Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
At..., Lda., contribuinte fiscal n.º 5...50, com domicílio fiscal na Rua do ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 07/09/2020, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2006, a que correspondeu compensação no montante global a pagar de €72.630,67.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1. Perante a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (Dr. AA, Dr. BB e CC) e face aos documentos juntos aos autos (as facturas da T..., Lda.), o Tribunal recorrido não podia dar como não provado o facto constante da alínea A) dos factos não provados e constantes da douta sentença recorrida.
2. Nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC, ex vi do art. 1º do CPTA, entende e defende a Impugnante que o referido facto constante da alínea A) dos factos não provados e constantes da douta sentença recorrida deve ser dado como provado, ou seja, deve ser dado como provado que “a facturação emitida à impugnante pela sociedade comercial T..., Lda., em 31 de Dezembro de 2006, correspondeu a uma antecipação de proveitos, tendo os serviços sido efectivamente realizados, por conta e ordem da impugnante em Fevereiro de 2007”.
3. Perante a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (Dr. AA, Dr. BB e CC) e face aos documentos juntos aos autos (as guias de transporte da impugnante emitidas à C..., SA. e as facturas da E..., LDA. emitidas igualmente à C..., SA.), o Tribunal recorrido não podia dar como não provado o facto constante da alínea B) dos factos não provados e constantes da douta sentença recorrida.
4. Nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC, ex vi do art. 1º do CPTA, entende e defende a Impugnante que o referido facto constante da alínea B) dos factos não provados e constantes da douta sentença recorrida deve ser dado como provado, ou seja, deve ser dado como provado que “a emissão das guias de transporte à sociedade comercial C..., SA., com o carimbo da impugnante, resultou de um lapso, tendo o montante correspondente às referidas guias (79.614,50 €) sido facturado e lavado a proveitos pela sociedade comercial E..., LDA.”.
5. Face à alteração da matéria fáctica provada (os factos não provados devem ser dados como provados), a impugnação deve ser julgada procedente e, consequentemente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, no que concerne às facturas nºs 152, 153 e 154 da T..., Lda. e às guias de transporte que deram origem às facturas da E..., LDA.
6. É que assim ficou provado que a correcção dos proveitos da Impugnante nunca podia ser do montante de 479.614,50 € (= 400.000,00 € + 79.614,50 €).
7. Ao decidir em contrário do ora alegado, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 1º, 3º e 14º do CIRC, conta nº 281 do Plano Nacional de Contabilidade e art. 78º do CIVA aplicável ao IRC pelo que deve ser revogada a douta sentença recorrida.
8. Mesmo que não seja procedente a reapreciação da matéria fáctica com a consequência da alteração factual atinente à correcção dos proveitos da Impugnante, sempre a douta sentença recorrida deve ser revogada pelas seguintes razões.
9. Perante o facto dado como provado no nº 10 dos factos provados, resulta provado que no ano de 2006 não foram prestados à Impugnante os serviços que constam das facturas nºs 152, 153 e 154 da sociedade T..., Lda., pois que tais facturas referem expressamente que os serviços serão prestados em 2007 (“À carga” – 08/02/2007).
10. Apesar de se tratar de documentos particulares, tais facturas fazem prova plena do que nelas se contém, uma vez que a sua validade não foi impugnada pela Autoridade Tributária.
11. Assim, perante o facto dado como provado no nº 9 dos factos provados, a impugnação tem de ser julgada totalmente procedente no que diz respeito ao valor das ditas facturas (400.000,00 €), atento o disposto no art. 376º do Cod. Civil e ainda no Plano Nacional de Contabilidade (Conta nº 281), que assim se mostram violados.
12. Também no que diz respeito às demais facturas da T..., Lda. (nº 72 e 128), face ao teor dos factos constantes dos nºs 10 e 11 dos factos provados constata-se que o seu valor é inferior aos proveitos apresentados pela impugnante, pelo que não ficou provado que a impugnante não efectuou serviços de transportes de valor igual ou superior ao de tais facturas, pois que
13. Os proveitos da impugnante em 2006 foram de 187.000,00 e o valor de tais facturas é de 174.958,68 €.
14. Assim, não existe fundamento para a correcção dos proveitos, pelo que foram violados os arts. 1º e 3º o CIRC.
15. Mesmo que assim se não entenda., sem conceder, importa dizer que não existe fundamento para o recurso aos métodos indirectos, atento o disposto no art. 57º da Lei Geral Tributária, que assim se mostra violada.
16. E se houvesse que recorrer aos métodos indirectos, no que se não concede, sempre a taxa a considerar era taxa de 0,40 – e não a taxa de 0,45 utilizada acto inspectivo e a que o Tribunal recorrido aderiu – pelo que foi violado o art. 86º-B do CIRC.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V.Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e a final deve ser julgado provado e procedente, nos termos expostos, como é de lei e de JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar estarem reunidos os pressupostos para aplicação de métodos indirectos e inexistir erro na quantificação da matéria tributável.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados:
São os seguintes os factos que se provaram, com relevância para a decisão da causa:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social é o transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, aluguer de veículos ligeiros e pesados de mercadorias sem condutor, de comércio de cimentos, comércio de materiais de construção e logística (fls. 31 do p. a.).
2. A Impugnante foi alvo de um procedimento inspetivo externo credenciado pela ordem de serviço n.º OI...48, de 28/2/2008, levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de ..., de âmbito parcial (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e Imposto sobre o Valor Acrescentado) aos exercícios de 2005 e 2006 que se mostra assinada em 24/4/2008 (fls. 327 dos autos).
3. Do Relatório de Inspeção Tributária consta que “O motivo do prolongamento temporal do procedimento inspectivo, deveu-se à falta de colaboração do sujeito passivo, nomeadamente a não exibição dos elementos contabilísticos e contas bancárias em nome da empresa (…)” (fls. 30 do p. a.).
