Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02951/14.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS (TSAM)
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:I) Tomando por base a noção de procedimento tributário como o conjunto de actos concretizadores e exteriorizadores da vontade dos agentes administrativos tributários na sua globalidade designados como Administração Tributária, os documentos referidos na decisão recorrida poderão não constituir toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários a que alude o art. 54º da LGT e 44º CPPT, mas constituem seguramente a parte relevante deles com referência aos elementos que integram a liquidação descrita, o que equivale a dizer que não podemos concluir que o procedimento esteja de todo ausente, inquinando com nulidade o acto de liquidação por falta absoluta de forma legal.
II) O tributo foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição em desconformidade com o art.º 60.º da Lei Geral Tributária.
III) Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não se encontrar prevista na lei.
IV) É um dever legal liquidar o tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:B..., S.A.
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 07-11-2016, que julgou procedente a pretensão deduzida por “B..., S.A.” na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com o acto de liquidação da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM) relativa ao ano de 2014.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 193-198), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
I. Nos termos da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora;
II. No caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012);
III. Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento;
IV. O procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no n.º 4 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012 (ou da comunicação prevista no n.º 3 do art.º 10.º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos termos do n.º 2 do art.º 9.º pela DGAE;
V. Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2014 (art.º 1.º da Portaria n.º 87/2014, 17 de Abril), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 5.º;
VI. O processo administrativo junto, pese embora possa incorrer em alguma deficiência de organização, demonstra o mencionado procedimento;
VII. Existiu, pois, um procedimento de liquidação da TSAM que seguiu com rigor as regras aplicáveis pelo que não ocorre qualquer omissão de formalidade, muito menos omissão de procedimento e, em consequência, a apontada nulidade da liquidação;
VIII. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5.º, 9.º e 10.º da Portaria n.º 215/2012, e no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012.
Nestes termos e no mais que for doutamente suprido por Vossas Excelências, concedendo-se provimento a este recurso,
Deve revogar-se a sentença considerando-se improcedente a impugnação, com o que farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA

A Recorrida “B..., S.A.” apresentou contra-alegações tendo concluído da seguinte forma (cfr. fls. 206-216 dos autos):
“(…)
A - O Tribunal a quo, no que diz respeito à ilegalidade da Taxa de Segurança Alimentar Mais, para além de fazer uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios do procedimento tributário, aplicou imaculadamente as regras quanto às consequências previstas no caso de preterição de formalidades essenciais.
B - O entendimento da Fazenda Pública segundo o qual era dispensável a audiência prévia prévio à liquidação porque a Recorrida não forneceu os dados referentes à área do estabelecimento é, no mínimo, enviesada, por olvidar os princípios enformadores do procedimento tributário, designadamente os princípios do inquisitório e da participação, não sendo a liquidação dotada de certeza sobre a realidade tributária.
C - No entanto, ao contrário do que pretende fazer crer, a ausência de comunicação do contribuinte não toma dispensável a participação do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária.
D - A actuação da Recorrente ofende cada um dos princípios contidos no artigo 55º da Lei Geral Tributária e, em especial, o princípio do inquisitório, porquanto deveria aquela ter diligenciado no sentido de procurar saber qual a área tributável do estabelecimento comercial da Recorrida; e, mesmo que não tivesse diligenciado neste sentido, sempre poderia a Recorrente notificar a Recorrida para o exercício do direito de audição prévia contido no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, permitindo que esta demonstrasse qual a efectiva área tributável em sede de taxa de segurança alimentar mais.
E - É inadmissível que a DGAV, enquanto entidade pública, entenda como dispensável a participação e colaboração do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre uma realidade tributária que esta desconhece, preferindo, ao invés, calcular o valor da taxa estabelecendo uma presunção com base em factos desconhecidos, ou, quanto muito, indemonstrados, tendo inteira noção de que possivelmente está longe de corresponder à verdade, o que é mais grave quando é cristalino que os factos concretos estão ao alcance da recorrida.
F - A DGAV ao recorrer à aplicação do critério de quantificação previsto na Portaria nº 200/2013, de 31 de maio, nos termos do artigo 5º, n.º 5, da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, está a estabelecer uma presunção da área de comércio dos produtos alimentares, área essa sobre a qual incide o tributo em causa.
