Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00119/23.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:EXÉRCITO PORTUGUÊS;PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO;
COLOCAÇÃO DO REQUERENTE EM DIFERENTE REGIMENTO; PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS;
AUSÊNCIA DE REQUISITOS DA PROVIDÊNCIA: IMPROCEDÊNCIA DA TUTELA CAUTELAR;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA», contribuinte fiscal número ..., residente na Rua ..., ... ... requereu, como preliminar de acção administrativa a intentar, de anulação de acto administrativo, contra o Exército Português, com sede na Rua ..., ... Lisboa, o decretamento de providência cautelar de suspensão da eficácia de acto administrativo, consubstanciado no despacho proferido pelo Major-General do Director da Administração de Recursos Humanos (MGen DARH) em 10/02/2023, através do qual procedeu à transferência do requerente do Colégio Militar (CM), sito em Lisboa, para o Regimento de Artilharia Antiaérea n.º 1 (RAAA1), sito em Queluz.
Pediu o decretamento da providência cautelar e, em consequência, que seja determinada a suspensão da eficácia do despacho supra identificado e de todos os actos subsequentes.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada procedente a providência e decretada a suspensão da eficácia do acto administrativo contido na decisão final de 08/02/2023, do MGen DARH, comunicado pelo ofício nota n.º SGP.SQP-2023004606, de 10/02/2023, ficando sem efeito eventuais actos subsequentes.
Desta vem interposto recurso pelo Requerido.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1.ª – Ao contrário do que foi julgado na Sentença recorrida, não se verifica nem o requisito do periculum in mora nem o requisito do fumus boni iuris, exigidos pelo artigo 120.º do CPTA para o decretamento da providência cautelar requerida, isto é, para a suspensão da eficácia do despacho que determinou a colocação do Requerente no Regimento de Artilharia Antiaérea n.º 1 (RAAA1), em Queluz, deixando de estar colocado no Colégio Militar, em Lisboa.
2.ª – O Requerente presta serviço militar em regime de contrato, tendo o posto de tenente, e, como tal, a sua colocação deve ser norteada pela satisfação dos interesses do serviço e não dos seus interesses pessoais, que apenas podem ser compatibilizados com aqueles quando se mostre possível.
3.ª – Na Sentença recorrida considerou-se verificado o requisito do periculum in mora pelo facto de, estando o Requerente a frequentar o primeiro ano do curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, começando as aulas pelas 18h30, a sua transferência do Colégio Militar, situado no Largo da Luz, em Lisboa, para o RAAA1, situado no Largo do Palácio, em Queluz, embora não seja impeditiva da frequência das aulas, lhe impor uma dificuldade acrescida, derivada do aumento da distância e, sobretudo, do tempo de deslocação.
4.ª – Ora, não se descortina como é que tal «dificuldade acrescida», que comprovadamente não é impeditiva da continuação da frequência das aulas, é susceptível de conduzir à produção de danos dificilmente reparáveis para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
5.ª – Contrariamente ao que foi decidido, também não se verifica o requisito do «fumus boni iuris», pois o acto suspendendo não padece de qualquer vício, tendo sido observadas todas as regras aplicáveis à colocação dos militares do Exército em regime de contrato.
6.ª – O princípio norteador das colocações dos militares em regime de contrato é o da satisfação das necessidades do serviço, como estabelece, designadamente, o artigo 8.º das Normas de Nomeação e Colocação dos Militares no Regime de Voluntariado e no Regime de Contrato, aprovadas pelo Despacho n.º ...03, de 7 de Outubro, do Chefe do Estado-Maior do Exército, ao abrigo do disposto no artigo 261.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
7.ª – A colocação do Requerente no RAAA1 foi efectuada ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º das referidas normas, tratando-se de uma colocação extraordinária, destinada a satisfazer necessidades imprevistas do serviço, concretamente o preenchimento do cargo de Oficial de Justiça daquele Regimento, ao que acrescia o pedido da Direcção do Colégio Militar para a transferência do Requerente, por este não demonstrar perfil adequado para o desempenho de funções naquele estabelecimento militar de ensino, como foi justificado na informação que serviu de suporte ao despacho suspendendo.
8.ª – O Requerente frequentou o Curso de Formação de Oficial de Justiça, que habilita ao desempenho das funções de Oficial de Justiça nas unidades do Exército, e, após a conclusão desse curso, desempenhou as funções de Oficial de Justiça no Regimento de Artilharia n.º 5 e na Unidade de Apoio do Estado-Maior do Exército.
9.ª – Assim, o acto suspendendo, ao determinar a colocação do Requerente no RAAA1, a fim de ali desempenhar aquele cargo, que se mostrava necessário preencher, o qual se destina a ser provido por um oficial subalterno de qualquer arma ou serviço, fê-lo tendo em consideração essa formação e a sua experiência anterior em funções idênticas, não padecendo de qualquer vício.
10.ª – Pelo que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, ao ter considerado como provável que a acção principal venha a ser julgada procedente, por vício de violação do disposto nos artigos 136.º, n.º 1, do EMFAR e 13.º das referidas normas de colocação, sendo certo que o acto suspendendo nem sequer poderia ter violado aquele artigo 136.º, por o mesmo apenas ser aplicável aos militares dos quadros permanentes.
Termos em que, e nos demais de Direito aplicáveis que suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta Sentença recorrida e ser indeferido o pedido de decretamento da providência requerida.
Como é de Direito e de Justiça!