4. Do procedimento de inspeção levado a cabo à Impugnante resultaram, além do mais, correções em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2006, no montante de € 294.557,93, com recurso a métodos indiretos, cuja fundamentação consta do Relatório de inspeção tributária a fls. 27/60 do p. a. que se dá por reproduzida e da qual se extrata com relevo para os presentes autos:
“(…)
III.3.1 – Relações comerciais e financeiras entre a “At..., Lda.”, a “T..., Lda.” a “C..., SA.”, “E..., LDA.” e a “As..., Lda”, a seguir melhor identificados:
(…)
Conforme vai ser demonstrado do longo do presente relatório, existem relações comerciais e financeiras, pouco claras, entre as empresas atrás mencionadas, conforme a seguir se demonstra:
1. Os sócios gerentes da empresa “T..., Lda.”, são o “Sr. DD” e esposa Dª “EE”, que por sua vez fazem parte do conselho de administração da empresa “C..., SA., e que são os únicos gerentes das empresas “E..., LDA.” e da “At..., Lda.” e da “As..., Lda”;
2. Os únicos clientes conhecidos da “At..., Lda.” são a “C..., SA.” e a “As..., Lda”, já que existe uma factura emitida pela “At..., Lda.”, em nome da “As..., Lda” e existem diversas guias de transporte da “At..., Lda.” emitidas em nome do cliente “C..., SA.”;
3. Todas as guias de transporte que nos foram exibidas, foram emitidas ao cliente “C..., SA.”, conforme atrás foi referido, contudo existem depósitos bancários efectuados nas contas da “At..., Lda.” provenientes de cheques emitidos pela “T..., Lda.”, pela “E..., LDA.” e da “As..., Lda”. Apesar de termos notificado o sujeito passivo, por duas vezes, para nos esclarecer esta situação, ambas as notificações foram devolvidas pelos serviços dos CTT, com indicação de “Não atendeu”;
4. Os patrocínios que são concedidos pela “V..., S.A.” à “As..., Lda”, são depositados nas contas bancárias em nome da “At..., Lda.”;
5. A At..., Lda.”, paga diversas despesas de conta da “As..., Lda”, conforme se pode verificar pelos elementos do quadro5;
III.3.2 – Diligências efectuadas
No dia 17-04-2008 desloquei-me à sede da empresa a fim de iniciar o procedimento inspectivo externo, tendo-me sido informado pela única funcionária presente “FF”, que os documentos relativos à empresa estavam na posse do TOC Sr. “GG”. Face a tal situação, nesse mesmo dia (17-04-2008), notifiquei [4] pessoalmente o sujeito passivo na pessoa da referida funcionária, já que era a única pessoa que estava na sede do sujeito passivo, para no dia 24-04-2008, me ser exibida a contabilidade regularmente organizada e em dia, de acordo com a lei comercial e fiscal, documentos de suporte aos registos contabilísticos, nomeadamente facturas ou documentos equivalentes emitidos aos clientes, guias de transporte, facturas de fornecedores, documentos de despesa, extractos bancários relativos às contas da empresa, assim como o comprovativo do envio das declarações modelo 22 de IRC e declarações anuais de informação contabilística e fiscal dos exercícios de 2005 e 2006.
No dia 24-04-2008, pelas 10 horas, estava presente na sede da empresa a fim de me serem exibidos os elementos constantes da referida notificação, mas nada me foi exibido. O mencionado TOC, disse-me que se tinha esquecido dos elementos contabilísticos, mas que na 2ª feira dia 28-04-2008, me trazia os referidos documentos.
Da análise dos elementos disponíveis existentes na sede da empresa, duas pastas com documentos e os diários de movimentos, verificámos haver situações que careciam de ser esclarecidas.
Assim, questionámos o TOC, antes citado, sobre algumas questões, que passamos a relatar, conforme auto de declarações anexo [5], que se transcreve na parte que interessa “(...) Quantas contas bancárias é que a empresa “At..., Lda.” possui e quais são?
Respondeu o seguinte: Por aquilo que me apercebi, havia uma conta no Banco X... e outra no Banco Y.... Solicitei verbalmente, à funcionária da empresa, ao tempo Dª HH, mas até à presente data nada me foi entregue.
Perguntado - Porque motivo na contabilidade, os pagamentos de despesas e a fornecedores, são efectuados através da conta depósitos à ordem, quando não há documentos bancários de suporte aos referidos registos?
Foi respondido o seguinte - Eu presumo que os pagamentos efectuados a fornecedores e despesas, foram efectuados através da conta de depósitos à ordem, embora nunca me tenha sido exibido qualquer documento bancário. As pequenas despesas presumo que foram pagas pelos sócios, sendo posteriormente passado um cheque da empresa para cobrir as mencionadas despesas.
Perguntado - Na escritura da constituição da sociedade é referido que o capital da sociedade é de 50.000,00€, que se encontra depositado numa conta em nome da sociedade no Banco “Y ..., SA” na agência do ..., na cidade do .... Viu o documento bancário comprovativo do referido depósito?
Foi respondido o seguinte - Não vi o documento comprovativo do referido depósito. Tendo contabilizado a realização do capital através da escritura.
Perguntado - Quem é que emitiu a factura n.º 1 passada em nome da empresa “As..., Lda”?
Foi respondido o seguinte - Fui eu, que emiti a factura n.º 1, a pedido do funcionário “Sr. II”, através do meu programa de facturação, já que ao tempo da emissão da factura, a empresa “At..., Lda.”, não possuía programa de facturação.
Perguntado - Há documentos de suporte relativos à emissão da referida factura?
Foi respondido o seguinte - Nunca me foi exibido qualquer documento de suporte à emissão da referida factura, embora o Sr. II, me tenha informado que possuía a relação dos transportes efectuados.
Perguntado - Qual a justificação para diferir o custo relativo às facturas 152, 153 e 154, emitidas pela “T..., Lda.”?
Foi respondido o seguinte - De acordo com informações dadas pelo referido funcionário “II”, os serviços constantes das referidas facturas, não foram efectuados, com excepção dos transportes referidos na factura n.º. 1, mas que iriam ser facturados (...)”
Conforme se depreende da leitura das respostas do TOC, atrás transcritas, a contabilidade não merece qualquer credibilidade, pois a mesma foi efectuada com base em presunções e em informações recolhidas junto do “funcionário” Sr. II e não com base em documentos, conforme é exigido na lei comercial e fiscal (…).
No dia 28-04-2008, o referido TOC, pelas l0 horas, compareceu, não me tendo exibido qualquer elemento contabilístico, tendo referido que a contabilidade não estava encerrada, devido a não ter em seu poder qualquer elemento relativo às contas bancárias da empresa.
No dia 29-04-2008, o citado TOC, deslocou-se aos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., tendo-me exibido, os balancetes analíticos em 31-12-2005, e 31-12-2006, e as contas correntes da contabilidade. Convêm salientar que segundo informações verbais prestadas pelo referido TOC, a contabilidade dos referidos exercícios não estava encerrada, devido à falta de documentos, nomeadamente contas bancárias e outros.
Face ao atrás descrito, notificámos [6] por via postal (…) para nos ser exibida a contabilidade regularmente organizada e em dia, assim como os documentos de suporte aos registos contabilísticos, extractos bancários relativos às contas da empresa, comprovativo do envio das declarações periódicas de IVA, declarações de rendimentos modelo 22 de IRC e declarações anuais de informação contabilística e fiscal, em falta.
Até à presente data o sujeito passivo não nos exibiu a contabilidade.
(…).
No dia 20-05-2008, voltámos a notificar por via postal (…) o sujeito passivo (…) para nos exibir os seguintes elementos:
- Extractos bancários relativos à conta aberta no Banco Y..., SA (…), assim como os documentos relativos à sua movimentação (…);
- Documento comprovativo da abertura da conta no “Banco X...” conta n.° 4...10, em nome da empresa, assim como os extractos bancários desde a abertura da referida conta até ao dia 11-08-2006;
- Comprovativo da composição do capital social da empresa “A... Limited”, com sede em Gibraltar (…). A referida empresa é detentora de cerca de 99% do capital social da “At..., Lda.”;
- Comprovativo de todos os documentos constantes dos extractos bancários da conta da empresa no “Banco X...”, conta n.º 4...10, desde 11-08-2006 até 31-12-2006 (…);
- Extractos da conta bancária em nome da empresa do banco “Y...”, conta n.º 02...01;
- A que título foram efectuadas duas transferências bancárias da conta bancária em nome da empresa do “Banco Y...”, conta n.º 02...01, para o beneficiário SE... no valor de 14.102,50€, cada uma, em l4-07-2006 e 21-07-2006;
- Documento de suporte à emissão da factura n.º 1 de 21-12-2006, emitida ao cliente “As..., Lda”, no valor de 226.391,00€ (…);
(…)
- Justificar/demonstrar documentalmente o conteúdo e valor das facturas a seguir discriminadas, emitidas pela “T..., Lda.”: factura n.º 128 de 30-11-2006; no valor de 66.500,00€; factura n.º 152 de 31-12-2006 no valor de 181.500,00€; factura n.º 153 de 31-12-2006, no valor de 90.750,00€ e factura n.º 154 de 31-12-2006, no valor de 211.750,00€, referindo em concreto que tipo de serviço foi prestado e comprovativo do pagamento das referidas facturas;
(…)
No dia e hora indicado na notificação atrás descrita (06-06-2008), deslocámo-nos à sede do sujeito passivo (…) no sentido de nos serem exibidos os elementos solicitados na referida notificação, mas nada nos foi exibido.