G - A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito é uma exigência constitucional (artigo 267.º, n.º 5 da CRP), estando vertida, inclusivamente, no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
H - Aqui chegados, cumpre citar o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-11-2011 (proc nº 0539/11), do qual resulta que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação (artigos 267º da CRP e 60º, da LGT). A preterição da formalidade que constitui a facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”
I - Ora, do exposto supra resulta que a decisão final do procedimento de liquidação teria sido diferente se à Recorrida for conferida a hipótese de se pronunciar claramente em momento prévio ao da liquidação.
J - De resto, tendo por base a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia, também se dirá que a audição prévia dos interessados se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da Administração Tributária.
K - In casu, o procedimento tributário tendente à liquidação é composto por um ofício de notificação e uma factura que consubstanciam a liquidação em sentido técnico.
L - Como indica, e bem a sentença recorrida, “a nulidade advém, assim, não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e actos) que, no seu conjunto, formam um certo procedimento administrativo”.
M - A taxa de segurança alimentar mais, de acordo com o artigo 54º da Lei Geral Tributária, está dependente de um procedimento prévio, isto é, da sucessão de actos dirigidos à declaração de direitos tributários, sendo tal potenciado pela incerteza permanente que se vive quanta à sua natureza.
N - Seja como for, entende a sentença recorrida que se está perante uma contribuição especial e não perante uma mera taxa, pelo que se impõe um procedimento prévio à liquidação, de forma a serem respeitadas as garantias dos sujeitos passivos, levando ao procedimento as suas razões, que deverão necessariamente ponderadas pela Administração. Sucede que nada disto foi observado pela DGAV, que se limitou a fazer tábua rasa dos mais elementares direitos da Recorrida.
O - Assim, a taxa de segurança alimentar mais é composta pela área de venda de produtos alimentares, a qual é do conhecimento privilegiado do sujeito passivo, detendo este, em todo o momento, as ferramentas necessárias para conhecer da área de venda de produtos alimentares.
P- Tão ou mais importante é considerar que as isenções do artigo 9º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 119/2012, também obrigam à participação e colaboração do sujeito passivo para que se obtenha certeza jurídica sobre aquilo que deve - ou não - ser tributado.
Q - Mais importante que tudo será considerar que a liquidação não é o resultado aritmético de meros cálculos matemáticos, mas antes um regime complexo na determinação da base tributável, devendo ser considerada a existência de um procedimento administrativo que apele à participação dos contribuintes.
R - O direito de audição vem estabelecido e regulado no artigo 60º da Lei Geral Tributária, estando as situações de dispensa contidas no número 2, cabendo referir que:
- quanto à alínea a), a Recorrente efectuou a liquidação em causa sem ter por base qualquer declaração do contribuinte, não tendo existido qualquer decisão, em sede de procedimento;
- quanto à alínea b), tratou-se de uma liquidação oficiosa, sem que, contudo, esta tenha sido efectuada com base em critérios e objectivos previstos na lei, nem tão pouco foi a Recorrida notificada para apresentar qualquer declaração ou dado em falta.
S - Ora, a liquidação impugnada assentou em elementos indemonstrados obtidos na sequência de colaboração entre a DGAV e as entidades competentes, nomeadamente a Direcção-Geral das Actividades Económicas, nos termos do artigo 9º, n.º 2 da Portaria 215/2012, de 17 de Julho.
T - Na medida em que o exercício do direito de audiência prévia teria permitido à Recorrida, não só acompanhar e controlar a actuação da DGAV, mas acima de tudo, participar na formação da decisão de liquidação, contribuindo, com os seus conhecimentos, naturalmente, privilegiados sobre qual a sua área afecta à comercialização de produtos alimentares, isto é, qual a área deveria ter sido tomada em
consideração para o cálculo do tributo em questão.

U - O que importa a nulidade do acto de liquidação, por omissão de uma formalidade essencial do procedimento, correspondente à falta de forma, ao abrigo da alínea g) do número 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo.
V - Pelo que se conclui conforme o disposto pela douta sentença do TAF de Braga que apreciou e julgou a presente impugnação judicial, “trata-se, pois, não da simples omissão de uma formalidade essencial, mas da falita total do procedimento que conduz ao acto de liquidação, o que corresponde, como vimos, a uma absoluta falta de forma, subsumível na alínea f) do nº 2 do artigo 133º do CPA (actual artigo 161º, nº 2, alínea g))”
Nestes Termos,
Deverão V. Exas. negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que determinou a nulidade do acto de liquidação, por preterição das formalidades que no seu conjunto formariam o procedimento tributário legalmente exigido.”