Não foram juntas contra-alegações.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1)O Requerente é militar das Forças Armadas Portuguesas, Ramo Exército, em RC (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
2) O Requerente tem residência na Rua ..., ... ... (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
3) O Requerente foi incorporado no Exército no dia 10/09/2018 (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
4) O Requerente foi promovido a Aspirante Oficial em 16/10/2018 (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
5) O Requerente foi promovido a Alferes em 16/10/2019 (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
6) O Requerente tem a Especialidade de 149-A Campanha e Direcção de Tiro (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
7) De 20/10/2019 a 21/11/2019, o Requerente frequentou o Curso de Formação de Oficial de Justiça (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
8) Em 17/09/2020 o Requerente apresentou requerimento, dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército, através do qual requereu a alteração da sua AGPSP de Santa Margarida para Lisboa, a fim de se poder matricular no 1.º ciclo de estudos do curso de Direito, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (requerimento de pág. 24 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF e pág. 2 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
9) Por despacho de 21/06/2021, do MGen DARH, praticado no âmbito de subdelegação de competências, foi deferida a prorrogação do primeiro contrato do Requerente, com termo em 22/05/2021, até 22/05/2022 (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
10) Na mesma data, com base em informações proferidas pelos serviços e após audição do Requerente, foi deferida, ao abrigo da mesma subdelegação de competências, a alteração da AGPSP do Requerente, de Santa Margarida para Lisboa (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF e informação de requerimentos, ofícios, informações de págs. 3 a 23 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
11) Por despacho de 28/10/2021, do MGen DARH, o Requerente foi colocado no Estado Maior do Exército, em Lisboa, com efeitos a partir de 13/12/2021 (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
12) Por despacho de 24/08/2022, do General CEME, comunicado por ofício nota n.º SGO.SMC-2022-023678, de 25/08/2023, praticado no âmbito de subdelegação de competências, o Requerente foi colocado no CM, sito em Lisboa, com efeitos a partir de 19/09/2022, em colocação efectiva, por “imposição de serviço”, continuando na situação de “não deslocado” (folha de matrícula de págs. 3 a 21 e ofício de págs. 22 e 23 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF e págs. 24 e 25 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
13) O Requerente reside toda a semana na Unidade militar referida no número anterior.
14) Em 06/09/2022, o Requerente matriculou-se, no ano lectivo de 2022/2023 no 1.º ano do curso de Direito da Faculdade de Direito das Universidade de Lisboa (comprovativo de inscrição – 2022/2023 de pág. 25 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
15) Por despacho de 11/10/2022, do Director do CM, foi autorizada a aplicação, ao Requerente, do estatuto de trabalhador-estudante para o ano lectivo de 2022/2023 (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
16) O Requerente frequenta a turma da noite, sendo o horário de segunda a sexta-feira, das 18h30 às 22h20 (horários de págs. 27 e 28 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
17) Do CM até à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa distam cerca de 3,7 km (informação consultada no sítio da web de acesso público https://www.waze.com/pt-PT/live-map/directions/fdul-al.-da-universidade-lisboa?to=place.w.229900676.-1995698397.375303&from=place.w.229900676.-1995829468.300088).
18) O Requerente desloca-se do CM para a Universidade de Lisboa de transportes públicos.
19) O referido trajecto demora entre 17 minutos e 28 minutos de autocarro (informação consultada no sítio da web de acesso público https://www.carris.pt/viaje/planear-viagem/?FromCoordinates=38.7600074%2C-9.183709499999999&FromPlaceId=ChIJC8XEltEyGQ0RK1zaoM-9cGk&ToCoordinates=38.7519348%2C-9.158636099999999&ToPlaceId=ChIJZxtAUB0zGQ0ReC5fQrOj4Ag&Date=2023-05-05T16%3A42%3A00.000Z).
20) O Requerente foi promovido a Tenente em 16/10/2022 (folha de matrícula de págs. 3 a 21 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
21) Por despacho de 25/01/2023, do MGen DARH, comunicado por ofício nota n.º SGO.SMC-2023-002945, de 26/01/2023, praticado no âmbito de subdelegação de competências, o Requerente foi colocado no RAAA1, “por imposição de serviço”, mantendo a situação de “não deslocado” e do qual consta, designadamente, o seguinte (ofício de pág. 29 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF e informação, despacho e ofício de págs. 26 a 31 e 35 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF):
“(...)
1. FINALIDADE
Submeter à consideração superior, uma proposta de colocação no RAAA1, do TEN RC ...14 «AA», do CM.
(...)
4. CONCLUSÕES
a. Através de um contacto direto e informal, a Direção do CM solicitou à Direção de Administração de Recursos Humanos, a transferência de U/E/O do TEN RC «AA», pelo facto de este não ter demonstrado, até ao momento, o perfil adequado para o exercício de funções numa Instituição de cariz educativo como é o Colégio Militar.
b. Tratando-se de uma Instituição de Ensino e, a bem da estabilidade do efetivo de Oficiais que presta serviço no CM e da salvaguarda de todos os intervenientes, reconheceu esta Direção urgência nas diligências a efetuar para que se efetivasse, no mais curto espaço de tempo possível, a colocação TEN RC «AA» em outra U/E/O, na AGPS de Lisboa.
c. Efetuada a análise devida às necessidades prementes que cumpre a esta Direção suprir, nomeadamente na AGPS detida pelo Oficial, Lisboa, constata-se que a substituição da ASP RC «BB» no RAAA1, se constitui como exequível e desejável, considerando a indigitação da Oficial, por despacho de S. Exa o General CEME, para o desempenho das funções de Divulgadora das Equipas do Dia da Defesa Nacional, afetas à DGRDN/MDN.
d. No que concerne à substituição do TEN RC «AA» no exercício das suas funções, esta não se verifica, atualmente, como possível, sendo que, quando o efetivo de Oficiais RC atualmente ao dispor o permitir, esta Direção tomará a iniciativa de dotar o efetivo do CM de mais um Oficial RC.
5. PROPOSTA
Face ao exposto, propõe-se que seja colocado, no RAAA1, o TEN RC ...14 «AA», do CM, nos termos da alínea a), do n.º 3 do art.º 7.º, do documento em referência a), mantendo a situação administrativa do antecedente. (...)”
