Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00323/21.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/19/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CAUTELAR; PROCESSO DISCIPLINAR; ASSÉDIO; FUMUS BONI IURIS; NULIDADE
Sumário:1 – A LTFP apenas comina com nulidade (cfr. Artº 203.º da LTFP) a falta de inquirição do arguido “em artigos de acusação”, o que foi cumprido.
Efetivamente, o Recorrente, notificado da acusação, veio a pronunciar-se face à mesma, mais requerendo a realização de diligências probatórias.
Não há como comparar a falta de inquirição oral do arguido, com a falta de audiência do Recorrente em sede de acusação, esta sim, insuprível e sancionada com nulidade, como decorre do artigo 203.º, n.º 1, da LTFP.

2 – O artº 203° da LTFP não qualifica como nulidade insuprível toda e qualquer circunstância que condicione ou limite o concreto modo de exercício do direito de defesa por parte do trabalhador, mas somente aquelas que redundem na falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação, bem como a omissão de diligências essenciais para a descoberta verdade.
Não consubstancia nulidade insuprível uma qualquer irregularidade, desde que ao trabalhador seja efetivamente dada a possibilidade de se pronunciar acerca de tudo aquilo que contra si está contido na Acusação.
As demais irregularidades, ainda que contendendo com o exercício da defesa, deverão ser reclamadas pelo trabalhador até à decisão final, conforme dispõe o nº 2 do referido artº 203°, sob pena de virem a achar-se supridas, não tendo nenhum efeito invalidante sobre a decisão final.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:MINISTERIO DA SAUDE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

