Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00448/11.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO
IVA
INVERSÃO DO SUJEITO PASSIVO
Sumário:1. A fundamentação formal do acto existe quando o autor do mesmo dá a conhecer as razões de facto e de direito que estão na base da decisão de modo tal que as mesmas se revelam apreensíveis para o seu destinatário.
2. O prestador de serviços é, regra geral, o sujeito passivo de IVA, mas nas situações denominadas de reversão da dívida tributária ou inversão do sujeito passivo (reverse charge) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto.
3.O regime introduzido pela Lei nº 33/2006, de 28/7, que alterou o CIVA, veio impor que os sujeitos passivos do imposto com direito total ou parcial à dedução, que adquiram a outros sujeitos passivos desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis e certas prestações de serviços com estes relacionados, enunciados no Anexo E ao CIVA, devem proceder à liquidação do imposto que se mostre devido nessas operações.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

A...Unipessoal, Lda. (Recorrente), CF 5…, com sede no Parque Industrial…, Mortágua, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2007 e 2008.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

2.1. O artigo 77° da LGT, ao determinar que a fundamentação pode consistir numa sucinta exposição das razões de facto e de direito que autorizam a actuação administrativa, exige sempre um conteúdo mínimo que consiste, ao nível das razões de direito, na indicação das normas de incidência e, ao nível das razões de fado, na indicação dos motivos que determinam a subsunção dos factos àquelas normas.

2.2. Assim, no plano da incidência subjectiva, a aplicação do regime introduzido pelo artigo 2.°, n.° 1, al. i), do Código do IVA, não poderia deixar de se encontrar devidamente fundamentada através da explicitação das razões de fado que determinam a inclusão das operações relevadas no âmbito da lista a que se refere o Anexo E do referido Código.

2.3. Por outro lado, também não se encontra no relatório da inspecção qualquer referência à(s) norma(s) que delimitam a incidência objectiva do IVA, a começar, obviamente, pelos artigos 1.º e 3.° do CIVA que não são referidos em momento algum do procedimento, como resulta dos factos provados.

2.4 Ao dar como fundamentadas as liquidações inquinadas dos vícios supra referidos o Tribunal violou o conteúdo irredutível mínimo do artigo 77º da LGT. Por outro lado,

2.4. De acordo com o regime legal, tratando-se de sujeito passivo que efectue transmissões de bens mencionados no Anexo E a outro sujeito passivo, aquele deve obrigatoriamente emitir factura indicando o motivo da não liquidação do imposto;

Nesses casos, sempre que o sujeito passivo adquira a outro sujeito passivo bens e/ou serviços mencionados no Anexo E, ao receber a factura do seu fornecedor deve liquidar o imposto devido pela aquisição, devendo essa operação ser efectuada na própria factura do fornecedor.

2.5. No caso do fornecedor não ser um sujeito passivo, não há lugar a liquidação de IVA, não obstante o adquirente ficar obrigado à emissão de uma factura em nome daquele.

2.6. Não nascendo a obrigação de liquidar o IVA, para o adquirente, da realização da operação - pois no caso de a mesma ser feita por um particular, a mesma não será tributável -, mas da qualidade do sujeito transmitente e sendo esta atestada pela emissão de uma factura ou pela prova do registo/inscrição da pessoa como sujeito passivo do imposto, não estava a recorrente obrigada a liquidar o imposto nos casos em que não lhe fosse apresentada factura ou em que desconhecesse aquele registo.

2.7. A douta sentença erra ao considerar tributáveis as operações sem que tenha existido a emissão de factura e sem dar como provado que a recorrente conhecia ou desconhecia que os transmitentes (todos e cada um deles, como é óbvio) eram, ou não, sujeitos passivos do imposto, o que configura uma manifesta insuficiência da matéria de facto dada como provada.