22) Em 30/01/2023, o Requerente apresentou requerimento, dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército, através do qual impugna a colocação referida no número anterior, alegando que apenas de encontra colocado no CM desde 19/09/2022, período inferior a seis meses, também por “imposição de serviço”, que o RAAA1 não tem cabimento orgânico para o Requerente, quer nas vagas de qualquer área funcional, quer dentro da sua própria especialidade e que existe um Tenente da Arma de Artilharia actualmente colocado no CM, que ainda se encontra no período ao dispor da Arma, não se compreendendo o motivo pelo qual não foi este sujeito à referida colocação (requerimento de págs. 42 e 43 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF e págs. 32 e 33 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
23) Em 01/02/2023, o Director do CM exarou a seguinte informação: “o Colégio Militar não tem interesse na retenção do militar. À consideração superior” (informação e ofício de págs. 34 e 36 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
24) Por despacho de 08/02/2023, comunicado por ofício nota n.º SGP.AQP-2023-004606, de 10/02/2023, praticado no âmbito de subdelegação de competências, foi decidido indeferir a pronúncia do Requerente referida no número anterior, confirmando a sua colocação no RAAA1 por “imposição de serviço” e mantendo-se na situação de “não deslocado”, do qual consta, designadamente, o seguinte (ofício de págs. 1 e 2 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF e despacho de pág. 37 a 45, 47 e 48 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF):
“(...)
1. FINALIDADE
Submeter à consideração superior, uma proposta de resposta à pronúncia, em sede de audiência prévia, do TEN RC ...14 «AA», do CM, e comunicar a decisão final.
2. SITUAÇÃO
a. Através do documento em referência o), foi comunicado ao TEN RC «AA», do CM que, conforme Despacho do Exmo. MGen DARH, datado de 25Jan23, o Oficial foi colocado no RAAA1, por “Imposição de Serviço”.
b. Tendo tido conhecimento do Despacho suprarreferido e, através do documento em referência p), datado de 30Jan23, o TEN RC «AA» pronunciou-se, em sede de audiência prévia, pelo que importa analisar a matéria por si exposta.
(...)
3. ANÁLISE
a. Matéria de Direito:
(1) Encontra-se subdelegada no Major-General «CC», Diretor da Direção de Administração de Recursos Humanos, a competência para “Nomear, colocar, transferir militares, até ao posto de major, inclusive (...)”.
(...)
b. Matéria de Facto:
(1) Através do documento em referência o), foi comunicado ao TEN RC «AA», do CM, que, por Despacho do Exmo. MGen DARH, datado de 25Jan23, o Oficial foi colocado no RAAA1, por “Imposição de Serviço”, ao abrigo do exposto na alínea a), do n.º 3 do art.º 7.º do documento em referência c) (NNCMRVRC), sendo o movimento fundamentado pelos motivos e factos expostos através do documento em referência n), dos quais se relevam, nomeadamente:
(a) A manifestação de um perfil inadequado para o exercício de funções numa Instituição de cariz educativo como é o Colégio Militar, exposto a esta Direção através de um contacto direto e informal;
(b) A necessidade premente de colocação de um Oficial Subalterno no RAAA1, originada pela colocação da ASP RC ...18 «DD», nas equipas de Divulgação do Dia da Defesa Nacional, afetas à DGRDN/MDN, e que prestava serviço naquele Regimento.
(2) Em consonância com o acima exposto e, através do documento em referência p), o CM, remeteu a esta Direção, uma pronúncia, em sede de audiência prévia, através da qual, o TEN RC «AA», vem expor e solicitar a S. Exa. o General CEME “que revogue a colocação do Ten «AA» no RAAA1.”.
O requerimento exposto pelo Oficial encontra-se devidamente informado, tendo merecido o seguinte Parecer do Exmo. Diretor do Colégio Militar: “O Colégio Militar não tem interesse na retenção do militar. À consideração superior”.
(4) Atendendo ao documento em referência p), nomeadamente quanto aos fundamentos arguidos pelo TEN RC «AA» no texto da sua exposição, e que abaixo se transcrevem, na parte tida como relevante, é atribuída a análise devida:
(a) “(...) a administração demonstrou a imperiosa necessidade de que pelo menos um subalterno seja colocado no RAAA1, visto que a colocação resulta por “Imposição de Serviço” (conforme documento em referência o)) e o Ten «AA» apenas se encontra colocado no CM desde 19 de setembro de 2022, (...) também por “Imposição de Serviço” (conforme documento em referência m)), no entanto, e não sendo a gestão de recursos humanos da competência do redator, e carecendo este de aprofundados conhecimentos sobre o tema em questão, importa relevar o facto de que o Regimento em questão não dispõe de cabimento orgânico para o militar em apreço como aliás lhe foi explicado, por esta mesma administração, em 2021 (conforme documento em referência g)) (...).”.
1. Relativamente aos argumentos expostos pelo Oficial no texto do seu requerimento e que acima se transcrevem na íntegra, cumpre a esta Direção esclarecer que, efetivamente, a necessidade premente de se proceder á colocação de um Oficial Subalterno no RAAA1, está intimamente relacionada com a indigitação da ASP RC «BB», até então Oficial daquele Regimento, para a prestação de serviço na DGRDN/MDN, mais precisamente nas equipas afetas à divulgação do Dia da Defesa Nacional, cargo que cabe ao Exército a obrigatoriedade de prover;
2. Em consonância, e efetivando-se a necessidade suprarreferida, coube a esta Direção diligenciar, no sentido de encontrar, em tempo, a solução que melhor respondesse aos superiores interesses da Instituição Militar, tendo sempre presente, como é apanágio desta Direção, a preservação, na medida do possível, dos interesses dos militares;
3. Neste âmbito, considerando o exposto na presente análise em 3., b., (1), (a), as funções desenvolvidas pela ASP RC «BB» até à data da sua indigitação, bem como a experiência adquirida pelo TEN RC «AA» ao longo da sua carreira militar, desenvolvidas durante um período assinalável de tempo, em funções como Adjunto da Secção de Pessoal do RA5, bem como Oficial de Justiça, tanto no RA5, como na UnAp/EME, entendeu esta Direção, no âmbito da boa gestão dos parcos Recursos Humanos atualmente ao dispor, e no caso concreto, referindo à carência de oficias RC da especialidade 652-Licenciado em Direito (LD), propor a colocação do Oficial no RAAA1, tendo por base a conciliação do superior interesse da Instituição Militar, com o facto de o militar não sair prejudicado com o movimento, uma vez que continuaria a prestar serviço na sua AGPSP, no caso Lisboa.
