Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00462/07.5BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/25/2013
Tribunal:TCAN
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:NEXO CAUSALIDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Sumário:I. O art. 563.º do CC, enquanto norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização, consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente aos ensinamentos de ENNECERUS-LEHMANN, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano».
II. À face da aludida teoria o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser indireto, isto é, subsiste o nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos.
III. Não sabendo qual era a real situação financeira vivenciada pelos AA. ao longo do período a que se reportam os factos em discussão não podemos inferir ou concluir minimamente no sentido que a cessação de atividade de construção e consequente impossibilidade obter proventos da mesma atividade, mormente, com a edificação de moradias no período de 2004/2006, tenha tido como causa ou como origem adequada a conduta desenvolvida pelo R..
IV. Do facto de se apurarem «prejuízos» em reposta à matéria controvertida sobre a qual recaiu o julgamento de facto não deriva o estabelecimento do nexo de causalidade já que em sede daquele julgamento o decisor limitou-se a dar como provados e em que medida os danos que haviam sido invocados ocorreram.
V. A atividade económica, mormente do setor/mercado da construção civil, está sujeita a áleas, a condicionamentos e a condicionalismos a vários níveis que são suscetíveis de interferir com aquilo que são padrões e expetativas de normalidade, impondo-se então para o estabelecimento do efetivo nexo o seu concreto apuramento e demonstração no caso, o que não se logrou apurar na ação “sub judice”.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:H. ...
Recorrido 1:Município de Aveiro
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar total provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
HN. … e MA. …, AA. na presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Aveiro, datada de 20.05.2011, que condenou o R. “MUNICÍPIO DE AVEIRO” apenas no pagamento de indemnização no valor global de 18.832,58 € (13.832,58 € a título de danos patrimoniais aos AA. e 5.000,00 € referentes a danos não patrimoniais ao A. marido), valor esse acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento quando havia sido peticionado um valor de indemnização de 631.070,99 € “acrescido das prestações pecuniárias que se vencerem até à data da sentença à razão de 479,45 € por dia a título de lucros cessantes”.
Formulam os AA. nas respetivas alegações (cfr. fls. 486 e segs. e fls. 525 e segs. após convite inserto no despacho de fls. 521/522 - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
1. A douta sentença recorrida enferma de uma manifesta contradição entre os factos dados como provados e a conclusão da meritíssima juiz «a quo» de que não existe um nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito do R., Município de Aveiro, e a cessão da atividade empresarial do A. marido geradora do pedido indemnizatório por lucros cessantes formulado na presente ação.
2. Na verdade dos factos dados como provados resulta, cremos que com meridiana clareza, que os AA. ficaram descapitalizados em consequência direta e necessária do comportamento ilícito do Réu pelo que deixaram de ter meios para continuar a desenvolver a respetiva atividade empresarial.
3. Mas, mesmo que assim não se entendesse, o que só como mera hipótese de raciocínio se concebe, sempre é certo que, no caso dos autos, tendo em atenção a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa acima assinalada, é pelo menos manifesto que o comportamento ilícito do R. não é de todo em todo indiferente para a verificação e existência dos lucros cessantes que os AA. reclamam.
4. E, assim sendo, sempre se terá de concluir que existe um nexo de causalidade adequado entre o comportamento ilícito do R., Município de Aveiro, e a cessação da atividade empresarial do A. marido geradora do pedido indemnizatório por lucros cessantes formulado na petição inicial.
5. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida não interpretou adequadamente face aos factos em presença o disposto nos arts. 22.º da CRP, 2.º do Dec. Lei n.º 48051 de 21 de novembro de 1967, 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do CC que desse modo foram violados …”.
Terminam pugnando pelo provimento do recurso e condenação do R. no pagamento aos mesmos da “quantia de 569.109,58 € a título de lucros cessantes vencidos até 31 de março de 2007, acrescida da quantia diária de 479,45 € até integral pagamento”.
O R. apresentou contra-alegações (cfr. fls. 500 e segs.), nas quais pugnou pela improcedência do recurso jurisdicional deduzido pelos AA., concluindo nos seguintes termos:

