Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00781/13.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO;
PROVA DOCUMENTAL;
INFORMAÇÕES OFICIAIS;
Sumário:
I. Do n.º 2 do art. 115.º do CPPT não resulta que as informações oficiais devidamente fundamentadas tenham força probatória plena, bastando, para contrariar a respetiva força probatória, gerar dúvida ou incerteza sobre os factos nelas afirmados.

II. A força probatória das informações oficiais relativamente a factos apenas existe quanto aos que são afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na perceção dos seus órgãos ou agentes, ou quanto a factos determinados a partir dessa perceção com base em critérios objetivos.

III. Não podia na sentença sob recurso ter-se concluído pela data de interposição da impugnação judicial com recurso a uma informação na qual não se afirma um facto sustentado a partir da perceção dos respetivos emissores e a um despacho, que quanto a esta questão em concreto sempre teria mero caráter opinativo, desvalorizando a informação emitida pelo funcionário do Serviço de Finanças que rececionou a PI e na qual se atesta o dia da respetiva apresentação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório

«AA», inconformado com a sentença proferida em 2015-03-23 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgando verificada a exceção de caducidade do direito de ação, absolveu a Fazenda Pública do pedido que formulou em impugnação judicial na qual pediu que fosse concedido provimento à impugnação judicial “por ausência de fundamentação do ato de liquidação do tributo imposto selo”, vem dela interpor o presente recurso.
O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
I. Deu o tribunal a quo como procedente a excepção de caducidade invocada pela FP. Isto porque de acordo com a informação prestada pela FP, a impugnação deu entrada no dia 9/12/2013 quando o prazo final era o dia 29/11/2013.
II. A excepção de caducidade foi contestada em devido tempo pelo impugnante, em 10 dias após a contestação da FP, momento em que tomou conhecimento do averbamento desse facto no processo administrativo.
III. Para prova do alegado e contestando esse facto constante no PA, juntou documento a fls. 63 que prova que a sua petição deu entrada a 29/11/2013, logo dentro do prazo para o efeito.
IV. A prova apresentada é a única admissível para prova da tempestividade da acção do impugnante.
V. No mesmo dia em que recebeu o indeferimento da RG, recebeu o impugnante outras às quais também deduziu impugnação judicial. no particular, processo n.º 783/13.8BEPNF, onde a FP também alegou a excepção de caducidade, o TAF de Penafiel considerou a petição tempestiva, ordenando assim o prosseguimento dos autos.
VI. A manutenção de duas decisões diferentes sobre os mesmos factos é uma violação do princípio da igualdade – art. 13º da CRP.
VII. Violação essa que não pode o impugnante permitir que recaia na sua esfera jurídica.
VIII. Face ao exposto improcede a excepção de caducidade, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que mande prosseguir os seus legais termos.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a decisão sob recurso padece de erro de julgamento de facto, por ter feito uma incorreta apreciação da prova apresentada pelo Recorrente para suportar a tempestividade da ação.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
Dos factos:
1.º - Em 13.08.2013 o ora impugnante apresentou reclamação graciosa (RG) a que foi atribuído o n.º ...44, contra o ato de reversão fiscal, do processo de execução fiscal (PEF) n.º ............6470 e aps., instaurado contra a sociedade "X & Y, LDA", NIPC: ........, por dívida referente a Imposto de Selo do exercício de 2010, no valor de € 12.420,27, no qual foi revertido na qualidade de responsável subsidiário - cf. doc. de fls.3 a 16 do Processo de Reclamação Graciosa (PRG) ínsito no Processo Administrativo (PA), apenso a este processo.
2.º - O ora impugnante foi notificado, por carta registada através do Ofício n.º ...26 de 07.10.2013, para o exercício do direito de audição prévia, nos termos do art.60.º i da LGT - cf. docs. de fls. 40 a 41 do PRG ínsito no PA apenso a este processo.
3.º - Direito que exerceu - cf. doc. de fls.42 a 47 do PRG ínsito no PA apenso a este processo.
4.º - A RG em causa foi indeferida a 12.11.2013 - cf.doc. de fls.49 a 50 do PRG ínsito no PA apenso a este processo.
5.º - Através do fax saída n.º 73247/0403 de 14.11.2013, o ora impugnante foi notificado do despacho de indeferimento da RG - cf. doc. de fls. 51 a 55 do PRG ínsito no PA apenso a este processo.
6.º - Em 09.12.2013 apresentou a presente impugnação judicial - cf. doc. de fls.3 dos autos e teor da Informação e despacho de fls. 8 e 9 do Processo de Recurso Hierárquico (PRH) ínsito no PA apenso a este processo.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a apreciação da questão em apreço.