2.8. Se a AT apenas poderia considerar tributáveis pelo adquirente a transmissão de bens que fosse de incluir na lista do Anexo E do CIVA, o que também não demonstrou, porquanto qualquer um dos materiais referidos no relatório da inspecção é passível de transacção de acordo com o regime geral, sendo devido IVA pelo vendedor e não pelo adquirente, não podia o Tribunal decidir como decidiu sem dar por provado que as transmissões em causa foram, todas elas, de bens abrangidos pelo regime da “inverse charge” e não pelo regime geral.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provido e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir, já que a tal nada obsta.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as de saber se a sentença recorrida (i) errou ao ter considerado que os actos de liquidação impugnados não padecem do vício de falta de fundamentação; (ii) incorreu em erro de julgamento quanto aos pressupostos relativos à inversão do sujeito passivo, por insuficiência da matéria de facto dada como provada para o efeito.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

Matéria de facto provada:

A) Com relevância para a boa decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

1. A Impugnante, à data dos factos, encontrava-se colectada pela actividade de “Comércio por Grosso de Sucatas”, CAE 46771, tendo como actividades de restauração e de comércio por grosso de materiais de construção, estando enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e, para efeitos de IVA, no regime normal com periodicidade trimestral.

2. Com base na Ordem de Serviço Externa nº OI201000203 de 05.03.2010, foi realizada uma acção inspectiva à Impugnante, com início em 19.04.2010 e fim em 19.01.2011 – cfr. fls. 51 do apenso.

3. A Impugnante foi notificada, através do ofício n.º 801, datado de 21.01.2011, para exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção - fls. 41-A do apenso e fls. 78 e ss. dos autos;

4. Na sequência da notificação referida no nº anterior, a Impugnante veio exercer o direito de audição prévia, nos termos constantes de fls. 305 e ss. do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que em resumo, incide sobre os custos desconsiderados pela AT (alegando que os fornecimentos efectuados titulam operações reais) e sobre as despesas confidenciais (invocando que as despesas em causa não são confidenciais, como do próprio relatório consta).

5. No instrumento de audição prévia, a Impugnante arrolou 3 testemunhas – cfr. fls. 317 do apenso.

6. Através de ofício registado em 09.02.2011 e recebido em 31.03.2011, foi a Impugnante notificada do relatório final e do despacho de concordância que sobre ele recaiu, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

(imagens omissas)

(…)
– cfr. fls. 46 e ss. do apenso.

*
B) Factos não provados:
Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem.
*
C) Motivação da Matéria de Facto:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada no teor dos documentos constantes dos autos e do P. A.
*

2.2. O direito

2.2.1. A primeira questão que vem colocada pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrida errou ao ter considerado que os actos de liquidação impugnados não padecem do vício de falta de fundamentação (conclusões 2.1. a 2.4).

Vejamos.

O direito à fundamentação, em relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II, da parte 1ª, da CRP (artigo 268º).

Este dever geral de fundamentação dos actos tributários foi concretizado no artigo 125º do CPA e no artigo 77º, nº 4, da LGT.

Como é sabido, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo e nesta perspectiva, essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos tributários é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” - assim, acórdão STA de 25/6/1998, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 391, p. 236.

A fundamentação do acto destina-se a esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.”- cf. Vieira de Andrade, in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, p. 239.

Portanto, a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o contribuinte e permitir-lhe o controlo do acto. Traduz-se isto em dizer que o contribuinte deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar - se - lhe, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão.

No caso dos autos, como se deixou exarado na sentença recorrida: “ (…) o relatório apresenta o enquadramento fiscal da actividade desenvolvida pela Impugnante - comércio por grosso de sucatas –, explicando em que consiste a regra de inversão do sujeito passivo implementada pela Lei 33/2006, de 28 de Julho no âmbito da transmissão de bens e serviços do sector de desperdícios, resíduos e sucatas (Lista de bens e serviços a que se refere a alínea i) do nº 1 do artigo 2º do CIVA - norma de incidência subjectiva) e descrevendo o regime aplicável nos casos em que os sujeitos passivos adquiram os bens em causa a particulares (cfr. fls. 8 e 9 do relatório).