4. Relativamente ao argumento exposto pelo Oficial, no que se refere ao não cabimento orgânico da especialidade detida pelo militar, qual seja “149 A CAMPANHA E DIREÇÃO DO TIRO”, da área funcional “AF03-AC”’, e que teve por base uma anterior análise realizada por esta Direção, cumpre-nos informar que, ao contrário do que o Oficial tenta demonstrar através da sua exposição, não existe qualquer contradição nas duas análises efetuadas. É factual que não existe cabimento orgânico para Oficiais Subalternos da especialidade “149 A CAMPANHA E DIREÇÃO DO TIRO”, da área funcional “AF03-AC” no RAAA1, como se constata pela consulta do documento em referência e) e como resultou da análise datada de 22Fev21, a que consta do documento em referência g); é também factual que, no âmbito da sua colocação no RA5, o Oficial desenvolveu funções na Secção de Pessoal daquele Regimento, adquirindo competências aprofundadas na área referida e que importa, cada vez mais, rentabilizar, no âmbito da boa gestão dos Oficiais nas fileiras, tendo sido este o facto que presidiu à proposta de colocação do Oficial no RAAA1, com base numa colocação extraordinária, de acordo com a alínea a) do n.º 3 do art.º 7.º do documento em referência c) (NNCMRVRC). Neste âmbito, cumpre ainda relevar que o “Aproveitamento da capacidade funcional, avaliada em função da competência revelada e da experiência adquirida constante da alínea c) do art.º 8.º do documento em referência c) (NNCMRVRC), é um dos princípios gerais que norteia as colocações dos militares em RV/RC, pelo que, assim se demonstra, o respeito tido por esta Direção, pelos normativos aplicáveis e pelas necessidades que agora se verificam, aquando da análise agora efetuada, que consta do documento em referência n), e que em nada colide, salvo melhor opinião, com a análise realizada anteriormente.
Atendendo ao documento em referência q), do qual consta o histórico dos processos tramitados no RAAA1, tendo em vista a qualificação como DFA, atesta-se que se justifica a colocação de um Oficial Subalterno com experiência na área do Pessoal naquele Regimento, tendo em consideração as necessárias coordenações a desenvolver com as equipas EID-DFA, que resultam da Diretiva emanada por S. Exa. o General CEME, constante do documento em referência d), e que tão bons resultados tem originado, considerando o decréscimo significativo do número de processo em tramitação naquele Regimento.
(b) “(...) a vontade da administração torna-se ainda muito menos percetível quando existe neste momento um subalterno (Ten Art ...16 «EE») da Arma de Artilharia, que ainda se encontra no período ao dispor da arma, colocado no CM, não existindo qualquer racional que permita explicar o porquê da opção pelo Ten «AA» ao invés do referido Oficial, quando existe uma necessidade a colmatar num Regimento Operacional, no qual o primeiro não tem cabimento orgânico, quer nas vagas de qualquer área funcional (QQAF) quer dentro da sua própria especialidade, sendo que a necessidade de uma formação específica, que seria a única forma de justificar a colocação extraordinária, como por exemplo o curso de Oficial de Justiça (ministrado no exército), tanto o Ten «AA» como o Ten «EE» possuem.
(c) Relativamente ao argumento acima exposto pelo Oficial, nomeadamente quanto ao facto de comparar a sua situação administrativa com a situação administrativa do TEN ART «EE», importa apenas referir que, a colocação do suprarreferido Oficial no CM, em 01Out22, obedeceu a uma determinação superior, fundamentada no previsto no n.º 2 do art.º 36.º do documento em referência b) (NNQMQP), uma vez que, aquando da condução dos trabalhos do Planeamento de Movimentos dos Oficiais dos QP para o ano de 2022, entendeu a Estrutura Superior do Exército, proceder a determinados movimentos de Oficiais Subalternos dos QP, sendo que a recente colocação do TEN ART «EE» obedeceu a essa mesma determinação, pelo que não se verifica sequer como plausível movimentar o referido Oficial neste momento.
4. CONCLUSÕES
a. Através do documento em referência o), foi comunicado ao TEN RC «AA», do CM que, de acordo com o Despacho do Exmo. MGen DARH, datado de 25Jan23, o Oficial foi colocado no RAAA1, por “Imposição de Serviço”.
b. Tendo tido conhecimento do Despacho suprarreferido e, através do documento em referência p), datado de 30Jan23, o TEN RC «AA» pronunciou-se, em sede de audiência prévia.
c. Analisados os argumentos expostos pelo Oficial, conclui-se que:
(1) Relativamente à comparação estabelecida pelo Oficial, no texto do seu requerimento, entre a análise elaborada por esta Direção, em 22Fev21 e constante do documento em referência g), e a análise agora efetuada, e que consta do documento em referência n), não existe, salvo melhor opinião, qualquer contradição, uma vez que, à data, não se justificava a alteração da AGPSP, de Vendas Novas para Lisboa, requerida pelo Oficial, considerando a especialidade detida pelo Oficial, bem como a impossibilidade de o colocar na AGPS requerida no curto prazo, quer pelo défice de Oficiais colocados no RA5 quer pelo facto de se verificara inexistência de Oficiais em formação e que se antevissem como potenciais substitutos do TEN RC «AA» naquele Regimento;
(2) Relativamente ao argumento de não se verificar cabimento orgânico para a especialidade detida pelo Oficial no RAAA1, esta Direção constata que, efetivamente, assim é, sendo de relevar, num quadro de parcos Recursos Humanos, a experiência anteriormente adquirida pelo Oficial, em funções afetas às Secções de Pessoal (como oficial de justiça), quer no RA5 quer da UnAp/EME do Exército, comprovada pela consulta do documento em referência r), pelo que, no âmbito da boa gestão do efetivo atualmente ao dispor, o TEN RC «AA» poderá, efetivamente, substituir-se à obrigatoriedade da colocação de um oficial, da AF 25 e especialidade 652-Licenciado em Direito, imposta pelo quadro orgânico do RAAA1;
(3) Por último, e no que concerne à comparação estabelecida entre o próprio requerente e o TEN ART ...16 «EE», do próprio CM, é esta Direção que não são sequer situações administrativas comparáveis, considerando que a recente colocação do ... no CM, obedeceu a diretrizes expressas emanadas pela Estrutura Superior do Exército aquando dos trabalhos do Planeamento de Movimentos dos Oficiais dos QP para o ano de 2022.
