Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02287/16.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO;
ARQUIVAMENTO, TAXA DE PORTAGEM;
Sumário:

I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.

II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.

III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Objecto:Julgar extintos por prescrição os procedimentos de contra-ordenação.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 19/11/2019, que julgou procedente o recurso das decisões de aplicação de coima, num total de 78 decisões, deduzido por [SCom01...], Lda., pessoa colectiva n.º ...03, com sede na Avenida ..., em ..., por falta de pagamento de taxa de portagem, prevista e punida pelos artigos 5.º e 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“I – O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no processo supra referenciado, a qual, a final, absolveu a recorrente da prática das contraordenações de que vinha acusada, por ter entendido, em suma, o seguinte: “Assim, verificando-se que, in casu, não ficou demonstrada a realização da notificação da recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 10.º, n.º 1 e 2, da Lei nº 25/06, de 30.06, e nem a sua menção consta das decisões em crise, não lhe pode ser imputada a prática das contra-ordenações, previstas e punidas pelos art.ºs 5.º, n.ºs 1 alíneas a) e b), 2 e 7º da referida Lei.”.
II – Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido e merecido respeito que a mesma nos merece, bem como salvaguardado ainda o devido respeito por melhor entendimento, padece de erro de julgamento em matéria de facto, a dar como não provado o facto abaixo mencionado, bem como padece de erro de julgamento em matéria de direito.
III – Na douta sentença aqui posta em crise foi dado com não provado o seguinte facto: “1. A concessionária procedeu à notificação da recorrente, para identificar o condutor ou proceder ao pagamento do valor da taxa de portagem.”.
IV – A primeira razão da discordância da Fazenda Pública relativamente ao teor da douta sentença aqui posta em crise prende-se com a circunstância de a mesma ter conhecido, oficiosamente e sem a fundamentação devida, de uma questão, referida no ponto I. supra, que não foi suscitada pela recorrente em sede da petição inicial, e que, por isso, no nosso modesto entendimento, não podia ser objeto de conhecimento por parte do Tribunal “a quo” nos moldes em que o foi.
V - Perante tal facto (negativo) a Fazenda Pública não vislumbrou a necessidade de, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 81º do RGIT, e na sequência da notificação para este efeito provinda do Tribunal, curar de obter junto da (s) concessionária (s) cópias dos ofícios dirigidos à recorrente para efeitos do disposto no artigo 10º, nº 1 da Lei 25/06, de 30.06, acompanhadas da prova do seu envio, nomeadamente os impressos de registo, devidamente certificados pelos CTT, e respetivos avisos de receção, devidamente assinados, por forma a proceder à sua junção aos presentes autos.
VI – A segunda razão da discordância da Fazenda Pública relativamente ao teor da sentença aqui posta em crise, prende-se – e isto sem prescindirmos do entendimento segundo o qual a questão analisada na sentença aqui posta em crise não é suscetível de conhecimento oficioso - com a circunstância de se nos afigurar que o M. mo Juiz do Tribunal “a quo”, caso pretendesse conhecer oficiosamente, como conheceu, da questão da alegada não notificação da recorrente para efeitos do disposto no artigo 10º, nº1 da Lei 25/06, de 30/06, deveria ter, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, bem como tendo presente o princípio da tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrado nos artigos 20º e 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, desenvolvido diligências no sentido de apurar se a notificação da recorrente a que alude o artigo 10º, nº1 da Lei 25/06, de 30/06, ocorreu efetivamente ou não.
VII - Assim, salvo o devido respeito por melhor entendimento, parece-nos, atento o antes invocado, que a douta sentença aqui posta em crise deverá ser, por esta via, anulada por esse Venerando Tribunal e, em sequência, ser ordenada a baixa do processo à primeira instância para aí serem desenvolvidas diligências que se reputem de necessárias e apropriadas a esclarecer se a recorrente foi ou não notificada, ao abrigo do artigo 10º, nº 1 da Lei 25/06, de 30/06, para, querendo, proceder, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, à identificação do condutor do veículo ou ao pagamento da taxa de portagem e dos custos administrativos associados.