Em sede de análise do caso concreto (fls. 43 e ss. do relatório), são descritas as razões de facto e de direito que levaram os Srs. Inspectores a concluir pela obrigação de liquidar o IVA respeitante às compras efectuadas ao sujeito passivo J…, bem como às aquisições efectuadas, de acordo com os comprovativos de pagamento apresentados pela Impugnante e que se encontram identificadas no quadro de fls. 46 e 47 do relatório e que aí se considerou terem “carácter de habitualidade”, conferindo aos transmitentes “a qualidade de sujeito passivo de acordo com a alínea a), do nº 1, do artigo 2º, do CIVA”.

Refira-se, ainda, que os materiais/produtos adquiridos, relativamente aos quais se considerou ser devido IVA, encontram-se descritos nos documentos de auto-facturação emitidos pela Impugnante (“compras a dinheiro”), documentos esses que estão identificados nos quadros de p. 43, 45, 46 e 47 do relatório e que se encontram discriminados no seu “anexo 3”, designadamente, por mercadoria adquirida (cfr. fls. 103 e ss. do apenso).”.

Concordamos inteiramente com este entendimento.

Contrariamente ao que pretende a Recorrente, do relatório de inspecção e seus anexos constam suficientemente explanadas as razões de facto que determinam a inclusão das operações relevadas no âmbito da lista a que se refere o Anexo E do CIVA (e que, aliás, já haviam sido incluídas nessa lista pela própria Impugnante).

Ora, entendido o dever de fundamentação (na sua dimensão formal) nos moldes que supra referimos, afigura - se - nos que a administração tributária externou as razões de facto e de direito que estão na base da decisão de um modo tal que as mesmas se revelam apreensíveis para o seu destinatário e, dessa forma, cumpriu aquele dever de fundamentação, ou seja, pode dizer-se que a contribuinte ficou em perfeitas condições de apreender o itinerário cognoscitivo que esteve na origem da prática dos actos de liquidação impugnados, o que bem se vê, aliás, pelo teor da impugnação que deduziu.

Deste modo, e como bem se concluiu na sentença recorrida, os actos impugnados não padecem do invocado vício de falta de fundamentação, pelo que improcedem as conclusões 2.2 a 2.4., das alegações de recurso.

2.2.2.Nas restantes conclusões de recurso, sustenta a Recorrente que a sentença recorrida errou ao considerar tributáveis as operações referidas no RIT, por manifesta insuficiência da matéria de facto dada como provada para o efeito. No entendimento da Recorrente, a sentença recorrida errou ao considerar tributáveis as operações, sem que tenha existido a emissão de factura, sem dar como provado que ela conhecia ou desconhecia que os transmitentes eram, ou não, sujeitos passivos do imposto e sem dar por provado que as transmissões em causa foram, todas elas, de bens abrangidos pelo regime da “inverse charge” e não pelo regime geral.

Vejamos.

Os actos de liquidação de IVA impugnados foram emitidos na sequência de uma acção de inspecção realizada à contabilidade da Impugnante aos exercícios de 2007 e 2008, em que a administração tributária concluiu que aquela devia ter liquidado IVA nas compras que efectuou, e na parte que aqui importa, a “J…”, “José…”, “C…”, “A…”, “J…” e “L…”, por entender que estes eram sujeitos passivos de IVA.

Com efeito, constataram os serviços da administração tributária que relativamente às aquisições feitas pela Impugnante [descritas no ponto 6) do probatório], no âmbito da sua actividade de comércio por grosso de sucatas, aos identificados fornecedores, estes não emitiram qualquer factura ou documento equivalente e, consequentemente, a Impugnante também não liquidou o IVA respectivo, tendo emitido auto - facturas; apuraram também que estes fornecedores estavam registados com a actividade de comércio por grosso de sucatas (sendo que o J… procedeu mais tarde à alteração da actividade principal de “aluguer de bens recreativos e desportivos” para “comércio por grosso de sucatas”).