(…)
Passados alguns dias, o Dr. JJ (que nos foi apresentado como gestor do Sr. DD), compareceu nos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de ..., mas nada nos foi exibido. O mesmo solicitou mais alguns dias para tentar demover o gerente “Sr. DD”, para o mesmo nos exibir os elementos solicitados. Até à presente data nada do solicitado nos foi exibido. Sendo assim, estamos perante uma notória falta de colaboração do sujeito passivo e dos seus representantes, no sentido de tentarem entravar o procedimento inspectivo externo.
(…)
Nos últimos tempos, há dois meses a esta parte, quase todas as semanas, uma pessoa que se identificou via telefone, como sendo o “Dr. AA”, representante de uma empresa que estava a tratar de todos os assuntos relacionados com as empresas do “Sr. DD” (T..., Lda., E..., LDA., At..., Lda., As..., Lda, etc.), me telefonava para a Direcção de Finanças de ..., dizendo que estavam a tratar da contabilidade da empresa “At..., Lda.”, para lhe dar mais algum tempo, para poderem por a contabilidade em dia e enviarem todas as declarações em falta.
Como o tempo ia passando e as declarações não eram enviadas, nem os elementos da contabilidade me eram exibidos, informei o “Dr. AA”, que na próxima 2ª Feira, dia 08-03-2010, estaria na sede da empresa (…) para proceder à inspecção, quando foi informado pelo referido Dr. que a sede da empresa tinha mudado para a Avª da .... Face a tal informação, informei o aludido Dr. que na 2ª feira, estaria na sede da empresa, tendo o mesmo respondido que não me exibia os elementos já que a Direcção de Finanças de Aveiro não era competente para proceder à inspecção tributária, em virtude da sede pertencer à área fiscal da Direcção de Finanças do ....
Face a tal situação, no dia 08-03-2010, deslocámo-nos (…) à nova sede da empresa, antes referida, mas verificámos que na porta da citada morada, estava colado um dístico com a designação “Ca..., Lda.”. Tocámos à campainha e batemos à porta por diversas vezes, mas nunca ninguém atendeu, passado algum tempo, voltámos novamente à suposta sede da empresa, tendo tocado novamente à campainha e batido à porta, mas ninguém atendeu. Às 12,30 horas, voltámos novamente ao local antes referido, tocámos novamente à campainha e batemos à porta, mas ninguém atendeu. Destas diligências foi elaborado um auto das ocorrências [9].
De volta à Direcção de Finanças de ..., entrei em contacto telefónico com a pessoa que nos últimos tempos me contactou via telefone “Dr. AA” (…) tendo-o informado que tinha estado na sede da empresa “At..., Lda.”, mas que não estava lá ninguém, que na porta estava colado um dístico, com a designação da empresa “Ca..., Lda.”, tendo-me sido informado pelo mesmo que aí era o escritório da referida empresa, e que todas as empresas do Sr. DD tinham mudado a sede para a citada morada, no sentido de se estar a preparar a dissolução de todas as empresas.
Face ao antes relatado, somos a concluir que os telefonemas semanais do “Dr. AA” e a mudança da sede para o distrito do ..., tinham como fim último ganhar tempo, no sentido de dificultar os trabalhos da inspecção.
III – 4 Demonstração de Resultados
(…)
• Relativamente ao exercício de 2006, só o valor dos FSE é superior aos serviços prestados declarados;
• O sujeito passivo durante os exercícios de 2005 e 2006, declarou resultados contabilísticos negativos, devido à omissão de proveitos, conforme ao longo do presente relatório se demonstra;
III.5 – Resultado fiscal declarado
(…)
- Relativamente ao exercício de 2006, conforme foi antes referido, o sujeito passivo ficou enquadrado no regime simplificado de tributação;
- O valor do campo 400, resulta da aplicação do coeficiente de 0,45 ao valor dos serviços prestados 187.100,00, conforme o disposto no artigo 58º do CIRC.
III.6 – Obrigações contabilísticas e de escrituração
O sujeito passivo está obrigado a possuir contabilidade devidamente organizada e em dia, de acordo com a lei comercial e fiscal (…).
(…) os registos contabilísticos devem estar suportados em documentos justificativos, datados e susceptíveis se serem apresentados sempre que necessário, devendo as operações ser registadas cronologicamente, não sendo permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias.
A contabilidade deve estar organizada de forma a permitir o controlo do lucro tributável e o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do IVA, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento das declarações periódicas do citado imposto. Conforme foi referido no ponto anterior, no início do procedimento inspectivo externo, apesar de termos notificado pessoalmente o sujeito passivo na pessoa da única funcionária presente (…), apenas nos foi exibida uma pasta com documentos de despesa, facturas de fornecedores e uma factura emitida a clientes. Relativamente à contabilidade, foram-nos exibidos dois balancetes analíticos, em 31-12-2005 e 31-12-2006, e as contas correntes.
Convêm salientar que embora me tenham sido exibidos os elementos atrás referidos, a contabilidade não está devidamente organizada e em dia, de acordo com a lei comercial e fiscal, já que conforme ao longo do presente relatório se demonstrará, a mesma enferma de irregularidades, nomeadamente falta de contabilização de diversos documentos.
(…)
III.6 – Obrigações declarativas
(…)
III.6.1 – Em sede de IRC
Relativamente a imposto sobre o rendimento, o lucro tributável, em 2006 foi apurado pelo regime simplificado de tributação, de acordo com o disposto no artigo 58º do Código do IRC.
Contudo, dado estarmos em presença de uma sociedade por quotas o sujeito passivo está obrigado a possuir contabilidade regularmente organizada, de acordo com a lei comercial e fiscal, está obrigado a enviar anualmente a declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC, (…).
Da consulta à base de dados, da DGCI, verifica-se que o sujeito passivo tem em falta (…), as declarações anuais de informação contabilística e fiscal relativas aos exercícios de 2005, 2006.
(…)
III.7 – Análise dos elementos contabilísticos disponíveis
Da análise aos elementos que nos foram exibidos pelo TOC, atrás mencionado, nomeadamente os balancetes analíticos em 31-12-2005 e 31-12-2006, verifica-se o seguinte;
(…)
• Exercício de 2006
Relativamente a este exercício, verifica-se que o sujeito passivo, apenas emitiu a factura n.º 1, datada de 21-12-2006 [15], em nome da empresa “As..., Lda”, propriedade dos sócios da “At..., Lda.”, com o seguinte descritivo “Serviços prestados - Transportes efectuados para eventos desportivos”, no valor de total de 226.391,00€ (187.100,00€ + 39.291,00€ IVA).
Verifica-se também que neste exercício, a empresa “T..., Lda.” (empresa cujos sócios e gerentes são comuns), emitiu em nome da empresa “At..., Lda.” as facturas a seguir descritas (ver quadro 4), relativas a serviços de transporte efectuados, sem que o serviço referido nas mesmas tenha sido repercutido a terceiros.