Motivação
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da questão em apreço, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao Processo Administrativo apenso a este processo.
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II.2. Alteração oficiosa da fundamentação de facto:
Compulsada a fundamentação de facto da sentença constata-se que a afirmação contida no seu ponto 6.º se encontra formulada de forma marcadamente conclusiva, contendo em si a resolução da questão de direito em litígio, que consiste em saber se se verifica a exceção de caducidade do direito de ação.
Por outro lado, e atenta a prova documental constante nos autos, é notório, como melhor se verá adiante, que a afirmação ali efetuada encerra uma errada apreciação da mesma.
Assim sendo, é determinada a eliminação do ponto 6.º, constante da fundamentação de facto da sentença.
Por outro lado, atento o disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, e a prova documental produzida nos autos, procede-se à substituição do referido ponto 6.º, assim como ao seguinte aditamento à fundamentação de facto, nos termos que se passam a enunciar:
6.º Na folha que capeia os presentes autos de impugnação judicial foi exarada informação de que os mesmos foram autuados em 9 de dezembro de 2013 (cf. fls. 3 dos autos).
7.º A PI da presente impugnação judicial é encabeçada pela menção ao “Serviço de finanças de ......”, tendo sido manuscrito na respetiva folha de rosto o n.º de “entrada” ...........8634 (cf. fls. 5 dos autos).
8.º No dia 29 de novembro de 2013, às 16h55, foi emitido por funcionário do Serviço de Finanças de ......... “comprovativo de entrega” naquele Serviço de petição inicial de impugnação judicial à qual foi atribuído o n.º de entrada “...........8634”, e cuja folha de rosto é igual à da PI constante nos presentes autos (cf. fls. 63 dos autos).
9.º Em 8 de janeiro de 2014 foi exarada informação no recurso hierárquico n.º ..........0041 pelos serviços do Serviço de Finanças de ... na qual se lê “(…) Foi apresentada Impugnação Judicial a 09-12-2013 (…)” (cf. informação a fls. 8 e verso dos autos de recurso hierárquico, em apenso).
10.º Em 22 de janeiro de 2014 foi exarado despacho nos autos de recurso hierárquico n.º ..........0041 pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças ..., no qual se lê o seguinte (cf. fls. 9 e verso dos autos de recurso hierárquico, em apenso):
“(…) Mais se informa, que da consulta ao SICJUT, se verifica que o s.p. IMPUGNOU, tendo a Impugnação sido:
Ÿ Instaurada no SF de ... em 2013/12/09
Ÿ Remetida ao TAF em 2014/01/02 (…)”
II.2. Fundamentação de Direito
Tal como se deixou já sumariado acima, vem o aqui Recorrente imputar à sentença recorrida erro de julgamento, por considerar que foi feita uma incorreta apreciação da prova que apresentou para suportar a tempestividade da ação.
E de facto, como se deixou entrever na correção oficiosa efetuada à fundamentação de facto da decisão em crise, o aqui Recorrente tem razão.
Senão, vejamos.
Na sentença sob recurso a decisão de julgar verificada a exceção de caducidade do direito de ação é suportada no entendimento de que, sendo o prazo de interposição da ação, nos termos do disposto no então n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de 15 dias contado a partir da data da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, e tendo o indeferimento da reclamação ocorrido no dia 14 de novembro de 2013, a ação seria intempestiva, por ter sido interposta no dia 9 de dezembro de 2013.
Mais ali se refere que o Impugnante, aqui Recorrente, não prova que a ação foi interposta no dia 29 de novembro de 2013, desvalorizando-se o documento junto pelo mesmo (cf. ponto 8, da fundamentação de facto reformulada), “atendendo aos elementos de prova juntos pelo competente Serviço de Finanças, plasmados na matéria de facto provada”, a saber, a informação e despacho nos quais se sustentou o ponto 6.º da fundamentação de facto original da sentença (cf. pontos 9 e 10, da fundamentação de facto reformulada), cuja eliminação foi entretanto já aqui determinada.
Com efeito, o prazo para deduzir a impugnação judicial é um prazo de caducidade e tem natureza substantiva conforme resulta do disposto no art. 20.º do CPPT, contando-se de acordo com o disposto no art. 279.º do Código Civil e se terminar em período de férias judiciais, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil subsequente a estas.
Donde se conclui que o prazo para a interposição da ação terminava no dia 29 de novembro de 2013.