d. Em consonância com o acima referido, constata-se com a colocação do Oficial no RAAA1, agora proposta por esta Direção, não prejudica o militar ao nível da AGPSP, uma vez que o mesmo manter-se-á na situação de “Não Deslocado”, ao mesmo tempo que permite colmatar uma recente necessidade da Instituição Militar, facto se encontra previsto no documento em referência c) (NNCMRVRC).
e. Por fim, mas não menos importante, relevar o facto de resultar, do parecer que consta do documento em referência p), emitido pelo o Exmo. Diretor do Colégio Militar que, aquela Instituição de Ensino “não tem interesse na retenção do militar”, pelo que, salvo melhor opinião, a decisão que melhor defende os interesses da Instituição Militar, bem como do próprio militar, é a sua colocação no RAAA1.
5. PROPOSTA
Face ao exposto, propõe-se que seja comunicada a decisão final de indeferimento, ao requerimento apresentado pelo TEN RC ...14 «AA», do CM, mantendo-se a colocação do Oficial no RAAA1 e ficando com a seguinte situação administrativa:
a. Mantém-se na situação de “Não Deslocado”;
b. O movimento resulta por “Imposição de Serviço”.
(...)”
25) Em 15/02/2023, o Requerente apresentou recurso hierárquico sobre a decisão referida no número anterior (recurso hierárquico de págs. 44 e 45 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF e págs. 49, 50, 60 e 61 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
26) Por ofício n.º PESSOAL – ..., de 16/02/2023, o recurso hierárquico referido no número anterior foi remetido, pelo CM, à Direcção de Administração de Recurso Humanos, com solicitação de decisão sobre o eventual efeito suspensivo (ofício de pág. 52 e 58 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
27) Em 23/02/2023, o Requerente apresentou requerimento, dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército, através do qual requereu a disponibilização da escala pela qual são feitas as colocações por imposição de serviço (requerimento de pág. 46 do documento n.º ...96, a fls. 31 do SITAF).
28) O requerimento inicial da presente acção deu entrada em juízo, via SITAF, no dia 02/03/2023 (comprovativo de entrega de peça processual por via electrónica de fls. 1 a 3 do SITAF).
29) Por ofício nota n.º RPM.SGP-2023-007584, de 09/03/2023, o Requerente foi informado que a sua colocação no RAAA1 não resulta de uma escala, mas sim de uma necessidade de serviço, tendo sido considerados os princípios de satisfação da necessidade de serviço, do aproveitamento da capacidade funcional do militar, avaliada em função da competência revelada e da experiência adquirida e da conciliação, na medida do possível, dos interesses pessoais com os do serviço (ofício de fls. 92 do SITAF).
30) Por ofício n.º ...14, de 27/03/2023, o recurso hierárquico referido em 25) foi remetido ao Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército, no qual deu entrada no dia 28/03/2023, com solicitação de decisão sobre o eventual efeito suspensivo (ofícios de pág. 55 a 57 do Processo Administrativo – fls. 123 do SITAF).
31) O horário de saída do serviço do RAAA1 é às 17h30.
32) Do RAAA1 até à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa distam cerca de 12,1 km (informação retirada do sítio da web de acesso público https://www.waze.com/pt-PT/live-map/directions/fdul-al.-da-universidade-lisboa?to=place.w.229900676.-1995698397.375303&from=place.ChIJSWb9drfNHg0RJ4qIOvG4SYw).
33) O referido trajecto demora entre 41 minutos e 1 hora e 6 minutos de transportes públicos – autocarro, comboio e metro (informação consultada no sítio da web de acesso público https://www.carrismetropolitana.pt/).
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que decretou a providência cautelar requerida, de suspensão da eficácia do despacho proferido em 8 de fevereiro de 2023 pelo Director de Administração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal do Exército, que manteve a colocação do Requerente no Regimento de Artilharia Antiaérea n.º 1, em Queluz, deixando de estar colocado no Colégio Militar, em Lisboa.
Na óptica do Recorrente a sentença proferida não fez a devida interpretação e aplicação do Direito, por nela não ter sido devidamente ponderada a especificidade de que se reveste a movimentação de militares das Forças Armadas.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos,
O entendimento expresso na sentença fez como que «tábua rasa» da condição militar e dos deveres legalmente impostos a esta – veja-se a Lei de Bases do Estatuto da Condição Militar –, dando ênfase e fazendo prevalecer os meros interesses pessoais do militar em detrimento dos interesses do serviço, quando são estes que, nos termos da lei, têm de prevalecer sobre aqueles, sob pena de não ser possível gerir os efectivos militares com vista à prossecução das missões das Forças Armadas – lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.
Com efeito, foi dado como provado na sentença, que o Requerente presta serviço militar em regime de contrato, nos termos do disposto nos artigos 23.º a 33.º da Lei n.º 174/99, de 21 de setembro (Lei do Serviço Militar), nos artigos 45.º a 50.º do Regulamento da Lei do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de novembro, e no Livro III do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio.
O mesmo foi incorporado no Exército no dia 10 de setembro de 2018, na Escola das Armas, em Mafra, onde frequentou a instrução militar, na qual obteve a especialidade militar 149 – Campanha e Direcção de Tiro.