[dá-se por reproduzido o documento/imagem conforme original]
Comentários ao quadro:
• Conforme atrás foi referido o sujeito passivo não repercutiu a terceiros os serviços facturados pela “T..., Lda.”.
• Dado estarmos em presença de uma empresa cuja actividade é o transporte rodoviário de mercadorias, não se entende porque razão os citados serviços não foram facturados a terceiros;
(…)
III.8 – GUIAS DE TRANSPORTE
O sujeito passivo, no exercício de 2006, emitiu diversas guias de transporte para o seu cliente C..., SA., conforme consta da base de dados anexa ao presente relatório [22], contudo as facturas respectivas não nos foram exibidas.
Tendo em conta o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA que se transcreve na parte que interessa “Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos (…), são obrigados (…), a emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão ou prestação de serviços (…)”.
As referidas facturas devem ser emitidas no prazo previsto no n.º 1 do artigo 36º do referido diploma, como o sujeito passivo não emitiu as referidas facturas, o mesmo infringiu o disposto nos preceitos legais antes referidos (…).
III.9 – FALTA DE COLABORAÇÃO
Ao longo do procedimento inspectivo e conforme já foi referido anteriormente, verifica-se que o sujeito passivo não cumpriu o seu dever de colaboração com a Inspecção Tributária, conforme é relatado ao longo do presente relatório.
O sujeito passivo, foi notificado previamente do procedimento externo de inspecção, (…) tendo para o efeito sido enviada a respectiva carta aviso em 23-03-2008 (…).
O sujeito passivo nomeou (…) o TOC Sr. “GG”, como representante para as relações com a Administração Tributária, mas o mesmo, apenas esteve presente em alguns momentos, conforme antes se referiu.
Durante o decurso do procedimento inspectivo externo, os representantes legais do sujeito passivo nunca estiveram disponíveis, para qualquer esclarecimento. Assim as notificações efectuadas para nos serem exibidos os elementos da contabilidade foram efectuadas na pessoa da única funcionária presente “FF”, que tinha sido admitida ao serviço da empresa à cerca de um mês, ou seja, não estava ao corrente de nada. (…).
III.10 – SOLICITAÇÃO DA DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
Conforme foi antes referido, o sujeito passivo não nos exibiu as contas bancárias em nome da empresa, mesmo depois de o termos notificado para o efeito. Nestes termos foi solicitada a derrogação do sigilo bancário, conforme ofício n.º 82...21 do NIC - Núcleo de Investigação Criminal, de ...- 09-2008. Os últimos elementos enviados pelos Serviços do Ministério Publico, foram disponibilizados no final de 2009.
O procedimento inspectivo externo, foi suspenso, tendo em atenção o disposto no n.º 5 do artigo 53° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) que se transcreve na parte que interessa “Independentemente do disposto nos números anteriores, o prazo para a conclusão do procedimento de inspecção suspende-se quando (...) a administração tributária solicite judicialmente acesso a essa informação, mantendo-se a suspensão até ao trânsito em julgado da decisão em tribunal”.
III.11 – ELEMENTOS ENVIADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Após a análise dos elementos enviados pelo Ministério Público, elaborámos uma base de dados, relativamente aos movimentos bancários de 2006, conforme consta do quadro 5, abaixo descrito:
[imagem do quadro no original]
(…) notificámos o sujeito passivo conforme nosso ofício n.º 84...63 datado de 01-02-2010, para a sede da empresa constante do cadastro da DGCI, mas a referida notificação veio devolvida pelos CTT, com indicação de “Não atendeu”.
Os esclarecimentos solicitados ao sujeito passivo através do ofício n.º 84...63, foram os transcritos na parte que interessa “(…) para nos esclarecerem as seguintes situações:
- A que título, cheques emitidos pela C..., SA. (C..., SA.) à ordem da “E..., LDA.” são depositados nas contas bancárias da “At..., Lda.”, do Banco X... e Banco Y..., nos anos de 2006, 2007 e 2008;
(…)
- A que título cheques emitidos pela “V..., S.A.” à ordem da “As..., Lda” são depositados nas contas bancárias da “At..., Lda.” do Banco X... e Banco Y..., nos anos de 2006 de 2007 e 2008;
- A que título a “T..., Lda.” emitiu diversos cheques à ordem da “At..., Lda.”;
(…)
- A que título foram efectuados pagamentos através de cheques e transferências bancárias à empresa “SS.... - Espanha”, no valor de 50.000,00 €, em 19-05-2006, 20.000,00 €, em 28-06-2006, 31.827,79 €, em 21-08-2006 e 70.000,00 €, em 06-10-2006;
- A que título foram emitidos os cheques n.º Ch. 7...57 e Ch. 3...89 da conta do Banco Y..., no valor de 1.000,00€, cada, em 07-11-2006, e 30-09-2006, respectivamente em nome de KK;
- A que título foi emitido o Ch. 2...29 da conta do Banco X..., emitido, em 05-06-2008, no valor de 30.982,16€, em nome de LL;
(…)
- A que título foi efectuado um depósito na conta bancária do Banco X... da At..., Lda., de um cheque emitido pela empresa “S..., S.A.” em nome da empresa “E..., LDA.”, no valor de 3.200,00€, em 13-06-2006;
- A que título foram efectuados os pagamentos ao sócio “DD”, através dos Ch. n.º 01...48, no valor de 21.000,00€ e Ch. n.º 01...49 no valor de 10.000,00€, datados de 03-07-2007 e 04-07-2007, respectivamente.
Posteriormente, em 17-02-2010, voltámos a notificar o sujeito passivo, para a sede constante do cadastro da DGCI, (…) mas a citada notificação foi igualmente devolvida pelos CTT, com indicação de (…) “Não atendeu”.
(…)
IV. APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDIRECTOS
MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS:
Face a tudo quanto foi referido ao longo do presente relatório, que a seguir sucintamente se descreve, estão reunidas todas as condições para que o volume de negócios, o resultado tributável e o IVA, do exercício de 2006, seja apurado com recurso a métodos indirectos:
- Não nos foi exibida a contabilidade devidamente organizada e em dia, mesmo depois de termos notificado o sujeito passivo para o efeito;
- Não enviou a declaração anual de informação contabilística e fiscal do exercício de 2006;
- Não nos foram exibidos os extractos bancários das contas bancárias em nome da empresa, mesmo depois de termos notificado o sujeito passivo para o efeito;
- Apesar de ter no seu arquivo diversas facturas emitidas pela empresa “T..., Lda.” (cujos gerentes são comuns), relativas a serviços prestados de transporte efectuadas pela citada empresa, no ano de 2006, no valor de 695.700,00€ (valor c/IVA incluído), as mesmas não foram repercutidas a terceiros no referido exercício (…);
- Foram emitidas diversas guias de transporte, no exercício de 2006, sem que das mesmas, tenham resultado a emissão das respectivas facturas ou documentos equivalentes;
- Efectuou diversos depósitos bancários nas contas da empresa no valor de 500.231,40€;
- Conforme se pode verificar pelos elementos do quadro 5, existem diversos movimentos bancários que não estão reflectidos na contabilidade da empresa, nomeadamente, cheques, depósitos e transferências bancárias;
- As afirmações escritas proferidas pelo TOC da empresa, (ver anexo 27 - fls. 59 do p.a., cujo teor se dá por reproduzido), leva-nos a concluir que os registos contabilísticos efectuados não merecem qualquer credibilidade, pois assentam em presunções e informações verbais do funcionário de nome “II” e não com base em documentos conforme é exigido na lei comercial e fiscal;
- O sujeito passivo durante todo o decurso do procedimento externo de inspecção, nunca colaborou com a Administração fiscal, no sentido da descoberta da verdade material.
