Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01279/17.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Mário Rebelo
Descritores:CITAÇÃO PESSOAL POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEÇÃO
Sumário:
1. Nos termos dos nºs 1 a 3 do art. 192º do CPPT, havendo citação pessoal por carta registada com aviso de receção (arts. 225º/2-b) e 228º do CPC) quando esta é devolvida, o procedimento desenvolve-se em duas “etapas”.
2. Primeira: A carta registada com aviso de receção foi remetida para o endereço do contribuinte, mas é devolvida e o respetivo aviso não foi assinado, nem foi levantada a carta no estabelecimento postal (e o contribuinte não comunicou alteração do domicílio postal).
3. Segunda: Repete-se a remessa de nova carta registada com aviso de receção para a mesma morada. Então, a citação presume-se efetuada na data certificada pelo distribuidor postal, ou se tiver sido deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data.
4. Para que a primeira etapa se considere validamente cumprida, é necessário que tenha sido deixado aviso para o levantamento da carta no estabelecimento postal.
5 Se não foi deixado aviso no recetáculo postal, o destinatário não sabe que deve proceder ao levantamento da carta. E assim também não poderá afirmar-se que o objecto postal não foi reclamado e daí retirar as consequências legais. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JMACEP
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar procedente a reclamação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: JMACEP
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida em 23 de abril de 2018 pelo MMº juiz do TAF de Aveiro que julgou totalmente improcedente a reclamação deduzida contra o despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças datado de 12/6/2017 que indeferiu o pedido de declaração de falta de citação e declaração de prescrição das dívidas revertidas.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
a. O Recorrente não se conforma com a factualidade dada como não provada e considera que, atenta a prova documental e testemunhal produzida, devem ser acrescentados, como pontos 14 e 15 os factos provados descritos infra.
b. Quanto aos factos dados como não provados, considerou o Tribunal a quo que: “A correspondência postal a que se referem os pontos 4 a 7 supra não foi depositada no recetáculo da morada do reclamante (e, portanto, a citação da reversão não foi efetivada – artigo 24 da p.i.)”
c. Entende o Recorrente que da prova documental e testemunhal apresentada a conclusão alcançada pelo Tribunal mostra-se errada.
d. De facto, e por referência ao facto provado «5», o Tribunal a quo deu como provado que a correspondência referida no ponto que antecede foi devolvida ao remetente com as indicações:
“p.A. às 14:30 GL (…) Giro 250 11-12-13” e “objeto não reclamado” – cfr. fls. 229, frente e verso, do PEF apenso”.
e. Porém, a informação prestada pelo distribuidor postal ao ser incompreensível é suscetível de permitir atropelos ao regime legal da notificação pessoal.
f. Na verdade, ao existir uma dúvida razoável quanto ao facto de ter sido deixado aviso no recetáculo postal, dando conta de que existiria correspondência para ser levantada, não se pode afirmar que essa correspondência foi devolvida ao remetente como «objeto não reclamado».
g. E, no caso dos autos, tanto mais que dos documentos juntos ao PEF a fls. 229 não consta como estando assinalado o campo «objeto não reclamado».
h. Adicionalmente, no facto 7) pode ler-se ““(…) Declaração – No dia 13-12-31 às 11:41 na Impossibilidade de Entrega depositei no recetáculo postal domiciliário na morada indicada a CITAÇÃO a ela referente. [ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data). – (fls. 237 vº do PEF apenso”.”.
i. Ora, quanto a este facto não pode o aqui Recorrente deixar de trazer aos autos a conclusão alcançada no âmbito do Processo n.º 1281/17.6BEAVR e que põe em causa a idoneidade das declarações prestadas pelo distribuidor postal.
j. Naquele processo o Tribunal deu como facto provado n.º 6 que constava do aviso de receção a seguinte declaração prestada pelo distribuidor postal: “No dia 13-12-31 às 11.41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a Citação a ela referente (…)”.
k. Ora, desde já se sublinhe o distribuidor postal é o mesmo em ambos os processos.
l. Porém, naquele processo, o Tribunal conclui que tanto a primeira carta, como a segunda carta dirigidas ao aqui Recorrente não foram dirigidas para a morada correta.
m. Não obstante, o distribuidor postal declarou (falsamente) que havia depositado as duas cartas no “recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a Citação a ela referente (…)”.
n. Ora, considerando que o distribuidor postal é o mesmo em ambos os casos, que a data em que as declarações são feitas por referência ao aqui Recorrente é precisamente a mesma, não pode o douto Tribunal deixar de questionar da veracidade da declaração constante nos presentes autos e daí extrair as necessárias consequências.