C., com os sinais nos autos, inconformado com a decisão proferida no TAF de Coimbra, em 10 de setembro de 2021, através da qual foi julgada indeferida a Providência Cautelar que havia apresentado, tendente a obter a suspensão da decisão do Conselho de Administração do IPO Coimbra, de 15 de Abril de 2021, que lhe aplicou a sanção disciplinar de Suspensão pelo período de 180 dias e fez cessar a sua Comissão de Serviço como Diretor do Serviço de Cirurgia da do IPO Coimbra, bem como do Despacho da Secretária de Estado da Saúde que confirmou esta mesma decisão em sede de recurso tutelar, veio, em 30 de setembro de 2021, recorrer da decisão proferida, tendo concluído:
1) A douta decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, erra igualmente na fixação da matéria de facto e na aplicação do direito como também faz errado julgamento da matéria de facto.
2) Salvo melhor entendimento, a douta decisão recorrida erra na fixação da matéria de facto, devendo ser aditado à matéria de facto, por se entender que o mesmo é relevante para a boa apreciação da causa e decisão do procedimento cautelar o seguinte: Por e-mail de 4 de Março de 2021 e após a apresentação da defesa, o mandatário do trabalhador foi notificado do despacho do Sr. Instrutor a solicitar, nos termos do disposto o artigo 218.º do LGTFP, que – e transcreve-se – “nesta fase, solicito, me sejam indicados quais os factos, considerados relevantes, relativamente aos quais, pretende que seja ouvida cada testemunha, à luz do conteúdo dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo atrás referido, dado o número de testemunhas requeridas para inquirição, e não se tratar, nesta fase, face à matéria essenciais em análise (participações), de testemunhas abonatórias.”- constante de fls. 203
do PA.
3) Deve ser completada/alterada a matéria de facto constante do ponto 27., transcrevendo-se a resposta do Recorrente em cumprimento do despacho proferido, junta a fls. 204 a 208 do processo disciplinar: Foram indicados os factos a que cada uma das 15 testemunhas deviam ser inquiridas, logo dizendo “sem prejuízo de, como é seu direito, no momento da inquirição de cada uma delas, alterar os factos a que cada responde”. No que respeita às testemunhas indicadas como nºs 14 (T.) e 15 (Dr. J.), não indicou quaisquer factos, reservando-se, portanto, o direito de os indicar no momento da sua inquirição, em que estaria presente e que “as testemunhas não são apenas abonatórias, mas devem ser ouvidas para prova das circunstâncias especialmente atenuantes alegadas na defesa”, dispondo de meios de comunicação à distância, mas entendia não ser conveniente o uso desse meio, uma vez que limita o completo exercício do direito de inquirição, desde logo por falta de imediação, pelo que requereu que a sua realização fosse efetuada após o levantamento das medidas de suspensão previstas na Lei nº 4-B/2020, de 01 de Fevereiro.
4) Deverá ainda se alterada a matéria de facto constante do ponto 28., devendo transcrever-se o Assunto relativamente ao qual incidia a notificação a que alude o mesmo ponto, ou seja: “ Assunto: Processo disciplinar nº 1/2020 (Participação por assédio sexual) - Trabalhador visado, Dr. C., Médico, Diretor do Serviço de Cirurgia – IPO”.
5) O aditamento/alteração da matéria de facto é relevante para a boa decisão da providência requerida, porquanto revela, de forma inequívoca e manifesta, como provável que a pretensão a formular no processo principal virá a ser julgada procedente, por a decisão impugnada enfermar de vícios que determinam a sua invalidade.
6) O Tribunal “a quo” errou na apreciação que fez das invocadas invalidades da decisão impugnada, que determinam a verificação do requisito do “fumus boni iuris”.
7) A não audição oral do Recorrente em sede de instrução, prévia à dedução da acusação e nas mesmas circunstâncias em que as demais testemunhas foram ouvidas pelo Senhor Instrutor, integra uma nulidade do processo por manifesta violação do direito de defesa, sendo que as suas declarações eram e são importantes para a descoberta da verdade,
8) Desde a participação de S. até à acusação, ou seja, durante cerca de 7 meses desde o início do processo, para além de não ter existido a preocupação de ouvir em declarações o Recorrente, o que este sempre pretendeu, acerca dos factos que lhe eram imputados, tornando-se o processo num procedimento secreto (apenas para o Recorrente) de cujo conteúdo apenas veio a ter conhecimento após a acusação, o que tudo viola o seu direito de defesa e constitui uma nulidade insuprível de todo o processado, nulidade que é manifesta, tornando evidente a probabilidade de procedência da pretensão a formular no processo principal.
9) O Recorrente apenas teve conhecimento que a inquirição das testemunhas por si indicadas foi efetuada por escrito e, portanto, sem a presença do seu mandatário, quando e apenas quando foi notificado da decisão final proferida no processo disciplinar.
10) Pelo que nunca, em qualquer caso, a tratar-se de uma mera irregularidade – o que se não aceita e por mera hipótese de trabalho se considera – podia o ora Recorrente invocar a alegada irregularidade até à decisão final, por não ter tido conhecimento da mesma, pois, como resulta do processo disciplinar, o Recorrente não foi notificado pelo Senhor Instrutor que a inquirição das testemunhas por si indicadas em sede de defesa seria por escrito e, muito menos, qual o fundamento para a utilização dessa forma de inquirição.
11) Após a apresentação da defesa, o Recorrente apenas foi notificado, através do seu mandatário, por e-mail de 4 de Março de 2021., do despacho do Sr. Instrutor a solicitar, nos termos do disposto o artigo 218.º do LGTFP, para – e transcreve-se “nesta fase, solicito, me sejam indicados quais os factos, considerados relevantes, relativamente aos quais, pretende que seja ouvida cada testemunha, à luz do conteúdo dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo atrás referido, dado o número de testemunhas requeridas para inquirição, e não se tratar, nesta fase, face à matéria essenciais em análise (participações), de testemunhas abonatórias.” – E nada mais.
12) Não foi o Recorrente notificado do eventual despacho do Sr. Instrutor a definir como forma de inquirição das testemunhas a inquirição por escrito, sendo certo que a alegada justificação pelo estado da situação pandêmica que o país atravessava não podia – nem pode – servir para justificar e fundamentar essa forma de inquirição, não permitindo a presença do mandatário do trabalhador arguido na mesma, porquanto a própria lei determinava a suspensão dos processos disciplinares, conforme requerido pelo Recorrente e dado como provado no Ponto 27 da matéria de facto.
13) Impunha-se ao Sr. Instrutor determinar a suspensão do processo disciplinar para audição das testemunhas após o levantamento das medidas determinadas e em cumprimento da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro (artigo 6.º C).
14) O Senhor Instrutor tinha ainda ao seu dispor, como sucedeu nos Tribunais judiciais e caso não decidisse pela suspensão, a possibilidade de inquirição das testemunhas por meios eletrónicos à distância, o que, aliás, também foi requerido pelo Recorrente.
15) Caso assim não fosse entendido, certo é que sempre o Recorrente deveria ter sido notificado - para suscitar a alegada irregularidade até à decisão final – do despacho – que não existe – a determinar a inquirição por escrito das testemunhas indicadas pela defesa, o que não sucedeu.
16) A tudo acresce – o que o Tribunal “a quo” não relevou – o Sr. Instrutor não ouviu, por qualquer forma, direta ou indireta, as testemunhas indicadas, Dr. J., Professor Dr. F., Prof. Doutor M. e Dr.ª T., não tendo fundamentado a não audição das mesmas, assim violando o direito de defesa do arguido.
17) E quanto às restantes, como consta dos autos, ou seja, Drª P., M., Drª M., A., Dr. L., I., N., Dr. P., Dr.ª R., L., o Sr. Instrutor resolveu, contra lei e sem ouvir o Recorrente acerca de tal decisão, enviar a cada uma destas testemunhas, por carta, a defesa do ora Autor (não se sabe se também a acusação) e solicitando-lhes que declarassem, quanto aos factos daquela defesa a que cada uma foi indicada, o que entendessem por conveniente, de forma sucinta e sobre a matéria essencial (sic), no prazo de 8 dias a contar da receção da comunicação (...), devendo a pronuncia e informação ser dirigida para o e-mail, X.@chuc.min-saude.pt.
18) As testemunhas acima referidas produziram as declarações que estão juntas aos autos, mas tudo se passou, quer os pedidos de prestação de declarações, quer as declarações, como consta dos autos, em período em que o processo estava suspenso, o que, como se disse, constitui uma grave violação da lei e do direito de defesa do Recorrente.
19) Nem o ora Recorrente, nem o seu mandatário – repete-se –, foram notificados, nada lhes tendo sido dado a conhecer, quer da forma decidida pelo Sr. Instrutor e, antes referida, para a audição das testemunhas, quer da notificação para deporem, nem das suas declarações, o que é legalmente inadmissível, pois viola grosseiramente o direito de defesa do ora Autor, tudo estando ferido de nulidade insuprível, o que o Tribunal “a quo” devia ter considerado na sua apreciação e análise, competindo-lhe concluir pela verificação do requisito do “fumus boni iuris”.
20) O Sr. Instrutor não cumpriu o disposto no artigo 218.º, n.º 5 e 7 da Lei n.º 35/2014, de 20/6, não tendo dado oportunidade ao advogado do trabalhador (nem a este) para estar presente e intervir na inquirição das testemunhas, como era e é seu direito, tudo sendo nulo e violando, mais uma vez, grosseiramente o direito de defesa do ora Autor.
21) Também os direitos do Recorrente, nomeadamente o seu direito ao bom nome, honra, fama e reputação foram violados, também grosseiramente, sendo, igualmente, violada a natureza secreta do processo (que, como se vê, só era secreta para o Recorrente) quando nas comunicações dirigidas às testemunhas, clara e expressa e inaceitavelmente, se diz: “ Assunto: Processo disciplinar nº 1/2020 (Participação por assédio sexual)” - Trabalhador visado, Dr. C., Médico, Diretor do Serviço de Cirurgia – IPO”.
22) Com efeito, ilegalmente, e em violação dos direitos de personalidade do ora Recorrente, foi, como não pode deixar de dizer-se, expressamente comunicado que contra o mesmo existia uma participação por assédio sexual, de que era visado e que era médico e Diretor de Serviço do IPO, o que é inadmissível e manifestamente gravemente atentatório do seu bom nome e reputação, quer como cidadão, quer como médico.
23) Quanto a esta alegação a douta decisão nada refere, o que sempre consiste em omissão de pronúncia, que determina a nulidade da decisão recorrida, o que se invoca para todos os efeitos legais.
24) O Sr. Instrutor não atendeu, nem respeitou tudo o que o Recorrente solicitou através do requerimento de fls.204 a 208 do PA, em manifesta violação da lei, obtendo as declarações das testemunhas da ilegal forma e violadora da lei, não colhendo os testemunhos de todas elas, não notificando, nem dando a conhecer por qualquer outra forma, a sua audição ao Recorrente e seu mandatário, assim privando este de estar presente e intervir na inquirição das testemunhas, e, assim, violando grosseiramente os direitos de defesa do ora Autor, determinando a invalidade da decisão disciplinar.
25) O Sr. Instrutor não utilizou meios de comunicação à distância que, por qualquer forma, salvaguardassem o direito de participação do Autor ou do seu mandatário na referida inquirição, sendo certo que a Orientação n.º 3/2020, da IGAS, de 29/12/2020, que é um regulamento interno, não vinculativo para o Tribunal, viola o disposto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, desde logo porque a situação de pandemia não pode justificar a preterição de diligências necessárias ou indispensáveis para garantir “os direitos de audiência e defesa” dos arguidos em processo disciplinar.
26) O Sr. Instrutor devia ter aguardado pelo levantamento da suspensão para realização da produção de prova indicada pelo Recorrente.
27) Não pode deixar de acrescentar-se que o processo, no seu todo, atendendo a tudo o anteriormente alegado, às irregularidades e ilegalidades cometidas, violou também o “princípio da igualdade de armas”, tratando diferentemente a colheita da prova da acusação da prova da defesa, privilegiando aquela em detrimento desta, pois saliente-se que, todas as testemunhas que serviram para fundamentar o libelo acusatório, foram ouvidas presencialmente pelo Sr. Instrutor, conforme autos de declarações juntos aos autos e influenciou em seu desfavor quer a proposta de decisão, quer a decisão, o que tudo prejudicou o direito de defesa do arguido ora Recorrente e viola o princípio da imediação e da oralidade.
28) Saliente-se também que nas inquirições presenciais, a umas testemunhas, foi lida, na totalidade, a participação de S., a outras referindo-se a ocorrência de assédio sexual, a outras referindo expressões de outras testemunhas, o que, terá de reconhecer-se, não é forma correta de inquirição, prejudicando, mais uma vez, o direito de defesa do Autor.
29) As testemunhas devem ser inquiridas sobre factos, não sendo admissível catalogar de imediato tais factos, ou seja, não se deve perguntar se um qualquer arguido cometeu o crime de que vem acusado, mas sobre os factos que, eventualmente, o poderão integrar, sob pena de influenciar o depoimento num determinado sentido, no caso, desfavorável ao Recorrente.
30) Em suma, tudo o processado após a apresentação da defesa é nulo, como nulo devendo ser declarado e sem produzir quaisquer efeitos e, consequentemente, devendo ser declarado nulo, quer o relatório, quer a deliberação do Conselho de Administração, bem como o despacho da Senhora Secretária de Estado da Saúde, que confirmou a aplicação da sanção disciplinar, tudo com todas as legais consequências, por grosseira violação dos direitos de defesa do Autor e da lei que rege o procedimento disciplinar, ou, assim se não entendendo, tudo o processado deve ser repetido a partir da acusação, por forma a que seja cumprida a lei e respeitados os direitos de defesa do Autor.
31) O procedimento disciplinar e todas as decisões nele tomadas, para além de violarem a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, como explanado e fundamentado ao longo deste recurso, violam também flagrantemente a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o artigo 32.º n.º 10 desta, no qual é estabelecido, para além do mais, que em quaisquer processos sancionatórios, como é o caso dos autos, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, o que, como resulta de tudo o alegado, não foi respeitado, violação esta constitucional que, desde já, expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
32) As decisões proferidas pelos Requeridos enfermam de várias ilegalidades, entre as quais de fazer uma interpretação inconstitucional das normas do artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, da LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, alterada por vários diplomas posteriores, o último dos quais a Lei n.º 2/2020, de 31 de março.
33) Com efeito, a norma do artigo 200.º, n.º 1, da LGTFP, nos termos da qual “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao trabalhador, a seu requerimento, para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste”, conjugada com a norma do n.º 2 do mesmo preceito, que possibilita “o indeferimento do requerimento de acesso ao processo disciplinar”, impondo que o mesmo seja comunicado ao trabalhador no prazo de três dias, não possibilitou ao trabalhador alvo de um procedimento disciplinar os “direitos de audiência e defesa”, violando, assim, os artigos 269.º. n.º 3, e 32.º, n.º 10, da Constituição.
34) No caso concreto dos autos, ao ser negada ao arguido do procedimento disciplinar o acesso ao processo disciplinar, mas também a sua audição oral, ainda se agravou a violação dos seus “direitos de audiência e defesa”, o que significa que também houve uma interpretação inconstitucional da norma do artigo 203.º, n.º 1, da referida LGTFP, na parte em que apenas considera insuprível “a nulidade resultante da falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação”.
35) É inequívoco que o acesso ao processo disciplinar e a audição oral do trabalhador no processo disciplinar, o qual deve ser confrontado diretamente pelo instrutor do processo disciplinar com os factos que lhe são imputados, constitui uma diligência essencial para a descoberta da verdade. Não tendo ocorrido essa audição, o ato que agora se impugna é nulo, porque violou os “direitos de audiência e defesa” do arguido.
36) No caso de ser aceite a interpretação feita pelos Réus das normas dos artigos 200.º, n.ºs 1 e 2, e 203.º, n.º 1, da LGTFP, o Tribunal devia ter considerado como manifesta a procedência da questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 200.º, n.ºs 1 e 2, e 203.º, n.º 1, da LGTFP, por violação dos direitos de “audiência e defesa” do Recorrente em processo disciplinar, em clara violação dos artigos 269.º, n.º 3, e 32.º, n.º 10, da Constituição, na medida em que permitem que o Recorrente em processo disciplinar tenha menores direitos de defesa do que o arguido em processo penal, quando a Constituição pretendeu equiparar os dois processos sancionatórios.
37) O Tribunal “a quo” erra ao considerar que não consubstancia nulidade a não obtenção das informações requeridas pelo trabalhador em sede de defesa.
38) Desde já adiante-se que, a constituírem mera irregularidade e não tendo o Recorrente sido notificado de qualquer despacho do Sr. Instrutor a indeferir o pedido do Recorrente, nem foi notificado do relatório final antes da decisão final proferida, não podia o mesmo invocar tal irregularidade – só se fizesse futurologia – até à decisão final.
39) Por outro lado, as informações pretendidas pelo Recorrente para além de demonstrarem o seu zelo, dedicação profissional e elevada competência técnica, comprovam, igualmente a sua dinâmica profissional, sendo certo que os resultados obtidos devem-se não apenas à sua qualidade técnica profissional, mas também à forma de relacionamento com a sua equipa, tratando com equidade todos os colegas, e esforçando-se por melhorar a qualidade do serviço que prestam aos doentes, aumentando a proximidade com estes e diminuindo as listas de espera, sempre tendo incentivado os seus pares a procurar melhorar constantemente o seu desempenho, em prol dos pacientes e do bom funcionamento dos serviços.
40) O Recorrente presta há mais de 27 anos o seu serviço com exemplar comportamento e zelo e como Diretor de Serviços, com o mesmo empenho, comportamento e zelo há mais de 13 anos, pelo que impunha-se a obtenção da prova requerida pelo Recorrente, enfermando a decisão disciplinar de invalidade, não só por falta de fundamentação da decisão do Sr. Instrutor que se recusou a obter tais elementos, mas também por violação clara do direito de defesa do Recorrente e do disposto no artigo 190.º, n.º 2 da LGTFP.
41) Erra também o Tribunal “a quo” na sua apreciação quando considera que é suficiente a prova recolhida no processo disciplinar para aplicação da sanção disciplinar.
42) Não poderá deixar de dizer-se que o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, confunde o que é matéria da acusação e o que consta da acusação como fundamentação da mesma.
43) Na acusação – o que reproduz no relatório final que fundamenta a decisão disciplinar – o Sr. Instrutor imputa ao Recorrente três conjuntos de alegados factos que são:
a)Os factos (pontos 13. a 19.) referentes ao dia 20 de Julho de 2020 e respeitantes à participante S. ;
b) Os factos (pontos 20. a 24.) referentes ao dia 18 de Dezembro de 2020 e respeitantes ao participante Dr. J.; c) As conclusões, não contém factos concretos, descritas no ponto 25. da douta acusação, que nada mais constituem do que meras conclusões e, portanto, sem, salvo o devido respeito, qualquer pertinência e relativamente às quais ainda que de factos se tratassem, o que se não aceita e apenas por mera hipótese de trabalho se considera, sempre estariam viciados por falta absoluta das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, o que sempre impossibilitaria a defesa do trabalhador.
44) O Sr. Instrutor na sua proposta de decisão deu como provados os factos 13 a 25 da acusação deduzida, tudo erradamente, pois dos autos não resulta prova que permitam dá-los como provados.
45) Para considerar, erradamente, tais factos como provados, o Sr. Instrutor socorreu-se apenas e tão só das declarações da participante S. , que não foram confirmadas por qualquer testemunho prestado nos autos e o ora Recorrente não foi sobre eles ouvido presencialmente, como aquela foi, não lhe tendo sido dada a possibilidade de também presencialmente sobre os mesmos se pronunciar.
46) Pronunciou-se sobre os mesmos na sua defesa escrita, nada legalmente permitindo ao Senhor Instrutor adotar e privilegiar as declarações da participante, desacompanhadas que estão de toda e qualquer outra prova, restando apenas a sua versão e a versão do Autor, nada mais.
47) Na sua apreciação crítica, o Sr. Instrutor e também o Tribunal diz ter valorado para a sua convicção as declarações da participante, não se percebendo porque não valora também a pronúncia, na sua defesa, do Recorrente, as declarações da testemunha C., sendo que esta apenas refere que a participante lhe teria dito que o Autor tinha sido incorreta com ela (participante), nada referindo de concreto em que consistiu essa incorreção, ficando sem se saber qual o tipo e modo de tal incorreção.
48) O que se refere nos pontos 32 e 38 da apreciação crítica do relatório final não colhe, por um lado porque tal entendimento aí plasmado não é minimamente suficiente para dar como provado um facto e, por outro lado, porque estamos em sede de processo disciplinar e não em processo penal, onde o visado não é sujeito a um verdadeiro julgamento por Juízes e com as garantias e solenidade do processo penal que sempre assegura, como não é o caso dos autos, todos os direitos e garantias do arguido, nem o comportamento deste é apreciado por um Juiz que garante o cumprimento da lei e das garantias de defesa do arguido, não vigorando no processo disciplinar o princípio da livre apreciação da prova e da livre convicção, sendo que, mesmo esta, sempre se tem de estribar em factos, o que em qualquer caso não sucede no caso destes autos.
49) O Sr. Instrutor não pode socorrer-se, para dar como provados tais factos, de factos que não constem da acusação, como é o caso do que refere nos números 46 a 51 da sua apreciação crítica, sendo certo que ao Recorrente não foi dada a oportunidade, como era seu direito, de se pronunciar sobre o conteúdo dos depoimentos que aí se referem e de com eles ser confrontado para se pronunciar e dar a sua versão, designadamente dando-lhe a possibilidade de os contraditar, o que tudo é ilegal.
50) Os pontos 50. e 51. da sua apreciação crítica não foram levados à acusação (que consta da matéria de facto nos pontos 13 a 25).
51) O Recorrente só pode e deve defender-se do que consta da acusação e não de quaisquer outros factos de que lhe não seja dado, como não foi, conhecimento e que, no caso concreto, têm de considerar-se como inexistentes – o que não está na acusação, não está no mundo, a não ser que, o que não foi o caso, a acusação venha ser alterada ou modificada, caso em que de tal o arguido teria de ser notificado para se defender, o que não sucedeu.
52) Os depoimentos de S., R., A., C. e C. referindo-se a factos completamente estranhos aos factos constantes da acusação, nenhuma relação com eles tendo e de que o arguido não foi, nem nunca foi acusado, não podem, sob pena de violação da lei, ser utilizados e valorados pelo Sr. Instrutor e pelo Tribunal para dar como provados a participação e depoimento da participante S. .
53) Aliás, o Recorrente, no artigo 82.º da sua defesa, após ter conhecido, depois de notificado da acusação, tais depoimentos, impugnou-os e impugna-os e colocou-se à disposição do Sr. Instrutor para prestar os esclarecimentos que este entendesse, pertinentes e importantes, pessoal e de viva voz, o que o Sr. Instrutor, infelizmente, não deu acolhimento, ignorando-o.
54) Quanto aos pontos 59.º a 63.º da apreciação crítica, que o Recorrente impugnou e impugna igualmente não pode deixar de dizer-se que, para além de serem completamente estranhos ao que consta dos factos da acusação, composta apenas pelos pontos 13. a 25., desta não constam, além de que, sempre em qualquer caso, sempre faltariam as circunstâncias de modo, tempo e lugar em que, a terem sido praticados – o que se não aceita – ocorreram, pelo que, também em qualquer caso, não podiam ser usados para punir o arguido e aplicar qualquer sanção ao arguido, o que tudo expressamente se invocou.
55) No que se refere aos pontos 64º a 67º da apreciação crítica, que o Recorrente impugnou, esta erra, pois de toda a prova produzida não resulta, nem o que foi referido na acusação, nem o que consta desta apreciação crítica, mas comportamento bem diferente, que é o constante da defesa, e que foi provocado pelo comportamento do participante Dr. P..
56) De resto, foi completamente desprezado, sem qualquer razão ou fundamento, quanto a estes pontos da acusação, o depoimento de fls. 259 da testemunha Luís Miguel Santos Oliveira, claro, preciso e conciso, que descreve claramente o comportamento do Dr. P. e também do arguido, ora Recorrente.
57) Ao contrário do que se diz na apreciação crítica, dos depoimentos da Dr.ª P., da testemunha N. e da C., não se pode retirar o constante daquela apreciação crítica.
58) E impunha-se para um completo esclarecimento dos factos, que, face ao depoimento destas e ao depoimento daquele L. em ordem à procura da verdade, que todos e também o Recorrente fossem ouvidos por forma a sanar essa contradição, sendo que sempre seria de considerar e valorar que a testemunha L. não pertence, nem faz parte dos quadros do IPO, sendo um doente que aguardava o momento de ser atendido, estranho aos factos discutidos nos autos e sem qualquer interesse nos mesmos.
59) De resto, como é do conhecimento, quer do Conselho de Administração, quer do Sr. Instrutor, corre termos um processo disciplinar contra o Sr. Dr. P. pelos mesmos factos ocorridos neste mesmo dia e seria importantíssimo, para o esclarecimento dos presentes autos, que esse processo disciplinar fosse tomado em consideração e apreciado nestes autos, uma vez que aí o Sr. Dr. P. é arguido e os factos dele constantes muito poderiam contribuir para o completo esclarecimento dos factos discutidos nos presentes autos e evitar-se-ia o risco de virem a ser tomadas decisões contraditórias e opostas, o que o Sr. Instrutor não o fez, como devia.
60) E ainda quanto a estes factos respeitantes ao Dr. P., reitera-se que falta de deliberação do Conselho de Administração para instauração de processo disciplinar, o que determina que este não possa prosseguir e deva ser arquivado, estando já prescrito o respetivo direito de o instaurar, pois já decorreram mais de 60 dias sobre a data da sua participação, prescrição esta que expressamente se invocou e que não foi apreciada pelo Tribunal “a quo”, o que igualmente consubstancia omissão de pronúncia, que se invoca para todos os devidos efeitos legais.
61) Ou seja e em conclusão sucinta, relativamente aos factos respeitantes à participação do Dr. P., por um lado, não existindo deliberação do Conselho de Administração para instauração de procedimento disciplinar, este não e válido, nem eficaz, devendo considerar-se inexistente e, por outro lado, quando assim se não entenda, não existe prova produzida nos autos suficiente para a punição do ora Recorrente e, em qualquer caso, o processo disciplinar sofre dos vícios apontados, que geram a sua nulidade, razão também por que deve ser arquivado e anulada e sem efeito a decisão da entidade empregadora, devendo o Tribunal concluir pela manifesta procedência da ação administrativa de impugnação desta decisão.
62) Também em relação à participação/reclamação de S. , verificam-se todos os vícios e nulidades já apontados, que determinam a nulidade de todo o procedimento e o seu consequente arquivamento e, em qualquer caso, sempre se verifica também que não foi produzida prova que permita a punição do ora Recorrente, pelo que também o mesmo deve ser arquivado e anulada a decisão da entidade empregadora, verificando-se o requisito do fumus boni iuris.
63) É ainda de acrescentar, nos termos do artigo 213.º, nº 3 da LGTFP, que a acusação, para além da indicação dos factos integrantes da mesma, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática da infração, deve também indicar as circunstâncias atenuantes, o que não fez e nada, erradamente, tendo sido considerado na decisão final.
64) A acusação não indica quaisquer circunstâncias atenuantes, sendo que a entidade empregadora bem conhece as circunstâncias atenuantes que militam a favor do Recorrente, as quais o Sr. Instrutor não teve o cuidado de averiguar e carrear para os autos, pelo menos após a apresentação da defesa.
65) Na sua proposta de decisão deveria ter tomado em consideração, o que não fez, tais circunstâncias atenuantes e o Conselho de Administração, perfeitamente conhecedor dessas circunstâncias, deveria ter tido uma apreciação crítica da proposta, verificado a ausência dessas circunstâncias e deveria, obviamente, tomá-las em consideração a favor do Autor.
66) De resto, várias das testemunhas a tal matéria foram indicadas, algumas pronunciaram-se sobre a mesma e nada há na proposta de decisão que lhes faça referência, erradamente, ao que parece, tendo sido consideradas pelo Sr. Instrutor como abonatórias, quando claramente se disse por escrito que não eram testemunhas abonatórias, mas destinadas a provar as circunstâncias atenuantes alegadas e, nem assim, o Senhor Instrutor considerou, como devia, tais circunstâncias, que são evidentes, o que tudo é ilegal.
67) Mas, admitindo-se, por mera hipótese de trabalho, o que se não aceita, que o ora Recorrente praticou atos merecedores da tutela disciplinar, sempre a pena aplicada seria exagerada, pois no que respeita à suspensão, foi desadequadamente aplicada no seu máximo.
68) Estamos perante um trabalhador que presta há mais de 27 anos o seu serviço com exemplar comportamento e zelo e como diretor de serviço com o mesmo empenho, comportamento e zelo há mais de 13 anos e, por outro lado, não poderia também desprezar-se todas as suas qualidades e prestações de serviços alegadas na defesa, que são do conhecimento da sua entidade empregadora, nos artigos 64.º a 79.º da sua defesa, o que sempre justificaria a aplicação de sanção nunca superior à repreensão escrita prevista no artigo 184.º da Lei n.º 35/2014 e quando assim se não entendesse e se decidisse pela suspensão, nunca esta deveria ser superior ao seu mínimo, ou seja, a 20 dias por cada infração e, portanto, a 40 dias no seu conjunto e, ainda assim, em qualquer caso, sempre especialmente atenuada e sempre suspensa na sua execução.
69) E quanto à pena acessória de cessação de comissão de serviço de Diretor do Serviço de , nunca, em qualquer caso, a mesma devia ter sido aplicada, já que por um lado, não integra qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 188.º da Lei n.º 35/2014 e, por outro lado, como razoavelmente se sustenta, mesmo que alguma punição fosse aplicada, o que se não aceita, esta nunca deveria ser superior à pena de repreensão escrita.
70) Quer a acusação deduzida, quer a proposta de punição do Sr. Instrutor, quer a decisão do Conselho de Administração que a acolheu, aplicando-a, enfermam de todas as manifestas nulidades e invalidades, erros de apreciação da prova e vícios, quer de violação de lei, quer de erro nos pressupostos de facto, que determinam a sua necessária nulidade, com as consequências daí advenientes, designadamente determinando a sua necessária revogação.
71) Também o despacho/decisão da Ex.ma Senhora Secretária de Estado da Saúde, ao concluir pela validade do ato recorrido e do procedimento disciplinar em que o mesmo se fundamenta e ao confirmar a sanção aplicada ao Autor pelo Conselho de Administração do IPO, igualmente enferma de todos os vícios e invalidades antes referidos, o que determina, necessariamente, a sua revogação.
72) Sendo de acrescentar que carece de inteira razão, quer de facto, quer de direito, tudo se impugnando e não aceitando, tudo o constante, pelos menos nos artigos 1.º a 94.º do ponto 3 daquela decisão.
73) Quer o procedimento disciplinar, quer todas as decisões, ao contrário do que consta desta última decisão, violam os princípios da justiça, da proporcionalidade e dos demais princípios da atividade administrativa que a devem enformar.
74) E é claríssimo que em qualquer caso, sempre a sanção disciplinar aplicada, para além do mais atendendo ao tempo de serviço do Recorrente e à forma como este o prestou, conforme tudo já alegado, sempre seria excessiva e imponderada, pois a mesma foi injustificadamente aplicada no seu máximo.
75) O que tudo determina a verificação do requisito do fumus boni iuris para decretamento da providência requerida.
76) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, não está fundamentada e viola o disposto no artigo 208º da LGTFP a justificação do IPO de Coimbra (folhas 3) para a nomeação do Sr. Dr. V..
77) Com efeito, em primeiro lugar o cargo e funções de instrutor não tem necessariamente de ser ocupado por um jurista, apenas, se existir, preferindo a outros.
78) Se, de facto, não existe outro trabalhador da instituição disponível com formação jurídica, existem no IPO de Coimbra vários titulares de cargos ou em carreira ou categoria de complexidade funcional superior à do Recorrente ou, se assim não fosse, com antiguidade superior no mesmo cargo ou em carreira ou categoria de complexidade funcional idêntica ou no exercício de funções públicas, nomeadamente vários Diretores de outros serviços, como sejam, os de Urologia, Otorrino, Estomatologia, Maxilo-Facial, Ginecologia, Oncologia, Radiologia e outros.
79) Assim sendo, não podia o IPO de Coimbra nomear como instrutor o Sr. Dr. V., que não pertence aos quadros deste IPO mas do CHUC.
80) Verifica-se, portanto, salvo o devido e merecido respeito pelo mesmo, total e absoluta incompetência legal do Sr. Dr. V., para instruir o presente processo disciplinar, de modo que todo este está inquinado. E nem se diga que se trata de mera irregularidade, invocável apenas até à decisão final do processo, pois, a incompetência do instrutor é geradora de anulabilidade, que se projeta nos atos consequentes.
81) Quando é proposta a cessação da comissão de serviço, como é o caso dos presentes autos, o processo deve ser apresentado à Comissão de Trabalhadores, para que esta, no prazo estabelecido na lei, junte, se o entender, o seu parecer fundamentado, norma esta que não foi cumprida e nulidade esta que igualmente se verifica.
82) Não tem assim razão o Tribunal ao considerar que o parecer da Comissão é inútil quando é a própria lei que o exige.
83) Como se alegou, no seu requerimento inicial, o Recorrente requereu a produção de prova testemunhal e por decisão proferida nos autos foi a mesma indeferida, no entender do Tribunal “a quo” que, considerando os elementos de prova documental que integram os autos e os argumentos aduzidos, considerou afigurar desnecessária para a boa decisão da causa a produção da prova testemunhal requerida.
84) O ora Recorrente insurge-se contra a decisão disciplinar, nomeadamente por não lhe ter sido dada a oportunidade de ser ouvido oralmente, assim como as testemunhas que arrolou naquele procedimento (algumas não foram ouvidas e as outras foram-no por escrito), em violação do princípio da defesa, da oralidade e da imediação, pelo que impunha-se ao Tribunal a audição oral das testemunhas indicadas para sindicar – ainda que numa análise perfuntória – os factos alegados pelo Recorrente na sua defesa e a ausência de prova para fundar a decisão final de aplicação da sanção.
85) Pelo que se afigurava manifestamente útil e pertinente a realização da requerida produção de prova testemunhal, em concretização do princípio da descoberta da verdade material.
86) O Tribunal “a quo”, ao não admitir a produção de prova testemunhal, mostra-se em desconformidade com o disposto no artigo 118.º do CPTA, padecendo de erro de julgamento que determina a sua anulação.
87) A tudo acresce que o Recorrente podia requerer a tomada de declarações de parte em sede de audiência de instrução, sendo certo que, em face de tudo o alegado, impunha-se igualmente ao Tribunal “a quo” determinar a sua audição, por forma a garantir a plena defesa dos seus direitos, que lhe foram coartados no procedimento disciplinar.
88) Face a tudo o exposto, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, julgando-se verificado o requisito do fumus boni iuris e decretada a providência requerida se suspensão da eficácia da decisão disciplinar aplicada ao Recorrente, com todas as legais consequências.
89) Ao assim não ter considerado, a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos os artigos 120.º do CPTA, artigos 184.º, 188.º, 190.º, n.º 2, al. a), 200.º, n.º 1 e 2, 203.º, 209.º, 213.º n.º 3, 218.º, n.º 5, 219.º da LGTFP, artigos 32.ºe 269.º, n.º 3 da CRP e artigo 6.º C da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro e artigo 118.º do CPTA.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, decretando-se a providência cautelar requerida, Só assim se fazendo Justiça!”