Perante esta factualidade e as transacções efectuadas, a administração tributária concluiu que tendo essas aquisições sido efectuadas com carácter de habitualidade, e estando os fornecedores obrigados ao registo e à emissão de factura ou documento equivalente, uma vez que eram sujeitos passivos de IVA, a Impugnante deveria ter liquidado o IVA respectivo (em conformidade com a regra de inversão do sujeito passivo implementada pela Lei nº 33/2006, de 28 de Julho) e, consequentemente, emitiu as liquidações correspondentes ao valor do IVA que deveria ter sido liquidado.

Estamos, portanto, no âmbito da aplicação da regra de inversão dos sujeitos passivos (reverse charge).

Segundo as regras de incidência subjectiva previstas no artigo 2º do CIVA são sujeitos passivos, as pessoas singulares ou colectivas que, de modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam as actividades aí elencadas.

De acordo com estas regras, estando registados e desenvolvendo com carácter de habitualidade a actividade de comércio por grosso de sucatas (como se verifica, de resto, pelas transacções feitas com a Impugnante), é indiscutível que os fornecedores aqui em questão eram sujeitos passivos de IVA; o que, aliás, a Recorrente nem sequer questiona no presente recurso.

Existem, todavia, situações em que “o adquirente dos serviços ou dos bens se torna sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição. São as denominadas situações de reverse charge, reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo, ou seja, nestes casos, a dívida reverte do prestador de serviços para o adquirente. Sendo o adquirente o sujeito do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19º, nº 1, alíneas c) e d).” – assim, Clotilde Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, nº 1, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, p. 83/84 e acórdão do STA de 27/2/2013, Processo 01079/12.

Nessa situação, o adquirente é o sujeito passivo do imposto e, portanto, é ele que procede à liquidação do IVA, tendo direito à dedução do IVA por essas aquisições [cf. artigo 19º, nº 1, alínea c) e d) do CIVA].

Com efeito, e no que aqui importa, a Lei nº 33/2006, de 28 de Julho, que alterou o CIVA, veio estabelecer regras especiais em matéria de tributação de desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis e de certas prestações de serviços relacionadas, aditando a alínea i) ao nº 1 do artigo 2º, segundo a qual “[a]s pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a), que, no território nacional, sejam adquirentes dos bens ou dos serviços mencionados no anexo E ao presente Código e tenham direito à dedução total ou parcial do imposto, desde que os respectivos transmitentes ou prestadores sejam sujeitos passivos do imposto.” Em conformidade, foi também aditado o Anexo E, com uma lista dos bens e serviços abrangidos pelas novas regras de tributação.

Paralelamente, aquela Lei introduziu a obrigatoriedade de auto facturação nos casos em que os sujeitos passivos efectuassem operações com particulares, tendo o artigo 28º, nº 15 do CIVA passado a prever que “os sujeitos passivos referidos na alínea i) do nº 1 do artigo 2º são obrigados a emitir uma factura por cada aquisição de bens ou de serviços aí mencionados quando o respectivo transmitente ou prestador não seja um sujeito passivo, não se aplicando, nesse caso, os condicionalismos previstos no nº 11 do artigo 35º”.