O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, apreciar o invocado erro de julgamento com referência à nulidade da liquidação por falta de procedimento, sem olvidar a matéria da necessidade ou não de audiência prévia no âmbito do mesmo.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
A) FACTOS PROVADOS:
1. A Impugnante explora o hipermercado denominado E… sito em Barcelos.
2. Parte da área total do estabelecimento referido na alínea anterior está destinada à comercialização de produtos de origem animal e vegetal, frescos e congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, sendo que há outra parte reservada para produtos de origem não alimentar.
3. Em 26.06.2014, a DGAV – Direcção Geral de Alimentação e Veterinária enviou à Impugnante um ofício do qual se retira que: “[…] Como é do conhecimento de V. Exas, o Decreto-Lei n.º 119/2002, de 15 de Junho, criou a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no nº 1 do artigo 9º do mencionado diploma.
Anualmente é fixado o montante da taxa a cobrar por metro quadrado de área de venda do estabelecimento comercial, encontrando-se fixado em € 7 (sete euros), o valor a cobrar por metro quadrado de área de venda do estabelecimento comercial, no ano de 2014, conforme previsto na Portaria nº 87/2014, de 17 de Abril.
Em cumprimento do preceituado no nº 3 do artigo 5º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, fica V. Exa notificado (a) que o montante da taxa de segurança alimentar mais, relativa ao ano de 2014, é de 13098,75 (treze mil noventa e oito euros e setenta e cinco cêntimos), valor que resulta da aplicação da taxa fixada nos termos do nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de Junho, à área de venda do v/ estabelecimento (1871,25m2), sendo esta última determinada por aplicação do coeficiente de ponderação previsto no artigo 1º da Portaria 200/2013, de 31 de Maio, à área do estabelecimento a que refere a alínea b) do nº 2 do artigo 2º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho.
O pagamento desta taxa deve ser realizado em duas prestações de montante igual, até ao final dos meses de maio e de outubro, conforme previsto no nº 2 do artigo 6º da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, pelo que para o efeito, se remetem, desde já, as faturas nºs 195/F e 196/F.
[… ]” (cf. doc. fls. 10 do processo administrativo apenso aos autos – PA - que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
4. Em anexo à notificação referida na alínea anterior, a DGAV enviou à Impugnante as facturas n.º 195/F e 196/F, emitidas em 05-06-2014, no valor de € 6.549,38 (seis mil quinhentos e quarenta e nove euros e trinta e oito cêntimos) (cf. doc. fls. 11 e 12 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
5. A Impugnante procedeu ao pagamento das facturas referidas na alínea anterior em 26-08-2014 e 24-11-2014 (cf. doc. a fls. 35/36 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Não há matéria de facto relevante para a discussão da causa, alegada pelas partes, que importe registar como não provada.
C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, supra identificados.”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a questão sucitada pela Recorrente resume-se, em suma, em indagar do invocado erro de julgamento quanto à preterição de formalidades relacionadas com o procedimento que culminou com a liquidação da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM) relativa ao ano de 2014.

Para dar cobertura à pretensão da ora Recorrida, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Conforme resulta dos autos, os únicos elementos relevantes que integram o processo administrativo resumem-se ao ofício de notificação e às facturas remetidas à Impugnante para pagamento da TSAM do ano de 2014 e respectivo aviso de recepção (fls. 10 a 13 do PA). Nada mais consta do processo administrativo, com respeito à liquidação impugnada.
Ora, conforme referem MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO MATOS (1), a propósito da nulidade do acto administrativo decorrente da carência absoluta de “forma legal” prevista no artigo 133º, nº 2, al. f) do CPA (actual artigo 161º, nº 2, alínea g)), tal nulidade ocorre “quando a lei prescreva a forma escrita para um acto administrativo e este seja praticado sob a forma oral (carência de forma em sentido estrito) e quando um acto administrativo seja emitido sem observância de qualquer das formalidades prévias exigidas por lei, isto é, sem o procedimento prévio devido (carência de formalidades), salvo estado de necessidade” (sublinhado nosso).
Em sentido idêntico, pronunciam-se MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA ET ALLI (2), em anotação à referida al. f) do artigo 133º, nº 2, do CPA:
“A fórmula da nulidade dos “actos que careçam em absoluto de forma legal” – da alínea f) deste nº 2 – é a tradicional, é certo, mas algo inexpressiva (senão mesmo equívoca), precisando de ser esclarecida.