Face ao acima exposto, estão reunidas as condições para que o resultado tributável do exercício de 2006, seja apurado por aplicação de métodos indirectos, de acordo com o disposto no artigo 87º da Lei Geral Tributária (LGT), alínea a) do artigo 88º do citado diploma e artigo 57º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), dada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, do referido exercício.
CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Os critérios e cálculos para apuramento do volume de negócios do exercício de 2006, são os seguintes:
- Considerar como total dos proveitos do exercício a soma das facturas emitidas pela “T..., Lda.”, relativas a prestação de serviços de transporte, no referido ano, mais o total das guias de transporte emitidas em nome da “C..., SA.”, no mencionado ano, relativas a serviços de transporte não facturados, no exercício de 2006, conforme consta do quadro seguinte.
IV.2.1 – IRC
À soma do total dos proveitos presumidos, vamos aplicar o coeficiente a que se refere o n.º 4 do artigo58º do Código do IRC, já que o sujeito passivo no exercício de 2006 ficou enquadrado no regime simplificado de tributação, a que se refere o citado artigo.
(…)
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
(*) Este valor foi obtido com base na tabela de preços utilizada para efetuar a facturação, conforme consta em rodapé da base de dados das guias de transporte
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
VIII – DIREITO DE AUDIÇÃO
Foi o sujeito passivo notificado para exercer o seu direito de audição no prazo de 15 dias conforme nosso ofício n.º 84...98 de 31-03-2010, registado em 31-03-2010, de acordo com o disposto no artigo 60º da LGT e artigo 60º do RCPIT.
O sujeito passivo exerceu o seu direito de audição por escrito, tendo para o efeito enviado uma carta datada de 19-04-2010, recepcionada na Direção de Finanças de ... em 20-04-2010, entrada n.º 00...10, (…)”
5. O Relatório de Inspeção Tributária mencionado em 4 foi notificado à Impugnante através do ofício n.º 39...06 de 17/6/2010 e do ofício n.º 40...05 de 21/6/2010, enviado sob registo RM4...84PT datado de 22/6/2010, devolvido ao remetente (fls. 336/339 dos autos).
6. Na declaração de início de atividade entregue pela Impugnante esta estimou um valor de proveitos anual de € 396.000,00 ficando enquadrada no regime geral de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (fls. 329/330 dos autos).
7. Em 1/1/2006 foi efetuada pela Autoridade Tributária uma alteração oficiosa ficando a Impugnante enquadrada no regime simplificado de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (fls. 332/333 dos autos).
8. Na declaração mod. 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 0108-C1224-19, entregue pela Impugnante em 3/7/2007 a mesma selecionou o regime simplificado de tributação (fls. 167/169 dos autos).
9. A sociedade comercial T..., LDA. emitiu, em 31/12/2006, as faturas n.ºs 152, 153 e 154, nos montantes de € 150.000,00, € 75.000,00 e € 175.000,00 (acrescido de IVA à taxa de 21%), respetivamente, em nome da Impugnante, indicando que o valor faturado respeitava a “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTES” e fazendo menção ao vencimento das faturas em 30/1/2007 e à “CARGA” em 8/2/2007 (fls. 27/29 dos autos).
10. A sociedade comercial T..., LDA. emitiu, em 31/8/2006, a fatura n.ºs 72, no montante de € 120.000,00, (acrescido de IVA à taxa de 21%), em nome da Impugnante, indicando que o valor faturado respeitava a “SERVIÇOS PRESTADOS ATÉ 31/08” e fazendo menção ao vencimento das faturas em 30/9/2006 e à “CARGA” em 9/10/2006 (fls. 303 dos autos).
11. A sociedade comercial T..., LDA. emitiu, em 30/11/2006, a fatura n.ºs 128, no montante de € 54.958,68, (acrescido de IVA à taxa de 21%), em nome da Impugnante, indicando que o valor faturado respeitava a “SERVIÇOS PRESTADOS EM OUTUBRO” e fazendo menção ao vencimento das faturas em 30/12/2006 e à “CARGA” em 14/12/2006 (fls. 305 dos autos).
12. A Impugnante, no exercício de 2006, emitiu as guias de transporte para o seu cliente C..., SA., cuja relação consta a fls. 310/318 dos autos e que se dá por reproduzida.
13. Em 17/4/2008 a Autoridade Tributária notificou FF, na qualidade de funcionária da Impugnante para no dia 24/4/2008, pelas 10:00 horas exibir “1. A contabilidade regularmente organizada e em dia (…); 2. Documentos de suporte aos registos contabilísticos (…);” (fls. 285 dos autos).
14. Em 24/4/2008 foi elaborado o “Auto de Declarações” de GG, na qualidade de Técnico Oficial de Contas da Impugnante com o conteúdo que conta a fls. 325/326 dos autos e que se dá por reproduzido.
15. A Autoridade Tributária enviou à Impugnante o ofício n.º 8404204 datado de 8/5/2008 sob o assunto “Exibição da contabilidade – 2ª Notificação” (fls. 286 dos autos).
16. A Autoridade Tributária enviou à Impugnante o ofício n.º 84...26 datado de 20/5/2008 sob o assunto “Notificação” que se dá por reproduzido e do qual se extrata com relevo para os presentes autos:
“Assim, fica por este meio notificado ao abrigo do disposto nos artigos 59º da Lei Geral Tributária (LGT), (dever de colaboração), 37º e 38º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), alínea c) do artigo 77º e n.º 1 do artigo 78º, ambos do Código do IVA, e n.º 2 do artigo 125º do Código do IRC, para no dia 06 de junho de 2008, às 10:00 horas, na sede da empresa (…) entregar ao Inspector Tributário “MM” os esclarecimentos escritos, justificativos e documentais, a seguir enumerados (…)” (fls. 288/290 dos autos).
17. Em 6/6/2008 foi elaborado o “Auto de ocorrências” do qual consta entre o mais que se dá por reproduzido, o que se extrata com relevo para os presentes autos: “(…) Após algum diálogo sobre os elementos solicitados na referida notificação, nada nos foi exibido, (…)” (fls. 291 dos autos).
18. Por ofício datado de 3/9/2008, o Núcleo de Investigação Criminal da Direção de Finanças de ... comunicou ao Procurador da República junto do Tribunal Judicial da Comarca de ... a instauração contra a aqui Impugnante do processo de inquérito n.º 3.../0....3IDAVR, por indícios da prática do crime de fraude fiscal, requerendo que fossem efetuadas as diligências necessárias para permitir o acesso aos extratos de contas bancárias tituladas pela Impugnante junto do “Banco X...” e do “Banco Y...”, desde o exercício de 2005 (fls. 320 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido).
19. A Autoridade Tributária enviou à Impugnante o ofício n.º 84.....30 datado de 1/2/2010 sob o assunto “Solicitação de elementos/esclarecimentos” que se dá por reproduzido e do qual se extrata com relevo para os presentes autos:
“Dado que não nos foram exibidos os documentos contabilísticos, nem os extractos bancários em nome da empresa supra mencionada, mesmo após várias notificações efectuadas para o efeito, foi solicitada a derrogação do sigilo bancário à Autoridade Judicial.