A. Em causa nos autos, o pedido formulado com base na atuação desta Autarquia no âmbito dos processos de obras n.º 756/99 e n.º 634/2001, no seguimento da aprovação do licenciamento e autorização de construção de duas moradias (anexos e muros) e posterior suspensão dos procedimentos, aquando do pedido para a emissão da licença de habitabilidade de uma das edificações, porquanto se veio a detetar, entretanto, que aquelas se encontravam implantadas em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN) conforme foi definida pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/95, mas que constavam da mancha urbana (Zona de Construção tipo III) do Plano Diretor Municipal (PDM) de Aveiro, e que obrigou a diligenciar uma solução, tendo sido por isso promovida a aprovação do Plano de Pormenor de Rasos para a área em questão (face à renúncia da DRAOT em integrar o caso nos regimes de exceção da REN), tendo os procedimentos ficado suspensos desde 30.04.2004 até à data de emissão dos alvarás de licença de utilização e de construção em 2 e 4.10.2007, já que só em 1.10.2007 foi publicado o referido Plano;
B. Nestes termos, o pedido apreciado na presente ação de responsabilidade civil extracontratual no domínio dos atos de gestão pública, rege-se à data da prática dos factos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.1967, e cujos requisitos de responsabilidade assentam nos pressupostos da responsabilidade civil, previstos nos arts. 483.º e ss. do CC, o que significa que é necessário apurar se se verifica em concreto a prática de um facto (ato ou omissão) ilícito, culposo, causador de dano, demonstrado que esteja a existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano;
C. Alegando que a Meritíssima Juíza a quo entra em contradição entre os factos dados como provados e as conclusões da sentença;
D. No entanto, os Autores não sofreram a perda total dos bens e que o Réu diligenciou para a obtenção de solução para o lapso detetado, pedido quer a exclusão da área, e promovendo a aprovação do Plano, em tempo útil, factos estes provados e que não se coadunam com o pedido de indemnização por lucros cessantes, efetuado pelos Autores;
E. Isto porque os danos a ressarcir serão apenas e só os efetivamente sofridos em consequência do «atraso» da emissão das respetivas licenças, circunscritos ao período de tempo que mediou entre a suspensão do procedimento (30.04.2004) e a emissão das licenças de utilização (2 e 4 de 10.2007): «são assim passíveis de indemnização nesta sede, por serem os que se encontram numa relação de causalidade adequada, os danos patrimoniais decorrentes da circunstância de ilegalmente terem sido deferidos os pedidos de licenciamento de construção daquelas duas moradias e que perduraram até que, por efeito da aprovação daquele Plano de Pormenor de Rasos, deixar de haver impedimento jurídico a que os serviços do Município pudessem validamente emitir e praticar os atos administrativos pretendidos pelo Autor no que respeita àquelas duas moradias, mantendo-se, por conseguinte, as mesmas no tráfego jurídico, bem como os respetivos lotes de terreno enquanto terrenos urbanos»., cfr. a sentença;
F. A Exma. Juíza concluiu (e bem!) que inexiste uma relação de causalidade adequada entre a atuação do Município e a exaustão financeira do Autor marido que o levou a cessar a sua atividade, pese embora os factos dados como provados;
G. E conclui sem contradição com a factualidade dada por assente, porquanto, uma coisa é verificar que determinada ocorrência é verdadeira, outra será imputa-la à ocorrência consequente de determinado facto, sendo sempre necessário provar a existência de nexo causal entre os reclamados danos (segundo um juízo de prognose póstuma baseado em critérios de normalidade, razoabilidade, experiência comum e bom senso) e o facto, para que estes possam ser indubitavelmente considerados uma decorrência normal daquilo que provocou a lesão;
H. Devendo ajuizar-se à partida que a ação tem de se revelar adequada à produção do dano, tendo ou gerando fortes probabilidades de o originar, embora não sejam ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado;
I. Contrariamente ao peticionado, os danos sofridos em consequência do «atraso» da emissão das respetivas licenças estão circunscritos ao período de tempo que mediou a suspensão do procedimento (30.04.2004) e a emissão das licenças de utilização (2 e 4 de 10.2007), e apenas aos danos efetivamente sofridos por causa deste atraso;
J. Assim, e sendo o nexo de causalidade um «pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interação causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563.º do C.Civil)» - Ac. do STA proferido no âmbito do Rec. 936/03, de 30.10.2003, é jurisprudência uniforme do STA, que o citado artigo «consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção» - Ac. do STA proferido no âmbito do processo 874/05, de 16.05.2006;
K. A emergência do nexo causal exige assim «alta probabilidade da ocorrência do efeito, na hipótese de a causa devida substituir ‘in situ’ a ação ou omissão que indevidamente acontecera» - Ac. do STA de 20.12.2007, proferido no âmbito do processo n.º 0826/06;
L. Conforme Ac. do STA de 7.06.2006, proferido no âmbito do processo n.º 1177/05-11 «À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo. O Ac. de 16.05.2006, atrás referido, na esteira de jurisprudência anterior do STA ali citada, admite que essa relação causa/efeito possa ser indireta, afirmando que ‘subsiste o nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos’. Mas, mesmo nessa linha de orientação, a subsistência do nexo de causalidade não prescinde de um especial fio condutor entre o facto e o dano, assente na ideia de que o facto ilícito, ao ser causa adequada de um outro facto que provoca o dano, não deixa de o potenciar ou favorecer, numa linha sequencial de causalidade, indireta mas ainda adequada. Na situação sub judice, a decisão impugnada considerou que os danos invocados pelos AA. não são consequência adequada do alegado facto ilícito imputado ao Réu (o atraso na entrega dos títulos representativas da indemnização devida pela expropriação), mas sim da incapacidade da sociedade em que investiram, recorrendo a crédito de curto prazo, gerar receitas suficientes para saldar os compromissos bancários assumidos»;