A Entidade Recorrida/Ministério da Saúde veio apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 14 de outubro de 2021, concluindo:
“1) O recorrente alega no presente recurso jurisdicional que a decisão recorrida “enferma de nulidade por omissão de pronúncia, erra igualmente na fixação da matéria de facto e na aplicação do direito, como também faz errado julgamento da matéria de facto”;
2) Não lhe assiste razão em qualquer das suas alegações;
3) No que respeita à modificação da matéria de facto, têm entendido os tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal que o tribunal ad quem “só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. (...)” – vide Ac. TCAN, de 11/02/2011, in Proc. n.º 00218/08.8BEBRG;
4) Na matéria de facto fixada pelo TAF de Coimbra não se descortina qualquer erro de apreciação suscetível de determinar a viciação da decisão final, não sendo de todo evidente que a mesma matéria foi mal sopesada e julgada na sentença recorrida;
5) A que acresce o facto de o recorrente não demonstrar que, com os aditamentos e alterações por si propostos, lograria alcançar outro julgamento quanto à matéria de facto e à aplicação do direito;
6) O recorrente não demonstra que as divergências por si suscitadas quanto à matéria de facto, assentes na transcrição de segmentos do processo (irrelevantes e insuficientes para determinar uma decisão outra, que não a que foi adotada, dir-se-ia), tivessem o ensejo de influenciar a decisão final a proferir, por revelarem erro de apreciação suscetível de determinar a sua viciação;
7) Contrariamente ao que o recorrente argumenta, a matéria de facto dada como provada, sobre ser suficiente e estar adequadamente fundamentada, mostra-se conforme com a lei (cfr. artigo 607.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA), e deve ter como resultado a improcedência dos erros na fixação da matéria de facto;
8) O Tribunal a quo não cometeu qualquer erro na apreciação e decisão das invocadas nulidades, visto as circunstâncias que o recorrente afirma constituírem nulidades não o serem efetivamente;
9) Sobre a falta de audiência oral do trabalhador em auto de declarações, entendeu o Tribunal a quo, e bem, que tal diligência não seria indispensável para a descoberta da verdade, e que não constitui uma nulidade insuprível;
10) O que a lei exige – e comina com nulidade em caso de incumprimento (cfr. artigo 203.º da LTFP) – é que o trabalhador visado seja ouvido “em artigos de acusação”, como efetivamente ocorreu sem quaisquer limitações;
11) A invocada “nulidade” por falta de audição oral do trabalhador em auto de declarações não deve ser confundida com a falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação – esta sim, insuprível e sancionada com nulidade, como expressamente decorre do artigo 203.º, n.º 1, da LTFP;
12) Bem decidiu, pois, o TAF de Coimbra no sentido de não se afigurar provável a procedência da ação principal quanto à “nulidade” por falta de audição oral do trabalhador e à consequente violação do seu direito de defesa;
13) Quanto à “nulidade” decorrente do indeferimento da confiança do processo antes de prolatada a acusação devido ao “injustificado caráter secreto” atribuído pelo instrutor, decidiu corretamente o TAF de Coimbra que tal indeferimento, na fase processual em que a confiança do processo foi requerida, “não comporta nulidade insuprível, nem constitui, sequer, qualquer irregularidade, pelo que não é provável a procedência deste argumento”;
14) Nos termos do artigo 200.º, n.º 1, da LTFP, até à acusação, o processo disciplinar reveste natureza secreta, podendo o seu conteúdo ser facultado ao trabalhador para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste;
15) Bem andou, pois, o TAF de Coimbra ao considerar improvável a procedência desta “nulidade” na ação principal, improbabilidade extensível à desaplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, da LTFP;
16) A inquirição das testemunhas, assim como o contacto não presencial entre o recorrente e o seu mandatário (que pôde livremente estabelecer-se via telefone, correio eletrónico e videochamada, entre outros meios correntemente disponíveis), não prejudicaram a descoberta da verdade material nem os direitos de defesa do trabalhador, que apresentou a sua defesa escrita dentro do prazo;
17) A alegação relacionada com o modo de inquirição das testemunhas, bem avaliado e decidido a fls. 22 e 23 da sentença recorrida, não tem em conta que as testemunhas indicadas pelo recorrente, além de serem “abonatórias”, o foram para “para prova das circunstâncias atenuantes alegadas na defesa”;
18) Assim, aqueles depoimentos, não obstante terem sido colhidos por via que o Tribunal entendeu “irregular”, mas justificada de modo pertinente pela situação pandémica em curso, não visavam a descoberta da verdade material, mas tão só, no dizer do próprio recorrente, abonar ao seu mérito profissional e provar circunstâncias atenuantes da sua conduta;
19) Caso se pudesse tomar tal irregularidade como uma verdadeira nulidade, para ter o efeito invalidante reclamado, a mesma teria que ter sido invocada até à notificação da decisão final, o que não aconteceu;
20) A suspensão dos prazos operada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, não implicou a total proibição da prática e tramitação de atos no procedimento disciplinar, neles se incluindo os relacionados com a inquirição de testemunhas, conquanto estivessem disponíveis – e estavam – meios de comunicação à distância para realização das respetivas diligências, o que é assumido pelo trabalhador no requerimento de fls. 205 a 208 do processo instrutor;
21) Ainda que, como decidiu o TAF de Coimbra, estivéssemos perante uma irregularidade, “não se seguiria daí estarmos perante uma nulidade insuprível, uma vez que tal circunstância não impediu a audiência do trabalhador em artigos de acusação, apenas limitando, por hipótese, em certa medida – mas nunca gravemente – a concretização dessa audiência, ao contender com a defesa do trabalhador”;
22) Em qualquer caso, e sem conceder, a “nulidade” invocada, para ter o efeito invalidante pretendido, teria que ter sido reclamada até à decisão final, o que não se verificou, e torna improvável a procedência da ação principal quanto a este segmento das alegações;
23) No que toca à “nulidade” decorrente do facto de o instrutor não ter oficiado aos serviços do IPO de Coimbra para prova da quantidade de cirurgias realizadas por cirurgião e das listas de espera do Serviço, refira-se que a recusa da prova é admitida quando o instrutor, fundamentadamente, como aconteceu, entenda suficiente a prova produzida, e quando considere que as diligências requeridas são manifestamente impertinentes e desnecessárias, o que se mostra compatível com disposto no artigo 218.º, n.º 1, da LTFP;
24) Em todo o caso, também quanto a esta “nulidade” se dirá que teria que ter sido reclamada até à decisão final, o que não ocorreu, e conduziu o Tribunal a um assertivo juízo de improbabilidade sobre a procedência da ação principal quanto a este argumento;
25) Quanto à alegação de que a sanção disciplinar seria inválida por insuficiência da prova recolhida no procedimento disciplinar para qualificar as suas condutas como infrações, atente-se no facto de a reclamação da participante S. por assédio sexual e danos morais, tem por base factos ocorridos em 20.07.2020 no interior do gabinete médico, para onde o visado chamou a participante e, por sua iniciativa, com ela permaneceu a sós, depois de ter mandado sair a enfermeira e o pai da participante;
26) Do processo disciplinar emerge prova factual e indiciária bastante para confirmar as declarações da participante a partir do seu depoimento a fls. 85 e 86, em que confirma o teor da anterior reclamação registada em modelo da INCM e apresentada em 26.07.2020, a fls. 8 a 11, e das declarações prestadas pela enfermeira C., a fls. 114 a 116 do mesmo processo;
27) O que se mostra compatível com a referência a antecedentes da mesma natureza protagonizados pelo médico visado, de que é dada nota em diversos depoimentos juntos aos autos, os quais denotam uma prática reiterada e um padrão de comportamento compatíveis com as queixas apresentadas pela participante;
28) Tendo os factos objeto de reclamação ocorrido no interior do gabinete médico, na presença exclusiva do agente e da participante, normal seria não haver prova testemunhal das ocorrências, visto a ausência de terceiros ter sido desejada e construída pelo médico, o que é indiciador da intencionalidade subjacente aos atos de preparação de um cenário propício aos seus intentos;
29) Releva que a partir da conjugação dos elementos probatórios recolhidos na instrução a partir daqueles depoimentos, em conjugação com outros de natureza indiciária, mas que não deixam de constituir prova indireta do comportamento ilícito e culposo do visado, é inteiramente legítimo da parte do instrutor formular uma conclusão quanto ao modo como os factos efetivamente ocorreram, e que no seu conjunto contribuíram para a formação da sua convicção;
30) Da prova produzida resulta plenamente demonstrado o teor da acusação quanto à matéria relacionada com a participação do médico P., o que com credibilidade resulta dos depoimentos das testemunhas que se encontravam na sala no momento da prática dos factos, nos quais assentou a convicção do instrutor;
31) A testemunha arrolada pelo recorrente, L., encontrava-se no exterior da sala, mais concretamente no corredor de acesso ao gabinete onde se produziram os factos (fls. 259 do processo instrutor), pelo que bem se compreende que o seu depoimento tivesse sido menos valorizado que o das testemunhas que com o trabalhador se encontravam no interior do mesmo espaço físico;
32) Relativamente aos factos constantes da participação disciplinar efetuada pelo Dr. P. (fls. 126 e 127 do processo instrutor), atendendo à conexão estabelecida com os participados por S. , o Conselho de Administração do IPO de Coimbra deliberou, mediante despacho datado de 22.12.2020, a apensação ao procedimento disciplinar em curso (fls. 126);
33) Apensação que já havia sido determinada pelo mesmo CA do IPO de Coimbra em 18.12.2020, quanto aos factos incluídos na participação da enfermeira M., a fls. 123, por idênticas razões, com o consequente alargamento do objeto do processo;
34) O que se conjuga com o artigo 199.º, n.º 1, da LTFP: “Para todas as infrações ainda não punidas cometidas por um trabalhador é instaurado um único processo”;
35) A alegada fundamentação da decisão em elementos de prova não constantes da acusação não resulta demonstrada e é provável que não proceda na ação principal, visto que a acusação efetivamente faz referência aos factos relatados nos depoimentos das testemunhas identificadas no ponto 22 dos factos dados como provados na sentença recorrida, tendo o recorrente tido acesso aos mesmos, e a todo o processado, imediatamente após a acusação, nos termos legais;
36) Com respeito à invocada incompetência do instrutor nomeado no procedimento disciplinar, que o recorrente qualifica como “nulidade insanável” por violação do artigo 208.º da LTFP, ainda que por absurdo se pudesse tomar como nula – o que não se admite nem concede –, ter-se-ia convalidado, por não ter sido reclamada até à decisão final, como decorre do artigo 203.º, n.º 2, da LTFP;
37) Em casos justificados e fundamentados, nos quais a escolha dos fundamentos aduzidos integra o âmbito de discricionariedade da Administração, a entidade que instaurou o processo disciplinar pode solicitar a nomeação de instrutor de outro órgão ou serviço;
38) No caso presente mostra-se justificada a opção por nomear instrutor de outro órgão, licenciado em Direito e Diretor de Serviços Jurídicos do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, EPE, possuidor de vasta experiência na tramitação de processos disciplinares, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 208.º da LTFP.
39) O Tribunal a quo entendeu estar-se em presença de mera irregularidade, não suscitada pelo trabalhador até à decisão final, pelo que considerou improvável que a putativa “nulidade” viesse a fazer vencimento na ação principal;
40) De acordo com o artigo 219.º, n.º 4, da LTFP, quando esteja em causa a aplicação de uma pena expulsiva é remetida cópia da acusação à comissão de trabalhadores e à associação sindical, quando o trabalhador for dela representante;
41) Todavia, não está em causa a aplicação de uma sanção que implique a extinção do vínculo laboral público que o trabalhador mantém com o IPO de Coimbra, nem de uma sanção de cessação da comissão de serviço a título principal, tal como prevista no artigo 188.º, n.º 1, da LTFP;
42) A aplicação da sanção em causa resulta ope legis, e é “sempre aplicada acessoriamente aos titulares de cargos dirigentes e equiparados por qualquer infração disciplinar punida com sanção disciplinar igual ou superior à de multa” (cfr. artigo 188.º, n.º 2, da LTFP);
43) Ou seja, apenas haveria lugar à prévia audição da Comissão de Trabalhadores se estivesse em causa a aplicação da sanção de cessação da comissão de serviço a título principal (cfr. artigo 188.º, n.º 1, da LTFP);
44) Ao recorrente, diretor do Serviço de Cirurgia de do IPO de Coimbra, foi aplicada, a título principal, a sanção disciplinar de suspensão por 180 dias, facto que, por força do n.º 2 daquela norma, ditaria necessariamente a aplicação da sanção acessória de cessação da comissão de serviço, e assim, sem lugar à audição da Comissão de Trabalhadores;
45) Ainda que em concreto se pudesse configurar a não audição da CT como uma nulidade, ela ter-se-ia sanado pelo decurso do tempo, por não ter sido reclamada até à decisão final, como decorre do artigo 203.º, n.º 2, da LTFP;
46) Daí que o TAF de Coimbra tivesse decidido corretamente que “não poderia proceder a pretensão do requerente em sede de ação principal com base nestes argumentos”;
47) No que diz respeito à omissão de pronúncia alegada nas conclusões 19) e 23) das suas alegações, não se verifica qualquer nulidade decorrente da referida omissão, pois, sendo certo que o tribunal tem o dever de analisar e resolver todas as questões que as partes lhe apresentem para apreciação, como resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º da CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA;
48) Tal não impõe a pronúncia exaustiva sobre os argumentos e razões de facto e de direito avançados pelas partes, quando é manifesto que, no caso concreto, o Tribunal a quo apreciou devidamente os problemas e questões fundamentais se lhe antepunham para decidir o processo cautelar;
49) A admitir-se que algum facto ou argumento tivesse ficado por tratar e decidir, o que não se confirma, verifica-se que a Mm.ª Juiz do TAF de Coimbra efetivamente conheceu das questões essenciais que deveria ter conhecido, o que torna improcedente a invocada omissão de pronúncia, votada ao insucesso na ação principal;
50) Finalmente, não estando demonstrado o cumprimento do critério do fumus boni iuris, e dependendo o decretamento da providência cautelar da verificação cumulativa dos dois critérios de decisão previstos no artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, outro não poderia ser o desfecho da lide cautelar que não o indeferimento da pretensão subjacente.
Nestes termos, e nos demais de Direito, deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, mantida a sentença do TAF de Coimbra que concluiu pela não verificação do critério do fumus boni iuris, e, consequentemente, decidiu pelo indeferimento da providência cautelar requerida, com as legais consequências.”