VIII – Sem prescindirmos do antes alegado e requerido, diremos que a terceira razão da discordância da Fazenda Pública relativamente ao teor da douta sentença aqui posta em crise prende-se com o facto de, ao contrário do que é preconizado na mesma, a demonstração da observância por parte da concessionária do disposto no artigo 10º, nº 1 da Lei 25/06, de 30/06, não constituir, a nosso ver, pressuposto objetivo da imputação à recorrente da prática das contraordenações previstas e punidas pelo artigos 5º, nºs 1, alíneas a) e b), e nº 2, e pelo artigo 7º da referida Lei.
IX - Atento o teor do artigo 5º da Lei 25/06, de 30/06, parece-nos, salvo o devido respeito por melhor entendimento, que a demonstração da realização por parte da (s) concessionária (s) da notificação a que alude o nº 1 do artigo 10º da Lei 25/06, de 30/06, não constitui condição de imputação à recorrente da prática das contra-ordenações previstas e punidas pelo artigo 5º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 2, e pelo artigo 7º da referida Lei.
X - De igual modo, também se nos afigura que, ao contrário do que vem preconizado na douta sentença aqui posta em crise, a demonstração da realização da notificação a que alude o nº 1 do artigo 10º da Lei 25/06, de 30/06, não deveria ter sido, como não foi, mencionada nas decisões de aplicação de coimas aqui em causa.
XI - Atento o teor do artigo 79º do RGIT, somos a concluir não constituir menção obrigatória na decisão de aplicação das coimas aqui em causa a demonstração da realização da notificação a que alude o nº 1, do artigo 10º, da Lei 25/06, de 30/06.
XII - Nestes termos, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, ao contrário do que foi decidido na douta sentença ora posta em crise, deveria, por esta última via, ter sido julgado improcedente o presente recurso de contraordenação, mantendo-se vigentes na ordem jurídica as decisões de aplicação de coima proferidas pelo Serviço de Finanças ... nos processos de contraordenação fiscal aqui em causa.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a condenação da arguida, ou sendo ordenada a baixa do processo à primeira instância nos moldes acima requeridos, como é de inteira JUSTIÇA.”
****
A Recorrida respondeu ao recurso, tendo concluído da seguinte forma:
“1ª - O recurso interposto pela AT salvo o devido respeito, demonstra falta de compreensão por parte da AT de quais os pressupostos de punição em matéria contraordenacional, que é objecto dos presentes autos.
2ª - Entendeu o Tribunal recorrido que dos autos não resulta provado o cumprimento do disposto nos artigos 10º e 14º da Lei 25/2006 de 30/06, porquanto do auto de notícia não consta qualquer informação acerca do cumprimento das exigências de punibilidade, constantes daqueles normativos, por se tratar de pessoa colectiva que não foi identificado o condutor no momento da prática da contra-ordenação.
3ª - A AT procedeu à junção do processo administrativo aos autos sem demonstrar, quer no auto de notícia e bem assim na autuação dos processos que lhe foram enviados pela concessionária, que foi dado cumprimento ao regime previsto no artigo 10º da Lei 25/06 de 30.06, acerca do apuramento do condutor, a fim desta proceder à cobrança da taxa e da coima pela infracção cometida.
4ª - No entanto, a AT foi notificada para proceder à junção dos processos e ainda para se pronunciar nos termos do artigo 81º do RGIT, e nada havia para juntar ou informar o Tribunal, além do que foi junto juntamente com o recurso apresentado pela Arguida.
5ª – Não pode agora em fase de recurso jurisdicional, provindo de um recurso jurisdicional (judicial), vir “emendar a mão” às falhas legais e de incumprimento reiterado por parte da concessionária, bem assim justificar a sua inércia no cumprimento do disposto nos artigos 67º, nº 3 e 68º do RGIT.