M. Conforme a sentença, «(…) no que concerne a lucros cessantes, como é o caso, o nexo de causalidade a estabelecer reporta-se a um efeito não sucedido, mas que com forte probabilidade ocorreria se um certo antecedente fosse posto. A emergência do nexo causal exige, pois, uma ‘alta probabilidade da ocorrência do efeito, na hipótese de a causa substituir in situ a ação ou omissão que indevidamente acontecera’. (neste sentido vide o Acórdão do STA de 20.12.2007, Proc. n.º 0826/06, in www.dgsi.pt). A esta luz não é de considerar que o Autor deva obter uma indemnização por lucros cessantes correspondentes ao valor da margem de lucro que obtinha então em média na venda de cada moradia multiplicada por 6 (…)»;
N. Ora não tendo sido provada pelos Autores essa causalidade direta (ou indireta) adequada e inelutável, não lhes é lícito considerar que lhes é devida uma indemnização por lucros cessantes correspondente ao valor da margem de lucro que obtinham em média na venda de cada moradia multiplicada por seis, porquanto não se provou que a descapitalização do Autor marido seja consequência direta, muito menos, necessária, do comportamento do Município de Aveiro, tanto mais que:
a) o Autor marido possuía outro património, conforme listagem de prédios elencados (9) e correspondente valor patrimonial tributável para pagamento de IMI, conforme doc. 20 a 23 da P.I., dos quais dispunha sempre para realização de capital;
b) face à situação instável do mercado imobiliário português em 2007, é impossível prever se o Autor marido conseguiria construir ou vender alguma habitação nesse ano e porque preço o faria;
c) a atividade empresarial da construção é em si mesmo é uma atividade de risco, sujeita a especulação, cuja gestão se não for devidamente acautelada pode levar a percalços financeiros, além de como qualquer outro negócio, para ser viável, necessitar de uma almofada financeira que lhe permita gerir o seu quotidiano;
d) a opção pela não amortização do empréstimo contraído em 1999 (ponto 31 da factualidade dada como provada) se deve exclusivamente aos Autores, cujo lucro com a venda de duas moradias por ano já lhe tinha já permitido amortizar (ponto 22 da factualidade provada), o que por sua vez nos faz questionar a necessidade da contração de novo empréstimo em 2005;
O. Andou pois bem a sentença, não se podendo concluir que foi inequivocamente a atuação do Município de Aveiro que obrigou à descapitalização do Autor marido, de forma direta ou indireta, mas sim a forma como este geriu (arriscou) o seu negócio, ou seja, não demonstraram os Autores, nem ficou provado na sentença, a incontornável conclusão de que a cessação permanente da atividade por dificuldades financeiras se deveu à atuação da Autarquia no atraso da emissão das licenças de utilização;
P. E isto porquanto tal não resulta inexoravelmente como consequência direta e necessária do atraso na emissão das licenças de utilização cuja possibilidade futura o Réu providenciou diligente e atempadamente;
Q. Este juízo não traduz qualquer contradição entre os factos provados, porquanto é sempre necessário provar a existência de nexo causal entre os reclamados danos (segundo um juízo de prognose póstuma baseado em critérios de normalidade, razoabilidade, experiência comum e bom senso) e o facto, para que estes possam ser indubitavelmente considerados uma decorrência normal daquilo que provocou lesão;
R. Prova esta que não foi efetuada nem então (nem agora!) pelos Autores;
S. Mais, de boa-fé e detetada a irregularidade em 2002, o Município de Aveiro tudo fez e diligenciou imediatamente no sentido de alcançar a melhor solução para os particulares envolvidos, tendo imediatamente solicitado a integração das situações no regime de exclusão da REN, que tendo sido negada por aqueles que participaram no resultado que causou a situação, obrigou à elaboração do Plano de Pormenor;
T. Razões pelas quais as edificações se mantiveram no património dos Autores, que puderam dispor das mesmas, ainda que tardiamente;
U. Não se vislumbrando qualquer erro na douta sentença quanto à aplicação do direito à factualidade provada, nem os Autores alegam qualquer outro vício suscetível que fazer inquinar o teor da douta sentença …”.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia (cfr. fls. 519 e segs.).
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar apenas parcialmente procedente a pretensão indemnizatória deduzida na ação enferma de erro de julgamento dada a infração ao disposto nos arts. 22.º da CRP, 02.º do DL n.º 48051, de 21.11.1967, 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do CC [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resultou apurada da decisão judicial recorrida [retificado o manifesto lapso quanto ao número do alvará inserto sob o n.º IV) dos factos apurados - «53/2002» e não «634/2001»] a seguinte factualidade:
I) O A. marido, HN. …, por escritura pública de compra e venda de quinze de fevereiro do ano dois mil, celebrada no Segundo Cartório Notarial de Aveiro, adquiriu uma parcela de terreno para construção urbana, com a área de setecentos e cinquenta metros quadrados, sito nas Rasas, freguesia de Nossa Senhora de Fátima, Concelho de Aveiro, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. 1177.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o número mil quinhentos e sessenta e cinco.
II) Igualmente por escritura pública de compra e venda de dezasseis de agosto de dois mil e um, celebrada no Primeiro Cartório Notarial de Aveiro, o A. HN. … adquiriu um prédio urbano, composto de lote de terreno para construção, o lote número oito, sito no lugar das Rasas, freguesia de Nossa Senhora de Fátima, Concelho de Aveiro, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º 1100 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob o número mil oitocentos e quarenta e sete.
III) Na sequência do despacho de 29.08.2000 relativo ao Processo n.º 756/99, e tendo sido autorizada a construção de uma moradia unifamiliar, garagem e muros de vedação no prédio identificado em I) supra, foi emitido em 30.08.2000 o correspondente Alvará de Licença de Construção n.º 1273/00 (constante de fls. 21 dos autos).
IV) Na sequência do despacho de 06.06.2002 relativo ao Processo de Obras n.º 634/2001, e tendo sido autorizada a construção de uma moradia unifamiliar, anexos, muros de vedação e divisórias no prédio identificado em II) supra, foi emitido em 14.06.2002 o correspondente Alvará de Licença de Construção n.º 53/2002 (constante de fls. 22 dos autos).
V) De acordo com o alvará de construção referido em III) supra o A. procedeu à edificação de uma moradia unifamiliar de rés-do-chão e 1.º andar no prédio identificado em I) com a área de construção de 293 m2.