O Requerente esteve colocado no Regimento de Artilharia n.º 5, em Vendas Novas, de 13 de maio de 2019 a 2 de fevereiro de 2020, no Grupo de Artilharia de Campanha 15.5 Rebocado, de 3 de fevereiro de 2020 a 12 de dezembro de 2021, na Unidade de Apoio do Estado-Maior do Exército, em Lisboa, de 13 de dezembro de 2021 a 18 de setembro de 2022, e no Colégio Militar, em Lisboa, desde 19 de setembro de 2022.
Embora nenhum relevo a sentença tenha atribuído a esse facto, o qual resulta do processo administrativo, designadamente da Folha de Matrícula do Requerente, este, de 20 de outubro de 2019 a 21 de novembro de 2019, frequentou o Curso de Formação de Oficial de Justiça, na Escola dos Serviços, na Póvoa de Varzim, que habilita ao desempenho das funções de Oficial de Justiça nas unidades do Exército. Por isso, e desde 3 de fevereiro de 2020, o Requerente desempenhou as funções de Oficial de Justiça no Regimento de Artilharia n.º 5 e, desde 11 de abril de 2022, as funções de Oficial de Justiça na Unidade de Apoio do Estado-Maior do Exército.
O Requerente tem Lisboa como Área Geográfica de Prestação de Serviço de Preferência (AGPSP), ou seja, a área geográfica de prestação de serviço que o Requerente declarou preferir, a qual é delimitada pela linha Cascais, Sintra, Granja do Marquês, Loures, Vila Franca de Xira, Campo de Tiro de Alcochete, Moita, Coina, Costa da Caparica e Cascais, como se vê no anexo às Normas de Nomeação e Colocação dos Militares nos Regimes de Voluntariado e de Contrato.
Por isso, o mesmo está sujeito a ser livremente colocado em qualquer unidade ou estabelecimento militar que se situe dentro dessa AGPSP. E dentro da AGPSP de Lisboa inserem-se, entre outras unidades militares, o Colégio Militar e o Regimento de Artilharia Antiaérea n.º 1 (RAAA1).
O Requerente está colocado no Colégio Militar, sito no Largo da Luz, em Lisboa, desde 19 de setembro de 2022, onde desempenha as funções de Comandante do Pelotão de Reabastecimento e Serviços, cargo que, nos termos do quadro orgânico do Colégio Militar, se destina a ser desempenhado por um Oficial Subalterno (isto é, com o posto de tenente, alferes ou aspirante a oficial), de qualquer arma ou serviço.
Através da Informação n.º SGO.SMC-2023-000344, de 25 de janeiro de 2023, da Divisão de Pessoal Militar (DPM) da DARH, foi proposta a colocação do Requerente no RAAA1, em Queluz, porque, segundo ali constou, «através de um contacto direto e informal, a Direção do CM solicitou à Direção de Administração de Recursos Humanos a transferência de U/E/O do TEN RC «AA», pelo facto de este não ter demonstrado, até ao momento, o perfil adequado para o exercício de funções numa Instituição de cariz educativo como é o Colégio Militar». Bem como por existir a necessidade premente de prover o cargo de Adjunto do Chefe da Secção de Pessoal/Oficial de Justiça no RAAA1, em virtude de a anterior titular, a Aspirante a Oficial «DD», ter deixado de prestar serviço nesse Regimento, por ter passado a integrar as equipas de Divulgação do Dia da Defesa Nacional na Direção-Geral de Recursos do Ministério da Defesa Nacional.
Esse cargo do RAAA1, nos termos do Quadro Orgânico de Pessoal do RAAA1, aprovado por despacho de 4 de dezembro de 2020 do Chefe do Estado-Maior do Exército, destina-se a ser provido por um Oficial Subalterno (isto é, com o posto de tenente, alferes ou aspirante a oficial) de qualquer arma ou serviço.
Ora, como se ponderou na referida informação, «o TEN RC «AA» poderá constituir-se como uma mais valia para o RAAA1, uma vez que, sendo detentor do Curso de Oficial de Justiça, reúne as condições tidas como ideais para desempenhar as funções (...) de Adjunto do Chefe da Secção de Pessoal/Oficial de Justiça daquele Regimento (...), podendo aportar àquele Regimento a experiência resultante das diferentes U/E/O nas quais serviu anteriormente, não se verificando, ademais, prejuízo para qualquer outrem com a sua possível colocação naquela U/E/O».
A referida proposta mereceu, em 25 de janeiro de 2023, despacho de aprovação do Director da DARH.
E, em 1 de fevereiro de 2023, o Director do Colégio Militar informou que «o Colégio Militar não tem interesse na retenção do militar».
Apesar da citada factualidade entendeu-se na sentença recorrida que estão verificados os requisitos do «periculum in mora» e do «fumus boni iuris» para o decretamento da providência requerida.
Temos, pois, para nós que assim não é.
Com efeito, a propósito do primeiro desses requisitos, escreveu-se na decisão sob recurso:
«É certo que a colocação do Requerente no RAAA1, situado no Largo do Palácio, em Queluz, pese embora se situe fora da cidade de Lisboa, não é, por si só, impeditiva da frequência das aulas de Direito na supramencionada Universidade. Porém, impõe-lhe uma dificuldade acrescida, derivada do aumento da distância e, sobretudo, do tempo de deslocação. Com efeito, há que ter em conta que o Requerente se desloca em transportes públicos, não sendo obrigado a deslocar-se em viatura própria, nem tal lhe pode ser imposto. E é diferente fazer uma viagem menos de meia hora num único transporte público, ou fazer uma viagem mais de 45 minutos com utilização de vários transportes públicos e respectivo transbordo (vd. factos provados 17) a 19), 32) e 33)).