o. Ademais, face à prova testemunhal produzida e totalmente olvidada pelo Tribunal a quo teriam de ser dados como provados os seguintes factos, os quais foram, aliás, dados como provados no âmbito do acima referido Processo n.º 1281/17.6BEAVR :
14. Na Estrada ….., em Lisboa, existem três prédios com o número [de polícia] 75, identificados respetivamente como n.º 75.º - A, 75.º - B, contíguos na mesma rua e 75.º - C, nas traseiras – cfr. depoimento da testemunha arrolada;
15. O prédio em causa [Estrada ….. n.º 75.º - A, em Lisboa] é composto por dois blocos, A e B, sendo esses blocos interligados por um corredor grande com entrada de cada lado, junto às quais se encontram afixadas de um lado do corredor os recetáculos do correio das frações autónomas de cada bloco, havendo também uma prateleira destinada às correspondências para devolução (por não se destinar ao prédio ou ter sido depositado em recetáculo errado – cfr. depoimento da testemunha arrolada.
p. Quanto à matéria de direito, entende o Recorrente ser inequívoca a relevância que as declarações prestadas pelos distribuidores postais assumem no âmbito do regime legal da notificação pessoal.
q. Nesse sentido, e por referência à carta indicada no facto dado como provado «J» as declarações constantes da mesma são totalmente incompreensíveis.
r. Assim, não se pode extrair dessas declarações com uma margem razoável de segurança que a carta foi de facto colocada na esfera de cognoscibilidade do aqui Recorrente.
s. Ora, no caso dos autos, e em face dos elementos documentais constantes dos autos e, em especial, da prova testemunhal produzida nos autos, não se pode afirmar que a correspondência foi posta ao alcance do seu destinatário, ou seja, não se pode considerar ter havido um primeiro envio da citação.
t. E essa falta do primeiro envio da citação, implica necessariamente que a correspondência que o órgão de execução fiscal considerou como «segunda tentativa» de citação, e que consta dos pontos «6» e «7» do probatório, na verdade deveria ter sido a primeira tentativa.
u. Ou seja, deveria ter sido repetido o envio da primeira citação, por carta registada com A/R, só após podendo funcionar a presunção legal de citação.
v. Ora, não tendo tal sido feito, não se pode considerar o Recorrente citado da execução fiscal, por não ter sido cumprido o disposto no artigo 192.º, n.º 2 do CPPT.
w. Adicionalmente, e ainda que assim não se entendesse, sempre se diga que as declarações prestadas pelo distribuidor postal quanto à segunda citação não estão isentas de dúvidas.
x. Na verdade não pode o Recorrente olvidar que no dia 13 de dezembro de 2013, à mesma hora / giro, o mesmo distribuidor postal declarou ter depositado um conjunto de citações no recetáculo postal domiciliário do Recorrente.
y. Sendo que, no âmbito do Processo n.º 1281/17.6VEAVR, ficou demonstrado que o distribuidor postal declarou: “Na impossibilidade de entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a Citação a ela referente”.
z. Tendo ficado demonstrado que a morada em que a citação foi depositada não corresponde à morada constante da própria citação.
aa. Ou seja, entende o Recorrente que as declarações prestadas pelo distribuidor postal no caso dos autos não merecem qualquer credibilidade.
bb. Tanto mais que, o depoimento da testemunha inquirida, a qual é vizinha do aqui Recorrente, sem prejuízo de não ter conhecimento concreto do que passou com os ofícios de citação dirigidos ao Recorrente, veio esclarecer como é composto o prédio sito na Estrada ….. n.º 75 e que o endereço em causa presta-se a muitos erros e extravios de correspondência, motivo pelo qual existe, inclusivamente, uma prateleira destinada às correspondências para devolução (por não se destinar ao prédio ou por ter sido depositado em recetáculo errado).
cc. O regime legal de citação do artigo 192.º do CPPT – que atribui manifesta relevância às declarações prestadas pelo distribuidor postal – não se compagina com as dúvidas suscitadas nos presentes autos em relação à atuação daquele desde logo por comparação com o sucedido no Processo n.º 1281/17.6VEAVR.
dd. E, a dúvida razoável existente quanto à atuação do distribuído postal, deve necessariamente ser valorada em beneficio do Recorrente.
ee. Tanto mais por, no entender do Recorrente, a determinação legal constante do artigo 190.º, n.º 6 do CPPT, segundo a qual cabe ao destinatário do ato (o aqui Recorrente) a prova de que não tomou conhecimento do ato por motivo que não lhe é imputável – que, no caso em apreço, foi efetuada pelo Reclamante – mostra-se ferida do vício de inconstitucionalidade.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência ser revogada a sentença recorrida, assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça!