Pode, talvez, dizer-se que um acto administrativo praticado sem procedimento nos casos em que este, por lei ou por natureza, não está excluído – é um acto destes”.
A nulidade advém, assim, não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e actos) que, no seu conjunto, formam um certo procedimento administrativo.
No caso dos autos estamos perante uma contribuição especial que, na ausência de um regime geral próprio, se encontra sujeita às disposições da Lei Geral Tributária (LGT) na medida em estas não colidam com a sua natureza bilateral (3).
De acordo com o artigo 54º da LGT, o procedimento tributário é compreendido por uma sucessão de actos dirigidos à declaração de direitos tributários. Tal normativo “serve o propósito de acentuar a ideia de que a decisão em matéria tributária é, como toda a decisão administrativa, precedida de uma ordenada sucessão de actos e formalidades, tese reforçada pelo diversificado (mas não taxativo) elenco de actos constante do artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário” (4).
É certo que no domínio das taxas stricto seusu revela-se particularmente notória a adopção de comportamentos informais, em que os sujeitos activos procedem a liquidações destituídas de exigências de forma, no fundo como se de uma transacção comercial se tratasse. Como dá conta NUNO GARCIA DE OLIVEIRA, não são poucos os casos em que, só após o pagamento de um determinado montante por parte do particular denominado de taxa, o sujeito activo entrega a este um recibo de quitação, designado umas vezes por «comprovativo de pagamento» outras como «factura» (ob. cit., p. 58).
Todavia, não se pode olvidar que em causa nos autos não está uma simples taxa, mas sim uma contribuição especial que integra uma categoria autónoma de tributos públicos, conforme reconheceu o legislador constitucional no artigo 165º, nº 1, alínea i) da CRP, aquando da Revisão de 1997.
Ora, enquanto a taxa constitui um tributo exigido em contrapartida de prestações administrativas efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, as contribuições constituem prestações pecuniárias e coactivas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, ou seja, nesta categoria a bilateralidade apresenta-se como meramente potencial e/ou difusa (5).
Daí que a existência de um procedimento se imponha com particular acuidade no caso das contribuições especiais, como instrumento garantístico da posição dos sujeitos passivos, designadamente, possibilitando-lhes carrear para o procedimento os seus pontos de vista, fazendo com que a Administração os deva tomar em consideração e, por outro lado, como instrumento de concertação, propiciando uma prévia adesão do administrado à decisão que venha a ser tomada, facilitada pela colaboração que este foi chamado a dar na determinação do conteúdo e sentido daquela decisão (6).
Acresce que no caso em apreço a base tributável da TSAM é constituída pela área de venda de produtos alimentares, a qual é do conhecimento privilegiado do sujeito passivo ou, pelo menos, que a este é exigível com o máximo rigor, bem como as eventuais alterações que possam, entretanto, ter ocorrido. Por outro lado, as “isenções” previstas no nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei 119/2012 também tornam indispensável a participação e colaboração do sujeito passivo para se obter certeza jurídica sobre a realidade tributada.
Não estamos, assim, perante um caso em que a decisão é uma mera aplicação mecânica de cálculos matemáticos, mas antes perante um regime com alguma complexidade, designadamente, na determinação da base tributável, razões que levam a considerar essencial a existência de um procedimento administrativo, que, além do mais, valorize o contributo dos particulares.
Ora, conforme resulta dos autos, a decisão de cobrar o montante de €13.098,75 à Impugnante, a título de TSAM, consubstanciada na emissão das facturas nº 195/F e 196/F de 05.06.2014, foi tomada sem que fosse previamente desencadeado o competente procedimento tributário.
Trata-se, pois, não da simples omissão de uma formalidade essencial, mas da falta total do procedimento que conduz ao acto de liquidação, o que corresponde, como vimos, a uma absoluta falta de forma, subsumível na al. f) do nº 2 do artigo 133º do CPA (actual artigo 161º, nº 2, alínea g)).
Neste quadro, enferma de nulidade o acto em crise nos presentes autos, por preterição das formalidades que no seu conjunto formariam o procedimento tributário legalmente exigido. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente defende que nos termos da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora e, no caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012), sendo que este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento, verificando-se que o procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no n.º 4 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012 (ou da comunicação prevista no n.º 3 do art.º 10.º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos termos do n.º 2 do art.º 9.º pela DGAE e aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2014 (art.º 1.º da Portaria n.º 87/2014, 17 de Abril), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 5.º.