A Entidade Recorrida/ Instituto Português de Oncologia de Coimbra Francisco Gentil, E.P.E. (IPO), veio apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 27 de outubro de 2021, concluindo:
“A) Invoca o Recorrente que no processo disciplinar dos presentes autos, ocorreram várias invalidades, apontando uma delas como sendo a da não audição oral do Recorrente em sede de instrução. Na ótica do Recorrente, conclusão 7), integra uma nulidade do processo por manifesta violação do direito de defesa.
B) Conforme consta na sentença e quanto a nós sem merecimento de qualquer censura, o artigo 203º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP) não qualifica como nulidade insuprível toda e qualquer circunstância que condicione ou limite o concreto modo de exercício do direito de defesa por parte do trabalhador, mas somente aquelas que redundem na falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação, bem como a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
C) Acresce que o Recorrente foi convocado por duas vezes para audição, em fase de instrução do processo disciplinar e não compareceu.
D) A justificação para a não comparência à convocatória não pode proceder, porquanto o que é alegado para a falta, é a realização naquele dia de uma cirurgia urgente, que conforme documento junto aos autos, não foi assim qualificada pelos Serviços competentes do IPO.
E) E, quanto à audição do Recorrente no seguimento do pedido da produção de prova apresentada na defesa, justificou o Instrutor a recusa, ao fundamentar, nos seguintes termos:
F) “Pese embora o trabalhador tenha requerido ser ouvido sobre toda a matéria da acusação e da defesa, entende o instrutor dever ser indeferido o pedido efetuado porquanto o trabalhador já exerceu o contraditório à matéria constante na acusação quando da elaboração da sua defesa (…) cfr. Relatório Final fls. 640 do Processo Instrutor”
G) O Recorrente defende que o processo disciplinar estava suspenso, mas o próprio e o seu mandatário, assim não entenderam, já que aquele através deste, apresentou a defesa.
H) Tendo após a notificação da acusação, e previamente à apresentação da defesa, requerido a prorrogação de prazo para a apresentação da defesa, que em parte lhe foi deferida.
I) Existiam naquele momento mecanismos ao alcance do Recorrente, persistindo o Instrutor na continuidade procedimental do processo, para tentar fazer vingar a sua tese, como a reclamação e em caso de indeferimento, o recurso do despacho/decisão do Instrutor.
J) E, se este não fizesse subir de imediato o recurso, poderia, ainda o Recorrente, insurgir-se contra esta decisão, alegando que a subida tinha de ser imediata, sob pena de a retenção do recurso, ter como consequência a perda do seu efeito útil, cfr n.º 2 do artigo 227.º da LTFP.
K) Mas o Recorrente nada fez e ao aceitar apresentar a defesa dentro do prazo determinado com a prorrogação dispensou a suposta suspensão do procedimento.
L) Alega o Recorrente de que a sentença de primeira instância fez uma interpretação inconstitucional das normas dos artigos 269.º, n.º 3 e 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP) pela forma como interpretou as normas do artigo 200.º da LTFP.
M) Estas normas da LTFP não oferecem dúvidas interpretativas, na verdade conjugando o n.º 1 com o n.º 2, percebemos que o processo disciplinar tem natureza secreta (regra). Pode, contudo, ser facultado, sob condição, de o trabalhador não divulgar o seu conteúdo.
N) No que concerne à alegada incompetência do Instrutor do processo disciplinar, também não assiste razão ao Recorrente quando qualifica a sua nomeação como configurando uma nulidade insanável.
O) O Instrutor nomeado tem vínculo de relação jurídica de emprego público. A norma do artigo 208.º da LTFP, tem de ser lida no contexto sistemático e da atual da realidade dos hospitais EPE, que no caso do IPO, pelo menos desde 2005 está proibido de contratar ao abrigo das normas da função pública, pelo que houve necessidade neste caso, por indisponibilidade da única jurista do IPO com vínculo de emprego público, de nomear um jurista integrado num hospital do Serviço Nacional de Saúde. Com a experiência e a competência exigidas, decorrentes também de ser o Diretor do Departamento Jurídico e de Contencioso do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).
P) Porém, diz-nos o n.º 2 que pode ser indeferido o pedido desde que seja comunicado ao Trabalhador no prazo de três dias e desde que fundamentado. Foi o que sucedeu, conforme consta dos autos a fls. 167. Pelo que tem de improceder esta alegada desaplicação do normativo por inconstitucional.
Q) Não assiste razão ao Recorrente quando na conclusão 37) alega que “O Tribunal a quo erra ao considerar que não consubstancia nulidade a não obtenção das informações requeridas pelo trabalhador em sede de defesa.”
R) As ditas informações relevantes no dizer do Trabalhador, e que nas conclusões 37) e ss, consistiam em informações do Serviço do qual era diretor, que visavam na sua ótica, fazer prova da sua produtividade, do seu zelo e comportamento exemplar durante mais de dez anos e com vista a funcionar como circunstância atenuante.
S) Quanto ao exemplar comportamento, este é clarificado e desmentido no que concerne ao “exemplar” pela leitura da ficha biográfica do Recorrente, cfr fls. 74 e 73, ao Recorrente já tinha sido aplicada a repreensão escrita no seguimento de processo disciplinar instaurado por factos integradores de assédio moral.
T) O Recorrente foi ouvido em artigos da acusação, pelo que o processo não enferma de qualquer nulidade insuprível. Todas as demais invalidades invocadas, mesmo que tivessem existido, deveriam ter sido reclamadas até à decisão final como decorre do n.º 2 do artigo 203.º da LTFP, sob pena de serem supridas. Não tendo nenhum efeito invalidante sobre a decisão.
U) O constante na conclusão 60) de que não existe deliberação do Conselho de Administração quanto à participação (fls 126 e 127) apresentada pelo médico P., não corresponde à realidade, foi deliberado apensá-la ao processo disciplinar já em curso, assim como sucedera com a participação da enfermeira M., fls 123.
V) Ao assim proceder o CA deu cumprimento ao artigo 199.º, n.º 1 da LTFP, pelo qual se determina que para todas as infrações não punidas e cometidas pelo mesmo trabalhador é instaurado um único processo.
W) A alegação da invalidade da decisão por necessidade de emissão de parecer fundamentado da Comissão de Trabalhadores, quando esteja em causa a cessação de uma comissão de serviço, não pode proceder.
X) A sanção de cessação da comissão de serviço atua, no caso presente, ope legis, por decorrência do normativo do artº 188º nº 2 da LGTFP, já que se impõe a sua aplicação assessoriamente aos titulares de cargos dirigentes e equiparados por qualquer infração disciplinar punida com sanção disciplinar igual ou superior à de multa.
Y) Na conclusão 83) refere o Recorrente que o Tribunal a quo indeferiu a produção de prova testemunhal por a considerar desnecessária para a boa decisão da causa. Afirmando em 86) que ao não admitir a prova testemunhal, mostra-se em desconformidade com o disposto no artigo 118.º do CPTA, padecendo de erro de julgamento que determina a sua anulação.
Z) Não tem razão também o Recorrente, o Tribunal a quo fundamentou a sua desnecessidade.
AA) A sentença não padece de erro de julgamento, nem de omissão de pronúncia.
Pelo exposto, deverá ter-se o presente recurso por totalmente improcedente.”

O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por Despacho de 30 de outubro de 2021, mais se tendo entendido que não se verifica a nulidade da Sentença por omissão de pronúncia.