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao considerar citado o Recorrente, bem como julgar improcedente a declaração de prescrição da divida revertida.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1) - Em 22/7/2005 foi instaurado, contra a sociedade EI – Reciclagem de Produtos Informáticos, SA, no Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, o processo de execução fiscal n.º 0140200501020366, para cobrança coerciva de dívida de retenções na fonte de IVA de 2005.04, com prazo limite de pagamento de 13/6/2005, no montante global de €7.367,08 (fls. 1 e 2 do PEF apenso);
2) A devedora originária foi citada no processo a que se refere o ponto anterior por carta registada com AR, assinado em 22/8/2005 (fls. 6 do PEF apenso);
3) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, datado de 6/12/2013, foi determinada a reversão da execução, acima referida, contra o agora Reclamante e outros – (fls. 192 a 195 do PEF apenso);
4) Para citação do despacho a que se refere o ponto anterior, foi enviado ao ora Reclamante, para a Estrada ….. n.º 75A – Bloco B – 2º DTO, 1750-294 Lisboa, o ofício n.º 301696, de 09-12-2013, por carta registada com aviso de recepção, com data de 10-12-2013 (fls. 227 a 229 do PEF apenso);
5) A correspondência a que se refere o ponto anterior foi devolvida ao remetente, em 21-12-2013, com as seguintes menções: “p. A. às 14:30 GL (…) Giro 250 11-12- 13” e “objeto não reclamado” (fls. 229, frente e verso, do PEF apenso);
6) Através do ofício n.º 301784, de 30-12-2013, o qual tem aposta a menção manuscrita “2.ª citação Art. 192 n.º 2 e 3 CPPT”, foi novamente remetida a correspondência relativa à citação da reversão do ora Reclamante a que se referem os pontos anteriores, para a Estrada ….. n.º 75A – Bloco B – 2º DTO, 1750- 294 Lisboa, por carta registada com aviso de receção, com data de 30-12-2013 - (fls. 236 e 237 do PEF apenso);
7) Do aviso de recepção a que se refere o ponto anterior, devolvido ao remetente sem assinatura do destinatário em 02-01-2014, consta a seguinte menção: “Declaração - No dia 13-12-31 às 11:41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente. [ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data)” - (fls. 237vº do PEF apenso);
8) Em 22-12-2016 foi apresentado no Serviço de Finanças um requerimento do ora Reclamante, dirigido em Chefe do Serviço de Finanças, que aqui se dá por reproduzido, no qual arguiu a nulidade da citação e a prescrição, em termos, no essencial, idênticos aos da presente Reclamação, tendo arrolado as mesmas testemunhas (fls. 238 a 245 do PEF apenso);
9) Por despacho de 12-06-2017, do Chefe do Serviço de Finanças, foi indeferido o requerimento a que se refere o ponto anterior, tendo tal despacho o seguinte teor: “Revistos os autos e face à informação que antecede, verifica-se que contrariamente ao que defende o requerente, existe normativo específico no CPPT, quanto à forma de citação pessoal, nomeadamente no artigo 192.º, n.ºs 2 e 3, resultante das alterações legislativas operadas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, alterando o artigo 192.º onde passou a dispor no seu n.º 3 que a citação considera-se efectuada na data certificada pelo distribuidor postal, ou no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, num procedimento que é sim coincidente com aquele previsto no artigo 229.º n.º 5 do CPC. No entanto, mostra-se fundamental referir que é do trecho presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, resulta claro que a intenção do legislador era a de que a citação levada a cabo poderia ser concretizada mediante depósito na caixa de correio do citando de elementos referentes à citação. E se a própria lei refere, expressamente, que quando um aviso é ali deixado tem como consequência que passados 8 dias o citando presumivelmente teve conhecimento desses elementos, não se vê como razoável se poderá entender que o depósito de uma carta de citação, sendo certificado pelo distribuidor postal, como um evento não previsto na lei e violador de formalismos legalmente exigidos. Por outro lado, apreciando esta questão, evocar, como faz o requerente, a não aplicação do artigo 229.º do CPC, não se mostra pertinente, porquanto o regime previsto nas leis tributárias, no que a esta matéria respeita, é suficiente e adequado a prover fundadamente as ocorrências como aquela com que nos deparamos, ou seja, não há por isso necessidade de recorrermos ao que se dispõe no CPC, de aplicação supletiva de conformidade com o disposto no artigo 2º do CPPT. De acordo com a parte final do n.º 3 do artigo 192.º do CPPT, cabe ao requerente, alegar e fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede, só ocorrendo falta de citação quando o destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato, por motivo que não lhe foi imputável, vide n.º 6 do artigo 190.