6ª - Assim, era obrigação da AT certificar-se se efectivamente a Arguida praticou ou não os factos que lhe eram imputados, bem assim certificar-se de que foi dado cumprimento ao estatuído nos artigos 10º e 14º da Lei 25/06 de 30-06.
7ª - Sempre se diga que, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, já todos os elementos instrutórios estavam juntos aos autos, e caso se fossem praticar novos actos de repetição da prova já existente, seriam manifestamente dilatórios e violadores do princípio da economia processual que obriga à abstenção da prática de actos inúteis.
8ª - Concluindo, o Tribunal não tem de limitar a sua convicção aos meios de prova apresentados pelos interessados; recorde-se que o princípio da investigação obriga o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – cfr. artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
9ª – Deve assim o recurso apresentado ser improcedente, mantendo-se a douta decisão proferida na ordem jurídica.
ASSIM SE FAZENDO SERENA E SÃ JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista dos autos, pugnando no sentido de o recurso merecer provimento na parte em que absolveu a arguida das contra-ordenações de que vem acusada, defendendo que a não demonstração da notificação em causa deveria determinar a devolução do processo à AT, em ordem à sanação da invalidade que a atinge e eventual renovação do acto sancionatório.
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Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
In casu, tudo indica verificar-se a prescrição do procedimento contra-ordenacional, por se relacionar com infracções cometidas em 2012, 2013 e 2014, estando em causa, portanto, a apreciação de um pressuposto processual negativo, que constitui excepção peremptória, e que, sendo de conhecimento oficioso, obsta ao conhecimento do mérito do recurso, dado que a prescrição gera o arquivamento do procedimento contra-ordenacional.
Resultando das disposições conjugadas dos artigos 33.º, 61.º e 77.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que a extinção do procedimento de contra-ordenação, por efeito da prescrição, é determinante de arquivamento dos autos, e uma vez que do exame preliminar do processo ressaltou a presença desta questão que foi suscitada, notificaram-se previamente todos os intervenientes processuais para se pronunciarem antes da decisão acerca da eventual existência de causa extintiva do procedimento – cfr artigo 417.º, n.º 6, alínea c) do CPP.
Todos os intervenientes processuais silenciaram.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provados os seguintes factos:
A) Foram instaurados, e correram termos, no Serviço de Finanças ..., contra “[SCom01...], LDA.”, ora recorrente, os seguintes processos de contraordenação:
PCO n° ...21
PCO n° ...30
PCO n.º ...48
PCO n.º ...56
PCO n.º ...64
PCO n.º ...72
PCO n° ...80
PCO n° ...99
PCO n.º ...10
PCO n.º ...45
PCO n° ...53
PCO n.º ...70
PCO n° ...96
PCO n° ...77
PCO n° ...93
PCO n.º ...15
PCO n.º ...31
PCO n.º ...40
PCO n.º ...74
PCO n.º ...82
PCO n.º ...90
PCO n.º ...04
PCO n.º ...20
PCO n.º ...39
PCO n.º ...63
PCO n.º ...71
PCO n.º ...44
PCO n.º ...60
PCO n.º ...79
PCO n.º ...87
PCO n.º ...95
PCO n.º ...47
PCO n.º ...04
PCO n.º ...39
PCO n.º ...47
PCO n.º ...55
PCO n.º ...63
PCO n.º ...71
PCO n.º ...98
PCO n.º ...10
PCO n.º ...28
PCO n.º ...36
PCO n.º ...52
PCO n.º ...95
PCO n.º ...09
PCO n.º ...17
PCO n.º ...25
PCO n.º ...33
PCO n.º ...41
PCO n.º ...50
PCO n.º ...68
PCO n.º ...76
PCO n.º ...84
PCO n.º ...92