VI) Do mesmo modo, de acordo com o alvará de construção referido em IV) supra o A. iniciou a edificação de uma moradia unifamiliar de rés-do-chão e 1.º andar no prédio identificado em II) supra, com a área de construção de 224 m2.
VII) Em 16.12.2003 o A. deu entrada nos serviços do Município de Aveiro do requerimento constante de fls. 06 dos autos solicitando que relativamente à moradia edificada ao abrigo do Proc. de Obras n.º 756/99, e do respetivo Alvará de Construção n.º 1273/00 fosse emitida a respetiva licença de habitabilidade.
VIII) Porém por carta do Município de Aveiro datada de 30.03.2004 (constante de fls. 25 dos autos) o A. foi informado de que a licença de habitabilidade só seria emitida após a aprovação do Plano de Pormenor de Rasos que se encontrava em elaboração.
IX) Em função daquela comunicação o A. informou-se das razões que motivaram tal tomada de posição por parte do R., vindo então a saber que as duas vivendas unifamiliares se encontravam implantadas em plena Reserva Ecológica Nacional.
X) O Plano Diretor Municipal (PDM) de Aveiro foi aprovado pela Assembleia Municipal de Aveiro em 17.07.1995 e publicado mediante a Resolução do Conselho de Ministros n.º 165/95, de 11 de dezembro, tendo obedecido na sua elaboração, acompanhamento e aprovação aos formalismos exigidos pelo então em vigor DL n.º 69/90, de 02 de março.
XI) O acompanhamento incumbiu à Comissão Técnica prevista no n.º 4 do art. 06.º do mesmo diploma, que integrou os representantes das várias entidades aí enunciadas, nomeadamente, representantes da Comissão de Coordenação Regional, da Direção-Geral do Ordenamento do Território e a Delegação Regional do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e de outros serviços cuja participação fosse aconselhada no âmbito do plano.
XII) A Câmara Municipal de Aveiro deliberou, por unanimidade, na reunião de 13.02.2006, remeter a Proposta do “Plano de Pormenor de Rasos - Nossa Senhora de Fátima” à Assembleia Municipal, para aprovação, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 79.º do DL n.º 380/99, de 22 de setembro, na redação introduzida pelo DL n.º 310/2003 e nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 64º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro na redação dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro.
XIII) Em 06.03.2006, na 3.ª reunião da Sessão Ordinária de fevereiro da Assembleia Municipal de Aveiro, foi discutida e aprovado por maioria a proposta do “Plano de Pormenor de Rasos”, nos termos vertidos na certidão constante de fls. 307 dos autos. XIV) O “Plano de Pormenor de Rasos” foi, posteriormente, ratificado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 151/2007 e publicado em DR, I Série, n.º 189, de 01.10.2007, constante de fls. 308 segs. dos autos.
XV) No dia 01.10.2007 a Divisão de Gestão Urbanística do Departamento de Gestão Urbanística de Obras Particulares da Câmara Municipal de Aveiro emitiu, no âmbito do processo de obras n.º 756/99, informação constante de fls. 319 dos autos na qual refere que “o pedido se encontra devidamente instruído, entendemos que se encontram reunidas as condições para poder conceder a licença de utilização solicitada ...”.
XVI) Foi emitido em 02.10.2007 o Alvará de Utilização n.º 309/2007 (constante de fls. 312 dos autos), relativo relativamente à moradia edificada ao abrigo do Proc. de Obras n.º 756/99, e do respetivo Alvará de Construção n.º 1273/00.
XVII) Após o que, a Divisão Administrativa do Departamento de Gestão Urbanística de Obras Particulares da Câmara Municipal de Aveiro, comunicou ao A. através do ofício n.º 4928 de 04.10.2007 (constante de fls. 320 dos autos), que o alvará de utilização relativo ao processo de obras n.º 756/1999 já se encontrava emitido, e que assim aquele deveria, no prazo de 15 dias, a contar da notificação, dirigir-se ao balcão de atendimento para proceder ao pagamento de 54,60€ (cinquenta e quatro euros e sessenta cêntimos) e levantar o respetivo alvará.
XVIII) O A. efetuou aquele pagamento em 28.10.2007, estando desde essa data na posse do referido alvará de utilização.
XIX) A obra relativa ao Proc. de Obras n.º 756/99 foi concluída.
XX) Recebida a carta de 30.03.2004 [referida em VIII) dos factos assentes] e obtidas as informações referidas em IX) dos factos assentes, e a fim de evitar maiores prejuízos, o A. parou de imediato a construção da moradia unifamiliar que vinha edificando ao abrigo do Proc. de Obras n.º 634/2001, referida em IV) supra dos factos assentes.
XXI) À data dos factos o A. marido era um pequeno empresário em nome individual que vinha construindo e vendendo, por ano, cerca de duas moradias.
XXII) Obtinha, em média, na venda de cada uma um lucro que se podia situar entre 70.000,00€ e 85.000,00€.
XXIII) Na compra do terreno e construção da moradia relativa ao Proc. de Obras n.º 756/99 o A. despendeu quantia nunca superior a 132.500,00€.
XXIV) Tendo-a colocado à venda, em diversas imobiliárias pelo preço de 230.000,00 €.
XXV) Se tudo tivesse decorrido normalmente estaria o A. marido, a partir do ano de 2004, a construir duas moradias por ano.
XXVI) Por se encontrar exaurido financeiramente o A. marido cessou por completo a sua atividade.
XXVII) Estando a moradia identificada referente ao Proc. de Obras n.º 756/99 concluída há mais de 03 anos sem ter sido habitada, necessita agora de algumas obras de reparação e limpeza, descritas no Relatório de Perícia de fls. 343.
XXVIII) Obras essas cujo custo estimado é 12.140,40 €.
XXIX) Os AA. têm vindo a pagar anualmente o respetivo imposto municipal sobre imóveis.
XXX) O valor de tal imposto quanto aos dois referidos imóveis relativo aos anos de 2004 e 2005 foi de 930,74€.
XXXI) Para fazer face à sua atividade empresarial, o A. marido contraiu, em 25.08.1999, um empréstimo no valor de 17.457,93 € junto do “Banco Montepio Geral”.
XXXII) Os AA. ficaram absolutamente descapitalizados, tendo sido obrigados, em 08.07.2005, a contrair um empréstimo no valor de 15.000,00 € junto do “Banco Millennium BCP”.
XXXIII) Tal empréstimo será amortizado em 36 prestações mensais e sucessivas de 470,05 € cada.
XXXIV) Assim, aquando do pagamento integral do aludido empréstimo terão os AA. suportado juros no valor de 1.692,18 €.
XXXV) O A. marido tem vindo a padecer de insónias e irritabilidade.
XXXVI) Mantendo-se fortemente medicado.
XXXVII) Além de que perdeu muita da sua alegria de viver.
XXXVIII) Encontrando-se muito diminuído psicologicamente.
XXXIX) Muito triste e amargurado.
XL) No decorrer dos trabalhos de elaboração e acompanhamento do PDM de Aveiro foi feita a transposição da REN bruta à escala 1/25.000 para a escala 1/10.000.