Uma deslocação de Queluz para a Cidade Universitária, de transportes públicos, todos os dias da semana, pelas 17h30, após a realização do serviço diário por um militar, cuja realização se pressupõe que seja mediante a utilização uniforme ou farda (artigo 11.º, n.º 2, alínea e) do EMFAR), o qual não é utilizado na frequência das aulas do curso de Direito da supramencionada Universidade, a ter ainda de observar os horários e tempos de espera dos e entre os vários transportes públicos (vd. factos provados 24) e 31) a 33)), não é possível afiançar, numa análise perfunctória, que o Requerente consiga chegar ao início das aulas, pelas 18h30, atempadamente (vd. facto provado 16)). E a análise efectuada pelo Requerido, em relação a este argumento, consiste unicamente na realização desse trajecto de carro, sem que sequer tenha assegurado esse tipo de transporte ao Requerente, uma vez que não lhe pode ser imposto o uso de viatura própria». Ou seja: reconhece-se na sentença que a colocação do Requerente no RAAA1 não é impeditiva de o mesmo continuar a frequentar as aulas do curso de Direito na Faculdade de Direito de Lisboa, sita no Campo Grande. As quais têm início, segundo o mesmo alegou, pelas 18H30, quando o serviço diário no RAAA1 termina habitualmente cerca das 17H00.
Mas o entendimento da sentença é que essa colocação impõe ao Requerente «uma dificuldade acrescida, derivada do aumento da distância e, sobretudo, do tempo de deslocação».
Questiona, e bem, o Requerido: porventura a satisfação das necessidades do serviço – o único motivo pelo qual o Requerente foi contratado pelo Exército e, por isso, lhe paga as respectivas remunerações – deve soçobrar em prol de uma eventual maior facilidade e comodismo na deslocação do mesmo para a Faculdade de Direito, a fim de frequentar um curso fora das horas do serviço?
Importa enfatizar que não está em causa na situação dos autos a transferência do Requerente para qualquer localidade distante do anterior local de colocação (sendo certo que é próprio da condição militar a disponibilidade para ser colocado em qualquer unidade no território do Continente ou nas regiões autónomas, bem como para cumprir missões no estrangeiro).
Na situação dos autos, o Requerente apenas foi transferido do Largo da Luz, em Lisboa, que dista cerca de 5,6 quilómetros do Campo Grande, em Lisboa, onde se situa a Faculdade de Direito, para o Largo do Palácio, em Queluz, que dista cerca de 11 quilómetros do Campo Grande.
Aliás, segundo uma expressiva passagem da sentença, trata-se de fazer uma viagem de 45 minutos em lugar de uma viagem de 30 minutos.
E chegou mesmo a dizer-se na mesma decisão que a análise do Requerido «consiste unicamente na realização desse trajecto de carro» – o que não corresponde à realidade, até porque sendo o trajecto realizado de carro, a ligação entre o RAAA1 e o Campo Grande é efectuada directamente através do IC19 e dura entre 15 a 30 minutos, consoante a intensidade do tráfego –, «sem que sequer tenha assegurado esse tipo de transporte ao Requerente».
Mas será que na sentença se pretendeu dizer que o Exército – e consequentemente o erário público – até deveria fornecer uma viatura ao Requerente para este se deslocar para a frequência das aulas?
E foi com esse único fundamento do aumento da distância e do tempo de deslocação para o Requerente frequentar as aulas que na sentença impugnada se concluiu pela verificação do periculum in mora.
O qual manifestamente não se verifica. Não só porque a referida colocação não é impeditiva de o Requerente continuar a frequentar as aulas, como porque, tendo-lhe sido reconhecido o estatuto de trabalhador-estudante, naturalmente que lhe continuarão a ser reconhecidos todos os direitos próprios desse estatuto, como o Exército faz relativamente a todos os seus militares com esse estatuto, incluindo as facilidades de horário necessárias para a frequência das aulas.
Em suma,
Os critérios de decisão de que depende a concessão das providências cautelares encontram-se, fundamentalmente, fixados no art.º 120º do CPTA, que dispõe:
“1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 – Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” (…)
São, pois, requisitos do procedimento cautelar:
a) Fumus Boni iuris (a aparência de bom Direito), sendo que neste preceito a probabilidade de a pretensão formulada ou a formular no processo principal vir a ser julgada procedente, é essencial para sua concessão.
b) Periculum in mora, que se traduz no “(…) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (…)”
c) Critério da Proporcionalidade, ou Ponderação de Interesses consagrado no art.º 120.º/2, o qual se manifesta quando “…devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa…”.
In casu, consideramos que não se verifica o preenchimento dos requisitos necessários para que possa ocorrer a concessão desta providência cautelar. Isto é, ao contrário do que foi julgado na sentença recorrida, não se verifica nem o requisito do periculum in mora nem o pressuposto do fumus boni iuris, exigidos pelo artigo 120.º do CPTA para o decretamento da providência cautelar pretendida, ou seja, para a suspensão da eficácia do despacho que determinou a colocação do Requerente no Regimento de Artilharia Antiaérea n.º 1 (RAAA1), em Queluz, deixando de estar colocado no Colégio Militar, em Lisboa.
O Requerente presta serviço militar em regime de contrato, tendo o posto de tenente, e, como tal, a sua colocação deve ser norteada pela satisfação dos interesses do serviço e não dos seus interesses pessoais, que apenas podem ser compatibilizados com aqueles quando se mostre possível.
Na sentença considerou-se verificado o requisito do periculum in mora pelo facto de, estando o Requerente a frequentar o primeiro ano do curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, começando as aulas pelas 18h30, a sua transferência do Colégio Militar, situado no Largo da Luz, em Lisboa, para o RAAA1, situado no Largo do Palácio, em Queluz, embora não seja impeditiva da frequência das aulas, lhe impor uma dificuldade acrescida, derivada do aumento da distância e, sobretudo, do tempo de deslocação.
Ora, não se descortina como é que tal «dificuldade acrescida», que comprovadamente não é impeditiva da continuação da frequência das aulas, é susceptível de conduzir à produção de danos dificilmente reparáveis para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
Contrariamente ao que foi decidido, também não se verifica o requisito do «fumus boni iuris», pois o acto suspendendo não padece de qualquer vício, tendo sido observadas todas as regras aplicáveis à colocação dos militares do Exército em regime de contrato.