Sucede que na decisão sob recurso é feita uma incorreta apreciação do documento de autuação dos presentes autos, do qual não é possível retirar a pretendida informação sobre a data de interposição da ação, ou sequer em que data a mesma deu entrada no Tribunal, mas sim e apenas que os presentes autos foram autuados no dia 9 de dezembro de 2013 (cf. ponto 6, da fundamentação de facto reformulada).
Por outro lado, a decisão erra também na interpretação e aplicação que faz ao caso do disposto no n.º 2 do art. 115.º do CPPT, e na apreciação que ali é feita do conjunto da prova documental existente nos autos.
Com efeito, dispõe-se no supracitado art. 115.º do CPPT que “As informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos”.
Ora, e ao contrário do que resultava do anteriormente disposto no art. 97.º do CPCI, da norma não resulta que as informações oficiais devidamente fundamentadas tenham força probatória plena, bastando, para contrariar a respetiva força probatória, gerar dúvida ou incerteza sobre os factos nelas afirmados (cf. neste sentido o Acórdão proferido pelo STA em 2002-05-09, no proc. 5019/01, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
No entanto, e ainda que assim não fosse, não poderia ainda assim sustentar-se a decisão na informação e despacho exarados nos autos de recurso hierárquico (cf. pontos 9 e 10, da fundamentação de facto reformulada), uma vez que no que diz respeito à data de interposição da impugnação judicial as mesmas não têm sequer a força probatório preconizada no n.º 2 do art. 115.º do CPPT – sendo que o despacho em concreto, sempre teria quanto a esta questão um caráter meramente opinativo - , uma vez que ali não se afirma um facto sustentado a partir da perceção dos respetivos emissores, com base em critérios objetivos, ao contrário do que sucede com o documento junto aos autos pela Recorrente.
Com efeito, “[r]elativamente a factos, a sua [das informações oficiais] força probatória existe quanto aos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na perceção dos seus órgãos ou agentes, ou facto determinados a partir dessa perceção com base em critérios objetivos.” (cf. neste sentido, SOUSA, Jorge Lopes de - Código de procedimento e de processo tributário. Anotado e comentado. 6.ª edição. Volume II Lisboa: Áreas Editora, 2011, pág. 259).
Ora, não podia o Tribunal de primeiro conhecimento da causa ter privilegiado o teor de uma informação (e despacho) que claramente não se sustenta na perceção do facto relevante pelos respetivo emissor, e que por isso não tinha qualquer valor probatório particular, desvalorizando, em contrapartida, o documento junto aos autos pelo Impugnante, aqui Recorrente, no qual é comprovado pelo funcionário do Serviço de Finanças de ......... que recebeu a PI de impugnação, e que a mesma foi ali entregue no dia 29 de novembro de 2013 (cf. ponto 8, da fundamentação de facto reformulada).
Assim sendo, há que concluir que o que resulta da apreciação do conjunto da prova documental constante nos autos é que, e tal como decorre do disposto no art. 103.º, n.º 1, segunda parte do CPPT, a impugnação judicial foi apresentada no Serviço de Finanças de ......... no dia 29 de novembro de 2013 (cf. pontos 7 e 8, da fundamentação de facto reformulada), tendo posteriormente sido remetida ao Tribunal, onde foi autuada no dia 9 de dezembro do mesmo ano (cf. ponto 6, da fundamentação de facto reformulada).
Donde se conclui que a impugnação judicial foi tempestivamente interposta, padecendo a decisão sob recurso dos apontados erros de julgamento de facto e de direito, pelo que deve a mesma ser anulada e determinada a baixa dos autos à primeira instância, para que ali prossigam os seus termos.
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Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrida é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT], não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, por nele não ter contra-alegado (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Do n.º 2 do art. 115.º do CPPT não resulta que as informações oficiais devidamente fundamentadas tenham força probatória plena, bastando, para contrariar a respetiva força probatória, gerar dúvida ou incerteza sobre os factos nelas afirmados.
II. A força probatória das informações oficiais relativamente a factos apenas existe quanto aos que são afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na perceção dos seus órgãos ou agentes, ou quanto a factos determinados a partir dessa perceção com base em critérios objetivos.
III. Não podia na sentença sob recurso ter-se concluído pela data de interposição da impugnação judicial com recurso a uma informação na qual não se afirma um facto sustentado a partir da perceção dos respetivos emissores e a um despacho, que quanto a esta questão em concreto sempre teria mero caráter opinativo, desvalorizando a informação emitida pelo funcionário do Serviço de Finanças que rececionou a PI e na qual se atesta o dia da respetiva apresentação.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância, para que ali sigam os seus termos.
Custas pela Fazenda Pública.

Porto, 27 de setembro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Tiago de Miranda – Cristina da Nova.