(…) Nestes termos, fica notificado nos termos do artigo 59º da Lei Geral Tributária, para no prazo de 15 dias, esclarecer por escrito as questões abaixo mencionadas. (…)” (fls. 321 dos autos).
20. A Autoridade Tributária enviou à Impugnante o ofício n.º 84...20 datado de 17/2/2010 sob o assunto “2ª Notificação – Solicitação de elementos/esclarecimentos” (fls. 324 dos autos).
21. Do quadro de pessoal ao serviço da Impugnante em outubro de 2007, constam 5 motoristas de pesados, sendo que dois deles foram admitidos em fevereiro e março de 2006 e os restantes em setembro de 2006 (fls. 33/34 dos autos).
22. Em 26/7/2010, a Impugnante deu entrada na Direção de Finanças do ... de um pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 142/146 do p. a. e cujo teor se dá por reproduzido.
23. Em 30/11/2010, o pedido de revisão mencionado em 22 foi indeferido com os fundamentos que constam a fls. 42/44 dos autos que se dá por reproduzida e da qual se extrata com relevo para os presentes autos:
“(…) Perante os factos evidenciados no Relatório de Inspeção Tributária (R.I.T.), afigura-se-nos estarem reunidos os pressupostos que permitem o recurso à tributação por métodos de avaliação indirecta nos termos dos art.ºs 87º e 88º da Lei Geral Tributária (L.G.T.).
Concordo, também, com a quantificação do lucro tributável e do imposto (I.V.A.) em falta, quanto ao exercício de 2006 proposto pelo perito da Administração Fiscal pelas razões constantes no seu parecer, que acompanho e aqui dou por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (…)”
24. A decisão do pedido de revisão mencionado em 23 foi notificada à Impugnante em 16/12/2010 (fls. 9 e 97 do p. a.).
25. Em decurso das correções efetuadas à Impugnante no âmbito do procedimento inspetivo mencionado em 2 a 4 foram efetuadas pela Autoridade Tributária a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2006 n.º ...10 8...30, no montante de € 83.315,74, datada de 2/12/2010, a respetiva liquidação de juros moratórios n.º ...10 1...93, no montante de €369,27 e a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º ...10 1...92 no montante de € 7.778,51 (fls. 53/55 dos autos).
26. As liquidações mencionadas em 25 deram origem à nota de acerto de contas n.º ...10 2...35 de 6/12/2010, com um montante total a pagar de € 72.630,67 e que admitia pagamento voluntário até 12/1/2011 (fls. 54 dos autos).
27. Em 6/5/2011 deu entrada na Direção de Finanças do ... reclamação graciosa apresentada pela Impugnante contra a liquidação n.º ...10 8...30 com a fundamentação que consta a fls. 2/8 do p. a. que se dá por reproduzida, à qual foi atribuído o n.º 31....83.
28. Em 7/7/2011, foi proferido projeto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Impugnante, notificado sob registo RM6...51PT de 12/7/2011, para, no prazo de 10 dias, exercer o direito de audição prévia (fls. 107/107b) do p.a.).
29. Por despacho datado de 1/8/2011 por subdelegação de competências do Sr. Diretor de Finanças do ..., a reclamação graciosa mencionada em 27 foi indeferida (fls. 108 do p. a.).
30. A Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa através do ofício n.º 46...03 de 2/8/2011 sob registo RM6...67PT (fls. 109/109b) do p. a.).
31. Em 1/8/2011 deu entrada na Direção de Finanças do ... um requerimento da Impugnante sob o assunto “Direito de Audição previsto no art. 60º da L.G.T. – Proc.º de reclamação n.º 31....83 IRC 2008” remetido por correio registado RC4...99PT datado de 29/7/2011 (fls. 110/115 do p. a.).
32. Foi emitida pronúncia pela Autoridade Tributária quanto ao requerimento mencionado em 31 e novamente indeferida a reclamação graciosa mencionada em 26 por despacho de 5/8/2011 notificado à Impugnante através do ofício n.º 4...81 de 9/8/2011 enviado sob registo RM3...01PT, cujo aviso de receção se encontra assinado em 17/8/2011 (fls. 116/120 do p. a.).
33. Em 15/9/2011, a Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa mencionada em 26, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 121/128 do p. a., cujo teor se dá por reproduzido.
34. Em 14/06/2012, foi negado provimento ao recurso hierárquico mencionado em 31, por decisão notificada à Impugnante sob registo RM7...34PT, cujo aviso de receção se mostra assinado em 24/5/2012 (fls. 154/170 do p. a.).
35. A presente impugnação judicial foi deduzida em 21/8/2012 (fls. 3 dos autos).
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Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
A - A faturação emitida à Impugnante pela sociedade comercial T..., Lda., em 2006, correspondeu a uma antecipação de proveitos, tendo os serviços sido efetivamente realizados, por conta e ordem da Impugnante, em fevereiro de 2007.
B - A emissão das guias de transporte à sociedade comercial C..., SA., com o carimbo da Impugnante, resultou de um lapso, tendo o montante correspondente às referidas guias (€79.614,50) sido faturado e levado a proveitos pela sociedade comercial E..., LDA..
C - A Impugnante não conseguiu submeter a declaração Mod. 22 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 2006 no regime geral porque o sistema informático retornava uma mensagem de erro.
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Motivação:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica dos documentos que compõem o processo administrativo e nos restantes documentos juntos aos autos e não impugnados, referidos no probatório em relação a cada facto.
No que concerne aos factos não provados, a prova documental e testemunhal produzida pela Impugnante, não logrou convencer o Tribunal da sua ocorrência.
No que respeita ao facto não provado indicado na alínea A, a Impugnante não demonstrou que a faturação que lhe foi emitida em 2006 pela sociedade comercial T..., Lda. consubstanciou uma antecipação de proveitos, nem que tais serviços apenas tivessem sido prestados em fevereiro de 2007.
Efetivamente, pelo facto de as faturas n.ºs 152, 153 e 154 terem inscritas como data de carga o dia 8/2/2007, não permite, por si só, dar como provado que os serviços em causa apenas foram prestados nessa data.
Por outro lado, ressalta que as referidas faturas foram emitidas em 31/12/2006 e o seu vencimento ocorreu em 30/1/2007, não sendo credível, porque tal não resulta das regras de mercado, nem da experiência comum, que as faturas se vencessem antes da data da carga no sentido da efetiva prestação do serviço.
Acresce ainda que o procedimento adotado em relação às faturas supramencionadas foi idêntico ao adotado em relação às faturas n.ºs 72 e 128 relativamente às quais a Impugnante também não as repercutiu a terceiros. O que reflete que a Impugnante subcontratou serviços de transporte à T..., Lda. e não faturou esses serviços a clientes, como seria de esperar, dado tratar-se de uma empresa cuja atividade é o transporte rodoviário de mercadorias.
Além disso, a Impugnante também não logrou provar que, no ano de 2007, tivesse faturado os serviços em causa aos seus clientes, aí repercutindo os serviços prestados.
Nessa medida, da prova testemunhal produzida também não resultou provado o referido facto, porquanto a testemunha AA (consultor externo da Impugnante desde 2010) prestou um depoimento demasiado vago e genérico.