O princípio norteador das colocações dos militares em regime de contrato é o da satisfação das necessidades do serviço, como estabelece, designadamente, o artigo 8.º das Normas de Nomeação e Colocação dos Militares no Regime de Voluntariado e no Regime de Contrato, aprovadas pelo Despacho n.º ...03, de 7 de outubro, do Chefe do Estado-Maior do Exército, ao abrigo do disposto no artigo 261.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
A colocação do Requerente no RAAA1 foi efectuada ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º das referidas normas, tratando-se de uma colocação extraordinária, destinada a satisfazer necessidades imprevistas do serviço, concretamente o preenchimento do cargo de Oficial de Justiça daquele Regimento, ao que acrescia o pedido da Direcção do Colégio Militar para a transferência do Requerente, por este não demonstrar perfil adequado para o desempenho de funções naquele estabelecimento militar de ensino, como foi justificado na informação que serviu de suporte ao despacho suspendendo.
O Requerente frequentou o Curso de Formação de Oficial de Justiça, que habilita ao desempenho das funções de Oficial de Justiça nas unidades do Exército, e, após a conclusão desse curso, desempenhou as funções de Oficial de Justiça no Regimento de Artilharia n.º 5 e na Unidade de Apoio do Estado-Maior do Exército.
Assim, o acto suspendendo, ao determinar a colocação do Requerente no RAAA1, a fim de ali desempenhar aquele cargo, que se mostrava necessário preencher, o qual se destina a ser provido por um oficial subalterno de qualquer arma ou serviço, fê-lo tendo em consideração essa formação e a sua experiência anterior em funções idênticas, não padecendo de qualquer vício.

Como se sabe, as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer ação, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela, o mesmo é dizer, obviar a que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica, da qual o seu destinatário mais não retire que um ganho moral.
Nessa medida, o requisito em análise -
periculum - encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Para aferir da verificação ou não deste pressuposto, o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar- cfr. Acórdãos do STA de 09/06/2005, proc. 0412/05, de 10/11/2005, proc. 0862/05, de 01/02/2007, proc. 027/07, de 14/07/2008, proc. 0381/08, de 12/02/2012, proc. 0857/11, entre muitos outros.
Nesse juízo de prognose, o juiz deve atender a todos os prejuízos que se mostrem relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou coletivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais, sendo certo que o fundado receio na constituição de uma situação de facto consumado ou da verificação de prejuízos de difícil ou impossível reparação terá sempre de se basear em circunstâncias factuais que revelem, de forma objetiva, a iminência da lesão e a necessidade imperiosa de serem tomadas providências que obstem à produção de tais prejuízos, não sendo apto para o efeito, as simples conjeturas ou receios subjetivos.
Importa ter presente que nem todo o receio é digno de tutela, posto que um receio meramente eventual ou hipotético não é um “fundado receio”. Nos dizeres de Abrantes Geraldes, em “Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 108, o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.
Não bastam simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões.
De notar ainda que, se é certo que em relação ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado, o legislador se contenta com que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do
periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito, por forma a evitar a concessão indiscriminada de proteção cautelar.
No que tange à prova do “fundado receio” a que a lei faz referência, a mesma deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada, não sendo lícito ao tribunal que se substitua ao mesmo nessa incumbência, e bem assim, de oferecer prova sumária dos fundamentos em se sustenta a existência desse requisito -
v. os Acórdãos do STA de 14/07/2008, proc. 0381/08 e de 22/01/2009, proc. 06/09.

Ora, na situação dos autos, o Requerente não alegou e, por maioria de razão, não demonstrou factos que, com suficiência, integrem o periculum in mora.

Inexiste qualquer risco “da produção de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação” ou qualquer “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” que possa justificar o recurso, muito menos o decretamento da presente providência cautelar.

Repete-se, no caso concreto não existe qualquer situação que justifique decretar a providência.

Com efeito, o periculum in mora considera-se verificado quando exista receio fundado de que, com a demora do processo principal, se venha a constituir uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa salvaguardar naquele processo.
Trata-se, assim, da necessidade de formular um juízo de prognose de acordo com as circunstâncias concretas do caso, a fim de averiguar sobre a utilidade da sentença a proferir no processo principal [neste sentido, cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa – Lições, 15.ª ed., Almedina, 2016, págs. 317/318]. Esse juízo, porém, não exige a certeza na produção dos danos ou da verificação do facto consumado; como diz Mário Aroso de Almeida, “(...) também o juízo sobre a existência do perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação não tem de ser um juízo de certeza, mas apenas um juízo de probabilidade, que poderá ser maior ou menor consoante as circunstâncias específicas de cada caso.” – cf. Manual de Processo Administrativo, 2.ª ed., Almedina, 2016, pág. 450.

Ora, no caso, e como dito, essa situação não se regista.

Por outro lado, no atual regime do CPTA (portanto, após a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10) o núcleo essencial da análise do preenchimento do requisito fumus boni iuris reside precisamente na probabilidade de procedência da pretensão do requerente. Trata-se, assim, de um juízo positivo, mas ainda perfunctório (como o impõe a própria natureza da tutela cautelar) sobre o bem fundado da alegação do requerente – neste sentido, cf. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2.ª ed., Almedina, 2016, pág. 451.
E ainda sobre o alcance deste requisito, escreve Vieira de Andrade que a “referência ao “fumus”, ou seja, à “aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais” – cf. A Justiça Administrativa – Lições, 15.ª ed., Almedina, 2016, pág. 321.

Como também já se referiu, em concreto, não se pode considerar verificado o fumus.

Temos assim que, ao contrário do que foi julgado na sentença recorrida, não se verifica nem o requisito do periculum in mora nem o requisito do fumus boni iuris, exigidos pelo artigo 120.º do CPTA para o decretamento da providência cautelar requerida, isto é, para a suspensão da eficácia do despacho que determinou a colocação do Requerente no Regimento de Artilharia Antiaérea n.º 1 (RAAA1), em Queluz, deixando de estar colocado no Colégio Militar, em Lisboa.
Logo, procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se improcedente a providência cautelar.
Custas pelo Requerente e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 13/9/2023

Fernanda Brandão
Alexandra Alendouro
Nuno Coutinho