PCO n.º ...06
PCO n.º ...14
PCO n.º ...22
PCO n.º ...30
PCO n.º ...49
PCO n.º ...57
PCO n.º ...65
PCO n.º ...73
PCO n.º ...81
PCO n.º ...90
PCO n.º ...03
PCO n.º ...11
PCO n.º ...20
PCO n.º ...38
PCO n.º ...46
PCO n.º ...54
PCO n.º ...62
PCO n.º ...70
PCO n.º ...89
PCO n.º ...97
PCO n.º ...00
PCO n.º ...19
PCO n.º ...27
PCO n.º ...35
que a condenaram no pagamento das respetivas coimas, por falta de pagamento de taxa de portagem, em violação do disposto no art.º 5.º, n.ºs 1, alíneas a) e b) e n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30.06, infração punida pelo art.º 7.º do mesmo diploma legal;
B) As decisões proferidas no âmbito dos processos referidos em A), ora impugnadas, apresentam a seguinte forma:
“[…]”.[imagem no original da sentença recorrida, cujo teor aqui se te por transposto]
Factos não provados:
1. A concessionária procedeu à notificação da recorrente, para identificar o condutor ou proceder ao pagamento do valor da taxa de portagem.
*
MOTIVAÇÃO:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no conjunto da prova documental junta aos autos e referida em cada uma das alíneas dos factos provados, maxime Autos de Notícia e capas de autuação dos processos de contraordenação [factos elencados em A) e B)] e Decisões administrativas [alínea B)],
Para a fixação do facto dado como não provado, o tribunal considerou a total ausência de prova para o efeito. Na verdade, para a demostração das notificações por parte da concessionária, não foi junto aos autos qualquer elemento de prova que suportasse tal evidência. Isto porque, não constam dos autos, ofícios dirigidos à recorrente, acompanhados da prova do seu envio, concretamente os impressos de registo, devidamente certificados pelos CTT, e respetivos avisos de receção, devidamente assinados. Para além do mais, a sua realização não consta nas decisões impugnadas.”
*
Ao abrigo do disposto no artigo 431.º, alínea a) do CPP, ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT e artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS, acorda-se em aditar à factualidade fixada, porque documentalmente comprovado e com relevo para a decisão sobre a prescrição do procedimento contra-ordenacional, a seguinte factualidade:
C) As infracções, constantes dos 78 processos de contra-ordenação identificados em A), num total de 5414 infracções, respeitam à transposição das portagens ali identificadas sem ter efectuado o respectivo pagamento nos dias 01/03/2012 a 31/01/2012, 01/04/2012 a 30/04/2012, 01/05/2012 a 31/05/2012, 26/09/2012 a 30/09/2012, 01/10/2012 a 31/10/2012, 02/11/2012 a 30/11/2012, 02/12/2012 a 31/12/2012, 01/01/2013 a 30/01/2013, 02/02/2013 a 28/02/2013, 01/03/2013 a 28/03/2013, 03/04/2013 a 28/04/2013, 02/05/2013 a 31/05/2013, 01/06/2013 a 30/06/2013, 01/07/2013 a 23/07/2013, 07/09/2013, 08/09/2013, 31/10/2013, 01/11/2013 a 23/11/2013, 07/12/2013 a 31/12/2013, 02/01/2014 a 31/01/2014, 01/02/2014 a 09/02/2014 – cfr. fls. 1 a 2760 do processo virtual (SITAF).

2. O Direito

A Recorrente veio insurgir-se contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrida da decisão de aplicação de coima, por considerar não ter ficado demonstrada a realização da notificação da arguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 25/06, de 30.06, e nem a sua menção consta das decisões em crise, não lhe podendo ser imputada a prática das contra-ordenações, previstas e punidas pelos artigos 5.º, n.ºs 1 alíneas a) e b), 2 e 7.º da referida Lei, por falta de pagamento de taxas de portagem.