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 8 de novembro de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, onde se invoca que “A decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, erra igualmente na fixação da matéria de facto e na aplicação do direito como também faz errado julgamento da matéria de facto”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
“1. Em 27.07.2020 foi apresentada no IPO Coimbra, por S. , filha de um doente seguido naquela instituição, uma participação escrita, imputando ao ora requerente a adoção de determinado comportamento para com a participante, aquando da sua deslocação ao hospital para acompanhamento do seu pai a uma consulta, comportamento esse que é descrito, em tal participação, designadamente do seguinte modo:
«Cansada de esperar voltei novamente ao corredor e abordei novamente a enfermeira, nesse instante, o Dr. C. saiu do gabinete da sua secretária N. e perguntou-me o que se passava. Ao abordar-me, o Dr. dirigiu-se a mim tratando-me por "TU" e visivelmente aborrecido perguntou-me: 'Porque estás tão bravinha?'
Eu respondi-lhe: _" O meu pai está sentado há muitas horas numa cadeira. Acha normal um senhor de 80 anos estar tanto tempo à espera?"
- " Está a descarregarem cima de mim?" - perguntou o Dr. C..
- "Estou a descarregar em cima de si, porque o senhor é o médico dele e é responsável por ele."
O Dr. C. num tom de gozo respondeu-me novamente:
- 'Tu estás muito bravinha. Não descarregues em cima de mim porque eu é que posso carregar em cima de ti, pois tenho competências para isso."
(...)
Eu ia para entrar no gabinete, para acompanhar o meu pai, e o Dr. C., disse para eu ficar lá fora, no entanto expressou da seguinte forma:
- 'Tu ficas aí fora."
Eu voltei a aguardar no corredor e passado uns breves instantes, o Dr. C. saiu do gabinete onde o meu pai estava e dirigiu-se a mim novamente:
Oh tu aí, menina do lar, já podes entrar."
Eu entrei, com as lágrimas nos olhos e o Dr. C. deu-me as recomendações de como tinha de hidratar a pele do meu pai em redor da cicatriz da cirurgia. Após a explicações, o Dr. C. disse para o meu pai sair do gabinete e aguardar no corredor. Eu continuei no gabinete, com o Dr. C. e a enfermeira. A enfermeira procedeu à higienização do espaço mas o Dr. C. mandou sair a enfermeira, dizendo:
- "Por favor saia do gabinete que eu preciso de acalmar esta menina." A enfermeira saiu e fechou a porta.
Eu estava de pé e ele mandou-me sentar na cadeira em frente à sua secretária, e ele por sua vez sentou-se na cadeira atrás da secretária - em frente a mim. Olhou para mim e perguntou- me:
- "Porque é que estás tão revoltada? Tu tens homem? És casada, divorciada ou viúva?"
Em lágrimas respondi:
- "0 meu propósito aqui não é a minha vida pessoal mas sim tratar do meu pai."
- " Tu precisas de um homem que te acalme e eu posso fazer isso.” Respondeu-me o Dr.
Eu voltei a referir:
- "Não estou aqui para este tipo de coisas."
- "Vives sozinha ou com o teu pai?" -Insistiu o Dr. C..
Eu a partir daqui já não consegui responder, pois estava perplexa com o que me estava a acontecer. Então o Dr. levantou-se da cadeira e eu levantei-me também para sair. Veio ao meu encontro e disse-me:
-" Dá cá dois beijinhos."
Eu fiquei imóvel e ele agarrou-me com as duas mãos a cabeça, tentando assim beijar-me na boca. Nesse instante, a minha reação foi virar a cara e empurrá-lo. Momentaneamente, virei- me de costas para o Dr C., para pegar na minha mochila que estava na cadeira (cadeira localizada ao lado da cadeira onde me tinha sentado). Nesse momento, o Dr C. deu-me duas pancadinhas nas costas e de seguida passou-me a mão pelo rabo».
(Cfr· Participação de S. , constante de fls. 675 do processo eletrónico);
2. Por Deliberação de 02.09.2020, na sequência da aludida participação, o Conselho de Administração do IPO Coimbra instaurou ao ora requerente o processo disciplinar n001/2020 (Cfr. Deliberação do Conselho de Administração, a fls. 672 do processo eletrónico);
3. Por deliberação do Conselho de Administração do IPO Coimbra de 2.09.2020, após solicitação da colaboração do Serviço Jurídico e de Contencioso do CHUC (Centro Hospitalar Universitário de Coimbra), foi nomeado instrutor no aludido procedimento disciplinar o Dr. V., diretor desse Serviço (Cfr. Deliberação s fls. 672 e Print de mensagem de e-mail do Secretariado do Conselho de Administração do CHUC a fls. 668 do processo eletrónico);
4. Através de carta registada com aviso de receção, datada de 18.09.2020, o ora requerente foi convocado pelo instrutor no aludido processo disciplinar para prestar declarações no Gabinete do Diretor do Serviço Jurídico e de Contencioso do CHUC no da 01.10.2020 pelas 14h (Cfr. Carta e Aviso de receção, constantes de fls. 686 do processo eletrónico);
5. Em 31.09.2020 ora requerente comunicou telefonicamente ao instrutor nomeado no visado processo disciplinar a impossibilidade de se apresentar para prestar declarações na data referida no ponto anterior, em virtude de ter sido agendada uma cirurgia urgente para tais dia e hora, bem como a sua indisponibilidade para qualquer data anterior a 9 de Outubro, por estar até essa data a gozar férias programadas (Cfr. Print de mensagem de e-mail do instrutor V. dirigido à presidente do Conselho de Administração do IPO);
6. Em 22.11.2020 foi apresentada no IPO Coimbra, pela enfermeira M., trabalhadora nessa instituição, uma participação escrita, reportando determinado episódio envolvendo o ora requerente e a participante, que vem descrito, em tal participação, do seguinte modo:
"Durante a realização do penso cirúrgico de um doente, utilizando um pequeno kit cirúrgico, o Dr. C. começou a levantar a voz e a insultar a minha técnica na forma como segurava tesoura esterilizada, sempre na presença do doente. De forma calma e assertiva, disse ao Dr. C. que não permitia que me falasse com tom de voz elevado e a insultar-me, também lhe informei que não sou especializada em cirurgia nem tenho experiência com material de bloco operatório. Voltou a insultar a minha forma de segurar a tesoura e que quem me ensinou não sabiam de nada e que somente ele é que sabe. Da minha parte, foi-lhe verbalizado que se deve respeitar as formas de trabalhar de cada um e que se quisesse continuar a insultar-me e a elevar o tom de voz, que iria sair da sala. O Dr. C. continuou os seus incultos e mandou-me calar, que eu não sabia o que dizia e que tinha relações físicas e pessoais muito boas com alguns elementos da equipa e que não estava para aturar alguém com menos de 10 anos de experiência, que não sabia nada relativamente a alguém com 40 anos de experiência e Diretor de Serviço Cirurgia e que mandava nisto tudo, tendo ainda sido ameaçada que a situação ia por escrito
(...)".
(Cfr. Participação da enfermeira M. a fls. 796 do processo eletrónico);
7. À participação mencionada no ponto anterior foi aposto despacho, manuscrito, datado de 18.12.2020 assinado designadamente pela Presidente do Conselho de Administração do IPO Coimbra, ordenando "o envio do seu conteúdo ao Dr. V. para apensar ao processo disciplinar" que se encontrava a correr, no qual era visado o trabalhador Dr. C. (Cfr. Participação da enfermeira M. e oficio do Conselho de Administração do IPO dirigido ao Dr. V. a fls. 796 do processo eletrónico);
8. Em 21.12.2020 foi apresentada no IPO Coimbra, pelo médico P., trabalhador nessa instituição, participação escrita reportando determinado episódio envolvendo o ora requerente, o qual vem descrito, em tal participação, do seguinte modo:
"Durante uma reunião de serviço de CCP, durante a qual se discutia um caso clínico entre mim, a Ora. P. e o Dr. C., em determinado momento o Dr. C., discordando da nossa argumentação, começou a elevar o tom de voz, não respeitando a nossa opinião clinica, indo contra um diálogo correto, adequado e respeitoso; 2 - Neste contexto, eu e a Ora. P. achámos que não existiam condições para continuar uma discussão clara e cordial e, nesse sentido, informámos que iríamos abandonar a reunião;
3 - Abandonámos o gabinete do Diretor de Serviço pela porta comunicante com o gabinete do secretariado, instante em que o Dr. C.. aos "berros", insistiu para eu permanecer no seu gabinete, ao qual respondi que não havendo respeito da parte do Dr. C. iria continuar a minha consulta;
4 - Nesse momento, o Dr. C. levantou-se repentinamente da cadeira da sua secretária, dirigindo-se para mim com tom ameaçador, encostando-me à secretária do gabinete de secretariado, ao qual questionei se me estava a impedir de me dirigir ao gabinete de consulta, para continuar o meu trabalho;
5 - De seguida, avancei em direção à saída do gabinete do secretariado, altura em que o Dr. C. se coloca à minha frente e empunha as suas mãos, agarrando o colarinho da minha camisa e empurrando-me contra a secretária ( ... )"
(Cfr· Participação do Dr. P. a fls. 799 do processo eletrónico) ;
9. À participação mencionada no ponto anterior foi aposto despacho, manuscrito, datado de 22.12.2020, assinado designadamente pela Presidente do Conselho de Administração do IPO Coimbra, ordenando "o envio do seu conteúdo ao Dr. V. para apensar ao processo disciplinar" que se encontrava a correr, no qual era visado o trabalhador Dr. C. (Cfr. Participação do Dr. P. e oficio do Conselho de Administração do IPO dirigido ao Dr. V. a fls. 799 do processo eletrónico);
10. Para apuramento dos factos reportados na participação de S. foram inquiridas como testemunhas no decorrer da instrução do processo disciplinar a enfermeira R. (enfermeira no Serviço de Cirurgia da ); S. (doente seguida no IPO, tratada pelo ora requerente); C. (Assistente técnica no IPO); C. (enfermeira no IPO, a desempenhar funções na Consulta Externa do Serviço de Cirurgia da ); A. (enfermeira no IPO, a desempenhar funções no Bloco operatório;
M. (Enfermeira Chefe de Consulta Externa no IPO); O. (enfermeira no IPO); M. (médica no IPO); e P. (médica no IPO) (Cfr. Autos de declarações a fls. 776 do processo eletrónico) ;
11. Para apuramento dos mesmos factos foi ouvida a participante S., que confirmou o relato contido na participação, acrescentando alguns detalhes, e mostrando-se "de imediato emocionada" aquando da leitura da sua participação pelo instrutor (Cfr. Auto de Declarações a fls. 749 do processo eletrónico);
12. A testemunha S. reportou no seu depoimento que aquando do seu internamento no IPO para realizar uma cirurgia ao pescoço, o ora requerente, na véspera da intervenção, tendo visitado a testemunha no quarto onde esta estava, "lhe pediu que se joelhasse na cama" e "a apalpou no rabo"; e que, no dia seguinte ao da cirurgia, acompanhado por uma enfermeira, se lhe dirigiu com as palavras" mamocas ao léu" e, como a testemunha desapertou apenas o primeiro botão da camisa para expor a parte do corpo intervencionada na cirurgia, puxou a roupa da testemunha de modo a deixá-la inteiramente desnudada da cintura para cima (Cfr. Auto de declarações de Sandra Borges, a fls. 749 do processo eletrónico);
13. Do Auto de Declarações da inquirição da testemunha enfermeira R. consta designadamente o seguinte:
"Confrontada com o depoimento da D. S., doente do médico visado no presente processo disciplinar, relativamente ao seu internamento e cirurgia, naquele serviço onde exerce funções, identificando a situação ao pormenor recordando-se ainda que se tratava da doente da cama 20, a mesma, face ao testemunho e relativamente à atuação do Dr. C. quanto à atitude relativa à exposição dos seios da doente, a mesma diz recordar-se e confirma acrescentando, que tal situação a deixou constrangida e que de imediato, num gesto de apoio à doente, se dirigiu à mesma ajudando-a a compor-se puxando-lhe o casaco para a tapar porquanto a própria doente se mostrava perturbada com aquela atuação do médico visado" (Auto de Declarações da testemunha R. a fls. 776 do processo eletrónico);
14. A testemunha C. reportou no seu depoimento que o requerente em certas ocasiões se lhe dirigiu dizendo" estás cada vez melhor, levavas umas boas fadas" e que tentou certa vez apalpar-lhe o rabo ao cruzar-se consigo nas escadas (Cfr.
Auto de declarações da testemunha em causa, a fls. 776 do processo eletrónico) ;
15. A testemunha C., enfermeira no IPO, reportou no seu depoimento que, frequentemente, o requerente "se dirige a senhoras doentes, por si acompanhadas com expressões do tipo 'já estás bem, já podes dar umas fodas' "; que o requerente já se lhe dirigiu pessoalmente com expressões do tipo "boazona e jeitosa" e que assistiu a duas situações, numa das quais o requerente ao prestar consulta "a uma senhora operada à tiroide ( ... ) com cerca de trinta anos ( ... ) pegou nos seus seios, elevando-os, com a palma das suas mãos, por várias vezes, só para lhe referir que precisava de um bom sutiã de suporte" e outra referente a "uma senhora, mastectomizada (cerca de 45 anos) a quem foi pedido para colocar cateter (totalmente implantado), para realizar quimioterapia e que no decurso daquela abordagem, a obrigou, dada a forma como se lhe dirigiu, a despir-se relativamente ao seu tronco, ficando totalmente devassada quanto à sua privacidade e intimidade, o que na sua perspetiva como enfermeira era evitável". (Cfr. Auto de declarações da testemunha em causa a fls. 776 do processo eletrónico);
16. A testemunha M. afirmou no seu depoimento que o requerente" é um bom médico e um bom cirurgião", não obstante "lesar a sua imagem por falta de sensatez", e notou que é "um ser humano sempre disponível para ajudar em qualquer situação seja ela qual for"; questionada sobre eventuais episódios de assédio sexual envolvendo o requerente afirmou que" não recorda nenhum episódio, ou verbalização por parte quer das doentes quer dos profissionais, relativamente a esta matéria" mas que "no entanto, reconhece que algumas vezes, e isso sim é seu timbre, as bocas foleiras, como por exemplo olhar para uma mulher e dizer 'és muita boa'" (Cfr. Auto de Declarações da testemunha em causa a fls. 776 do processo eletrónico);
17. Questionadas acerca da personalidade do requerente como alguém "que possui um elevadíssimo ego, excêntrico, que gosta de valer fazer o seu poder" as testemunhas referidas no ponto 11 aderiram ao perfil assim traçado, à exceção das testemunhas O. e M. (Cfr. autos de declarações a fls. 776 do processo eletrónico);
18. Para apuramento dos factos reportados na participação de P. foram inquiridos como testemunhas C. (enfermeira); P. (Médica), os quais confirmaram a ocorrência dos factos descritos na participação, que presenciaram integralmente, pois se encontravam dentro da sala em que ocorria a reunião do Serviço referida na participação (Cfr. autos de declarações das referidas testemunhas integrantes do Processo Instrutor)
19. Para apuramento dos mesmos factos foi inquirida como testemunha ainda a enfermeira N., que confirmou os factos descritos na participação ocorridos já fora da sala de reuniões, afirmando "recordar-se perfeitamente que o Dr. C. usou um tom alto aquando da saída do Dr. P. e da Dra. P." e ter assistido "ao participado ter encostado o participante à secretária ( ... ) agarrando-lhe de seguida os colarinhos" (Cfr. Auto de declarações da testemunha em causa integrantes do Processo Instrutor);
20. Em 10.01.2021 o Conselho de Administração do IPO Coimbra deliberou aplicar ao requerente a medida de suspensão preventiva, determinando "a suspensão do exercício das suas funções assistenciais ( ... ) de forma preventiva e transitória" (Cfr. deliberação a fls. 834 do processo eletrónico);
21. Em 12.01.2021 foi requerida pelo mandatário do ora requerente a confiança do processo disciplinar, requerimento que foi indeferido pelo Instrutor do visado processo (Cfr. requerimento e resposta ao mesmo a fls. 840 do processo eletrónico);
22. Em 12.02.2021 foi exarada pelo Instrutor no visado processo disciplinar Acusação, da qual consta, designadamente, na parte intitulada" Apreciação Crítica", entre as razões que fundamentam a convicção quanto à prova dos factos, referência aos factos reportados nos depoimentos das testemunhas S., C., C., R., A. e M., referidos nos pontos 12 a 16 (Cfr. Acusação a fls. 846 do processo eletrónico);
23. Em 17.02.20210 ora requerente recebeu a aludida Acusação, que lhe foi remetida através de correio registado, dela constando a indicação do prazo de 10 dias, contados da data da assinatura do aviso de receção, para apresentação da Defesa (Cfr. aviso de receção a fls. 865 do processo eletrónico; ponto 67 da Acusação);
24. Em 02.03.2021 apresentou no Serviço Jurídico e de Contencioso do CHUC a sua Defesa, na qual, designadamente, nega ter feito qualquer insinuação verbal ou física de interesse sexual na participante S. bem como ter adotado qualquer comportamento violento face ao Dr. P. (Cfr. Talão de aceitação dos CTT a fls. 187 do processo instrutor; Defesa, a fls. 202 do processo instrutor);
25. Com a apresentação da sua Defesa o ora requerente requereu: a) ser ouvido a toda a matéria de facto constante da acusação e da defesa; b) que fosse oficiado aos Serviços do IPO Coimbra para virem informar/ confirmar nos autos o número de doentes em lista de espera e tempo de espera para cirurgia, antes da nomeação do trabalhador arguido como Diretor de Serviço de Cirurgia de e, após 11 meses e meio depois desta nomeação, qual o número de utentes em lista de espera e tempo de espera para cirurgia no respetivo Serviço e ainda qual o número de cirurgias/ ano efetuadas antes da sua nomeação e o número de cirurgias/ ano efetuadas após a sua nomeação, bem como quantas cirurgias cada um dos cirurgiões do Serviço Cirurgia executou em cada ano, quer como cirurgião principal, quer como cirurgião ajudante; c) a produção de prova testemunhal, com a inquirição de 15 testemunhas (Cfr. Defesa, a fls. 202 do processo instrutor);
26. Os requerimentos que o ora requerente apresentou com a sua Defesa referidos nas alíneas a) e b) do ponto anterior, foram indeferidos (Facto não controvertido);
27. Em 10.03.2021 o ora requerente requereu junto do instrutor no processo disciplinar que as testemunhas por si indicadas na sua defesa fossem inquiridas somente após o levantamento da suspensão de prazos operada pela Lei n? 4B/2021 de 1 de Fevereiro e esclareceu que tais testemunhas deviam ser ouvidas acerca das circunstâncias atenuantes invocadas na defesa (Cfr. requerimento a fls. 208 do processo instrutor);
28. Foram inquiridas 11 testemunhas de entre as indicadas pelo ora requerente através do envio, para cada uma delas, do documento contendo a Defesa do requerente, com o pedido de sobre tal Defesa se pronunciarem por escrito, enviando a sua pronúncia por e-mail (Cfr· Prints de mensagens de e-mail a fls. 139 a 154 dos autos - processo físico)
29. Do depoimento escrito do Dr. L., acerca da ocorrência participada por P., consta a afirmação de que "o Dr. C. se aproximou com toda a calma" do participante P. e que "em momento algum viu o Dr. C. tocar no Dr. M. de forma violenta", decorrendo do mesmo depoimento que a testemunha se encontrava "no banco existente nos corredores de acesso aos consultórios" (Cfr. Depoimento a fls. 139 dos autos ­processo físico);
30. Em 09.04.2021 foi exarado Relatório Final do processo disciplinar em causa, culminando com a proposta de aplicação da sanção de Suspensão pelo período de 90 dias por cada infração, num total de 180 dias, e da sanção de cessação da Comissão de Serviço, do qual consta ainda, designadamente, o seguinte teor:
"Mais requereu [o trabalhador] que o IPO de Coimbra venha informar os autos ( ... ) quantas cirurgias cada um dos cirurgiões do serviço de cirurgia da executou em cada ano ( ... ), ou seja pretende-se saber, tendo em atenção o início de funções de cada um dos cirurgiões, a produtividade em termos de intervenções cirúrgicas ( ... ) A quase generalidade da matéria apresentada na contestação efetuada ao acervo acusatório prende-se com questões de competência técnico-científica e resultados apresentados pelo trabalhador que refletem o seu percurso profissional (...) Contudo o extenso e meritório percurso do trabalhador nunca foi posto em causa ao longo da acusação (...)
Consequentemente toda a demonstração de evidência que se pudesse levar a cabo, mormente com o deferimento do requerimento de prova documental efetuado pelo trabalhador na sua defesa, sempre seria despiciente e desnecessária (...)
Pese embora o trabalhador tenha requerido ser ouvido sobre toda a matéria da acusação e da defesa, entende o instrutor dever ser indeferido o pedido efetuado porquanto o trabalhador já exerceu o contraditório à matéria constante na acusação quando da elaboração da sua defesa ( ... )"
(Cfr. Relatório Final a fls. 640 do Processo Instrutor);
31. Em 15.04.2021 o Conselho de Administração do IPO Coimbra homologou o referido Relatório Final e deliberou aplicar ao ora requerente a sanção disciplinar de suspensão por 180 dias e a sanção acessória de cessação da comissão de serviço do ora requerente (Cfr. Deliberação a fls. 202 dos autos - processo físico);
32. Em 04.05.20210 ora requerente apresentou petição de recurso da decisão referida no ponto anterior, dirigida à Ministra da Saúde (Cfr. petição de recurso constante de fls. 20S e ss. dos autos - processo físico).”