º do CPPT. No que se refere a este assunto, o requerente apresenta como prova, duas testemunhas, cuja inquirição requer. Contudo, considero dispensável a sua inquirição, uma vez que não se lobriga que o seu testemunho prove um facto negativo, face às provas existentes nos autos e que se encontram em consonância com o prescrito na lei. No que concerne à invocação da prescrição, como foi exposto na informação que antecede, à data da citação, a dívida em questão encontrava-se dentro do prazo da prescrição (8 anos), previsto no art. 48.º da LGT, interrompendo e iniciando novo prazo de prescrição 2013-12-18 (data da citação) para o responsável subsidiário, quer para a originária devedora. Face ao exposto, tendo sido praticado um acto de citação com observância dos requisitos previstos na lei, e assim não enferma de qualquer irregularidade, indefiro o pedido do requerente por falta de fundamentação legal.” (fls. 250 do PEF apenso);
10) O despacho supra foi enviado aos Exmos. Mandatários do Reclamante por correio registado com AR, assinado em 21-06-2017 (fls. 251 a 253 do PEF apenso);
11) Em 03-07-2017, por correio electrónico, o ora Reclamante apresentou reclamação, nos termos do art. 276.º e ss. do CPPT, contra o despacho a que alude o ponto anterior, nas execuções fiscais n.º 0140200501022016, 0140200501020366, 0410200501018582 e ap., 0140200601000322, 01402005001029142, 0140200501021400 e ap., 0140200701018558 e 0140200601002422 e aps (cfr. sentença proferida na reclamação n.º 748/17.0BEAVR, a fls. 58 e ss. do processo físico);
12) Por sentença, proferida em 11-10-2017 e notificada por correio registado de 12- 10-2017, na reclamação que antecede, foi a Fazenda Pública absolvida da instância por verificação da excepção dilatória da ilegal cumulação de pedidos (fls. 53 a 62 do processo físico);
13) Em 07-11-2017 deu entrada no Serviço de Finanças a presente reclamação, enviada sob registo postal de 6/11/2013 (fls. 29 a 75 do processo físico).
*
3.2. Factos não provados
A)- A correspondência postal a que se referem os pontos 4 a 7 supra não foi depositada no recetáculo da morado do Reclamante (e, portanto, a citação da reversão não foi efetivada – artigo 24º p.i.);
*
Não há outros factos a dar como não provados com interesse para a presente decisão.
*
4. Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal na fixação dos factos, provados e não provados, baseou-se nos documentos referidos em cada um dos pontos antecedentes, não impugnados, e na prova testemunhal produzida, a qual, como se verá, não teve aptidão para ilidir a presunção de citação.
De facto, apesar de o Reclamante ter invocado a falta de efetivação da citação da reversão por falta de depósito das cartas no recetáculo postal, a verdade é que, mesmo após a produção da prova testemunhal, produzida a seu pedido, não logrou demonstrar factos objetivos que permitam concluir que no caso concreto se verificou esse facto negativo.
Com efeito, a única testemunha ouvida (a outra foi prescindida), vizinha do Autor, veio esclarecer que o endereço em causa se presta a muitas confusões e extravios de correspondência, já que há três prédios com o número (de policia) 75, identificados respetivamente com o nº 75-A, 75-B, contíguos na mesma rua, e 75-C, nas traseiras, e que o prédio em causa (75-A) é composto por dois blocos, A e B, sendo esses blocos interligados por um corredor grande com entrada de cada lado, junto às quais se encontram afixadas de um lado do corredor os recetáculos do correio das frações autónomas de cada bloco, havendo também uma prateleira destinada às correspondências para devolução (por não se destinar ao prédio ou ter sido depositada em recetáculo errado), sugerindo em abstrato que são frequentes as situações de entregas erradas de correspondência, mas nada dizendo de concreto quanto à correspondência em questão nos autos.
De notar que, por dever de ofício, este Tribunal sabe que houve remessa de várias citações ao Autor noutros processos de execução fiscal na mesma altura (a que correspondem as várias Reclamações que correm neste Tribunal deduzidas pelo mesmo Autor), não sendo crível que o carteiro se tivesse enganado em todas elas ou que, pelo menos, as várias correspondências não tivessem aparecido na tal “prateleira de devoluções” a que se referiu a testemunha, afigurando-se muito mais provável que, dado o contexto e a temporalidade dos factos, o Reclamante procure dolosamente tirar vantagem da eminente prescrição da divida, dado que já sabia, pelo andamento do procedimento de reversão, qual era o conteúdo dessa correspondência.
Entende-se, por tudo isso, que o Reclamante não logrou demonstrar, no fundo, que é falsa a declaração lavrada pelo distribuidor do correio, conforme consta do facto 10 de 3.1 supra, e que, portanto, a carta contendo a citação postal não foi efetivamente depositada no recetáculo postal correspondente à sua morada