Na linha do que já adiantámos supra, verifica-se causa de extinção de procedimento de contra-ordenação, que obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
A questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional tem vindo a ser abordada, de forma reiterada, por este tribunal, pelo que seguiremos essa jurisprudência.
A prescrição é de conhecimento oficioso em qualquer momento ou fase do processo e implica a extinção do procedimento e da responsabilidade contra-ordenacional, nos termos do artigo 33.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) – vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/05/2020, proferido no âmbito do processo n.º 01901/15.7BELRA.
Vem imputada à arguida a prática, em diversas datas, desde 01/03/2012 a 31/01/2012, 01/04/2012 a 30/04/2012, 01/05/2012 a 31/05/2012, 26/09/2012 a 30/09/2012, 01/10/2012 a 31/10/2012, 02/11/2012 a 30/11/2012, 02/12/2012 a 31/12/2012, 01/01/2013 a 30/01/2013, 02/02/2013 a 28/02/2013, 01/03/2013 a 28/03/2013, 03/04/2013 a 28/04/2013, 02/05/2013 a 31/05/2013, 01/06/2013 a 30/06/2013, 01/07/2013 a 23/07/2013, 07/09/2013, 08/09/2013, 31/10/2013, 01/11/2013 a 23/11/2013, 07/12/2013 a 31/12/2013, 02/01/2014 a 31/01/2014, 01/02/2014 a 09/02/2014, de infracções por falta de pagamento de taxas de portagem, previstas no n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 25/06, de 30 de Junho, punidas pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal.
Nos termos do artigo 33º, nº 1 do RGIT, o procedimento contra-ordenacional extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos 5 anos.
Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Assim, cumpre, em primeiro lugar, determinar qual o prazo de prescrição aplicável no caso: se o prazo geral de 5 anos, constante do artigo 33.º, n.º 1 do RGIT, se o prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 do mesmo Regime.
Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Abril de 2010, proferido no Processo n.º 0777/09, no âmbito de recurso de promoção da uniformidade da jurisprudência ao abrigo do artigo 73.º, n.º 2 do RGIMOS, e integralmente disponível em www.dgsi.pt, a infracção depende de liquidação para os efeitos do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT “sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida”.
É também esta a posição defendida por Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in “Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado”, 4ª edição, 2010, Áreas Editora, p. 323, em anotação ao artigo 33.º: “Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no nº 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.”
No que, em concreto, respeita às contra-ordenações previstas na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, como as que aqui estão em causa, esta matéria foi já tratada neste Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 4 de Abril de 2019, proferido no Processo n.º 00096/18.9BECBR, também relatado pela relatora do presente acórdão, integralmente disponível em www.dgsi.pt, tendo sido ponderado nos seguintes termos:
«Efectivamente, o artigo 33º do RGIT estabelece um prazo geral de prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais, aduaneiras e não aduaneiras, de cinco anos, mas estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. (…)
Lembramos que às contra-ordenações previstas na Lei nº 25/2006, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias – cfr. o seu artigo 18º. E, assim sendo, a partir das alterações introduzidas pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12, para conhecer a prescrição do procedimento contra-ordenacional teremos que fazer apelo, como se indica na sentença recorrida, ao disposto no artigo 33º do RGIT.
Insurge-se, especificamente, o Recorrente contra a aplicação do nº 2 do artigo 33º do RGIT. Todavia, como veremos, é nossa convicção que tal normativo deve ser aplicado às portagens, com as devidas adaptações, como é próprio da aplicabilidade de direito subsidiário – ex vi artigo 18º da Lei nº 25/2006, de 30/06.
Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2008, Áreas Editora, página 320.
Apontam-se como exemplos de casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos artigos 108º, nº 1, 109º, nº 1, 114º, 118º e 119º, nº 1, do RGIT. Neste último caso, a contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária na medida em que o montante das coimas depende de haver ou não imposto a liquidar.