XLI) No decorrer desses trabalhos não foi pedida qualquer exclusão da REN uma vez que nos termos em que foi feita a transposição de escalas a sua delimitação não interferia com a mancha urbana (Zona de Construção tipo III) o que foi consubstanciado por todos os elementos da Comissão Técnica supra identificada.
XLII) Somente no ano de 2002, sete anos depois da entrada em vigor do PDM de Aveiro, se constatou que existia, na realidade, uma sobreposição na mancha urbana (Zona de Construção tipo III) com a REN do Concelho de Aveiro delimitada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/95.
XLIII) Após ter sido detetada a irregularidade a Câmara Municipal de Aveiro encetou esforços no sentido de solucionar o problema, tendo desde logo, e uma vez que não tinha sido pedida qualquer exclusão da REN aquando da elaboração do Plano, já que a delimitação desta não interferia com a mancha urbana (Zona de Construção, Tipo III), foi solicitado à Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território - Centro, que providenciasse no sentido de serem integrados estes casos no regime de exceção da REN, através dos ofícios datados de 16.07.2002 e de 02.05.2003.
XLIV) Em resposta ao solicitado, veio a DRAOT-C, em 09.09.2003, juntar cópia da seguinte deliberação da Comissão Nacional da REN: “… Perante uma situação em que a publicação da REN concelhia é anterior à publicação do PDM e este não contempla as disposições da primeira, é entendimento da Comissão que o ajuste do PDM à REN terá de ser feito no ato de planeamento de acordo com a legislação em vigor” .
XLV) Os serviços da Câmara Municipal de Aveiro consideraram as seguintes hipóteses alternativas para a resolução do caso em apreço:
- Alterar o PDM, de forma a alterar, por sua vez, a delimitação da REN;
- Elaborar um Plano de Pormenor ou um Plano de Urbanização.
XLVI) Pedindo em ambos os casos, para aquela área, a exclusão da REN, de forma a ser contemplada como perímetro urbano.
XLVII) Estando a Câmara Municipal de Aveiro empenhada em solucionar o problema o mais rapidamente possível, acautelando os interesses dos particulares envolvidos, a solução urbanística encontrada traduziu-se na elaboração de um Plano de Pormenor que abrangesse toda a área - “Plano de Pormenor de Rasos” - o que mereceu aprovação da Câmara através da deliberação da reunião de 02.01.2004.
XLVIII) A 20.01.2004 foi solicitado acompanhamento para elaboração do Plano à CCDR-Centro.
XLIX) A 16.02.2004 houve aprovação em reunião camarária da Proposta do Plano.
L) A 18.02.2004 verificou-se a publicação em Diário da República da decisão de elaboração do Plano e abertura de um período de discussão pública de 30 dias.
LI) A 18.02.2004 a CCDR-Centro indicou o Arq. AS. … como representante do acompanhamento do Plano.
LII) A 02.03.2004 o Réu enviou a proposta de exclusão da área de REN à CCDR-Centro, para emissão de parecer.
LIII) A 26.04.2004 a CCDR-Centro comunicou que deviam ser apresentados outros elementos do Plano de Pormenor.
LIV) A 24.06.2004 realizou-se uma reunião com representantes do Ministério da Economia, da CCDR-Centro e da Câmara Municipal, tendo sido apresentada a proposta do Plano.
LV) A 29.06.2004 o Réu enviou da proposta do Plano à CCDR-Centro com a proposta de alteração à REN.
LVI) A 16.09.2004 o Réu procedeu ao envio à CCDR-Centro de 18 exemplares para alteração da REN, destinados à Comissão Nacional da REN.
LVII) A 08.10.2004 a CCDR-Centro enviou à Comissão Nacional da REN a proposta de alteração da REN.
LVIII) Temporariamente, devido às alterações governamentais entretanto ocorridas, a Comissão Nacional da REN ficou sem presidente, pelo que, a Câmara Municipal de Aveiro só foi convocada para a reunião de exclusão em 22.06.2005.
LIX) Nesta data realizou-se uma reunião da Comissão Nacional da REN para avaliação da proposta de exclusão da REN.
LX) A 29.06.2005 o R. enviou os elementos da proposta de Plano para a CCDR-Centro, para emissão de parecer.
LXI) A 17.08.2005 a CCDR-Centro emitiu parecer favorável ao Plano.
LXII) A 19.08.2005 a Câmara Municipal de Aveiro envia para publicação em Diário da República a abertura de discussão pública.
LXIII) A 15.09.2005 verificou-se a publicação em Diário da República da abertura do período de discussão pública.
LXIV) Decorrendo o período de discussão pública de 26.09.2005 a 26.10.2005.
LXV) A 31.10.2005, em reunião camarária, foi decidido, dado não ter havido qualquer reclamação, enviar o Plano à CCDR-Centro para emissão do parecer final, nos termos do art. 78.º do DL n.º 380/99 de 22 de setembro.
LXVI) O qual foi enviado em 02.11.2005 através do ofício n.º 17620.
LXVII) A 18.01.2006 a CCDR-Centro emitiu parecer favorável ao Plano.
LXVIII) Após aprovação [na reunião de 06.03.2006 da Assembleia Municipal de Aveiro, conforme XIII) dos factos assentes] o Plano de Pormenor foi remetido em 17.03.2006 à CCDR-Centro para apreciação final de controlo.
LXIX) A 19.04.2006 foi elaborada a apreciação final de controle, tendo sido considerado que o Plano se encontrava em condições de seguir para registo.
LXX) A 05.05.2006 o Plano foi enviado para a DGOTDU para efeitos de registo e ratificação.
LXXI) No entanto, a 07.11.2006, a DGOTDU emitiu parecer desfavorável ao Plano contrariando a CCDR-Centro e solicitando novas consultas a Entidades, bem como a alteração de disposições regulamentares.
LXXII) Em conformidade, em 06.12.2006, foi acordado em reunião na DGOTDU com as técnicas responsáveis pela informação técnica e jurídica consultar a EDP- Distribuição de Energia e a CRRABL (Comissão Regional da Reserva Agrícola da Beira Litoral), bem como alterar algumas disposições regulamentares.
LXXIII) Em reunião efetuada no dia 04.01.2007, a CRRABL emitiu parecer favorável ao Plano.
LXXIV) Tendo a EDP emitido parecer no mesmo sentido a 08.01.2007.
LXXV) O Plano de Pormenor foi novamente enviado, em 07.02.2007, para a DGOTDU com todas as correções solicitadas.
LXXVI) Tendo esta entidade, em 05.03.2007, contactado telefonicamente a Câmara Municipal de Aveiro no sentido de acrescentar duas palavras no Relatório.
LXXVII) Tendo esta agido em conformidade em 15.03.2007.
LXXVIII) Tanto neste processo como em outros análogos, o R. comunicou a todos os particulares afetados pela referida desconformidade entre plantas, de que os procedimentos se encontravam suspensos até se encontrar uma solução para a dita divergência.
LXXIX) Tendo assim o R. decidido suspender os procedimentos, ao abrigo do art. 31.º do CPA.