Como se pode ler da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei (nº 62/X) que aprovou tais alterações ao CIVA, “com esta medida pretende-se evitar situações de fraude que se vêm verificando neste sector de actividade, decorrentes da circunstância de determinados operadores não procederem à entrega nos cofres do Estado do imposto que liquidaram nas operações realizadas, mas que conferiu direito à dedução aos respectivos adquirentes. (…) A experiência colhida de outros países comunitários aconselha a que se adoptem medidas especiais, a aplicar aos sujeitos passivos que prosseguem estas actividades, baseadas na inversão do sujeito passivo, competindo a liquidação do IVA ao adquirente, com direito a dedução, desde que sujeito passivo deste imposto no território nacional. Face às regras cuja implementação ora se propõe, as pessoas singulares ou colectivas, sujeitos passivos de IVA não isentos, que sejam adquirentes de desperdícios, resíduos e sucatas, bem como de determinadas prestações de serviços efectuadas sobre esses bens, constantes de anexo específico ao Código do IVA, desde que o respectivo transmitente ou prestador seja também um sujeito passivo de imposto, devem liquidar o imposto por essas aquisições e podem, em simultâneo, exercer o direito à dedução, nos termos gerais do Código do IVA.”

Este regime que, como se escreveu na sentença recorrida “(…) impõe que o IVA seja liquidado pelo adquirente, aplica-se a todos os sujeitos passivos do imposto com direito total ou parcial à dedução, que adquiram a outros sujeitos passivos desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis e certas prestações de serviços com estes relacionados, enunciados no Anexo E ao Código do IVA.

Tal significa que o adquirente, sujeito passivo do IVA, deve proceder à liquidação do imposto que se mostre devido naquelas operações, sempre que o fornecedor seja, também, sujeito passivo do imposto.

No caso de aquisições a não sujeitos passivos, não há lugar a liquidação do IVA pela aquisição, estando, no entanto, o adquirente obrigado a emitir uma factura em nome do fornecedor, com todos os requisitos previstos no nº 5 do art. 36.º do CIVA, nomeadamente o nome e a morada do fornecedor e a indicação do respectivo n.º de identificação fiscal.”.

No caso dos autos, o Tribunal recorrido entendeu que, em face dos elementos apurados e que não foram postos em causa pela Impugnante, prosseguiam com carácter regular uma actividade económica de venda de sucatas e eram, portanto, sujeitos passivos de IVA, os seguintes fornecedores: J…, José…, C…, A…, J… e L….

Assim, uma vez que os transmitentes dos bens (englobados no anexo E do CIVA) eram sujeitos passivos do imposto, deviam ter sido eles a emitir facturas (e não a Impugnante a emitir auto - facturação) nos termos do artigo 28º do CIVA, com a indicação do motivo da não liquidação, com a expressão “IVA devido pelo adquirente” (cf. artigo 36º, nº 13 do CIVA), uma vez que era à Impugnante/Recorrente que competia liquidar o IVA.

A Recorrente não contesta a qualidade de sujeitos passivos dos fornecedores, afirmando apenas que a sentença recorrida errou ao considerar tributáveis as operações sem a emissão de factura sem dar como provado que (i) a Recorrente conhecia ou desconhecia que os transmitentes eram, ou não sujeitos passivos do imposto e (ii) as transmissões em causa foram, todas elas, de bens abrangidos pelo regime da “inverse charge” e não pelo regime geral.

Quanto ao primeiro argumento, escreveu-se na sentença recorrida: “Relativamente ao primeiro [J…], o volume e a frequência das transacções em causa, bem como o seu comportamento posterior denotam o carácter de habitualidade do exercício da actividade de venda de sucatas.

No que toca aos demais, verifica-se que se encontravam fiscalmente registados pelo exercício de comércio de sucatas ou outros resíduos, circunstância que conjugada com a realização das transacções em causa permite concluir que prosseguiam a actividade económica de transmissão de bens relacionados com desperdícios, resíduos e sucatas.”.

É de salientar que tais circunstâncias eram cognoscíveis pela Impugnante (um dos fornecedores – José… - tinha, inclusivamente, conta corrente na contabilidade), pelo que não pode a mesma alegar que desconhecia que os transmitentes eram sujeitos passivos de IVA.”.

Concordamos inteiramente com este entendimento do tribunal recorrido.