Ora, o processo administrativo junto, pese embora possa incorrer em alguma deficiência de organização, demonstra o mencionado procedimento, o que significa que existiu, pois, um procedimento de liquidação da TSAM que seguiu com rigor as regras aplicáveis pelo que não ocorre qualquer omissão de formalidade, muito menos omissão de procedimento e, em consequência, a apontada nulidade da liquidação.

Que dizer?
Como se retira do exposto, a Recorrente alude aos três elementos apontados pela aqui Recorrida em sede de petição inicial quando refere que a factura recebida não contém os elementos exigidos para uma verdadeira liquidação e respectiva notificação, para além de tal liquidação ter de obedecer aos critérios legais de audição, decisão e fundamentação.

Isto significa que no âmbito da mesma questão - preterição de formalidades relacionadas com o procedimento que culminou com a liquidação da da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM) relativa ao ano de 2014 - importa ponderar a realidade central vertida na decisão recorrida e ainda os elementos que envolvem a mesma questão nos termos acima assinalados.

No entanto, antes de avançar, crê-se pertinente a aludir ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20/10/2015, de acordo com o qual a obrigação em apreço foi qualificada não como taxa mas sim como contribuição financeira, aí se ponderando que:
“…
No caso vertente, poderá afirmar-se que a "taxa de segurança alimentar mais" não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo antes tida como contrapartida de todo um conjunto de atividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar. E também porque o facto gerador do tributo não é a prestação individualizada de um serviço público mas a mera titularidade de um estabelecimento de comércio alimentar, sendo o valor da taxa calculado, com base na área de venda do estabelecimento e não com base no custo ou encargo que a atividade de controlo da segurança e qualidade alimentar poderia gerar.
Mas a "taxa de segurança alimentar mais" não pode também ser qualificada como um imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever geral de cidadania, mas unicamente contribuir para o financiamento de uma atividade continuada de controlo e fiscalização da cadeia alimentar mediante a consignação das receitas a um Fundo que tem a missão específica de apoiar financeiramente projetos, iniciativas e ações a desenvolver nessa área.
Na verdade, como resulta do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, a "taxa" de segurança alimentar mais" é precisamente uma contribuição para o financiamento da atividade de garantia de segurança e qualidade alimentar. É uma comparticipação nas receitas de um fundo destinado a financiar projetos, iniciativas e ações desenvolvidos pelas entidades que operam nesse mercado.
Não estamos, pois, no seu aspeto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a referida "taxa" não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tal tributo antes qualificável como contribuição financeira.
E não obsta a essa qualificação o facto de o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, a favor do qual reverte o produto da "taxa de segurança alimentar mais", não dispor de personalidade jurídica. A contribuição a que alude o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), é designada como uma contribuição financeira a favor de entidade pública e, enquanto categoria tributária autónoma, o que a distingue dos impostos é que se destina, não a financiar as despesas públicas em geral, mas a financiar despesas associadas a certos serviços públicos, por cuja execução são diretamente responsáveis determinadas entidades públicas. Trata-se, por isso, de contribuições que se destinam a retribuir serviços prestados por uma entidade pública e que não se inserem no objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se dirige antes à obtenção de receitas para cobrir despesas gerais do Estado e de outras pessoas coletivas territoriais (regiões autónomas e autarquias locais)” …”.

A partir daqui, não temos por bondosa a apreciação da decisão recorrida quando coloca em crise a existência de procedimento só porque os elementos que integram o processo se resumem ao ofício de notificação e à factura remetidas à aqui Recorrida, até porque actos que carecem em absoluto de forma legal são os actos que não obedecem minimamente aos requisitos de forma exigidos por lei, como é o caso de uma pena disciplinar sem prévia instauração do respectivo processo, ou a prática de um acto por despacho quando a lei exige que a sua prática seja levada a cabo por portaria e os actos tributários praticados sem existência de procedimento (7).

Ora, no caso presente, o PAT apenso integra uma informação da qual se retira que a aqui Recorrida tinha já sido notificada para liquidar igual Taxa nos anos de 2012 e 2013, sendo que a comunicação relativa à Taxa em equação nos autos identifica o diploma que a criou, descreve a sua natureza e forma de cálculo da mesmo, sendo que a factura emitida revela-se bem mais descritiva do que as anteriores, ao identificar a área (1871,25) e o valor a ponderar (7€/m2), de que resulta o valor a pagar correspondente a 50% do valor da taxa anual.