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O Recorrente deduziu reclamação contra o despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças que indeferiu o pedido de declaração da falta de citação para a execução fiscal promovida por carta registada com aviso de receção, não rececionada pelo Reclamante, e bem assim a declaração de prescrição da dívida exequenda.
Dos factos retiramos que foram remetidas duas cartas registadas com aviso de receção para citação do Reclamante/Recorrente como revertido.
A primeira remetida pela AT em 10/12/2013 foi devolvida com as seguintes menções: “p.A. às 14:30 GL (...) Giro 253 11-12-13” e “objecto não reclamado”. (factos n.ºs 4 e 5).

A segunda carta registada com aviso de receção foi remetida em 30/12/2013 para o domicílio do contribuinte. O aviso de receção foi devolvido ao remetente sem assinatura do destinatário em 02/1/2014 com a seguinte menção: “Declaração - No dia 13-12-31 às 11:41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente. [ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data)” (factos provados n.º 6 e 7).

O MMº juiz decidiu que a primeira citação cumpriu o determinado nos artigos 191º/3 e 192º/1 do CPPT e 225º/-b) e 228º/1 do CPC, pelo “que não ocorre qualquer ilegalidade quanto à forma usada para tal acto comunicativo”. Acrescentou que A correspondência em causa foi devolvida ao remetente com as menções de “p. A. às 14:30 GL (…) Giro 253 11-12-13” e “objeto não reclamado” (ponto 8 do probatório).
Como se viu, de acordo com o n.º 2 do art.º 192º do CPPT, sendo a citação pessoal efetuada por carta registada com aviso de receção, e este vier devolvido ou não vier assinado o respetivo recibo por o seu destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal, e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43º do CPPT, a citação é repetida, enviando-se nova carta registada com aviso de receção, com a advertência da cominação prevista no n.º 3.
Deste n.º 3 decorre, por sua vez, que a citação se considera efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.”

