmo que não apenas a estes. Tal é o que parece decorrer do artigo 85º nº 2 da LGT quando dispõe que “à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa”.
Uma vez acolhida esta conclusão metodológica, deixaria de ter sentido e qualquer utilidade, mesmo para efeitos do nº 14 do artigo 91º, distinguir correcções técnicas e métodos indirectos dentro do único e mesmo procedimento em que se tiver recorrido, ainda que não exclusivamente, a métodos indirectos.
Enfim, seja por que via for, sempre chegamos à conclusão de que o indevido indeferimento do pedido de abertura do procedimento de revisão, ao preterir o acto de fixação de toda a matéria tributável por quem de direito ao cabo do devido procedimento de revisão, afectou a legalidade de toda a fixação da matéria tributável e, consequentemente, de toda a liquidação do imposto, pelo que o erro da AT sobre a caducidade do direito a pedido a revisão da matéria tributável implica anulação total – não apenas parcial – das liquidações impugnadas.


Conclusão
Do exposto quanto à segunda questão resulta que o recurso improcede, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão da 1ª Instancia, se bem com esta outra fundamentação.

Decisão
Termos em que acordam, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Norte, em negar provimento ao recurso e julgar procedente a impugnação com a presente fundamentação.
Custas pela Recorrente (artigo 527º do CPC).
Porto, 20 de Dezembro de 2023


Tiago Afonso Lopes de Miranda
Paula Maria Dias Moura Teixeira

Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos (vencida, conforme voto que segue):
Não acompanho a decisão, uma vez que o despacho de indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável fixada com recurso a métodos indirectos pronunciou-se exclusivamente sobre a questão relativa à intempestividade do mesmo.
A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa.
No quadro do sistema de garantias dos contribuintes, em que se insere o procedimento de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, a relação entre este meio de reacção e a impugnação judicial altera-se quando a decisão que lhe põe termo se fundamenta na falta de pressupostos procedimentais, como é o caso da intempestividade. Neste caso, a decisão é imediatamente lesiva do impugnante, na medida em que, além de fazer cessar o efeito suspensivo da liquidação, impede a intervenção dos peritos e a possibilidade da realização de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação. Assim sendo, o acto de indeferimento do pedido de revisão administrativa já não se pode qualificar como meramente “interlocutório” para efeito de impugnação unitária, devendo os interessados impugnar tal decisão através da acção administrativa (cf. al. p) do nº 1 do art. 97º do CPPT), sob pena de se formar «caso decidido ou resolvido» sobre a matéria colectável anteriormente fixada, o que considero ocorrer in casu.