A referida testemunha quando inquirida relativamente a estas faturas limitou-se a declarar que é normal existirem antecipações de faturação tendo em vista a manutenção do alvará de transportes e que a Impugnante registou as faturas na sua contabilidade como antecipações.
Porém, a mesma testemunha não foi capaz de fornecer qualquer explicação para a ausência de faturação dos serviços cuja faturação foi, na sua perspetiva, antecipada, aos clientes da Impugnante.
É de salientar ainda que este é um depoimento indireto, em virtude da testemunha não ser colaborador da Impugnante na data em que foram prestados os serviços em questão, porquanto apenas foi contratada em 2010, e nessa medida o conhecimento dos factos sobre os quais declarou só pôde ocorrer por via indireta.
No que respeita à testemunha BB (técnico oficial de contas da Impugnante desde 2010), o mesmo prestou um testemunho indireto, dada a sua razão de ciência corroborado na análise da documentação de suporte à contabilidade e nada referiu quanto à suposta antecipação de proveitos e quanto à data em que os serviços foram efetivamente prestados, declarando apenas que depreendia ter existido um diferimento dos custos relacionados com as faturas n.ºs 152, 153 e 154.
No que concerne ao facto não provado indicado na alínea B, a Impugnante não logrou demonstrar que os serviços correspondentes às guias de transporte emitidas em nome da sociedade comercial C..., SA. foram faturados a esta sociedade pela sociedade comercial E..., LDA. e que existiu um lapso na emissão das ditas guias com o carimbo da Impugnante.
Na verdade, a Impugnante não conseguiu estabelecer uma relação entre as guias de transporte mencionadas no relatório de inspeção e as faturas emitidas pela E..., LDA. à C..., SA., durante o ano de 2006, como lhe competia.
Além do mais, da prova testemunhal produzida também não resultou provado o referido facto.
O depoimento da testemunha AA revelou-se, também nesta parte, pouco consistente e credível, pois principiou por negar que os serviços mencionados nas guias de transporte tivessem sido efetuados pela Impugnante, declarando que os mesmos haviam sido prestados pela E..., LDA.. Para, ulteriormente, alterar o seu testemunho, afiançado que, afinal, a partir de junho de 2006, a Impugnante começou a prestar serviços de transporte à C..., SA. e a emitir as correspondentes guias. Mais declarou que os referidos serviços foram faturados pela E..., LDA. porque a Impugnante ainda não dispunha de um programa de faturação.
Ora, é patente a contradição e incoerência deste depoimento, uma vez que inicialmente nega a existência das prestações de serviços mencionadas nas guias de transporte e mais tarde confirma a sua existência a partir de junho de 2006, não sendo de olvidar que também este é um testemunho indireto.
Por seu turno, a testemunha BB declarou que a faturação dos serviços correspondentes às guias de transporte foi efetuada pela E..., LDA. e que até junho de 2006 as guias de transporte não podiam ser emitidas pela Impugnante, porque não dispunha de veículos (e não já de sistema informático).
Assim, deste depoimento, que se mostrou vago e genérico, também não resulta que os serviços mencionados nas guias de transporte não tivessem sido prestados pela Impugnante, que podia fazê-lo, nomeadamente, através da subcontratação do transporte a outras empresas. Acrescendo o facto da razão de ciência da testemunha resultar apenas da análise que efetuou à contabilidade da Impugnante, não tendo conhecimento direto dos factos.
Finalmente, a testemunha CC (funcionária da sociedade comercial T..., Lda. e que também prestou serviços administrativos à sociedade comercial E..., LDA.) limitou-se a declarar que desconhecia o motivo pelo qual as guias de transporte foram emitidas pela Impugnante e que o serviço foi faturado pela E..., LDA.. Contudo, nada referiu quanto ao tipo de serviço faturado, nem quanto à data das respetivas faturas, não estabelecendo qualquer relação entre os serviços indicados nas guias de transporte e os serviços faturados pela E..., LDA.. E nessa medida, mostrou-se um depoimento vago e genérico, que não convenceu o Tribunal.
No que respeita ao facto não provado vertido em C o mesmo ficou a dever-se a total ausência de prova produzida nesse sentido.”
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2. O Direito
A Recorrente começa por se insurgir contra a decisão da matéria de facto, pretendendo que a matéria vertida nos factos não provados (pontos A e B) passe a constar dos factos provados, conforme conclusões 1.ª à 5.ª das alegações do presente recurso:
“A - A faturação emitida à Impugnante pela sociedade comercial T..., Lda., em 2006, correspondeu a uma antecipação de proveitos, tendo os serviços sido efetivamente realizados, por conta e ordem da Impugnante, em fevereiro de 2007.
B - A emissão das guias de transporte à sociedade comercial C..., SA., com o carimbo da Impugnante, resultou de um lapso, tendo o montante correspondente às referidas guias (€79.614,50) sido faturado e levado a proveitos pela sociedade comercial E..., LDA..”
Porém, é notório que tal matéria não poderá integrar a decisão da matéria de facto, nem nos factos provados nem nos factos não provados, na medida em que encerra conclusões de facto.
Tal matéria foi abordada nos artigos 16.º e 37.º da petição inicial, mas, ainda assim, não foi invocada desta exacta forma.
Lembramos que as partes devem invocar factos simples, dado que somente sobre estes poderá incidir a produção de prova e, depois, eventualmente, serem levados ao probatório. Nesta conformidade, os juízos de valor, as ilações de facto ou de direito e qualquer matéria que encerre conclusões não deverão integrar a decisão da matéria de facto, pelo que improcede, desde logo, a pretensão da Recorrente de alterar o probatório, colocando tal matéria no acervo dos factos provados, uma vez que condicionaria irremediavelmente o desfecho da causa. As conclusões devem ser retiradas pelo tribunal dos factos simples invocados e que se mostrem provados, num trabalho posterior de subsunção dos factos ao direito aplicável.
Nestes termos, elimina-se da decisão da matéria de facto os pontos A e B vertidos nos factos não provados.
Estabilizada a decisão da matéria de facto, importa prosseguir para a abordagem do alegado erro nos pressupostos em que assentou a estimativa de proveitos da Recorrente.
Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária. Porém, como resulta do ponto 23 do probatório, tal decisão assentou e remeteu para a motivação constante do relatório de inspecção tributária (RIT) – cfr. pontos 3 e 4 da decisão da matéria de facto.
De tudo o que foi alegado e decidido pelo tribunal de primeira instância, a Recorrente concentrou, em grande medida, o objecto do seu recurso nas facturas que lhe foram emitidas pela sociedade “T..., Lda.” e nas guias de transporte emitidas em nome da sociedade “C..., SA.”, uma vez que a estimativa de proveitos efectuada pela AT assentou, precisamente e só, nos valores facturados por essa sociedade comercial “T..., Lda.” e nos montantes correspondentes às ditas guias de transporte emitidas à sociedade comercial “C..., SA.”, como consta da fundamentação do RIT:
“Os critérios e cálculos para apuramento do volume de negócios do exercício de 2006, são os seguintes:
- Considerar como total dos proveitos do exercício a soma das facturas emitidas pela “T..., Lda.”, relativas a prestação de serviços de transporte, no referido ano, mais o total das guias de transporte emitidas em nome da “C..., SA.”, no mencionado ano, relativas a serviços de transporte não facturados, no exercício de 2006, conforme consta do quadro seguinte.