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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada que não foi alvo de qualquer impugnação importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional “sub judice”.
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3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Aveiro, apreciando a pretensão indemnizatória fundada em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito deduzida pelos AA. contra o R., julgou a mesma apenas parcialmente procedente [do dano patrimonial decorrente do custo a suportar com a realização das obras de reparação/limpeza da morada edificada ao abrigo do processo de obra n.º 756/99 no valor de 12.140,40 €; do dano patrimonial relativo aos custos com o IMI do ano 2004/2007; do dano patrimonial consubstanciado nos encargos suportados pelo A. para fazer face à sua atividade empresarial e que teriam sido os decorrentes dos juros do empréstimo bancário contraído em 08.07.2005 (no valor de 15.000,00 €) que ascendem ao montante de 1.692,18 €; dos danos não patrimoniais sofridos], já que quanto aos demais danos alegados/peticionados [do dano patrimonial relativo aos encargos/custos acrescidos suportados com a contração de empréstimo bancário em 25.08.1999 no valor global de 4.524,00 €; do dano patrimonial relativo às obras de reparação e de limpeza quanto à moradia relativa ao processo de obras n.º 634/2001 no montante de 9.000,00 €; do dano patrimonial relativo aos custos com o IMI do ano 2004 e subsequentes quanto ao lote de terreno onde estava projetado construir a moradia a que se refere o processo de obras n.º 634/2001; do dano relativo à cessação por completo da atividade profissional do A., lucros e proventos que o mesmo deixou de auferir entre 2004/2007 pela não conclusão e venda, como era seu hábito, de seis moradias, tudo no valor global de 569.109,58 €] não se mostrava verificado o requisito/pressuposto do nexo de causalidade, termos em que apenas condenou o R. no pagamento de indemnização aos AA. no valor global de 18.832,58 € [13.832,58 € a título de danos patrimoniais aos AA. e 5.000,00 € referentes a danos não patrimoniais ao A. marido], valor esse acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
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3.2.2. DA TESE DOS RECORRENTES
Contra tal entendimento se insurgem os AA., aqui recorrentes, apenas em parte, sustentando que aquele TAF incorreu em erro de julgamento dada a violação do disposto nos arts. 22.º da CRP, 02.º do DL n.º 48051, 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do CC porquanto sustentam, no caso, existir factualidade apurada que permite inferir e concluir pelo preenchimento do requisito do nexo de causalidade quanto ao dano patrimonial que se prende com os lucros cessantes decorrentes do término da atividade empresarial por parte do A. e relativamente ao qual o pedido indemnizatório também soçobrou.
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3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
Sustentam os AA./recorrentes que a decisão judicial recorrida padece de erro de julgamento visto entender que o quadro factual apurado permite fundar um juízo de imputação responsabilidade ao R. quanto àquele concreto dano peticionado, termos em que a ação quanto ao mesmo deveria ter sido julgada procedente nesse âmbito.
Assistir-lhes-á razão?