IV - Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) Da alegadas nulidades insupríveis, por violação do direito de defesa do trabalhador
O requerente invoca diversas circunstâncias que serão determinantes, a seu ver, da nulidade do processo disciplinar que contra si correu, por força do disposto no artº 203° nº da LGTFP, uma vez que determinam a "violação do seu direito de defesa".
Importa, antes de mais, precisar que o artº 203° não qualifica como nulidade insuprível toda e qualquer circunstância que condicione ou limite o concreto modo de exercício do direito de defesa por parte do trabalhador, mas somente aquelas que redundem na falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação, bem como a omissão de diligências essenciais para a descoberta verdade. Não consubstancia, pois, nulidade insuprível uma qualquer irregularidade, ainda que esta afete o exercício da defesa do trabalhador, desde que a este seja efetivamente dada a possibilidade de se pronunciar acerca de tudo aquilo que contra si está contido na Acusação; as demais irregularidades, ainda que contendendo com o exercício da defesa, deverão ser reclamadas pelo trabalhador até à decisão final, conforme dispõe o nº 2 do referido artº 203°, sob pena de virem a achar-se supridas, não tendo nenhum efeito invalidante sobre a decisão final.
Ora, as circunstâncias que o requerente sustenta constituírem nulidade insuprível são as seguintes: não ter sido ouvido em audiência oral, apesar de o ter requerido aquando da apresentação da sua defesa; não ter sido concedida a confiança do processo, que requereu durante a fase de instrução do mesmo; terem sido as testemunhas que indicou na sua defesa inquiridas através de troca de mensagens de e-mail, inteiramente por escrito; não ter sido declarado suspenso o prazo para apresentação da sua defesa e para a prática dos demais atos no processo disciplinar, nos termos da Lei nº 4/B2021 de 1 de Fevereiro; não ter sido oficiado ao IPO, conforme requereu na sua defesa, para prestar informações relevantes para o apuramento das circunstâncias atenuantes que alegou. Vejamos.
Da não audiência oral do trabalhador
Provou-se, com efeito, que o requerente pediu para ser ouvido oralmente acerca da matéria do processo disciplinar (Cfr. facto provado 25). Provou-se, também, porém, que já durante a fase de instrução fora o requerente contactado pelo instrutor no processo a fim de prestar esclarecimentos, tendo-se então declarado indisponível durante determinado período de tempo, não só por motivo de trabalho, mas também por motivo de gozo de férias.
Constitui nulidade insuprível a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade. A apreciação sobre se estamos ou não perante uma nulidade insuprível depende, pois, de dever ou não considerar-se que a audiência oral do trabalhador era, no caso, uma diligência essencial à descoberta da verdade. A resposta afigura-se-nos negativa, sobretudo atendendo a que, em sede da defesa que, por escrito, apresentou, o requerente fez uma detalhada exposição da sua versão dos factos, que negam quase na íntegra aqueles que foram objeto das participações e corroborados por testemunhas, não se vislumbrando assim, que relevância decisiva poderiam ter outros factos que, noutro momento, pudesse expor de forma oral.
De facto, a convocatória do requerente para prestação de esclarecimentos, no momento em que lhe foi dirigida, era necessária para a descoberta da verdade, uma vez que nenhuma pronúncia fora ainda emitida pelo trabalhador sobre a matéria em causa, e atendendo também a que a instrução do processo estava no seu início. No entanto, após a colheita dos depoimentos das diversas testemunhas e face aos dados contidos na defesa apresentada por escrito, a prestação desses esclarecimentos de forma oral poderia ser ou não considerada necessária, sendo legítimo ao instrutor decidir, atendendo aos dados já disponíveis o processo, sobre a sua pertinência, exercendo, aliás, a faculdade que lhe é conferida pelo artº 218° nº 1 da LGTFP. Deve notar-se que a recusa desta diligência requerida pelo trabalhador surge fundamentada em sede do Relatório Final, como se constata pela leitura do conteúdo que deste é transcrito no ponto 30 do probatório.
Não sendo, pois, a falta de audiência oral do trabalhador indispensável para a descoberta da verdade de modo inequívoco ou sequer fortemente plausível, não constitui uma nulidade insuprível do processo disciplinar. Na verdade, a recusa dessa diligência de prova requerida pelo arguido não constitui, sequer, uma irregularidade, uma vez que o instrutor detém a faculdade de recusar, desde que fundamentadamente, tais diligências de prova requeridas pelo trabalhador.
Pelo que não se afigura provável a procedência de tal razão.
Do indeferimento da confiança do processo
Provou-se que, ainda no decorrer da instrução do processo, isto é, antes da elaboração da Acusação, o autor requereu através do seu mandatário a confiança do processo disciplinar, pedido que foi indeferido (Cfr. Facto provado 21).
O artº 200° nºs 1 e 2 da LGTFP não deixam margem para dúvidas quanto à faculdade de recusa da confiança do processo que seja requerida pelo visado nesta fase, anterior à acusação, em que o mesmo tem natureza secreta. Tanto pela formulação usada no nº 1 - o processo "pode ser facultado ao trabalhador", sem que tenha necessariamente de o ser - como pela expressa referência à decisão de indeferimento, constante do nº 2.
Assim a recusa da confiança do processo, na face processual em que a mesma foi pedida, não comporta nulidade insuprível nem constitui, sequer, qualquer irregularidade, pelo que não é provável a procedência deste argumento na ação principal
Improvável é também que em sede da ação principal venham a ser desaplicados, por inconstitucionais, os referidos preceitos do artº 200° nºs 1 e 2. De facto, desde que, após a acusação, seja dada a possibilidade ao arguido de examinar o processo, a fim de preparar a sua defesa, encontra-se plenamente observada a exigência do artº 32° nº 10 da Constituição da República Portuguesa, isto é, estão asseguradas, ao arguido em processo sancionatório “todas as garantias de defesa". Ora, essa possibilidade é garantida precisamente pelo disposto no artº 216° n° 1 da LGTFP, que determina que durante o prazo para apresentação da defesa, pode o trabalhador ou o seu representante ou curador referidos no artigo anterior, bem como o advogado por qualquer deles constituído, examinar o processo a qualquer hora de expediente.
Da inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente somente por escrito Provou-se que as testemunhas que o requerente indicou na sua defesa foram somente inquiridas por escrito, através do envio de documento contendo a defesa do requerente, para que sobre ela se pronunciassem.
É certo que um tal modo de inquirição não permite o mandatário do trabalhador esteja presente e possa intervir na inquirição das testemunhas, direito que é conferido ao arguido nos termos do artº 218º nº 7. No entanto, há que considerar, por um lado, que tal modo de inquirição não foi decidido sem razão pertinente, estando justificado pelo estado da situação pandémica que então o país atravessava, e por outro - o que é verdadeiramente decisivo - que, mesmo que se considere que tal modo de inquirição constitui uma irregularidade, não pode certamente considerar-se que se trata de uma nulidade insuprível, uma vez que não comporta a falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação e não se apresenta a inquirição presencial como diligência indispensável à descoberta da verdade. Não sendo, pois, uma nulidade insuprível, sempre esta pretensa irregularidade teria de ter sido reclamada pelo trabalhador até à decisão final para que tivesse o efeito invalidante pretendido pelo requerente.
Não se afigurando, pois, provável, tão-pouco, a procedência da ação principal com base nesta razão.
Da não declaração de suspensão do prazo para apresentação de defesa
Sustenta o requerente que o facto de ter sido mantido o prazo de 10 dias para a apresentação da sua defesa (prazo que foi, no entanto, segundo alega, alargado para 15 dias), tendo em conta o contexto da situação pandémica, prejudicou o exercício da sua defesa, impedindo-o, designadamente, de reunir presencialmente com o seu mandatário, quando, por força da Lei nº 4/B 2021 de 1 de Fevereiro, os prazos para a prática de atos em processo disciplinar se encontravam suspensos, precisamente para evitar, designadamente, a compressão de direitos como o direito defesa em consequência das contingências inerentes à situação pandémica.
Tem o requerente razão em que o prazo para a apresentação da sua defesa se encontrava suspenso. Por essa razão, se não tivesse apresentado defesa dentro de tal prazo, não teria precludido o seu direito de a apresentar. No entanto, uma vez exercido tal direito dentro do prazo, não pode considerar-se que tal constitui uma irregularidade. De facto, assistia ao requerente usar de mais tempo para apresentar a sua defesa; no entanto, ao apresentá-la no prazo que lhe foi indicado, prescindiu desse direito. Com efeito, a suspensão dos prazos destinou-se a dispensar, mas não a impedir a prática de atos em determinados procedimentos durante o período pandémico de maior gravidade.
Ainda que se considerasse, porém, que a errada informação, por parte do instrutor do processo disciplinar, acerca de um prazo de que o autor dispunha para apresentar defesa- informação que efetivamente se deu (Cfr. facto provado 23) - quando os prazos se encontravam suspensos por força de lei, constitui uma irregularidade, não se seguiria daí estarmos perante uma nulidade insuprível, uma vez que tal circunstância não impediu a audiência do trabalhador em artigos de acusação, apenas limitando, por hipótese, em certa medida - mas nunca gravemente - a concretização dessa audiência, ao contender com a preparação da defesa do trabalhador.
Não se afigura, pois, provável, a procedência de tal argumento.
Do facto de não se ter oficiado ao IPO para que este prestasse as informações requeridas pelo trabalhador
O requerente pediu, em sede de defesa, que se oficiasse ao IPO a fim de que este prestasse uma série de informações, relacionadas com o impacto da direção do Serviço de Cirurgia da exercida pelo requerente e com a produtividade e o trabalho deste, informações assumidamente destinadas a comprovar a circunstância atenuante da prestação de mais de 10 anos de serviço, pelo trabalhador visado no processo disciplinar com exemplares comportamento e zelo, prevista no artº 190º nº 2 a) da LGTFP.
Tal requerimento foi indeferido, com base as razões para tanto apontadas no Relatório Final, a saber, serem tais informações relativas a factos de todo alheios à matéria dos autos do processo disciplinar, no qual nunca esteve em causa "o empenho e dedicação com que o trabalhador desenvolveu tecnicamente o cargo ocupado, bem como nunca se questionou o conhecimento técnico de que o mesmo é possuidor" .
Antes de mais, reitera-se que o indeferimento, desde que fundamentado, das diligências de prova requeridas pelo trabalhador é uma faculdade, quando não um poder-dever, que assiste ao instrutor do processo, quando considere que as mesmas são manifestamente desnecessárias. Ora, no caso presente, embora a existência de circunstâncias atenuantes seja de facto matéria relevante para a formação da decisão, na medida em que tais circunstâncias afetam a determinação da concreta medida da pena, não parece desadequado o juízo do instrutor de que as concretas diligências requeridas não seriam aptas a apurar circunstâncias atenuantes relevantes. Isto porque, com efeito, todas as informações que o requerente pretendia que fossem obtidas dizem respeito ao seu zelo e dedicação profissional e elevada competência técnica, mas não ao carácter exemplar do seu comportamento globalmente considerado, o qual não se esgota na atuação profissional técnica, mas tem uma vertente deontológica e ética fundamental, que é a que verdadeiramente está em causa nos autos. Circunstância atenuante a apurar, seria, assim, o carácter pontual, excecional, das infrações que originaram o processo, mediante a demonstração de que, durante 10 anos de serviço já prestados pelo trabalhador, nunca nada de semelhante ou igualmente censurável teria ocorrido.
Acresce, mais uma vez, que, não se tratando de nulidade insuprível, teria tal pretensa irregularidade de ter sido reclamada pelo trabalhador até à decisão final
Não se afigura, assim, provável, a procedência da ação principal com base em tal argumento.
Da insuficiência da prova recolhida para fundar a decisão final de aplicação da sanção
Além das alegadas causas de nulidade, sustenta o requerente que a decisão que lhe aplicou a sanção disciplinar em causa é inválida por não ser suficiente a prova recolhida no processo para atestar a veracidade dos factos que consubstanciam as infrações.
Vejamos. Seguindo a Jurisprudência mais recentemente firmada sobre o assunto, consideramos que não está vedado ao juiz reapreciar a prova produzida no processo disciplinar, isto é, atentar nos elementos de prova recolhidos no processo disciplinar e ajuizar acerca da sua suficiência ou insuficiência para fundar a aplicação da sanção, concluindo, no caso de a considerar insuficiente, pela invalidade da decisão que aplicou a sanção por verificação do vício de violação de lei, concretamente consubstanciado na violação do princípio in dubio pro reo, segundo o qual, sendo insuficiente a prova quanto aos factos imputados ao arguido, deve este ser absolvido.
Ao fazer tal reapreciação da prova o juiz deve, porém, não tanto considerar qual a sua convicção acerca da veracidade dos factos em causa com base os elementos de prova constantes dos autos (que não foram produzidos por si, e que apenas conhece mediatamente), mas sim considerar se era razoável e legítima a convicção que o instrutor do processo formou, face a esses elementos.
Ora, no caso presente foram colhidos os depoimentos de numerosas testemunhas, como se depreende dos factos provados 10, 18 e 19. Além da participante, quatro das testemunhas do sexo feminino inquiridas acerca dos factos participados por S. suscetíveis de consubstanciarem assédio sexual, reportaram atitudes desrespeitosas face a elas próprias e a outras, atitudes essas não apenas verbais, mas inclusivamente físicas, indiciadoras da veracidade do episódio reportado pela participante. Acresce que a participação escrita de S. é muito detalhada e coerente (Cfr. facto provado 1).
A coexistência de diversas participações contra o mesmo médico, que integram o processo disciplinar, embora sendo sobre factos de natureza distinta, não deixam, no entanto, de indiciar uma personalidade problemática, e de poder, assim, influenciar legitimamente o juízo do decisor (instrutor do processo) acerca da veracidade dos factos integradores das infrações.
Face a tais dados, sobretudo face à consonância da maioria dos depoimentos sobre alguns aspetos da personalidade do requerente e sobre comportamentos e atitudes suas face a mulheres, é perfeitamente razoável que os depoimentos que descreveram a personalidade do requerente de um modo mais abonatório ou neutro não tenham sido suficientes para criar a dúvida acerca da veracidade dos factos.
Note-se que, no que diz respeito à infração de violação de integridade física, participada por P., todas as testemunhas que confirmaram a versão dos factos constantes da participação se encontravam presentes na sala onde decorria a reunião ou na sala contígua, para a qual saíram os intervenientes, ao passo que a testemunha L., que negou essa versão dos factos, se encontrava no corredor, circunstância que justifica a menor valorização deste depoimento por parte do instrutor - além do facto de esta ser testemunha ser apenas uma, contra várias que confirmam os factos participados.
Da alegada fundamentação da decisão em elementos de prova não constantes da acusação
O requerente defende que a prova recolhida é insuficiente designadamente porque não podem ser valorados como elementos de prova os factos reportados pelas testemunhas C., S. e A. - as quais reportaram condutas assediantes adotadas pelo requerente para consigo ou com outras - uma vez que tais factos não fazem parte da acusação, pelo que o requerente não teve oportunidade de pronunciar sobre eles.
Não é, porém, assim. Resulta, com efeito, do facto provado sob o ponto 22 do probatório com base no teor da Acusação que consta do Processo Instrutor, que tal Acusação contempla a referência aos depoimentos das referidas testemunhas e aos factos neles reportados, concretamente na parte dessa peça processual correspondente à fundamentação da convicção do instrutor quanto os factos provados.
Acresce que o requerente teve a possibilidade de consultar todo o processo durante o período de preparação da sua defesa, pelo que teve, indubitavelmente, oportunidade de formular a sua defesa tendo em consideração esses depoimentos.
Da incompetência do instrutor nomeado no processo disciplinar e da ausência do parecer fundamentado da Comissão de Trabalhadores
Sustenta o requerente que o instrutor nomeado no Processo, Dr. V., não tinha competência para desempenhar tal função, uma vez que não preenche os critérios do artº 208° n'' 1 do LGTFP, na medida em que não é trabalhador do mesmo órgão ou serviço que o visado no processo, nem titular de cargo ou de carreira ou categoria superior à do trabalhador visado, quando existiam no IPO Coimbra vários trabalhadores que preenchiam estes critérios.
Sendo certo que, de facto, o pedido de colaboração ao Serviço Jurídico do CHUC para a nomeação de um instrutor "com adequada formação jurídica", que é referido no ponto 3 do probatório, não cumpre o disposto na lei, ao privilegiar o critério da formação jurídica, que é mero critério de preferência, em detrimento dos restantes critérios plasmados no artº 208° nº 1, tal irregularidade não constitui nulidade insuprível, pelo que deveria ter sido reclamada como tal pelo trabalhador até à decisão final, o que não se provou ter sucedido.
Quanto ao facto de, sendo obrigatória emissão de parecer fundamentado da Comissão de Trabalhadores quando esteja em causa a cessação de uma comissão de serviço, não ter sido solicitado tal Parecer no caso dos autos, importa notar que a sanção de cessação da comissão de serviço atua, no caso presente, ope legais, uma vez que, nos termos no artº 188º nº 2 da LGTFP, é sempre aplicada acessoriamente aos titulares de cargos dirigentes e equiparados por qualquer infração disciplinar punida com sanção disciplinar igualou superior à de multa. Deste modo, a exigência do Parecer fundamentado Comissão de Trabalhadores não pode, evidentemente, aplicar-se ­pois a lei não admite a possibilidade de não se fazer cessar a comissão de serviço em tais casos, nos quais seria, assim, inútil a emissão de tal Parecer.
Pelo que não poderia também proceder a pretensão do requerente em sede ação principal com base nestes argumentos.
Em face de todo o exposto, resta concluir que não se afigura provável, atentas as razões aduzidas pelo requerente para defender a invalidade das decisões suspendendas, que a ação principal cujo efeito útil a providência requerida se destina a assegurar, na qual estará em causa essa mesma invalidade, venha a proceder.
Não se verificando, pois, o necessário requisito do fumus bonis iuris, impõe-se indeferir a providência cautelar requerida.”