Na verdade, ainda que fosse necessária a prova referida pela Recorrente (e que esta não suporta em qualquer norma legal), é manifesto que do relatório de inspecção tributária, reproduzido no probatório, resulta abundante factualidade que permitia ao tribunal extrair a ilação (como extraiu) de que as circunstâncias em que os transmitentes operavam eram do conhecimento daquela. Trata-se de indivíduos que forneciam com regularidade a Impugnante e não de fornecedores ocasionais, sendo que um deles tinha mesmo conta - corrente na contabilidade dela e facturas emitidas em seu nome. Não pode, pois, a Impugnante alegar que desconhecia que esses fornecedores eram sujeitos passivos de imposto.

A adopção da medida de reverse charge neste sector de actividade para combater a fraude e evasão fiscal visou precisamente transferir para o adquirente desses bens a responsabilidade pelas transacções que efectua e pela liquidação do IVA respectivo.

Perante a regularidade e a grandeza dos fornecimentos feitos por aqueles indivíduos impunha-se que Recorrente, em caso de dúvida, averiguasse sobre o exercício de actividade por parte daqueles, sob pena de contribuir para a fraude e evasão fiscal. O que, de resto, não lhe era difícil, uma vez que das auto - facturas que emitia tinham de constar os requisitos previstos no artigo 36º, nº 5 do CIVA, nomeadamente o nome e a morada do fornecedor e a indicação do respectivo número de identificação fiscal.

Face ao circunstancialismo descrito no probatório, em que era evidente o exercício de actividade económica de venda de sucatas, com carácter regular, pelos indivíduos em questão, a Impugnante não cuidou de tomar quaisquer medidas, nomeadamente exigindo a emissão de facturas àqueles e liquidando o IVA respectivo, como se lhe impunha que fizesse.

Afigura-se-nos, pois, que ao concluir que as circunstâncias em que aqueles fornecedores operavam eram cognoscíveis pela Impugnante, a sentença recorrida não é merecedora de qualquer reparo.

Quanto ao segundo argumento, é certo que para que haja lugar à aplicação das regras especiais de tributação, ou seja, à inversão do sujeito passivo estabelecida na alínea i) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, é também necessário que os bens, objecto de transmissão ou de prestação de serviços sobre eles efectuada, constituam "desperdícios, resíduos ou sucatas" enquadráveis em qualquer das alíneas que compõem o Anexo "E" e, simultaneamente, cumpram a condição essencial de serem recicláveis.

Os bens em causa estão descritos nas listas que constituem os anexos 3 e 10 do relatório de inspecção tributária e nos documentos de auto - facturação emitidos pela Impugnante. Foi a própria Impugnante a considerar que tais bens integravam o anexo E, e, nessa medida, emitiu as auto - facturas relativas às transacções em causa.

E a verdade é que a Impugnante nada alegou a esse respeito na petição inicial, não contrariando o enquadramento feito pela administração tributária no relatório de inspecção tributária, pelo que não existindo qualquer questão controvertida sobre essa matéria, não tinha o tribunal recorrido que emitir qualquer pronúncia, de facto, sobre a mesma.

Em suma, não resultando da descrição das mercadorias transaccionadas que as mesmas não pudessem ser integradas no anexo E do CIVA e tendo, aliás, sido esse o enquadramento feito pela própria Impugnante, nenhuma censura nos merece a actuação da administração tributária ao considerar que as transacções daqueles bens tinham enquadramento no Anexo E ao CIVA, e que a sua transacção está sujeita à regra especial de tributação (inversão do sujeito passivo) e não ao regime normal de tributação do imposto.

Do que vimos de dizer se conclui que, ao entender que a Impugnante tinha a obrigação de liquidar IVA nas compras efectuadas aos transmitentes supra identificados, por estes serem sujeitos passivos de IVA, nenhuma censura merece a sentença recorrida, sendo, por isso, de manter.

Improcedem, pois, todas as conclusões de recurso.

3.Decisão

Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 26 de Fevereiro de 2015

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Ana Patrocínio

Ass. Ana Paula Santos