I. Na e para a resposta a esta questão importa tecer alguns considerandos de enquadramento da matéria, trazendo à colação o quadro normativo tido por pertinente.

II. Importa ter presente nesta sede o regime da responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais no domínio dos atos de “gestão pública” que à data se regia pelo DL n.º 48.051, de 21.11.1967 [quanto à responsabilidade fundada em facto lícito e no risco] e pelo art. 96.º da Lei n.º 169/99, de 18.09 [quanto à responsabilidade por facto ilícito], sendo que a apreciação e efetivação da mesma responsabilidade decorrente de atos de “gestão privada” está prevista nos arts. 500.º e 501.º do CC.

III. Ora tendo presente os termos em que a presente ação se mostra deduzida dúvidas não existem que nos autos estamos perante uma "atuação jurídica" regulada por normas de direito público já que se prende com atuação ilegal, ilícita e culposa por parte do R. no âmbito de processos de aprovação de plano de ordenamento de território (elaboração de PDM em infração à REN) e de licenciamento de obras, atuação essa regulada por normas de direito público e que se integra no âmbito da chamada "gestão pública" do aqui recorrido.

IV. Constitui jurisprudência pacífica que os pressupostos da responsabilidade extracontratual das pessoas coletivas públicas por atos ilícitos de gestão pública se reconduzem, no essencial, aos da responsabilidade civil por facto ilícito [facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano], na certeza de que, como vem sendo defendido, quer o DL n.º 48.051 quer o art. 96.º da Lei n.º 169/99 à data vigentes e como tal aplicáveis, não continham uma regulamentação fechada e acabada daquela matéria pelo que a mesma deve ser analisada fazendo apelo aos moldes traçados no Código Civil.

V. Compulsados os autos "sub judice" e questões objeto de discussão em sede de recurso jurisdicional temos que importa, tão-só, entrar na apreciação do requisito ou pressuposto da responsabilidade civil extracontratual relativo ao “nexo de causalidade”, para o que importa que nos socorremos do que se dispõe no art. 563.º do CC.

VI. Assim, deriva do seu teor que a “… obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão …”.

VII. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela com o disposto no preceito acabado de reproduzir aceitou-se “… a doutrina mais generalizada entre os autores - a doutrina da causalidade adequada - que Galvão Telles formulou nos seguintes termos: «Determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar». … A fórmula usada no artigo 563.º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito …” (in: “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, págs. 578/579).

VIII. E Vaz Serra sustenta que não pode “… considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado. … Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não para aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só a produziram em virtude de uma circunstância extraordinária …” (em “Obrigação de indemnização …” in: BMJ n.º 84, pág. 29).

IX. Tal como tem vindo a ser entendido na doutrina e na jurisprudência o art. 563.º do CC, enquanto norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização, consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente aos ensinamentos de ENNECERUS-LEHMANN, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano» [cfr., ente outros, Antunes Varela in: “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª edição, págs. 890/891; Luís Manuel Teles Menezes Leitão in: “Direito das Obrigações”, vol. I, 7.ª edição, págs. 348/349; Jorge Ribeiro de Faria in: “Direito das Obrigações”, vol. I, págs. 502/506; Acs. STA de 16.05.2006 (Proc. n.º 0874/05), de 14.10.2009 (Proc. n.º 0155/09) in: «www.dgsi.pt/jsta»].

X. Daí que para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado.

XI. Depois há que ver, se aquele facto era, em abstrato, ou em geral, segundo as regras da vida, causa adequada ou apropriada para a produção do dano.

XII. À face da aludida teoria o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser indireto, isto é, subsiste o nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos [cfr., entre outros, Acs. do STA de 27.10.2004 (Proc. n.º 01214/02), de 16.05.2006 (Proc. n.º 0874/05) in: «www.dgsi.pt/jsta»; Vaz Serra in: BMJ n.º 84, pág. 41; Pires de Lima e Antunes Varela in: ob. cit., pág. 577; Jorge Ribeiro de Faria in: ob. cit., pág. 507].

XIII. Frise-se, por outro lado, que para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto não é necessário que ele seja previsível para o autor do facto, sendo, todavia, essencial que o facto constitua em relação ao dano uma causa objetivamente adequada.

XIV. Além disso, importa registar que a causalidade adequada “… não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. … É esse processo concreto que há-de na caber aptidão geral ou abstrata do facto para produzir o dano …” (cfr. Antunes Varela in: ob. cit., pág. 896).

XV. Cientes dos considerandos acabados de expender passemos à discussão do caso vertente, na certeza de que apenas nos cumpre sindicar a decisão judicial impugnada no segmento que aqui é alvo de recurso dado no mais a mesma, por falta de impugnação, se mostrar transitada em julgado.

XVI. Assim, presente o quadro factual logrado apurar, todo o enquadramento antecedente do regime normativo, e avançando no julgamento do recurso temos, no nosso juízo, como improcedente o mesmo por não preenchido o requisito/pressuposto do nexo de causalidade tal como se concluiu com acerto na decisão judicial impugnada.

XVII. Motivando nosso juízo temos que não se vislumbra existir erro de julgamento na improcedência quanto ao pedido de indemnização referente aos danos patrimoniais computados no valor de 569.109,58€ relativo aos lucros cessantes [valor global correspondente à soma do montante de 525.000,00€ que seria obtido pelos AA. com a construção e venda de seis moradias nos anos de 2004 a 2006 e do montante de 44.109,58€ respeitante ao lucro que obteria nos primeiros 92 dias do ano de 2007 à razão de 479,45 €] já que inexiste demonstração factual dum efetivo nexo causalidade entre a atuação do R. e a situação financeira do A. que motivou e conduziu a que o mesmo cessasse por completo a sua atividade.