IV.2.1 – IRC
À soma do total dos proveitos presumidos, vamos aplicar o coeficiente a que se refere o n.º 4 do artigo 58º do Código do IRC, já que o sujeito passivo no exercício de 2006 ficou enquadrado no regime simplificado de tributação, a que se refere o citado artigo.”
Conforme consta do RIT, a AT havia verificado que, nesse exercício de 2006, a empresa “T..., Lda.” (empresa cujos sócios e gerentes são comuns) emitiu em nome da empresa “At..., Lda.”, aqui Recorrente, as facturas n.º 72, 154, 128, 152 e 153, relativas a serviços de transporte efectuados, sem que o serviço referido nas mesmas tenha sido repercutido a terceiros no mesmo exercício. Acrescentando, por estarmos em presença de uma empresa cuja actividade é o transporte rodoviário de mercadorias, não se entender por que razão os citados serviços não foram facturados a terceiros.
A sentença recorrida validou o critério presuntivo e as premissas em que o mesmo se fundou, afirmando existirem indícios de uma omissão de proveitos e acolhendo a tese da AT, por a impugnante constituir uma sociedade comercial cuja actividade consistia no transporte rodoviário de mercadorias, seria de esperar que os serviços de transporte que subcontratava a terceiros fossem objecto de facturação aos clientes que deles beneficiavam.
Não fora todos os outros elementos recolhidos, designadamente a falta de exibição da contabilidade devidamente organizada, a omissão de declarações, a falta de exibição dos extractos de contas bancárias da sociedade, a existência de diversos depósitos bancários não reflectidos na contabilidade da empresa ou a falta de colaboração do sujeito passivo, poderia parecer que a AT presumiu a omissão de rendimentos assente numa outra presunção de que os serviços de transporte facturados à impugnante diriam respeito a serviços que ela tinha de executar a terceiros no mesmo exercício de 2006, conjecturando-se uma omissão de proveitos.
Apesar de serem abundantes os factos que sustentaram a verificação dos pressupostos para o recurso aos métodos indirectos, a estimativa de proveitos afigura-se ter na sua base premissas inadmissíveis.
Vejamos.
Desde logo, é importante frisar que as facturas em apreço foram consideradas verdadeiras no RIT, pois foi com base nas mesmas que a AT chegou à conclusão que a impugnante tinha de facturar e, consequentemente, de liquidar IRC. Todavia, a AT não fez prova de que os serviços de transporte facturados pela “T..., Lda.” à impugnante diziam respeito a serviços que esta tinha de executar a terceiros. Note-se que as facturas em crise nada mencionam que indique que o serviço de transporte que foi prestado à impugnante tivesse que ser repercutido perante terceiros. Cabia, então, à AT demonstrar que os serviços de transporte efectuados pela T..., Lda.” correspondiam a serviços de transporte de bens de terceiros ou destinados a terceiros.
Portanto, a AT presumiu, aqui, a omissão de proveitos, sem que tal presunção tenha assentado em quaisquer factos, limitou-se a conjecturar, definindo que o serviço referido nas facturas terá sido repercutido a terceiros no mesmo exercício (e que a ora Recorrente não o facturou, omitindo proveitos).
Esta falha na recolha de factos assume particular importância no caso concreto, uma vez que, como vimos, na escolha do método presuntivo, a AT seleccionou unicamente os montantes vertidos nestas facturas da “T..., Lda.” e os correspondentes às guias de transporte (que também não terão sido objecto de facturação).
Ora, relativamente às facturas n.º 152, 153 e 154, o ponto 9 do probatório é elucidativo: A sociedade comercial T..., LDA. emitiu, em 31/12/2006, as faturas n.ºs 152, 153 e 154, nos montantes de € 150.000,00, € 75.000,00 e € 175.000,00 (acrescido de IVA à taxa de 21%), respetivamente, em nome da Impugnante, indicando que o valor faturado respeitava a “PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTES” e fazendo menção ao vencimento das faturas em 30/1/2007 e à “CARGA” em 8/2/2007.
Como bem acentua a Recorrente, tal significa que os serviços a prestar pela impugnante (se tivesse que os prestar, como defende a AT) nunca poderiam ser prestados em 2006, uma vez que somente em 2007 (08/02/2007) é que seriam prestados pela “T..., Lda.” (é que seriam carregados os bens/mercadorias no veículo desta sociedade para serem transportados). De facto, a ser verdadeiro o raciocínio da AT, unicamente depois desta data poderia ocorrer a prestação de eventuais serviços de transporte pela Recorrente. No entanto, a AT presumiu que o serviço referido nestas facturas (n.º 152, n.º 153 e n.º 154) teria sido repercutido a terceiros no mesmo exercício de 2006, o que se revela incongruente e objectivamente impossível em face do teor e dos elementos constantes das facturas, cuja veracidade não foi questionada pela AT.
Como vem sendo afirmado por este tribunal, «o erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar, portanto, o vício de violação de lei, por erro na quantificação. No entanto, e como tem sido entendido, de forma uniforme, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Dito de outro modo: não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte daí ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos.» - cfr. Acórdão do TCA Norte, de 20/02/2020, proferido no âmbito do processo n.º 00592/05.8BUPRT.
Nesta conformidade, como as insuficiências no método relevantes devem evidenciar um excesso de quantificação, observa-se ser o que se verifica in casu. Pelo menos nesta parte, o critério presuntivo escolhido pela AT assentou em premissa inadmissível, sendo que este erro quanto aos pressupostos afecta a quantificação da matéria tributável, revelando ipso facto excesso na sua determinação, uma vez que está em causa apenas o seu cálculo quanto ao exercício de 2006.
Tal falha tem reflexos na totalidade da liquidação, uma vez que o método indirecto adoptado é uno, sendo tal desadequação do critério suficiente para a liquidação de IRC impugnada ser eliminada da ordem jurídica, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso – cfr. Acórdão deste TCA Norte, de 15/06/2022, proferido no âmbito do processo n.º 644/10.2BECBR.
Com efeito, o método de quantificação é uno, no sentido de que a eventual ilegalidade de um dos elementos aí compreendidos afecta toda a matéria tributável resultante das correcções, donde, não acarreta efeitos invalidantes meramente parciais da liquidação a que vier dar origem - cfr., neste sentido, o Acórdão do STA, de 30/10/2019, proferido no âmbito do processo n.º 010/13.8BECBR.
Destarte, impera concluir pela ilegalidade da liquidação decorrente da ilegal determinação da matéria tributável que lhe subjaz, por violação das respectivas regras ao nível do critério de quantificação utilizado, por a Administração Tributária ter assentado o método presuntivo escolhido em facto meramente hipotético, que se revelou, em concreto e na prática, inadmissível, desajustado e com resultado excessivo.
Por tudo o exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente.
Conclusões/Sumário
I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
II - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
III – No caso concreto, a aplicação do método presuntivo para determinação da matéria tributável do exercício de 2006 revelou ipso facto que o resultado apurado fosse excessivo.
IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, anulando-se a liquidação impugnada.
Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 03 de Novembro de 2022
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Cláudia Almeida
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[4] Anexo 4 – Notificação pessoal – FF
[5] Anexo 27 – Auto de declarações TOC
[6] Anexo 5 – Notificação – ofício n.º 8404204
[9] Anexo 7 – Auto de ocorrência
[15] Anexo 13 – Factura n.º 1
[22] Anexo 20 – Base de dados – Guias de transporte - 2006 |