Ora, a situação em apreço tem, manifestamente, paralelismo com os casos indicados, dado que a decisão da fixação da coima alude à cominação prevista no artigo 7º da Lei nº 25/2006, de 30/06, na redacção dada pela Lei nº 51/2015, de 8 de Junho:
“1 - As contra-ordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias. (…).”
Portanto, verifica-se que a coima a fixar depende em absoluto do valor da taxa de portagem correspondente ao percurso efectivamente realizado pelo infractor ou, nos casos em que não é possível verificar tal percurso, sempre dependerá do valor máximo da taxa de portagem “cobrável na respectiva barreira de portagem ou, no caso de infra-estruturas rodoviárias, designadamente em auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respectivo local de detecção de veículos para efeitos de cobrança electrónica de portagens” (cfr. artigo 7º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 25/2006).
Nesta conformidade, é inequívoco que a sanção aplicável depende do valor da respectiva taxa de portagem.
Por isso, bem andou a sentença recorrida ao considerar aplicável o disposto no artigo 33º, nº 2 do RGIT à situação, que estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, como é o caso.» [fim de citação]
Acolhendo a jurisprudência deste Tribunal vertida no Acórdão vindo de citar, e que aqui vem sendo reiterada, concluímos que, estando em causa a aplicação do artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 2 do RGIT, ex vi artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
E, assim sendo, aos procedimentos contra-ordenacionais pela prática das infracções em causa nos presentes autos aplica-se, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 do RGIT, o prazo de quatro anos previsto no artigo 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), normativo segundo o qual, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
Seguidamente, a questão que se coloca, nesta sede, é a de saber qual o termo inicial do prazo de prescrição: se o momento da prática da infracção como estabelece o artigo 33.º, n.º 1 do RGIT, se do termo do ano em que se verificou o facto tributário, por aplicação do disposto no artigo 45.º, n.º 4, 1ª parte, da LGT.
Com efeito, a redacção do artigo 33.º, n.º 2 do RGIT parece sugerir que apenas se aplicaria o prazo de caducidade do direito à liquidação e já não o disposto no artigo 45.º, n.º 4 da LGT quanto ao termo inicial do mesmo, ou seja, o objectivo do legislador seria o de considerar o prazo mais curto da caducidade quando a infracção dependesse da liquidação, mas mantendo as regras próprias do RGIT quanto ao termo inicial.
No entanto, a adopção deste entendimento frustraria a coincidência pretendida pelo legislador entre o prazo de caducidade da liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, pelo que, limitando-se a norma do artigo 33.º, n.º 2 do RGIT a remeter para o prazo de caducidade da liquidação, não distinguindo entre o período de tempo e a fixação do seu início, concluímos que são aplicáveis nesta sede as regras sobre o termo inicial do prazo constantes do artigo 45.º, n.º 4 da LGT.
Como referem J. Lopes de Sousa e Simas Santos, in ob. cit., pp. 320-321: “Não existe um prazo único para o exercício do direito de liquidar tributos, pelo que o prazo de prescrição das contra-ordenações, quando a infracção depender da liquidação, varia conforme os casos. (…) Como se vê pelo texto do nº 2 deste art. 33º do RGIT, em que se refere que o prazo de prescrição “é reduzido”, só relevam para este efeito os prazos de caducidade de direito de liquidação que levem a uma redução do prazo de prescrição de 5 anos, previsto no nº 1, e não prazos superiores a este. (….) Estes prazos de caducidade contam-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 4 do art. 45º da LGT).”