O Recurso Jurisdicional é predominantemente conclusivo, assentando não tanto na decisão recorrida, mas essencialmente na decisão administrativa originariamente impugnada.

Ao presente processo cautelar aplicam-se essencial e predominantemente, as regras gerais dos procedimentos cautelares, previstas nos Artigos 112º e seguintes do CPTA.

Com a nova redação do CPTA, deixou de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.
Em síntese, o recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal da sentença de 1ª instância que indeferiu a providência cautelar requerida, em resultado de ter entendido inverificar-se o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

Entende o aqui Recorrente nas suas alegações de Recurso que a decisão recorrida “enferma de nulidade por omissão de pronúncia, erra igualmente na fixação da matéria de facto e na aplicação do direito, como também faz errado julgamento da matéria de facto”.

Desde logo e no que respeita ao invocado erro na fixação da matéria de facto, entende o Recorrente que deveria ser aditado o segmento transcrito na conclusão 2) e alterado o ponto 27 da “Fundamentação de Facto” fixada na sentença, nos termos afirmados na conclusão 3) das alegações de recurso; e alterada quanto ao ponto 28 da mesma fundamentação da sentença recorrida.

Como sumariado no acórdão deste TCAN nº 676/15.4BEVIS, de 19-02-2021, “(…) Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.”

Igualmente se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 1828/06.3BEPRT de 27.11.2020, que “Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.”

Efetivamente, a alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.

Como se sumariou ainda no acórdão deste TCAN nº 01466/10.6BEPRT, de 04.11.2016, “À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto.”

Com efeito, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida, o que aqui se não reconhece perfunctoriamente.

Sem prejuízo do referido, o recorrente não demonstra que os factos que pretende alterar e/ou incluir na matéria dada como provada, influenciariam a decisão final a proferir, em face do que, só por si, sempre improcederia o pretendido.

Não se vislumbra pois que mereça censura a decisão adotada relativamente à factualidade dada como provada, inverificando-se pois os suscitados vícios conexos com a matéria dada como provada.

Na realidade, da matéria de facto fixada em 1ª instância não se reconhece que a mesma comporte qualquer erro de apreciação suscetível de determinar a alteração da decisão final.

Em qualquer caso, sempre se dirá que o modo de inquirição das testemunhas, por escrito, ateve-se na circunstância de ter ocorrido em período de pandemia, reportar-se a uma Providência Cautelar, cuja análise é, por natureza, perfunctória, e estarem em causa meros testemunhos abonatórios, apenas relevantes para eventual atendibilidade de circunstâncias atenuantes, e não prova de factos, que visassem a descoberta da verdade material.

Refira-se, no entanto, que a atipicidade como decorreram as inquirições das testemunhas, enquanto eventual invalidade, sempre teria necessariamente de ter sido suscitada até à notificação da decisão final, o que não ocorreu.

Mais invoca o recorrente que o Tribunal a quo terá cometido erro na apreciação das invocadas nulidades, o que determinaria a verificação do fumus boni iuris.

Em síntese, na perspetiva do Recorrente, estariam em causa as seguintes “nulidades”:
i. Falta de audiência oral do trabalhador em auto de declarações;
ii. O indeferimento da confiança do processo antes da acusação devido ao “injustificado caráter secreto” que lhe foi atribuído pelo instrutor;
iii. A interpretação inconstitucional do artigo 200.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP);
iv. A inquirição das testemunhas pelo modo como se concretizou;
v. A não suspensão do prazo prevista na Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, para a apresentação da defesa e prática de atos do procedimento disciplinar;
vi. Não ter sido oficiado aos serviços do IPO de Coimbra para prova de circunstâncias atenuantes especiais; a insuficiência da prova recolhida; a fundamentação da decisão em elementos de prova estranhos à acusação; a incompetência do instrutor nomeado;
vii. A não auscultação da Comissão de Trabalhadores estando em causa a sanção de cessação de uma comissão de serviço.

Vejamos:
Relativamente à falta de audiência oral do trabalhador em auto de declarações entendeu o Tribunal a quo, que tal diligência não seria indispensável para a descoberta da verdade, e que não constituiu uma nulidade insuprível, tanto mais que o arguido foi ouvido em sede de acusação.

Em qualquer caso, o arguido não deixou de ter sido convocado duas vezes para efeitos de inquirição oral, a qual apenas não se terá materializado, primeiro, por alegado impedimento profissional do mesmo e ulterior gozo do período de férias, o que veio a determinar a dispensa da referida inquirição pelo instrutor por falta de resposta à segunda convocatória efetuada (Cfr. Fls. 87 processo instrutor).

Em bom rigor, a LTFP apenas comina com nulidade (cfr. Artº 203.º da LTFP) a falta de inquirição do arguido “em artigos de acusação”, o que foi cumprido.

Efetivamente, o Recorrente, notificado da acusação, veio a pronunciar-se face à mesma, mais requerendo a realização de diligências probatórias.

Não há como comparar a falta de inquirição oral do arguido, com a falta de audiência do Recorrente em sede de acusação, esta sim, insuprível e sancionada com nulidade, como decorre do artigo 203.º, n.º 1, da LTFP.