Nesta sequência, tomando por base a noção de procedimento tributário como o conjunto de actos concretizadores e exteriorizadores da vontade dos agentes administrativos tributários na sua globalidade designados como Administração Tributária (8), os documentos referidos na decisão recorrida poderão não constituir toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários a que alude o art. 54º da LGT e 44º CPPT, mas constituem seguramente a parte relevante deles com referência aos elementos que integram a liquidação descrita, o que equivale a dizer que não podemos concluir que o procedimento esteja de todo ausente, inquinando com nulidade o acto de liquidação por falta absoluta de forma legal.
No entanto, uma das etapas do tal procedimento e, como tal, um dos aspectos que integra o mesmo está relacionado com a participação do contribuinte neste âmbito.
Ora, é sabido que o direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no art. 60º nº 1, da LGT, constitui direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art. 267º, nº 5, da CRP).
No entanto, estando em causa vícios procedimentais geradores de mera anulabilidade, como é o caso da violação do art. 60º da LGT, admite-se, por força do princípio geral de direito administrativo do aproveitamento do acto, que, por razões de segurança jurídica e, sobretudo, de economia processual, o acto administrativo, apesar de inválido, não deve ser anulado quando, designadamente, o seu conteúdo “não possa ser outro e não haja interesse relevante na anulação” ou “quando se comprove sem margem para dúvidas que o vício formal não teve qualquer influência na decisão” (Prof. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2011, pág. 179.)
Ora, a taxa de segurança alimentar mais, encontra-se definida no art. 9º do D.L. nº 119/2012, como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devida pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura». Estão isentos do pagamento dessa taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas em certas situações para aqui sem relevo.
A fixação anual da taxa mostra-se regulamentada pela Portaria nº 215/2012 de 17 de Julho que no seu artigo 5.º define as regras de liquidação do seguinte modo:
1 - Para efeitos de aplicação da taxa, é considerada a situação dos estabelecimentos comerciais à data de 31 de dezembro do ano anterior ao que respeita a liquidação.
2 - A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) elabora, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, uma lista atualizada dos estabelecimentos abrangidos, e da qual constam, designadamente, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social;
b) NIF;
c) Morada do estabelecimento;
d) Área de venda do estabelecimento.
3 - A liquidação da taxa é notificada ao sujeito passivo, por via eletrónica para a caixa postal eletrónica a que se refere o nº 9 do artigo 19º da lei geral tributária ou por carta registada, até ao final do mês de março de cada ano, com a indicação do montante da taxa a pagar.
4 - Os sujeitos passivos devem comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no nº 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais.
5 - Em caso de omissão ou inexatidão dos elementos comunicados, a liquidação é efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do nº 2 do artigo 9º …”
Numa leitura meramente literal de norma em apreço, nada se retira no que concerne à necessidade de cumprimento do dever de audição a que alude o art. 60º LGT onde se fala da a formação das decisões que disserem respeito aos contribuintes e sempre que a lei não prescrever em sentido diverso.
No entanto, a questão está longe de estar fechada, na medida em que, tal como se refere no Ac. do S.T.A. de 05-07-2017, Proc. nº 0273/17, www.dgsi.pt, “… Como decorre de todo o processo e é mesmo confirmado pelas alegações de recurso dúvidas não há de que o tributo aqui em discussão foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição. Bem certo que o contribuinte tinha obrigação de comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais. Não consta da matéria provada que haja omitido tal obrigação, como não consta que a haja cumprido, nem se esclarece que dados dispunha a entidade liquidadora sobre a área do estabelecimento com relevância para a determinação da taxa. A recorrente considera que: « (…) a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012).
Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento».
Este entendimento expresso pela recorrente considera que, havendo elementos que permitam a liquidação da taxa, certos ou errados, não importa, liquida-se a taxa sem mais e exige-se o pagamento. Trata-se de uma visão estreita do cumprimento dos deveres públicos, mesmo tributários quando se foca toda a energia e atenção em liquidar para cobrar, sem olhar a quê, e sem curar dos custos para o erário público que decorrem de liquidações ilegais. É um dever legal liquidar este tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida, nem mais, nem menos, pelo que, mesmo que não existisse a obrigação legal de a administração fazer os contribuintes participarem no procedimento de liquidação de tributos, sempre o dever público que impende sobre a entidade liquidadora era de liquidar apenas o que era devido, devendo, neste caso, assegurar-se de que estava a ter em conta a área correcta. Essa cautela quanto ao apuramento dos elementos que integram o cálculo para apuramento do tributo tem que atravessar de forma consistente todos os procedimentos para evitar o desperdício de recursos públicos com que aqui nos deparamos.