Com efeito, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 45.º da LGT, na redacção actual, “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”
Ora, como se referiu, as infracções imputadas à Recorrida consistem em não ter efectuado o pagamento da taxa de portagem reportado a passagens em diversas datas compreendidas desde 01/03/2012 a 31/01/2012, 01/04/2012 a 30/04/2012, 01/05/2012 a 31/05/2012, 26/09/2012 a 30/09/2012, 01/10/2012 a 31/10/2012, 02/11/2012 a 30/11/2012, 02/12/2012 a 31/12/2012, 01/01/2013 a 30/01/2013, 02/02/2013 a 28/02/2013, 01/03/2013 a 28/03/2013, 03/04/2013 a 28/04/2013, 02/05/2013 a 31/05/2013, 01/06/2013 a 30/06/2013, 01/07/2013 a 23/07/2013, 07/09/2013, 08/09/2013, 31/10/2013, 01/11/2013 a 23/11/2013, 07/12/2013 a 31/12/2013, 02/01/2014 a 31/01/2014, 01/02/2014 a 09/02/2014.
Estamos perante infracções omissivas que se consideram praticadas na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respectivo dever tributário, conforme o disposto no artigo 5.º, n.º 2 do RGIT.
Logo, a data das infracções a considerar corresponderá ao dia em que foram transpostas as barreiras de portagem sem o correspondente pagamento das taxas de portagem devidas, sendo estas as datas de início de contagem do prazo prescricional, por referência às infracções respectivas.
Porém, na contagem do prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.
Assim, nos termos do artigo 33.º, n.º 3 do RGIT, o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, para além dos casos previstos nos artigos 42.º, n.º 2, 47.º e 74.º, e, ainda, no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para pagamento.
A remissão feita no citado n.º 3 do artigo 33.º do RGIT é, pois, para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no RGIMOS, cujo artigo 27.º-A estabelece que a prescrição do procedimento por contra-ordenação se suspende, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal [alínea a)], estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa [alínea b)], estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso [alínea c)], sendo que nestes dois últimos casos, “a suspensão não pode ultrapassar seis meses” (n.º 2).
Como referem J. Lopes de Sousa e Simas Santos, in ob. cit., pág. 327, a “existência desta norma especial [artigo 27.º-A do RGIMOS] sobre o regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, que reproduz uma das situações de suspensão previstas no art. 120º, nº 1 do C. Penal, leva a concluir que não são aplicáveis neste procedimento as restantes causas admitidas no processo penal que poderiam ser aplicadas em processo contra- ordenacional (…).”
Por seu lado, estabelece o artigo 28.º do RGIMOS, sob a epígrafe Interrupção da prescrição, o seguinte:
«1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição.
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.»
A este propósito, transcreve-se, uma vez mais, os Autores e obra citada, pág. 328, na parte em que referem que “estando expressamente previstas as causas interruptivas da prescrição do procedimento contra-ordenacional, está afastada a possibilidade de fazer apelo às causas previstas no art. 121º do C. Penal”.
A inaplicabilidade do Código Penal, em matéria de suspensão e interrupção da prescrição, limita-se, portanto, às causas, e não aos efeitos e limites dos prazos, matérias que, não vindo reguladas no RGIMOS e no RGIT, terão de ser resolvidas com recurso àquele Código.
É, assim, de aplicar o artigo 120.º do Código Penal, cujo n.º 6 enuncia que a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a suspensão e, bem assim, o n.º 2 do artigo 121.º do mesmo Código, que estipula que a interrupção inutiliza o prazo até então decorrido, voltando a contar-se novo prazo, depois de cada interrupção.
Importa, por outro lado, ter ainda presente o disposto no artigo 28.º, n.º 3 do RGIMOS, na redacção da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, aplicável por remissão do artigo 33.º, n.º 3 do RGIT, e segundo o qual “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.
Com efeito, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido, pelo que, em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se na referida norma do RGIMOS (como já sucedia no Código Penal) um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, vindo, de resto, consagrar legalmente o que já era entendimento jurisprudencial anterior.
No caso sub judice, o prazo máximo de prescrição é, assim, de 6 anos (4 anos acrescidos de metade). Mas, como expressamente se ressalva no artigo 28.º, n.º 3 do RGIMOS, importa atender aos factos suspensivos da prescrição, porquanto o período durante o qual o procedimento estiver suspenso não relevará para a contagem do referido prazo.