Como se sumariou no acórdão deste TCAN, no Proc. n.º 185/11.0BECBR, de 05.12.2014, com o mesmo relator do presente:
“1 - Na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem, em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo.
2 - É requisito essencial dos artigos de acusação em processo disciplinar o da individualização ou discriminação dos factos que se tenham por averiguados e disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidas e com referência aos preceitos legais e às penas aplicáveis.
3 - A fundamentação dos atos administrativos visa, por um lado, dar a conhecer aos seus destinatários o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, de molde a permitir-lhes uma opção consciente entre a aceitação do ato e a sua impugnação contenciosa, e, por outro, que a Administração, ao ter de dizer a forma com agiu, porque decidiu desse modo e não de outro, tenha de ponderar aceitavelmente a sua decisão.
4 - O instrutor tem imperativamente que indicar, na acusação que formula, os preceitos legais violados e as penas aplicáveis, para que o arguido se possa defender cabalmente dessa acusação, sob pena de nulidade insuprível.
5 - Só uma acusação elaborada de forma clara, precisa, detalhada e circunstanciada, permite ao funcionário, arguido no procedimento disciplinar, conhecer os factos que lhe são imputados e, dessa forma, defender-se, de forma cabal e completa, assim se assegurando em pleno o seu direito de defesa (cfr. os artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, ambos da CRP)”.
Ratifica-se pois o entendimento da Sentença Recorrida, de acordo com a qual não se afigura provável a procedência da ação principal quanto à invocada “nulidade” por falta de audição oral do trabalhador e à consequente violação do seu direito de defesa.

No que concerne à “nulidade” decorrente do indeferimento da confiança do processo devido ao “injustificado caráter secreto” atribuído pelo instrutor, igualmente não merece censura o entendimento adotado pelo Tribunal a quo ao ter entendido que o impedimento de acesso àquele processo, antes de proferida a acusação, “não comporta nulidade insuprível, nem constitui, sequer, qualquer irregularidade, pelo que não é provável a procedência deste argumento”.

Aliás, é o próprio Artº 200.º, n.º 1, da LTFP, que expressamente estatui que até à acusação, o processo disciplinar reveste natureza secreta, revestindo a sua disponibilização ao arguido uma mera faculdade, sob condição de não ser divulgado o seu conteúdo.

Assim, a disponibilização do processo ao funcionário, antes da acusação, insere-se no âmbito da discricionariedade do instrutor, não constituído o indeferimento do requerido, nulidade processual ou procedimental, tanto mais que foi invocada a potencial perturbação do processo.

Como se afirmou na sentença recorrida, “(…) a recusa da confiança do processo, na face processual em que a mesma foi pedida, não comporta nulidade insuprível nem constitui, sequer, qualquer irregularidade, pelo que não é provável a procedência deste argumento na ação principal

Em face dos elementos documentais disponíveis, foram cumpridas as exigências de fundamentação e de notificação do despacho que indeferiu o acesso ao processo em momento anterior ao da notificação da acusação, a que alude o artigo 200.º da LTFP, em face do que se não reconhece a verificação da invocada nulidade.

No que concerne já à inquirição das testemunhas indicadas pelo aqui Recorrente por via de correio eletrónico, como afirmado já precedentemente, entende-se que a questão foi adequadamente decidida em 1ª instância atentos os condicionalismos decorrentes da pandemia, e em função da urgência decorrente do facto de estarmos em presença de um processo cautelar, de análise necessariamente perfunctória, insuscetível de permitir o adiamento da inquirição das testemunhas para além do razoavelmente admissível, tanto mais que estava em causa a mera inquirição de testemunhas abonatórias, sem consequências ao nível da fixação da verdade material.

Acresce que também aqui a nulidade invocada teria de ter sido invocada até à notificação da decisão final, o que não ocorreu.

Veja-se o que transparece do Artº 203º da LTFP:
“Nulidades
1 - É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
2 - As restantes nulidades consideram-se supridas quando não sejam objeto de reclamação pelo trabalhador até à decisão final.”

No que diz respeito à não suspensão do prazo para a apresentação da defesa e prática de atos do procedimento disciplinar, a questão mostra-se, por natureza, ultrapassada, uma vez que a defesa foi apresentada em tempo.

Aliás, a suspensão dos prazos operada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, não determinou a proibição da prática e tramitação de atos no procedimento disciplinar, neles se incluindo os relacionados com a inquirição de testemunhas, conquanto estivessem disponíveis meios de comunicação à distância para realização das respetivas diligências.

Como bem afirmou o tribunal a quo, mesmo que tivéssemos em presença de uma qualquer irregularidade, o que se não reconhece, ainda assim, “não se seguiria daí estarmos perante uma nulidade insuprível, uma vez que tal circunstância não impediu a audiência do trabalhador em artigos de acusação, apenas limitando, por hipótese, em certa medida – mas nunca gravemente – a concretização dessa audiência, ao contender com a defesa do trabalhador”, ao que acresce, mais uma vez, que a suposta nulidade sempre teria de ter sido invocada até à decisão final (Artº 203º nº 2 da LTFP).

Face à “nulidade” consubstanciada no facto de o instrutor não ter oficiado aos serviços do IPO de Coimbra para prova da quantidade de cirurgias realizadas pelo cirurgião e das listas de espera do Serviço, o que serviria para demonstrar a verificação de “circunstâncias atenuantes especiais da infração disciplinar”, está bem de ver que tal não teria quaisquer consequências ao nível da fixação da verdade material, ao que acresce que teriam igualmente de ter sido suscitadas até à decisão final.

Não é despiciente recordar ainda que, considerando o instrutor que a prova disponível e produzida se mostra já suficiente, pode legitimamente recusar a produção acrescida de prova – Artº 218.º, n.º 1, da LTFP.

Aliás, mal se compreende em que medida o desempenho funcional de um clinico poderá relevar e mitigar a responsabilidade a ilicitude e a culpa de alguém que é acusado de exercer assédio sexual no âmbito do seu desempenho.

Como relativamente às anteriores “nulidades” tratadas, também aqui, e em qualquer caso, teria a mesma de ter sido suscitada até à decisão final, o que não ocorreu.

Alega ainda o Recorrente que a sanção disciplinar aplicada será inválida por insuficiência da prova recolhida no procedimento disciplinar para qualificar as suas condutas como infrações, e que terão sido privilegiadas as declarações da participante S. .

Como resultava descrito na Sentença recorrida, a participação que veio a determinar a aplicação da pena que ora se impugna, por assédio sexual e danos morais, tem por base factos ocorridos em 20.07.2020, no interior do gabinete médico, para onde o visado chamou a participante e, por sua iniciativa, com ela permaneceu a sós nas referidas instalações, depois de ter mandado sair a enfermeira e o pai da participante.

Em função de toda a prova produzida e disponível, emerge prova factual e indiciária bastante para confirmar as declarações da participante, desde logo a partir do seu depoimento, em que confirma o teor da anterior reclamação por si apresentada em 26.07.2020, e das declarações prestadas pela enfermeira C..

Tendo os factos objeto de participação ocorrido no interior do gabinete médico, na presença exclusiva da participante, é manifesto que não há acrescida prova testemunhal que possa confirmar ou infirmar o participado, sendo que foi o clinico que, sem razão que o justificasse, criou as condições tendentes a ficar a sós com a participante, o que terá contribuído para formação da convicção do instrutor atenta ainda toda a restante prova produzida.

Refere ainda o Recorrente, quanto à participação do Dr. P., que inexistirá deliberação do Conselho de Administração do IPO de Coimbra para a instauração de procedimento disciplinar, pelo que “este não é válido, nem eficaz, devendo considerar-se inexistente (…) e não existe prova produzida nos autos suficiente para a punição do ora recorrente”

Os elementos de prova disponíveis infirmam o invocado, uma vez que atenta a participação disciplinar efetuada por aquele médico, e considerando a sua conexão com a participação de S. , o Conselho de Administração do IPO de Coimbra deliberou em 22.12.2020, a sua apensação ao procedimento disciplinar já em curso, como resulta do Artº 199.º, n.º 1, da LTFP que refere que “Para todas as infrações ainda não punidas cometidas por um trabalhador é instaurado um único processo”.

No que respeita já à invocada falta de fundamentação da decisão e consideração de elementos de prova não constantes da acusação, não se vislumbra nem reconhece que tal tenha ocorrido.

Com efeito, a acusação assenta predominantemente em factos enunciados nos depoimentos das testemunhas S., C., C., R., A. e M. (cfr. ponto 22 dos factos dados como provados), tendo o recorrente tido acesso, nomeadamente, aos mesmos imediatamente após a acusação, como decorre do legalmente estatuído, pelo que foi assegurada a suficiente e adequada fundamentação, não havendo rasto do decidido ter assentado em elementos diversos dos constantes da acusação.

No que respeita à suposta incompetência do instrutor nomeado no procedimento disciplinar, que equivaleria a uma “nulidade insanável”, por violação do artigo 208.º da LTFP, refira-se que se mostrou legitima a nomeação como instrutor de um jurista experimentado, ainda que estranho ao IPO, enquanto Diretor do Serviço Jurídico e de Contencioso do Centro Hospitalar, o que, em bom rigor, acrescentaria eficácia, e independência à instrução procedimental, sendo que, tal como relativamente a questões precedentemente tratadas, a falta de reclamação tempestiva da eventual irregularidade da sua nomeação, sempre teria determinado a convalidação do ato, como decorre do artigo 203.º, n.º 2, da LTFP.

Relativamente à “nulidade” que resultaria do facto de ter alegadamente sido proposta a cessação da comissão de serviço do clinico do cargo de chefia que exercia, sem que o processo tenha sido previamente apresentado à Comissão de Trabalhadores do IPO de Coimbra, nos termos do artigo 219.º da LTFP, o afirmado decorre de um equivoco.

Com efeito, decorre do Artº 219.º, n.º 4, da LTFP, que quando esteja em causa a aplicação de uma pena expulsiva será remetida cópia da acusação à comissão de trabalhadores.

Em qualquer caso, em concreto, não foi nem teria de o ser, pois que não estava em causa a aplicação de pena expulsiva ou de cessação de comissão em decorrência das infração de que o clinico vinha acusado, antes a mesma foi aplicada acessoriamente e ope legis, em decorrência da aplicação de pena superior à de multa, como resulta do Artº 188º nº 2 da LTFP.

A não ser assim, todos os Processos Disciplinares a funcionários em comissão de serviço a quem potencialmente pudesse vir a ser aplicada pena de multa ou superior, teriam de ir à Comissão de trabalhadores para parecer, o que se mostraria um desproporcionado absurdo.

No caso presente, e seguindo de perto a letra do referido Artº 188º nº 1 da LTFP, não estando em causa a aplicação de uma sanção que implicasse a extinção do vínculo laboral público que o trabalhador mantém com o IPO de Coimbra, nem de uma sanção de cessação da comissão de serviço a título principal, não se mostraria obrigatório, previamente à aplicação da pena de suspensão, a ida do Processo à Comissão de Trabalhadores para Parecer.

Assim, a falta de audição da CT não constituiu qualquer nulidade, sendo que, mais uma vez, mesmo que assim não fosse, a situação ter-se-ia consolidado pelo decurso do tempo, por não ter sido objeto de reclamação até à decisão final, como decorre do repetidamente aqui enunciado Artº 203.º, n.º 2, da LTFP.

No que concerne à suscitada omissão de pronúncia resultante de supostamente não ter sido dada resposta ao invocado nas conclusões de Recurso 19) e 23), importa antes de mais recordar o afirmado nas referidas conclusões:
“19) Nem o ora Recorrente, nem o seu mandatário, foram notificados, nada lhes tendo sido dado a conhecer, quer da forma decidida pelo Sr. Instrutor e, antes referida, para a audição das testemunhas, quer da notificação para deporem, nem das suas declarações, o que é legalmente inadmissível, pois viola grosseiramente o direito de defesa do ora Autor, tudo estando ferido de nulidade insuprível, o que o Tribunal “a quo” devia ter considerado na sua apreciação e análise, competindo-lhe concluir pela verificação do requisito do “fumus boni iuris”.

A questão suscitada não deixou de ser apreciada, ainda que não tenha, efetivamente, o tribunal a quo ido ao pormenor do argumento aduzido.

Efetivamente justificou o tribunal de 1ª instância o entendimento que adotou relativamente ao modo como as testemunhas foram ouvidas, tendo admitido como válido o procedimento utilizado, atentas as vicissitudes decorrentes da Pandemia e o facto das testemunhas serem meramente abonatórias, sem relevância quanto à fixação da verdade material e considerando o facto de estarmos em presença de processo Cautelar, por natureza urgente.

Assim, se é certo que o argumento invocado, em bom rigor não foi abordado, em qualquer caso, a questão subjacente foi abordada, desconsiderada e decidida, pelo que se não verifica a invocada nulidade.

Como sumariado, entre muitos outros, no Acórdão deste TCAN nº 489/09.2BEPRT, de 22-05-2015, “Só a falta de pronúncia sobre “questões” de que o Tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 d) do CPC, não a falta de refutação explícita de todas as razões ou argumentos invocados pelas partes para fazer valer as suas posições nessas “ questões”.

Já na Conclusão de Recurso 23), em ligação com a conclusão 22), refere-se:
22) (…) em violação dos direitos de personalidade do ora Recorrente, foi, como não pode deixar de dizer-se, expressamente comunicado que contra o mesmo existia uma participação por assédio sexual, de que era visado e que era médico e Diretor de Serviço do IPO, o que é inadmissível e manifestamente gravemente atentatório do seu bom nome e reputação, quer como cidadão, quer como médico.
23) Quanto a esta alegação a douta decisão nada refere, o que sempre consiste em omissão de pronúncia, que determina a nulidade da decisão recorrida, o que se invoca para todos os efeitos legais.

O teor das notificações feitas às testemunhas extravasa efetivamente a informação que deveria constar das mesmas, sendo que, embora suscetível de censura, não determina a invalidade do procedimento e, por maioria de razão, a sua nulidade, sendo que a Sentença não teria de se pronunciar necessariamente face à mesma, por, mais uma vez, se não tratar de uma questão a decidir.

Aqui chegados, entende-se que o Tribunal a quo, como lhe competia, conheceu das questões essenciais face às quais deveria ter conhecido, mostrando-se improcedentes as invocadas omissões de pronúncia.
* * *
Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, não se vislumbra que a Sentença recorrida mereça censura, não se tendo verificado, tal como decidido em 1ª instância, o preenchimento do requisito do “fumus boni iuris”, pois perfunctoriamente não se mostra “provável que a pretensão formulada ou a formular (…) venha a ser julgada procedente” “no processo principal” (Artº 120º nº 1 CPTA), ficando assim prejudicada a análise dos restantes requisitos, atenta a necessidade do seu preenchimento cumulativo para que pudesse ser determinada a procedência da Providência.

V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão objeto de impugnação.

Custas pela Recorrente

Porto, 19 de novembro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Isabel Jovita (em substituição)
Paulo Ferreira de Magalhães