Para além disso, impõe o art.º 60.º da Lei Geral Tributária o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação, salvo quando a lei estabelecer em sentido diverso, o que nesta situação não acontece, de resto como concretização do princípio do contraditório plasmado no art.º 5.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Esta formalidade foi frontalmente preterida. Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não prevista na lei.
Se cumprido o direito de audição o contribuinte nada tivesse dito quanto à área do estabelecimento, então teria que funcionar o «tal mecanismo substitutivo» a que se refere a recorrente de «a liquidação ser efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º». Se tal tivesse acontecido e a taxa tivesse sido erradamente liquidada, então a entidade liquidadora haveria dado cumprimento a todos os preceitos legais e só ao contribuinte poderia ser imputado qualquer erro que ainda pudesse estar contido na liquidação.
A entidade liquidadora tem que ter no procedimento uma conduta exemplar de rigoroso cumprimento da lei sejam os contribuintes cumpridores ou relapsos. Muitas, ou pelo menos algumas das omissões dos contribuintes devem-se a situações particulares de cada um que muitas vezes estão longe de condutas dolosas ou de evasão fiscal. Mas, em todo o caso, o poder sancionatório dessas condutas que num primeiro olhar parecem de incumprimento, reside no legislador e só ele pode definir sanções para cada incumprimento que, são diversos da liquidação dos tributos.
Estamos perante a preterição de uma formalidade essencial, porque prevista na lei e, tão essencial quanto pode determinar alterações no montante da taxa a liquidar, com a correspondente afectação do património do contribuinte, com consequências sobre a validade do acto subsequente de liquidação cuja conformação só foi possível com base em tal omissão de formalidade essencial do procedimento com violação de direitos fundamentais dos contribuintes, art.º 267.º da Constituição da República Portuguesa. …”
Aplicando a jurisprudência Superior exposto, não restam dúvidas de que a liquidação da taxa deveria ter sido precedida da audição do interessado e nem o facto de a Impugnante não ter comunicado os dados relativos à área tributável torna dispensável a participação do contribuinte, ao contrário do que defende a Recorrente.
Por outro lado, em face do que ficou exposto, não vislumbramos a mínima possibilidade de sanação do acto por (in)demonstração da absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da aqui Recorrida.
Em suma, a sentença recorrida não pode manter-se nos termos descritos, pois que o acto impugnado não enferma de nulidade, mas terá ser anulado nos termos que deixámos expostos (9), o que significa que apesar de lograr uma alteração da decisão no sentido de existir uma censura menos pesada no que diz respeito ao comportamento da AT e, nesta medida o recurso ter algum sucesso, ainda assim, a decisão não absolve a AT da conduta adoptada no procedimento como se reclamava no âmbito deste recurso, pelo que, terá a mesma de suportar o pagamento da totalidade das custas devidas.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida apenas na parte em que determinou a nulidade do acto, declarando-se antes a sua anulação, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 11 de Outubro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova

(1) Direito Administrativo Geral, Actividade Administrativa (Tomo III), 2007, p. 164.
(2) Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., 2007, p.648.
(3) Cfr. NUNO GARCIA DE OLIVEIRA, Contencioso de Taxas, 2011, p. 38/39.
(4) NUNO GARCIA DE OLIVEIRA, Ob. Cit., p. 43.
(5) SÉRGIO VASQUES, O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 138 e ss.
(6) Sobre a importância do procedimento administrativo, ver MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA ET ALLI, ob. cit., p. 33 e seguintes.
(7) Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. II pp. 337.
(8) Joaquim Freitas Rocha in “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Coimbra Editora, 5ª ed. pp 92.
(9) Ac. do STA n.º 0210/12 de 21-11-2012 Relator: PEDRO DELGADO
Sumário: I - A falta de audição do interessado em procedimento administrativo não sancionatório, não implica nulidade, podendo apenas gerar mera anulabilidade da respectiva decisão.