No caso dos autos, a única causa de suspensão que se verifica é a prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A, ou seja, a pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima.
No entanto, em tal situação, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, como resulta do estatuído no artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código Penal – neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 08/02/2006, no âmbito do processo n.º 0545259.
Contudo, excepcionalmente, no presente caso, temos de considerar mais uma causa de suspensão da prescrição que decorreu de leis especiais emanadas no âmbito da pandemia COVID19, que fez suspender todos prazos de prescrição, no âmbito do confinamento ocorrido no ano de 2020.
Assim, todos os prazos de caducidade e de prescrição estiveram suspensos entre o dia 09 de Março de 2020 e o dia 02 de Junho de 2020, num total de 86 dias, conforme as disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que determinou o seguinte:
«Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.».
Não obstante não ter havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática da infracção, a modificação legal dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem concreta do prazo de prescrição do procedimento, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem factores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento.
Portanto, por força das referidas leis, o prazo de prescrição esteve suspenso durante um período de 86 dias [vide, entre outros, acórdãos deste TCAN, proferido a 31/03/2022, processo n.º 2035/21.5BEBRG, e de 19/05/2022, processo n.º 131/19.3BEMDL e vastíssima jurisprudência emitida pelas Relações e STJ].
Atente-se que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, segundo a qual a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, se encontravam já em curso.
Tendo vindo a considerar, em síntese, que a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de excepção constitucional. O período que mediou entre 9 de Março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março) e 3 de Junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contra-ordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da actividade judiciária lato sensu durante esse período.
Numa lógica de diferenciação entre tipos de retroactividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroactividade directa ou de primeiro grau e “retrospectividade”, também conhecida por “retroactividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retroactivamente – aplica-se para o futuro a processos-crime ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão TC n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Ac.s TC nº660/2021, de 29 de Julho, e Acórdão n.º 798/2021, de 21 de Outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respectiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31.
Mais concluiu o Tribunal Constitucional que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (ac. TC n.º 660/2021), “juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contra-ordenacional ” (ac. TC n.º 500/2021 e ac. TC n.º 660/2021).
Assim, tendo por referência a infracção mais recente, praticada em 09/02/2014, o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses), cuja contagem foi suspensa entre 09/03/2020, reiniciado a 03/06/2020 (86 dias), terminou a 04 de Novembro de 2020.
Nesta conformidade, quanto a todas as infracções em causa (dado que, necessariamente, por maioria de razão, em relação às infracções mais antigas também já decorreu todo o prazo máximo prescricional), o prazo máximo de prescrição (seis anos e seis meses) já foi alcançado, pelo que o procedimento relativo a todas as infracções está prescrito, com as legais consequências - cfr. artigos 33.º, 61.º, alínea b) e n.º 1 do artigo 77.º do RGIT.
A verificação de causa extintiva deste procedimento de contra-ordenação tem, por sua vez, como consequência, o arquivamento dos processos de contra-ordenação em causa, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do RGIT, com a consequente extinção da responsabilidade contra-ordenacional da arguida, aqui Recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação – cfr. artigo 33.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
II – A infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depender do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.
III - A prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
IV – No caso concreto, da norma contida no n.º 3 no artigo 28.º do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento contraordenacional tributário é de seis anos, devendo ser ressalvado o tempo de suspensão da prescrição.
V - No entanto, por força do artigo 27.º-A, n.º 2 do RGIMOS, o prazo máximo de suspensão é de seis meses, findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120.º n.º 3 do Código Penal.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, julgar extintos, por prescrição, os procedimentos de contra-ordenação, determinando-se o arquivamento desses processos contra-ordenacionais.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais].

Porto, 25 de Janeiro de 2024

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Carlos Castro Fernandes