XVIII. Inexiste no caso demonstração efetiva de que haja sido a atuação/comportamento do R. a levar ou conduzir à situação de exaurimento financeiro/patrimonial dos AA., em particular do A., tanto mais que o mesmo pode ser motivado ou tê-lo sido por múltiplos e variados fatores completamente alheios à conduta havida pelo R., não sendo esta, em abstrato, ou em geral, à luz das regras da vida uma causa adequada ou apropriada para a produção do dano.

XIX. À luz do quadro factual logrado apurar [em especial n.ºs I), II), III), IV), V), VI), VII), VIII), IX), XVI), XVII), XVIII), XIX), XXI) a XXVI), XXXI) a XXXIV)] não se tem como adequado que da conduta do R. [em termos da normalidade, seja no plano naturalístico seja no plano jurídico], haja produzido necessariamente a cessação da atividade de construção civil desenvolvida pelo A., nem a impossibilidade de o mesmo no exercício daquela ter procedido à construção e venda das 06 moradias nos anos de 2004 a 2006 e de auferir os proventos dessa atividade também no período peticionado de 2007.

XX. Desconhece-se à data a que se reportam os factos em apreciação qual a efetiva e real situação financeira e patrimonial dos AA., em especial da do A., qual a causa ou causas da sua descapitalização na certeza de que o valor do empréstimo contraído em 08.07.2005 [apenas 15.000,00 €] não é significativo, nem bastante, tanto mais que importaria cuidar e atentar naquilo que seriam os pretensos valores dos lucros obtidos com a atividade.

XXI. Desconhece-se de igual modo se os AA. detinham ou não outros terrenos aptos para construção, se não dispunham ou estavam de algum modo impossibilitados de obter meios financeiros que lhes permitissem proceder à sua aquisição, e em que medida é que isso haja contribuído de alguma maneira para o encerramento da atividade ou para a impossibilidade de construção de moradias nos anos em questão.

XXII. Não está também em termos de factos apurados estabelecida qualquer ligação ou nexo causal sobre se foi o eventual atraso na comercialização da moradia referida em III) e V) motivado pela conduta do R. o facto gerador da situação financeira/patrimonial dos AA. que motivou a cessação da atividade do A. já que, como referimos, não sabendo qual era a real situação financeira vivenciada pelos AA. ao longo do período a que se reportam os factos em discussão, não podemos inferir ou concluir minimamente no sentido que a cessação de atividade de construção e consequente impossibilidade obter proventos da mesma atividade, mormente, com a edificação de moradias no período de 2004/2006, tenha tido como causa ou como origem adequada a conduta desenvolvida pelo R..

XXIII. Note-se, ainda, que a atividade económica, mormente do setor/mercado da construção civil, está sujeita a áleas, a condicionamentos e a condicionalismos a vários níveis que são suscetíveis de interferir com aquilo que são padrões e expetativas de normalidade, impondo-se então para o estabelecimento do efetivo nexo o seu concreto apuramento e demonstração no caso, o que não se logrou apurar na ação “sub judice”.

XXIV. Em termos de normalidade, “em abstrato”, ou segundo “as regras ordinárias da experiência”, não podemos concluir que de toda a conduta desenvolvida pelo R. se possa extrair ou determinar o estabelecimento dum nexo causal que a ligue em concreto com as consequências danosas em questão.

XXV. Mostrava-se imperioso para lograr estabelecer o nexo causal necessário à imputação de responsabilidade civil ao R. que tivesse sido demonstrada a concreta ligação entre conduta reputada ilícita e culposa e a cessação de atividade do A., que esta tivesse sido ou para a mesma tivesse contribuído tal conduta, sendo que nada há na matéria de facto, seja em termos diretos, seja extraível por presunção judicial, que mostre a certeza, ou sequer a elevada probabilidade, de que, não fora a conduta do R. o A. não teria cessado a sua atividade e da mesma teria extraído os proventos cuja indemnização reclama.

XXVI. Do facto de se falar e apurarem «prejuízos» em reposta à matéria controvertida sobre a qual recaiu o julgamento de facto e resposta não deriva o estabelecimento do nexo de causalidade, já que em sede daquele julgamento o decisor limitou-se a dar como provados e em que medida os danos que haviam sido invocados fosse qual fosse a sua verdadeira origem. Tal como considerou o STA no seu acórdão de 24.01.2008 (Proc. n.º 0829/07 in: «www.dgsi.pt/jsta») “… a decisão de facto diz-nos que, na perspetiva dos autores, eles tiveram danos de um certo género quantificáveis num certo valor; mas não nos diz se tais danos ou prejuízos tiveram a causalidade que na ação lhes vinha atribuída …”.

XXVII. Em face do exposto, não se mostram minimamente infringidos os normativos tidos por violados termos em que improcedem na totalidade as conclusões do recurso jurisdicional que se nos mostra dirigido, impondo-se, nessa medida, a manutenção do julgado.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, pela motivação antecedente, manter a decisão judicial recorrida com todas as legais consequências.
Custas nesta instância a cargo dos AA./recorrentes, sendo que, não revelando os autos especial complexidade, na fixação da taxa de justiça se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do RCP, 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 569.109,58€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos gentilmente que hajam sido disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).
Porto, 25 de janeiro de 2013
Ass. Carlos Luís Medeiros Carvalho
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria do Céu Neves