Cumprida a formalidade legal da primeira citação, a sentença entendeu que a segunda “completou” o procedimento relativo à citação quando o objecto não foi reclamado. Nas palavras do MMº juiz, “Retornando ao caso concreto, como emerge da factualidade vertida no probatório, face à devolução da carta de citação enviada para o domicílio do revertido, aqui Reclamante, com a indicação de “objeto não reclamado”, o órgão de execução fiscal, dando cumprimento ao n.º 2 do aludido preceito legal, repetiu a citação mediante a remessa de nova carta registada com aviso de receção para o mesmo domicílio (ponto 6 do probatório).
O aviso de receção acima aludido foi devolvido ao remetente sem assinatura do destinatário em 02/01/2014, dele constando a seguinte menção: “Declaração
No dia 13-12-31 às 11:41 Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente. [ilegível] (assinatura) 150 (giro) 13-12-31 (data)” (ponto 7 de 3.1 supra).
De acordo o disposto no art.º 192º, n.º 3, do CPPT, a citação considera-se, assim, efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, ou seja, em 31/12/2013, presumindo-se que nessa data o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados no recetáculo.
Quem tem contra si uma presunção legal pode ilidi-la mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir (artigos 349º e 350º do Código Civil)
Ora, como se viu (facto não provado A de 3.2 supra e ponto 4), o Reclamante não logrou ilidir esta presunção. Na verdade, apenas arrolou uma testemunha que, de concreto, nada sabia, tendo-se limitado a descrever a situação física do prédio correspondente ao domicílio do Reclamante, justificativa, em abstrato, da possível ocorrência de trocas e enganos no depósito da correspondência nas caixas de correio.”

O Recorrente discorda da decisão e da reflexão em que se alicerça. Não se conforma com a factualidade não provada e sustenta que face à prova documental e testemunhal deviam ser aditados os seguintes dois factos, com os n.ºs 14 e 15:
14. Na Estrada ….., em Lisboa, existem três prédios com o número [de polícia] 75, identificados respetivamente como n.º 75.º - A, 75.º - B, contíguos na mesma rua e 75.º - C, nas traseiras – cfr. depoimento da testemunha arrolada;
15. O prédio em causa [Estrada ….. n.º 75.º - A, em Lisboa] é composto por dois blocos, A e B, sendo esses blocos interligados por um corredor grande com entrada de cada lado, junto às quais se encontram afixadas de um lado do corredor os recetáculos do correio das frações autónomas de cada bloco, havendo também uma prateleira destinada às correspondências para devolução (por não se destinar ao prédio ou ter sido depositado em recetáculo errado – cfr. depoimento da testemunha arrolada.

Para além disso, advoga que a informação prestada pelo distribuidor postal na primeira carta é incompreensível e susceptível de permitir atropelos ao regime legal da notificação pessoal.
E que ao existir uma dúvida razoável quanto ao facto de ter sido deixado aviso no recetáculo postal, dando conta de que existiria correspondência para ser levantada, não se pode afirmar que essa correspondência foi devolvida ao remetente como «objeto não reclamado».
Tanto mais que no caso dos autos, dos documentos juntos ao PEF a fls. 229 não consta como estando assinalado o campo «objeto não reclamado (Conclusões e) a g).

Entrando na análise do recurso, vejamos a questão do erro de julgamento de facto que o Recorrente imputa à sentença, que por manifesto incumprimento do ónus previsto no art. 640º/1-b) do CPC que sobre si recai terá de ser rejeitado.

Com efeito, o incumprimento destas regras implica, como expressamente diz a lei, a rejeição do recurso (na parte afetada), sem que haja lugar a despacho de aperfeiçoamento relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto.
Prosseguindo.
Quanto à regularidade da citação, designadamente saber se a citação do Reclamante/Recorrente se pode considerar efectuada, registemos o que os n.ºs 1 a 3 do art. 192º do CPPT determinam:
1 - As citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil, sem prejuízo, no que respeita à citação por transmissão electrónica de dados, do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo anterior.
2 - No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.
3 - A citação considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.

Os n.ºs 2 e 3 transcritos – que contêm em si a regulamentação necessária e suficiente, dispensando por isso, neste caso, a aplicação subsidiária do CPC-, prevêem que na citação pessoal por carta registada com aviso de receção (arts. 225º/2-b) e 228º do CPC) quando esta é devolvida, o procedimento se desenvolve em duas “etapas”.

Primeira: A carta registada com aviso de receção foi remetida para o endereço do contribuinte, mas é devolvida e o respetivo aviso não foi assinado, nem foi levantada a carta no estabelecimento postal (e o contribuinte não comunicou alteração do domicílio postal).
Segunda: Repete-se a remessa de nova carta registada com aviso de receção para a mesma morada. Então, a citação presume-se efetuada na data certificada pelo distribuidor postal, ou se tiver sido deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data.

Pois bem, para que a primeira etapa se considere validamente cumprida, é necessário que tenha sido deixado aviso para o levantamento da carta no estabelecimento postal. Se não foi deixado aviso no recetáculo postal, o destinatário não sabe que deve proceder ao levantamento da carta. E concomitantemente, também não poderá afirmar-se que o objecto postal não foi reclamado e daí retirar as consequências legais.

Ora no caso dos autos, não há qualquer certeza de que o distribuidor tenha deixado aviso no recetáculo postal para levantamento da carta no estabelecimento postal. Com efeito, face à menção “p.A. às 14:30 GL(...) Giro 253 11-12-13” e “objecto não reclamado” constante da primeira carta não podemos extrair a conclusão (pelo menos uma conclusão segura) de que foi deixado aviso no recetáculo postal para levantamento da carta no estabelecimento postal. A referência a objecto não reclamado parece indiciar que sim, mas é uma indiciação sem qualquer segurança jurídica.

Por isso, com o devido respeito, não podemos concordar com o MMº juiz que a primeira carta cumpriu a primeira parte do n.º 2 do art. 192º do CPPT.

E não tendo a primeira carta para citação cumprido o preceito em causa, a remessa e o depósito no recetáculo postal do Reclamante da segunda carta não constitui a “repetição da citação” a que alude a segunda parte do n.º 2 do art.º 192º CPPT.

Assim, não podemos concluir que a citação presumida se efetuou em 31/12/2013.

Aqui chegados, vejamos agora a questão da prescrição.
A dívida respeita a IVA do período 0504 (abril de 2005), sendo devedor originário “EI – Reciclagem de produtos Informáticos”, posteriormente revertida contra o Reclamante

A dívida prescreve no prazo de oito anos contados a partir do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (art. 48º/1 LGT).
Ou seja, iniciando-se o decurso da marcha prescricional em 1/1/2006, o respetivo prazo completar-se-ia em 1/1/2014.

Embora as causas de suspensão ou interrupção da prescrição relativas ao devedor principal se comuniquem aos responsáveis solidários ou subsidiários (Art. 48º/2 LGT), o n.º 3 do mesmo preceito afasta essa “comunicação” quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.
Sendo a liquidação do ano de 2005, o quinto ano posterior é o ano de 2010.
O Reclamante/Recorrente não foi citado até essa data, nem posteriormente até 1/1/2014.
Por conseguinte, a dívida está prescrita.
*
V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação julgando-se extinta por prescrição da dívida exequenda relativa ao período 0504.
Custas pela AT em primeira instância.
Porto, 12 de julho de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles