Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00821/14.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:CLÁUSULA ANTI-ABUSO GERAL VS ESPECÍFICA, ÓNUS DA PROVA, PROCEDIMENTO, DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA,
NORMA ESPECIAL DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA VS NORMA GERAL DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA,
EXERCÍCIO DO DIREITO À DEDUÇÃO DO IVA, PRESSUPOSTOS, REQUISITOS DE FORMA DAS FACTURAS
Sumário:I - Em face do disposto no artigo 60.º, n.º 2, do RCPIT, não há que convocar o disposto no artigo 60.º, n.º 6 da LGT, já que a norma prevista naquele preceito se encontra numa relação de especialidade relativamente à prevista neste.

II - Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) só confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado o imposto mencionado em facturas e documentos que observem a forma legal.

III - O artigo 36.º do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código.

IV - A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos facturas tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.

V - Se os vícios formais contidos na factura ou documento equivalente não permitirem a exacta cobrança e respectiva fiscalização do imposto, o direito à dedução do IVA não pode ser exercido.

VI – No caso em análise, as facturas em causa, nos termos em que se apresentam, não revelam a quantificação/extensão das prestações de serviços, o que, pelas razões explicadas no acórdão, compromete definitivamente a possibilidade de a Administração Tributária controlar a base tributável e o apuramento do imposto.

VII - No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado facturado as facturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo que haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.

VIII - Deste modo, não obedecem aos requisitos legais, não conferindo, por isso, direito à dedução do IVA, facturas em que apenas se mencionam, relativamente a serviços prestados, expressões como: “Serviços de desenvolvimento”, “Serviços de Assistência Técnica” ou “Desenvolvimento de conteúdos”.

IX - Por estas razões, o IVA liquidado nas facturas em causa não pode ser deduzido, sendo claro que não se mostram preenchidos todos os requisitos formais que as facturas, nos termos legais, devem conter – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do CIVA. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:G., Lda.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 10/07/2017, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por G., Lda., pessoa colectiva n.º (...), com sede na Rua (…), (…), contra as liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 1003T a 1012T, no valor global de €85.552,01.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a presente impugnação visando a anulação das liquidações de IVA do ano de 2010, no montante de € 85.552,01.
B. Considerou o Tribunal a quo que “…o relatório inspectivo apoiou-se, para as correcções efectuadas, consubstanciadas na desconsideração de IVA deduzido em 2010, no facto de entender que estavam em causa operações simuladas, o que tem eco no artigo 38º nº 2 da LGT.”
C. E que: “…estando em causa uma alegada prática anti abuso, o prazo a observar é de 30 dias, como pretendia a impugnante pois ao mesmo se refere o artigo 63º do CPPT a convocar.”
D. E ainda que: “Assim sendo, não podia à impugnante ser reduzido a 15 dias o prazo para exercer o seu direito de audição prévia quando o artigo 63º do CPPT alarga aquele prazo para 30 dias, tendo, inclusive a impugnante solicitado a sua prorrogação para aquele prazo de 30 dias (15 dias concedidos mais uma prorrogação de mais 15 dias solicitada), o que constitui uma garantia da mesma que, a ser inobservada, como foi, constitui a preterição de uma formalidade essencial que inquina de ilegalidade os actos de liquidação.”
E. Concluindo: “…temos pois que se impunha, na situação trazida, a audição da impugnante em 30 dias e, ao ser omitida, como foi, tal omissão determina a anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios postas em crise.”
F. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, considerando que padece a sentença de erro na análise da matéria de facto e fundamentação da AT e na aplicação do direito, pelas razões que passa a expender.
G. A correcção efectuada resultou de, em procedimento de inspecção, a Administração Tributária (doravante, AT) ter, nos termos do artigo 19º, n.º 3 do CIVA, desconsiderado IVA deduzido pela impugnante (ora recorrida) com base em determinadas facturas, com fundamento na existência de factos objectivos e credíveis, fortemente indiciadores de que às mesmas não correspondiam operações reais.
H. Tais factos, carreados para o Relatório de Inspecção Tributária (RIT) foram obtidos junto de cada um dos emitentes das facturas em causa (entidades relacionadas entre si e com a impugnante, todas elas pertencentes ao designado “Grupo (...)”, assim como na própria impugnante, de cuja análise e conjugação veio a resultar a convicção de que tais facturas eram destituídas de materialidade.
I. No entanto, entendeu o Tribunal que “O relatório inspectivo inicia um longo discurso acerca das relações especiais entre a impugnante e outras empresas do “Grupo (...)” para concluir pela existência de fortes indícios de operações que considerou simuladas, ocasionando as liquidações postas em crise.”, e que, “… a AT norteou-se pela cláusula anti abuso…”.
J. Com o devido respeito, não é esta a conclusão que se pode extrair da análise dos autos.
K. Como decorre do Relatório Inspectivo (vide página 221), as correcções impugnadas não tiveram por base qualquer disposição anti-abuso, antes resultaram de um procedimento de avaliação da matéria colectável perante a constatação de operações simuladas, “pelo que, nos termos do disposto no número 3 do artigo 19.º do Código do IVA, verificou-se por parte da G., LDA. uma dedução indevida deste imposto, e que deu origem a uma falta de entrega de imposto nos cofres do Estado.”
L. Por outro lado, também se concluiu no RIT (vide página 222) que “as faturas em causa não dão cumprimento ao disposto no número 5 do artigo 36.º do Código do IVA, uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados ou contêm uma menção genérica dos serviços prestados (…), razão pela qual, nos termos do número 2 do artigo 19.º do Código do IVA, a dedução do imposto seria sempre indevida.”
M. Não é pelo simples facto de a AT no seu relatório fundamentador afirmar que “…existem operações que configuram operações simuladas, quer no que concerne ao seu valor, quer ainda na sua efectiva realização…” que se pode entender, porque assim não entendeu a AT, que existiu uma “alegada prática anti abuso” como entendeu o Tribunal a quo, aplicando este, singelamente, o n.º 2 do art. 38.º da LGT,
N. como se atesta pela leitura da douta sentença ora recorrida: “…o relatório inspectivo apoiou-se, para as correcções efectuadas…no facto de entender que estavam em causa operações simuladas, o que tem eco no artigo 38º nº 2 da LGT.”; “…a AT norteou-se pela cláusula anti abuso…” (sublinhado nosso)
O. Ora, a aplicação desta norma não se cinge à mera prevalência da substância sobre a forma, como pareceu entender o Tribunal a quo.
P. Uma coisa é atender-se à substância económica de um determinado facto tributário, desconsiderando apenas a forma jurídica utilizada, algo bem diferente é afirmar-se que essa mesma desconsideração acarreta a utilização de meios artificiosos e fraudulentos.
Q. Como refere J.L. Saldanha Sanches, a propósito da clausula geral anti-abuso consagrada no n.º 2 do art. 38.º da LGT: “estamos muito longe da ideia da perspectiva económica, traduzida na mera prevalência da substância sobre a forma: a intencionalidade da norma e os problemas a que procura responder são os mesmos, mas os condicionalismos que rodeiam a sua aplicação são muito mais exigentes, permitindo um balizamento mais cauteloso do exercício de poderes que atribui à Administração. E a primeira e mais importante restrição encontra-se no conceito de negócio jurídico realizado por meios artificiosos e fraudulentos, ou seja, um negócio jurídico que possa ser considerado, ele próprio, por causa dos meios a que recorreu, como sendo artificioso e fraudulento” (in Os limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, p.170)
R. É doutrinal e jurisprudencialmente considerado, que a previsão do art. 38.º, nº. 2 da LGT, ao estatuir que "são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas",
S. “consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1 - O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2 - O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 3 - O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4 - O elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo -sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr.art°.63, n°,2, do C.P.P. Tributário)” (Acórdão do TCA Sul de 15.02.2011, proferido no processo n.º 04255/10.
T. No mesmo sentido, a nível doutrinal, veja-se, Gustavo Lopes Courinha in A cláusula Geral anti-abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2009; Diogo Leite Campos e João Costa Andrade, in Autonomia Contratual e Direito Tributário (A Norma Geral Anti-elisão), Almedina, 2008. Já J. L. Saldanha Sanches, in Op. Cit., a p. 170, fala em três requisitos, em tudo idênticos, porém, a estes quatro.)
U. Ora, não resulta do relatório fundamentador da AT qualquer referência a qualquer um destes pressupostos.
V. Se a AT, ao conhecer de toda a matéria de facto, entender que a deve requalificar juridicamente, ou seja, no caso em concreto, qualificá-la como sujeita a imposto por não reunião dos pressupostos de não sujeição, sem ter de desconsiderar actos ou negócios, então não haverá nunca lugar à aplicação da cláusula geral anti-abuso ou anti-elisão.
W. Os pressupostos da aplicação da cláusula geral anti-abuso têm que ser provados pela AT, ou seja, e como refere Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in LGT anotada e comentada, 4º edição, 2012, p. 304, “tem de ser esta a provar que foram celebrados actos ou negócios jurídicos; que estes foram essencial ou principalmente dirigidos ao fim fiscal referido; descrever os resultados fiscais; alegar e provar os meios artificiosos ou fraudulentos; alegar e provar o abuso de formas jurídicas”
X. Ora, em parte alguma da sua fundamentação entendeu a AT que existiu um comportamento evasivo ou fraudulento da impugnante, pelo que,
Y. se a própria AT não interpretou os factos como sendo de artificiosamente visar a não tributação em imposto, não pode o Tribunal afirmar que a AT assim o fez.
Z. Com o devido respeito, não pode o Tribunal substituir-se à AT, como se substituiu.
AA. Ademais, refira-se, não decorre dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo o preenchimento dos pressupostos exigidos no n.º 2 do art. 38.º da LGT, para que a cláusula geral anti-abuso fosse aplicada, ou seja,
BB. como pode o Tribunal decidir pela anulação das liquidações de IVA, afirmando que a causa de tal anulação é a omissão da audição da impugnante em 30 dias imposta pelo n.º 5 do artº 63º do CPPT (procedimento de aplicação de disposição anti-abuso), quando, ao interpretar os fundamentos invocados pela AT determinantes da conclusão pela dedução indevida de IVA,
CC. não demonstra, como deveria, para assim decidir, quais os factos dados como provados que preenchessem os pressupostos exigidos no art. 38.º, n.º 2 da LGT e demonstrativos de que de facto a AT aplicou essa norma.
DD. Considera a Fazenda Pública que tais factos inexistem, daí que a AT não tenha procedido à aplicação da norma que o Tribunal entende que a AT implicitamente aplicou.
EE. Isto porque a aplicação do n.º 2 do art. 38.º da LGT – a denominada cláusula geral anti-abuso – reitera-se, não é de tão singela aplicação, como, com o devido respeito, fez transparecer o Tribunal a quo na sua decisão aqui recorrida.
FF. Pelo exposto, sendo certo que não poderá vislumbrar-se no caso em apreço a figura do anti-abuso até porque não foi essa a fundamentação que suportou as correcções ora controvertidas, dúvidas não podem subsistir de que a conduta da AT, ao não ter instaurado o procedimento específico previsto no art. 63.º do CPPT, se mostra legitimada.
GG. No mesmo sentido, vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.11.2012, no processo n.º 03877/10.
HH. Destarte, tendo o Tribunal a quo feito errada interpretação da factualidade e fundamentação explanada pela AT, aplicando um pressuposto exigido numa norma legal não aplicada pela AT nem de aplicar ao caso em concreto, incorreu em erro de julgamento de facto e do direito aplicável, devendo em consequência ser a sentença recorrida revogada.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”

A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, os autos prosseguirem para apreciação e decisão das restantes questões suscitadas.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter julgado procedente a impugnação judicial, por incumprimento do prazo especial fixado, para o exercício do direito de audição, no artigo 63.º, n.º 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ao considerar que a AT aplicou in casu a cláusula geral anti-abuso – artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), sem a devida instauração do procedimento prévio a que alude o artigo 63.º, n.º 3 do CPPT.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
1. No ano de 2010 e durante um período de cerca de seis meses a sociedade . prestou serviços para a impugnante tendo produzido para esta cerca de 1.100 textos em Português que depois foram traduzidos para Inglês.
2. A impugnante foi alvo de um procedimento inspectivo de âmbito parcial credenciada pela Ordem de Serviço OI201304117, relativa ao IVA de 2010 – Cfr. fls. 40/169 do PA.
3. O procedimento inspectivo referido em 02) teve por base “… os elementos recolhidos ao abrigo do Despacho nº ... de âmbito “Consulta, recolha e cruzamento de elementos – Recolha de elementos relativos às transacções efectuadas co sujeitos passivos com os quais se encontram numa situação de relações especiais, tal como definido no artigo 63º do Código do IRC” e de extensão ao ano 2010, o qual foi iniciado no dia 2013-01-25. Refira-se que tal procedimento foi objecto de prorrogação de prazo adicional de três meses, nos termos da al. a) do nº 3 do artigo 36º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT)…” Cfr. fls. 40, frente e verso, do PA.
4. O motivo que levou a AT a iniciar o procedimento inspectivo referido em 02) e 03) foi por considerar que “...verificou-se que a contabilizou diversas faturas que titulam operações simuladas…” - Cfr. fls. 40 do PA.
5. No âmbito do procedimento inspectivo referido nos pontos anteriores, foi remetido à impugnante o ofício de 28.08.2013, para se pronunciar em 15 dias sobre o projecto de relatório inspectivo, o qual era constituído por 134 folhas – Cfr. fls. 170 do PA.
6. Na sequência da remessa à impugnante do oficio referido no ponto anterior, a impugnante apresentou na Direcção de Finanças do Porto um requerimento por via do qual solicitava a concessão de mais 15 dias adicionais de modo a pronunciar-se em sede de audição prévia sobre o projecto de relatório inspectivo alegando que o requerido era para exercer convenientemente o direito de audição prévia, tendo em conta que “ estão a ser analisadas simultaneamente por empresas por empresas associadas mais seis relatórios idênticos, cada um com mais de 250 páginas…” - Cfr. fls. 171 do PA.
7. O requerimento referido em 06) foi indeferido por despacho de 25.09.2013, por ter a AT considerado que não se encontra prevista a figura da prorrogação de prazo – Cfr. fls. 172, frente e verso, do PA.
8. Na sequência da acção inspectiva referida nos pontos anteriores foi elaborado em 30.09.2013 pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) o Relatório Final de Inspecção constante de fls. 40/169 do PA, incluindo 14 anexos, cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
9. De acordo com o Relatório Inspectivo e acção inspectiva foram efectuadas correcções aritméticas ao IVA de 2010, consubstanciadas em IVA que a AT considerou indevidamente deduzido pela impugnante em aquisições de bens e serviços por não terem subjacentes operações efectivamente realizadas, nomeadamente: IVA de 1003T (€ 24.000,00); IVA de 1006T (€ 3.000,00); IVA de 1009T (€ 12.600,00) e IVA de 1012T (€ 37.002,00) – Cfr. relatório inspectivo junto ao PA fls. 40/169.
10. Os fundamentos das correcções meramente aritméticas referidas em 09) são as seguintes:
“(…) 3. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
(…) No decurso do procedimento inspectivo … junto da T., Lda…. Constatou-se que a mesma tinha efectuado, no ano de 2010, aquisições e transmissões de bens e serviços a sujeitos passivos com os quais se encontra numa situação de relações especiais, tal como definido no artigo 63º do Código do IRC.
(…)
Em consequência dos elementos recolhidos nos procedimentos inspectivos efectuados junto das entidades referidas no ponto anterior e dado que estas haviam efectuado, no ano de 2010, aquisições e transmissões de bens e serviços com outros sujeitos passivos que se encontram numa situação de relações especiais, foram iniciados procedimentos inspectivos no âmbito de “Consulta, recolha e cruzamento de elementos” junto destes (L., T., T-. e A.).
As entidades acima mencionadas vão, ao longo do presente documento ser identificadas por “Grupo (...)”, desenvolvendo actividades de “Consultoria e Programação Informática e actividades relacionadas” …(à excepção da G., LDA. que também desenvolve a actividade de “Formação Profissional”…) e da L. que desenvolve exclusivamente a actividade de “Outras actividades de consultoria para os negócios e para a gestão”…que se encontram identificadas no quadro seguinte:
(…)
O referido “Grupo (...)” tem como denominador comum o seguinte conjunto de pessoas identificadas ao longo do presente documento, os quais são sócio e/ou gerentes referidas sociedades nacionais ….
(…)
Por outro lado, e uma vez que as várias entidades do “Grupo (...)” haviam realizado, no ano de 2010, aquisições e transmissões de bens e serviços à sociedade G. , LDA…também foi iniciado um procedimento inspectivo de âmbito “Consulta, recolha e cruzamento de elementos “ junto da mesma…
(…)
Finalmente, refira-se que, em virtude de se ter verificado do sitio d internet da T., ……, a existência da concessão de incentivos no âmbito do Quadro de Referencia Estrategico Nacional (QREN), e dado que nos sítios da internet de outras empresas do “Grupo (...)” se verificou igual facto, procedeu-se a um pedido de elementos ao IAPMEI…
(…)
3.10 Análise global dos elementos recolhidos
…o valor das vendas e prestações de serviços efectuadas pelas entidades que compõem o “Grupo (...)”…ascendeu a € 1.972.867,80 assim distribuído:



VALORES DAS VENDAS E PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS
Entidades relacionadasOutras entidadesTotal
T.63.500,0063.500,00
(...)466.360,00 71.687,80538.047,80
G., Lda.385.700,00 760,00386.460,00
Senhor M.105.000,00 1.000,00106.000,00
L.213.450,00 1.850,00215.300,00
T.151.000,001.980,00152.980,00
T-.98.000,0045.500,00 143.500,00
A.50.080,00 50.080,00
G.317.000,00 317.000,00
TOTAL 1.850.090,00 122.777,80 1.972.867,80
Do exposto resulta que o valor dos serviços prestados/bens transmitidos “intragrupo” representa uns expressivos 93,78% (€ 1.850,090,00 / € 1.972.867,80) do valor total.
Ora, para obter estes rendimentos, o grupo “(...)” incorreu em gastos diretos, que, para além dos referentes a “Fornecimentos e Serviços Externos” (suportados essencialmente junto de entidades do referido grupo), se consubstanciaram em “Gastos com o Pessoal”. O quadro seguinte dá conta dos “Gastos com o Pessoal” suportados no ano de 2010 pelas referidas entidades:
ENTIDADEVALOR DOS GASTOS
COM O PESSOAL
T.9.205,48
(...)15.069,26
G. 105.502,84
Senhor M. 30.980,65
L. 10.802,66
T.
T-.26.251,97
A.12.063,06
G.596,84
TOTAL210.445,6
No entanto assinale-se que uma parte substancial do valor dos “Gastos com o Pessoal” Incorridos pela G., LDA refere-se a gastos imputados ao projecto de Formação Modulares Certificados (Projecto de Formação nº 039546/2010/23), no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH)
Ora, de acordo com os respectivos recibos de vencimento, o valor dos vencimentos/hora pagos variam entre € 2,51 e € 10,38 (pese embora estes valores não correspondam aos gastos/hora suportados pelas referidas entidades, em virtude de não estarem incluídos outros gastos, tais como, as contribuições para a Segurança Social por conta da entidade empregadora).
No entanto, quando comparados estes valores com o valor/hora facturado pelas referidas entidades (€ 50,00 em regra) a outras entidades do “Grupo (...)”, verifica-se uma discrepância substancial entre o gasto e o rendimento directamente obtido.
Ma, para além desta discrepância em termos de valores unitários, verificam-se, em função dos “Relatórios de Projecto” fornecidos pelas entidades em causa …. E tal como demos conta ao longo do presente documento, outras situações que influenciaram, directamente, o valor dos serviços prestados, designadamente:
- imputação de horas por parte de colaboradores após data de emissão da fatura correspondente ao projecto em causa;
- Imputação por parte dos colaboradores, sem que tenha observado que as entidades tenham suportado quaisquer gastos com os mesmos.
Por outro lado, e ainda em função dos “Relatórios de Projeto” fornecidos pelas entidades em causa…é possível constatar-se que as horas mensais imputadas por alguns colaboradores ultrapassa o “limite mensal” de 184 horas (ou seja, 8 horas x 23 dias uteis). A este propósito atente-se ao Anexo nº 11, verificando-se que:
- O valor mensal imputado por A. é superior àquele montante nos meses de Janeiro (228), abril (192), Setembro (204), outubro (188) e novembro (196);
- Quanto a R., e de acordo com os mapas de custo elaborados por G., LDA, relativos à imputação de horas por parte de R. ao projecto de Formação Modulares Certificadas (Projecto de Formação nº 039546/2010/23), no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), e tendo em consideração o nº de horas não afeto à formação (ou seja, afeto a “Serviços Gerais”), é possível cotejar as horas disponíveis daquele funcionário com horas imputadas, verificando-se que em diversos meses (Setembro, novembro e dezembro) ultrapassa o numero de horas disponíveis …:
MÊSMAPAS DE CUSTOHORAS (Cfr. anexo 11)
(Horas referentes a serviços gerais)
Agosto7552
Setembro76116
Outubro8484
Novembro24100
Dezembro3470
Assim, em resultado do exposto nos números anteriores verifica-se que, em função do valor dos gastos com o pessoal/hora directamente imputáveis:
- o valor dos serviços prestados/hora é substancialmente superior (na ótica da entidade prestadora), originando, na entidade adquirente:
- um valor dos “Fornecimentos e Serviços Externos” (caso tal montante seja reconhecido directamente no exercício) substancialmente superior ao valor dos gastos suportados pela entidade prestadora; ou
- um valor do ativo fixo tangível ou intangível (caso o montante seja capitalizado) substancialmente superior ao valor dos gastos suportados pela entidade prestadora.
Ora, tal como se verificou, nomeadamente através das fichas de imobilizado fornecidas pelas entidades em causa, os elementos que compõem o activo fixo tangível das diversas entidades do “Grupo (...)” (e G.) foram sendo adquiridos, quase exclusivamente, a entidades pertencentes ao “Grupo (...)”, em particular ao nível do ativo intangível.
Esse facto é também possível de verificar quando se analisam as relações das despesas de investimento no(s) pedido de pagamento (s) por parte das entidades do “Grupo (...)” que celebraram com o IAPMEI contratos de concessão de incentivos financeiros.
E se, para efeito do recebimento do incentivo financeiro, tais valores de aquisição de bens/serviços a outras entidades pertencentes ao “Grupo (...)” são relevantes para a concretização da despesa de investimento, também será de destacar a sua importância ao nível da avaliação do desempenho para efeito de atribuição do prémio de realização/concessão de incentivo não reembolsável por parte do IAPMEI.
Em regra, a avaliação do desempenho do projecto para efeito de atribuição do prémio de realização, e constante da cláusula 6ª dos contratos, poderá ser medida segundo fórmulas compostas, entre outros, pelos seguintes rácios:
- o quociente entre o prazo, em dia, aprovado para a realização do projecto e o prazo efectivo de realização do projecto, em dias, medido à data de conclusão do investimento;
- o quociente entre o montante das despesas elegíveis realizadas e o montante das despesas elegíveis aprovadas;
- o quociente entre o Mérito do Projecto Real, medido no ano pós projecto e o Mérito do Projecto esperado do ano pós- projeto;
Pelo que, e no que concerne aos dois primeiros rácios, a aquisição de bens/serviços a outras entidades pertencentes ao “Grupo (...)” permite, mais facilmente a sua concretização.
Como tal, e tendo em atenção tudo o exposto anteriormente ao longo do presente documento, é nosso entendimento que existem operações entre as entidades pertencentes ao “Grupo (...)”, incluindo neste grupo, para efeitos desta análise, a sociedade G., que configuram operações simuladas, quer no que concerne ao seu valor, quer ainda na sua efectiva realização, visando, essencialmente, a comprovação de despesas de investimento no (s) pedido de pagamento (s) por parte das entidades do “Grupo (...)” que celebraram com o IAPMEI contratos de concessão de incentivos financeiros.
3.11. Apuramento do imposto em falta
Assim, e pelo referido ao longo deste documento, e, em particular, conjugando a analise dos elementos recolhidos especificamente junto da G., LDA…., com o referido no ponto anterior, é nosso entendimento que estamos perante operações simuladas, pelo que, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 19º do CIVA, verificou-se por parte da G., LDA. uma dedução indevida deste imposto, e que deu origem a uma falta de entrega de imposto nos cofres do Estado.
Será de assinalar que algumas das faturas emitidas pelas entidades do referido “Grupo (...)” foram utilizadas pela G., LDA na actividade de “Formação Profissional”, a qual não confere o direito à dedução. Como tal, não se verificou a dedução de imposto contido nos seguintes documentos:




DATANOMEQUANTVALO RBASE TRIBUTIVA TO TALDESCRIÇÃO
UNITARIO
30.9.2010A.11.020,001.020,00214,201.234,20Serv. Contact Center
Coordenação (€120,00) e Serviços
de Contactos (€ 900,00)
30.9.2010(...)2485,00970,00203,701.173,70Equipamento p sala de
Formação Informática
30.9.2010(...)11.000,001.000,00210,001.210,00Atualização web site
www.G., Lda.pt
30.10.2010(...)2485,00970,00203,701.173,70Equipamento para sala
de formação Informática
30.10.2010A.11.020,001.020,00214,201.234,20Serv. Contact Center
Coordenação (€120,00) e Serviços
de Contactos (€ 900,00)
30.11.2010(...)2485,00970,00203,701.173,70Equipamento p sala de
Formação Informática
30.12.2010A.11.020,001.020,00214,201.234,20Serv. Contact Center
Coordenação (€120,00) e Serviços
de Contactos (€ 900,00)
28.02.2011(...)2485,00970,00203,701.173,70Equipamento par a sala
de formação Informática
30.11.2010A.11.020,001.020,00214,201.234,20Serv. Contact Center
Coordenação (€120,00) e Serviços
de Contactos (€ 900,00)
TO TAL8.960,001.881,6010.861,00

Em face do exposto, e relativamente às restantes faturas emitidas pelas entidades do referido “Grupo (...)” incluindo neste grupo, para efeito desta análise, a sociedade G., a falta de entrega de imposto nos cofres do Estado cifrou-se em:
ANO 2010
PeríodoValor (€)
1003T24.000,00
1006T3.000,00
1009T12.600,00
1012T37.002,00
TOTAL76.602,00
Independentemente do referido anteriormente, verifica-se que as faturas em causa não dão cumprimento ao disposto no número 5 do artigo 36º do Código do IVA, uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados ou contém uma menção genérica dos serviços prestados (por exemplo, “Serviços de desenvolvimento”, “ Serviços de Assistência Técnica” ou “Desenvolvimentos de conteúdos”), razão pela qual, nos termos do nº 2 do artigo 19º do Código do IVA, a dedução do imposto seria sempre indevida.
Refira-se ainda que nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 2º do Código do IVA, são sujeitos passivos “as pessoas singulares ou colectivas que em fatura ou em documento equivalente mencionem indevidamente IVA”, razão pela qual o imposto liquidado pela G., LDA nas faturas que emitiu teria que ser sempre entregue nos cofres do Estado.
(…)
7. Infracções verificadas
(…)
7.1.1.1 Em sede de IVA
Tal como se referiu, em face aos elementos recolhidos constantes dos pontos anteriores, existem indícios fortes de que estamos em presença de negócios jurídicos simulados, no que diz respeito às faturas emitidas pelas entidades do referido “Grupo (...)” incluindo neste grupo, para efeito desta análise, a sociedade G..
A celebração de negócios simulados proporcionou a obtenção de uma vantagem patrimonial ilegítima à sociedade G., LDA., vantagem essa que se fixou no montante do IVA a pagar e que a entidade inspeccionada não pagou, em resultado de ter deduzido o imposto constante em tais faturas.
O imposto indevidamente deduzido ou, ou, dito de outra forma, a vantagem patrimonial obtida pela entidade inspeccionada, foi de, com referencia ao ano 2010:
- € 24.000,00 no 1º trimestre;
- € 37.002,00 no 4º trimestre;
Assim sendo, a sociedade G., LDA praticou, conjuntamente com os emitentes de tais faturas, infracções previstas e punidas pelo número 2 do artigo 104º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), ….”Fraude qualificada”.
(…)
Em sede de IVA, e tal como foi mencionado anteriormente, o imposto indevidamente deduzido, ou, dito de outra forma, a vantagem patrimonial obtida pela entidade inspeccionada, com referencia ao ano 2010, seria de:
- € 3.000,00 no 2º trimestre;
- € 12.600,00 no 3º trimestre;
Valores esses inferiores a 15.000,00.
(…)
9.Propostas
Tendo em atenção os factos relatados no presente documento, propõe-se que sejam efectuadas as correcções em sede de IVA mencionadas no capitulo 3 do presente documento, relativamente ao ano 2010 …”
11. Sobre o Projecto de Relatório referido nos pontos anteriores foi emitido Despacho de concordância em 08.10.2013 – Cfr. fls. 36 do PA.
12. Na sequência da acção inspectiva atras referida foram efectuadas liquidações adicionais de IVA do ano 2010, pela AT, nos montantes de:
- € 24.000,00 referente 1003T
- € 3.000,00 referente a 1006T
- € 12.600,00 referente a 1009T
- € 37.002,00 referente a 1012T – Cfr. Docs. 1 a 4 juntos com a PI e constantes de fls. 57/60 do processo físico.
13. E, foram ainda efectuadas liquidações de juros compensatórios nos montantes de:
- € 3.240,00 referente 1003T
- € 375,12 referente a 1006T
- € 1.449,86 referente a 1009T
- € 3.884,70 referente a 1012T - Cfr. Docs. 5 a 8 juntos com a PI e constantes de fls. 61/64 do processo físico.
14. A impugnante e as sociedades L., T., A., T.; Sr. M e T-., são “empresas” associadas que tem sócios comuns, funcionando como um grupo de empresas – Facto não controvertido.
*
FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, inexistem.
*
MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico do acervo documental constante dos autos, conforme referido em alguns dos pontos do probatório.
Ancorou-se, ainda, o Tribunal na posição assumida pela Impugnante e FP bem como no PA apenso.
Relativamente ao ponto 01) dos factos provados, apoiou-se o Tribunal na fatura junta aos autos (fls. 175 do PA) em conjugação com o depoimento da 1ª testemunha arrolada pela impugnante e ouvida pelo Tribunal, L., representante da sociedade “G.” que, com detalhe, de modo credível, espontâneo, sem hesitação e com conhecimento directo explicou ao Tribunal que a “sua empresa” prestou serviços para a impugnante, nomeadamente a produção de textos em Português sobre países vários, traduzidos para Inglês, para colocar no site…, tendo, inclusive de contratar prestadores de serviços, explicando que tais prestações correspondem a cerca de 2.1000 horas de trabalho (1.100 textos a dividir /por 2.100 horas equivale a cerca de 2horas e 30m).
O Tribunal consultou o site indicado e constatou que no mesmo está vertido, efectivamente, informação respeitante a vários destinos/cidades, como relatado pela testemunha, tratando-se, como a mesma avançou de um site destinado essencialmente a turistas para conhecimento de destinos e locais de visita em cada país e capital.
Relativamente ao ponto 14 dos factos provados, o Tribunal apoiou-se ainda, além do vertido no Relatório, ao depoimento de R…., que enunciou aquelas sociedades como um grupo de sociedades quanto ao seu funcionamento.
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal – Cfr. art. 74º LGT, 76º nº 1 LGT e art. 362º e ss do CC.”

2. O Direito

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial, por incumprimento do prazo especial fixado, para o exercício do direito de audição, no artigo 63.º, n.º 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Efectivamente, o tribunal recorrido considerou que a AT aplicou in casu a cláusula geral anti-abuso – artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), sem a devida instauração do procedimento prévio a que alude o artigo 63.º, n.º 3 do CPPT.
Tendo em vista o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga fiscal e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, o legislador preocupa-se com a tomada de medidas que visem combater comportamentos de evasão e fraude fiscal dos sujeitos passivos, através, designadamente, das cláusulas gerais anti-abuso, de que é exemplo a norma do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, ou das denominadas cláusulas específicas anti-abuso, como por exemplo, as normas do artigo 63.º do Código de IRC, relativas a preços de transferência, ou, ainda, as normas do artigo 19.º, n.º 2 e n.º 3 do Código do IVA, indicadas na fundamentação do acto impugnado.
Efectivamente, resulta do relatório de inspecção tributária que as correcções aritméticas de IVA realizadas à Recorrida, como resultado do procedimento de avaliação da matéria colectável do exercício de 2010, tiveram por base, essencialmente, dois fundamentos:
- A constatação de operações simuladas que originaram, por parte da Recorrida, uma dedução indevida de IVA – cfr. artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA – e, consequentemente, a respectiva falta de entrega nos cofres do Estado.
- As facturas que titularam tais operações não darem cumprimento ao disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados, razão pela qual a dedução do IVA seria sempre indevida – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA.
Lembramos o disposto no artigo 19.º, n.º 2 e n.º 3 do Código do IVA, na redacção vigente à data:
“(…) 2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:
a) Em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal;
b) No recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via electrónica pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, nos quais conste o número e data do movimento de caixa.
3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente. (…)”
Actualmente, a AT acaba por optar, na maioria dos casos, como no presente, pela aplicação das normas anti-abuso específicas, na medida em que estas prevêem a inversão do ónus da prova, ao contrário do que sucede com a Cláusula Geral Anti-Abuso [(CGAA) artigo 38.º, n.º 2 da LGT], onde o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT prevê que seja a própria AT a demonstrar que se encontram preenchidos os pressupostos que levam à aplicação das consequências previstas na referida CGAA, o que torna a sua aplicação mais complexa, inibindo a AT de recorrer a este mecanismo.
Da fundamentação de direito do acto impugnado, constatamos que a AT optou por motivar a sua actuação com base no artigo 19.º, n.º 2 e n.º 3 do Código do IVA; não existindo qualquer indicação da aplicação do artigo 38.º, n.º 2 da LGT.
Existindo a indicação de normas especiais anti-abuso, como as do artigo 19.º, n.º 2 e n.º 3 do Código do IVA, não é aplicável o disposto no artigo 63.º do CPPT. Foi, realmente, por esta razão que não foi desencadeado o procedimento específico a que alude o artigo 63.º do CPPT.
Nesta conformidade, a conduta da AT mostra-se legitimada formalmente nos termos expostos, pelo que para recorrer a estas correcções técnicas, ao contrário do decidido em primeira instância, não teria que dar cumprimento ao prazo especial fixado em 30 dias, para o exercício do direito de audição, no artigo 63.º, n.º 6 do CPPP, na medida em que a AT não aplicou a CGAA, prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT.
Contudo, argumentou a impugnante, na sua petição inicial, que foi afrontado o seu direito de participação na medida em que os 15 dias para que foi notificada para se pronunciar sobre o Projecto de Relatório Inspectivo eram insuficientes na medida em que o Projecto era composto por mais de 200 páginas e vários anexos, cuja complexidade técnica não permitia assegurar capazmente o exercício de audição prévia num prazo tão curto, razão pela qual solicitou a prorrogação de prazo por mais 15 dias, o que lhe foi negado.
Consultando os factos provados, os mesmos noticiam que, efectivamente, foi a impugnante notificada para se pronunciar em sede de audição prévia sobre o projecto de relatório final inspectivo no prazo de 15 dias e que a impugnante solicitou um prazo adicional de mais 15 dias, que lhe foi negado - cfr. pontos 05), 06) e 07) dos factos provados.
Na verdade, ante o pedido de prorrogação de prazo para exercer o direito de audição prévia, a AT informou a impugnante que o mesmo não tinha suporte legal - cfr. ponto 07) do probatório.
Nesta matéria, é sabido que o direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito está consagrado no artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo que com o artigo 60.º da LGT teve-se em vista dar concretização, no âmbito do procedimento tributário, a esse princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito e que é concretizada, em regra, através do exercício do direito de audição.
Os contribuintes podem pronunciar-se, oralmente ou por escrito, antes da decisão final do procedimento tributário, que possa culminar numa decisão desfavorável para eles, participando na mesma, sendo que o exercício do direito de audição prévia constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e uma sólida garantia de defesa dos direitos do administrado, sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante da actividade administrativa cuja violação ou incorrecta realização se traduz na violação de uma formalidade essencial que, em princípio, é determinante da ilegalidade do próprio acto.
Diga-se, ainda, que no exercício do direito de audição, o contribuinte pode aduzir argumentos novos e alegar nova factualidade que contribuam para a formação da decisão, e que podem conduzir à reapreciação da matéria em questão e até à alteração da decisão em seu benefício e se o contribuinte, no exercício do direito de audição, suscitar elementos novos (de facto ou de direito), estes serão tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, impondo-se ainda notar que o direito de audição no procedimento tributário não se esgota, porém, com a possibilidade de o contribuinte se pronunciar sobre todas as questões (de facto e de direito) que são objecto do procedimento antes da decisão final, englobando também a faculdade de requerer a realização de diligências e juntar documentos.
O procedimento tributário segue, portanto, o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão. O contribuinte é ouvido oralmente ou por escrito, conforme o objectivo do procedimento. – cfr. artigo 45.º, n.º 1 e 2 do CPPT.
Neste domínio, é certo que a ora Recorrida foi notificada, em 28/08/2013, para se pronunciar no prazo de 15 dias sobre o projecto de relatório de inspecção.
Salientamos que o artigo 60.º da LGT tem vindo a assumir várias redacções.
Redacção do artigo 60.º, n.º 6 da LGT até ao Orçamento de Estado para 2012:
“6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.”
No entanto, com a redacção dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o n.º 6 do mesmo artigo passou a estabelecer o seguinte: “O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.”
Porém, no âmbito do procedimento inspectivo existem normas especiais, designadamente, no que tange ao exercício do direito de audição sobre o projecto de relatório inspectivo, como o artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT).
Vejamos a redacção do artigo 60.º, n.º 2 do RCPIT, aplicável à data da notificação para o exercício do direito e até Setembro de 2014:
“2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões.”
Relembramos que a AT fixou o prazo máximo de 15 dias para a aqui Recorrida se pronunciar sobre o projecto de relatório inspectivo, previsto legalmente no artigo 60.º, n.º 2 do RCPIT. Nestes termos, a decisão de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de 15 dias concedido mostra-se consentânea com a lei aplicável em 2013.
Entretanto, a Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, deu a seguinte redacção ao n.º 2 do artigo 60.º do RCPIT:
“2 - A notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões, devendo o prazo, no caso de incluir a aplicação da cláusula geral anti-abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, ser de 30 dias.”
Contrariamente ao que sustenta a impugnante, não há que invocar aqui o disposto no n.º 6 do artigo 60.º da LGT - “O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria”, pela singela razão de que, no que respeita ao exercício do direito de audição em sede inspectiva, o RCPIT dispõe de norma própria, o que parece significar que o legislador quis optar por um regime diferente, porventura menos flexível, do que o estabelecido na LGT para a generalidade dos actos em matéria tributária (lex specialis derrogat legi generali).
Nem se diga que o disposto no artigo 60.º do RCPIT, ao afirmar que será fixado um prazo de 10 a 15 dias para a audição prévia, não impõe uma proibição de prorrogação desse prazo, nem afasta a aplicação do disposto no artigo 60.º da LGT, dado o valor hierarquicamente superior deste diploma legal, o qual dá concretização a preceitos constitucionais, sendo considerada como uma lei de valor reforçado. Desde logo, porque o artigo 7.º do Código Civil dispõe, no seu n.º 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».
Tudo indica que, no momento em que a Recorrida foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia, o legislador quis que, especificamente no procedimento inspectivo, o prazo máximo para exercer esse direito fosse de 15 dias. O facto de a norma do artigo 60.º do RCPIT ter sido alterada pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, em nada abala a nossa convicção. Sem mais explicações ou esclarecimentos, limitamo-nos a constatar que somente a partir dessa data, posterior à situação dos autos, o legislador pretendeu efectuar ajustamentos.
Nesta conformidade, julgamos não se verificar violação do direito de audição prévia, na medida em que a Recorrida foi notificada para exercer esse direito no prazo máximo de 15 dias, previsto na norma especial do artigo 60.º, n.º 2 do RCPIT, em relação do projecto de relatório inspectivo – cfr. ponto 5) da decisão da matéria de facto.

Face ao provimento do recurso, que se impõe, e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, dos restantes vícios invocados na impugnação judicial.
O tribunal tributário recorrido não conheceu de outros vícios suscitados pela impugnante na petição inicial, porque o conhecimento do vício de forma, acima referido, prejudicou o conhecimento daqueles.
Ora, nestes casos, estabelece o artigo 665.º do CPC que: “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, (na jurisdição administrativa e fiscal, os tribunais centrais administrativos) se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
As partes foram notificadas nos termos do artigo 665.º, n.º 3 do CPC, tendo a Fazenda Pública reiterado o teor da sua contestação e pugnado pelo julgamento de improcedência da impugnação judicial; por sua vez, a Recorrida pronunciou-se no sentido de este tribunal não dever conceder provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Assim, deverá este Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação das questões cujo conhecimento ficou prejudicado, pois dispõe dos elementos necessários para tal.
O tribunal “a quo”, após negar a verificação do vício de falta de fundamentação das liquidações em questão, julgou presente a preterição de formalidade essencial, por violação do direito de audição prévia, que, como vimos, não ocorre. Sendo de eliminar da ordem jurídica a sentença recorrida, haverá que conhecer dos seguintes vícios imputados às liquidações de IVA na petição de impugnação: erro nos pressupostos de facto e de direito e violação dos princípios da verdade material, justiça, proporcionalidade e proibição do excesso. Salientamos que a sentença recorrida, na apreciação do vício de falta de fundamentação dos actos de liquidação, já tomou posição, igualmente, sobre a falta de fundamentação formal do relatório de inspecção tributária e respectivas conclusões, tendo considerado não se verificar. Por outro lado, uma vez que a decisão recorrida, a propósito da invocação de preterição de formalidades essenciais, julgou no sentido da necessidade, in casu, de instauração de um procedimento prévio, nos termos do artigo 63.º do CPPT, para concluir, nessa sequência, pela violação do exercício do direito de audição, este tribunal também já não tomará conhecimento da suscitada nulidade do procedimento, na medida em que, na análise do direito de audição, já esclareceu que não houve qualquer aplicabilidade de CGAA, tendo ficado claro que, por força da aplicação de normas específicas anti-abuso, não se desencadeia o procedimento prévio consagrado no artigo 63.º do CPPT.
Neste contexto, importa relembrar que as correcções aritméticas adoptadas pela AT se fundaram em dois motivos:
- A constatação de operações simuladas que originaram, por parte da Recorrida, uma dedução indevida de IVA – cfr. artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA – e, consequentemente, a respectiva falta de entrega nos cofres do Estado.
- As facturas que titularam tais operações não darem cumprimento ao disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados, razão pela qual a dedução do IVA seria sempre indevida – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA.
Logo, se um dos fundamentos que determinou as liquidações adicionais de IVA se apresentar isento de qualquer vício invocado, tal será suficiente para que as mesmas se mantenham na ordem jurídica.
Concentremo-nos no segundo fundamento das correcções tal como consta no relatório de inspecção tributária:
Independentemente do referido anteriormente, verifica-se que as faturas em causa não dão cumprimento ao disposto no número 5 do artigo 36.º do Código do IVA, uma vez que não referem a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados ou contém uma menção genérica dos serviços prestados (por exemplo, “Serviços de desenvolvimento”, “Serviços de Assistência Técnica” ou “Desenvolvimentos de conteúdos”), razão pela qual, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, a dedução do imposto seria sempre indevida.
Sobre esta matéria a impugnante limita-se a dizer o seguinte na petição inicial – cfr. artigos 181.º, 183.º e 184.º:
Todas as facturas originais e respectiva documentação de suporte, referentes a muitos dos contratos, encontravam-se nos dossiers contabilísticos, que estavam disponíveis para consulta por parte do Sr. Inspector, pelo que não se aceita a afirmação contida no Relatório segundo a qual as mesmas não cumprem o disposto no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.
Pelo que toda a informação adicional às facturas se encontra devidamente justificada, não fazendo sentido o que se afirma quanto ao disposto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.
De resto as facturas em causa contêm o descritivo normal e suficientemente discriminado dos serviços prestados, cumprindo suficientemente as exigências legais, tendo sido fornecida toda a informação complementar solicitada pela inspecção.
Isto resume a totalidade da argumentação da impugnante, ficando-se por generalidades e conclusões, sem que se densifique qualquer facto ou indique documento que se encontre nos dossiers contabilísticos, inviabilizando que o tribunal sindique a quantidade efectiva dos serviços prestados (ou a concretização desses serviços) indicados nas facturas desconsideradas, por não conferirem o direito à dedução do IVA.
Entrando, agora, no conhecimento da questão referente à repartição do ónus probatório, quanto a esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da LGT que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da AT, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
No que respeita ao IVA é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo que recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. (Neste sentido, entre muitos outros: acórdãos nºs 0871/02, 001483/02, 001480/03, 0241/03, proferidos respectivamente em 09.10.2002; 20.11.2002; 14.01.2004 e 30.04.2003).
E, é assim, porque é o sujeito passivo que se arroga ao direito à dedução e a administração fiscal põe em causa tal facto tributário. No entanto, esta regra só funciona após a AT ter demonstrado os factos por si invocados.
Em anexo ao relatório de inspecção tributária encontram-se fotocópias de todos os documentos emitidos pelos prestadores de serviços em causa nos presentes autos e cuja dedução do IVA a AT considerou indevida. Infere-se que se trata de facturas emitidas sem especificação dos trabalhos efectuados e/ou quantificação/extensão dos mesmos.
Vejamos, em concreto, se se verificam os pressupostos reais da actuação da AT.
Relativamente à factura n.º 2010002 emitida em 31/03/2010 por G. , Lda., pode ler-se unicamente: “Desenvolvimento de Conteúdos” – cfr. fls. 175 do processo administrativo (PA).
Quanto às facturas emitidas por Senhor M.,…, a n.º 2010002, emitida em 09/04/2010, menciona: “Desenvolvimento de Serviço de Instalação” e a n.º 2010008, emitida em 31/12/2010, refere: “Serviços de Desenvolvimento” – cfr. fls. 175 verso e fls. 179 verso do PA.
No que concerne às facturas emitidas por T..., na n.º 2010007, emitida em 01/06/2010, pode ler-se: “Serviços de Desenvolvimento” e na n.º 2010017, emitida em 31/12/2010, lê-se: “Serviços de Gestão de Intranet” – cfr. fls. 176 e fls. 179 do PA.
Respeitante às facturas emitidas por T-. –., a n.º 2010013, de 07/06/2010, refere: “Serviços de assistência técnica” e a n.º 2010015, emitida em 30/11/2010, menciona: “Serviços de Gestão de Rede” – cfr. fls. 176 verso e fls. 177 verso do PA.
No que tange às facturas emitidas por T …na n.º 2010057, de 30/11/2010, refere-se: “Serviços de Desenvolvimento”, na n.º 2010051, emitida em 31/10/2010, menciona-se: “WebDev: Administração de Web sites” e na n.º 2010070, de 31/12/2010, está somente escrito: “bang Formação” – cfr. fls. 177, fls. 178 verso e fls. 184 do PA.
Referente à factura emitida por T., Lda., n.º 2010001, de 30/09/2010, consta a indicação de três itens: “T. Porto: contrato de agente”, “T. Porto: opção de contrato 10 anos”, “T. Porto: material publicitário” – cfr. fls. 178 do PA.
Repristinando a fundamentação do acto, no caso dos autos, cabe aferir se as facturas em causa se encontram ou não emitidas em conformidade com o n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, na redacção aplicável à data, segundo o qual, além do mais, «as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: (…) b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; (…)».
Não há que aceitar um cumprimento desses requisitos de forma aligeirada quando estão em causa prestações de serviços que se suportam num contrato de prestação de serviços. Os requisitos legais das facturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre que exacto serviço foi prestado, quando, onde, em que quantidade/extensão, e a quem, também para aferir do cumprimento do contrato de prestação de serviços, por serem as mesmas susceptíveis de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, não podendo haver duplicação de deduções de IVA. No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado facturado as facturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo – cfr. Acórdão do STA, de 04/10/2017, proferido no âmbito do processo n.º 01141/16.
Na situação sub judice só remotamente se pode dizer que os serviços prestados foram facturados, dado que os documentos – facturas não permitem concluir que exacto serviço foi prestado o que possibilita que haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.
Efectivamente, as facturas em causa não cumprem o disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, nomeadamente, a sua alínea b), pois a designação dos serviços prestados apresenta-se sob a forma de uma menção genérica e não fazem nenhuma referência à quantidade/extensão dos mesmos.
Na verdade, é reconhecido o carácter formalista do IVA, em ordem, nomeadamente, a evitar, o mais possível, a evasão fiscal, pelo que as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem.
É que a exigência desses requisitos nos referidos documentos facturas “tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova” – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 19/01/06, proferido no âmbito do processo n.º 00027/00 - Viseu.
Tem sido, pois, reconhecido o carácter formalista do IVA, destacando-se o papel central desempenhado pela factura e pela necessidade de a mesma ser passada segundo a forma legal – ou seja, preenchendo-se todos os requisitos do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA – como pressuposto da dedução do imposto suportado (e isto, aliás, independentemente da materialidade da operação a que uma concreta factura respeita).
Percorrendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, resulta evidenciada a relevância da factura, na medida em que permite ao adquirente justificar o exercício do direito à dedução mas, também, como elemento imprescindível à Administração Tributária, por ser demonstrativo da operação sobre a qual o IVA incide e permitir o controlo do imposto/base tributável.
Na verdade, facturas com designações genéricas, como “Serviços de Desenvolvimento”, “Serviços de Assistência Técnica” ou “Desenvolvimento de Conteúdos”, não permitem concluir que exacto serviço foi prestado, o que possibilita que haja duplicação de facturação, susceptível de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, não podendo haver duplicação de deduções de IVA. Em tese e uma vez que não está especificado que trabalho foi realizado, por exemplo, as facturas n.º 2010007, n.º 2010008 e n.º 2010057 (serviços de desenvolvimento) poderiam referir-se sempre à mesma quantidade/extensão e qualidade de prestação de serviços, ou seja, uma multiplicação de facturação do mesmo serviço prestado. A falta deste elemento identificador coloca, in casu, em risco o mecanismo concebido com o objectivo de arrecadar o imposto.
Nestes termos, bem andou a AT ao considerar que as facturas em apreço não foram emitidas na sua forma legal, uma vez que os prestadores dos serviços não discriminaram os serviços prestados, nem a extensão dos mesmos.
É, pois, natural que o legislador tenha entendido que, para que o sistema do IVA possa funcionar, para facilitar o controlo das operações sujeitas e isentas, e para obstar à evasão fiscal, se tornava necessária, não apenas a emissão de facturas ou documentos equivalentes, na forma que entendesse cada um dos intervenientes, mas a sua emissão com um conteúdo e rigor definidos pela lei. Daí a exigência de uma forma legal.
O certo é que a norma do artigo 19.º do CIVA não nos esclarece sobre qual é a "forma legal" que exige. Mas o diploma diz-nos, adiante, nas várias alíneas do n.º 5 do artigo 36.º, que as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; conter a quantidade/extensão e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; conter o preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; e conter as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido.
Daqui resulta, pois, que, para o Código do IVA, uma factura passada em forma legal é a que respeite o estatuído no seu artigo 36.º, ou seja, que para tal efeito, a factura que não respeite todas estas exigências não é uma factura passada em forma legal.
Neste conspecto, nem pode dizer-se que este artigo 36.º permite distinguir entre falta de forma legal e falta de elementos meramente acessórios, não essenciais, que só podem levar ao suprimento da falta.
É que o legislador estabeleceu, no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA, duas condições para a dedução do imposto: que ele esteja mencionado em factura ou documento equivalente e que essa factura ou documento equivalente esteja "em forma legal".
Ora, a forma legal, já se viu, é a do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA.
«Não se vêem elementos que permitam ao intérprete separar, de entre as exigências da norma, as essenciais das acessórias. A "forma legal" é a que satisfaça todas as imposições da norma legal que as indica» - cfr. Acórdão do TCA Sul, de 21/01/2006, proferido no processo n.º 1438/06.
Assim sendo, a factura ou documento equivalente que não respeite integralmente o artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA não está passada "em forma legal" e, consequentemente, não permite deduzir o respectivo imposto, como acontece com as facturas emitidas pelos prestadores em apreço.
A expressão «quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos bens necessários à determinação da taxa aplicável» tem como finalidade permitir quer ao cliente quer à AT controlarem se a taxa incidente sobre o valor tributável é a correcta – cfr., neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do TCA Sul, de 19/05/2009, proferido no processo n.º 26/09.
Vejamos melhor as facturas emitidas.
Há que reconhecer que a generalidade das facturas em causa não contém os elementos referentes à quantidade/extensão dos serviços prestados, além de se desconhecerem quaisquer elementos que permitiram quantificar os serviços em causa, concretamente os valores envolvidos na relação horas/trabalhador, o que impossibilita aferir do acerto dos valores envolvidos/base tributável.
É verdade que a factura n.º 2010057 (cfr. fls. 177 do PA) tem uma indicação acrescida em relação às restantes facturas, pois identifica na quantidade o número 100 e tudo aponta para estarmos perante um preço de €50,00 à hora, dado que o valor base de tributação soma €5.000,00. Todavia, atenta a designação “Serviços de Desenvolvimento”, permite ficar a dúvida se esta factura não será uma duplicação, ainda que parcial, de outras com a mesma designação.
A verdade é que a omissão da quantificação/extensão da generalidade das prestações de serviços não permite efectuar o controlo do acerto da base tributável e se ocorreu duplicação de facturação, colocando, in casu, em risco o mecanismo concebido com o objectivo de arrecadar o imposto. Acrescendo que não se extraem das facturas elementos que permitam saber a razão pela qual as facturas se apresentam com os valores de X e não de Y.
Apenas uma factura, a n.º 2010001, emitida por T., Lda., parece aludir a um contrato – cfr. fls. 178 do PA.
A este propósito, importa dizer que não se desconhece a jurisprudência do Tribunal de Justiça que apela à consideração de elementos adicionais perante a incompletude de uma factura, concretamente em situações de reverse charge, ou por apelo expresso à rectificação da factura. Tão-pouco se desconhece o sentido do recente acórdão do Tribunal de Justiça, de 15/09/16, proferido no processo nº C-518/16 (Acórdão Barlis), nos termos do qual se refere a consideração/relevância de documentos que contenham uma apresentação mais detalhada dos serviços em causa no processo e que possam ser equiparados a uma factura, na qualidade de documentos que alteram a factura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 11/01/2018, proferido no âmbito do processo n.º 08611/15.
De resto, tem sido entendido pelo Tribunal de Justiça que: «[o] princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transacções em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, requisitos adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito.» - Acórdão de 1 de Março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski, C-280/10 e Acórdão do TCA Sul, de 15/12/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1356/10.2BELRA.
Ora, na petição inicial, a impugnante alerta para a existência de elementos adicionais, que terão sido disponibilizados à AT, e que, devidamente ponderados, poderiam revelar a extensão das prestações de serviços em causa nas facturas em apreço.
Efectivamente, a impugnante refere-se a documentação de suporte das facturas, que seriam referentes a muitos dos contratos celebrados e que estariam disponíveis para consulta nos dossiers contabilísticos. Ou seja, a alegação da impugnante aponta para a existência de informação adicional às facturas, mas não concretiza quais são esses elementos. Tão-pouco as próprias facturas remetem para tais documentos complementares, o que inviabiliza à solicitação por este tribunal dos mesmos para sindicar se eles colmatam a incompletude das facturas.
Contudo, como referimos supra, a factura n.º 2010001, no seu descritivo, menciona um contrato e, aparentemente, cópia desse contrato mostra-se junto à factura a fls. 180 a 183 do PA. Se o material promocional, no valor de €6.900,00 indicado na factura, se encontra elencado no ponto 2.8 do contrato denominado “City Agent Agreement”, já os valores referidos na factura, que seriam devidos pela celebração do acordo, se apresentam de difícil paralelismo com as cláusulas do mesmo. Efectivamente, o contrato foi assinado na data da emissão da factura, em 30/08/2010, constando do mesmo não ser devido qualquer pagamento a título de “entry fee” e que o “annual fee” será de €3.100,00 – cfr. pontos 5.2 e 5.3 do contrato. O que é certo é que na data da celebração do acordo foi logo facturado o montante que seria devido anualmente – cfr. factura: contrato de agente - €3.100,00. Mas, em simultâneo, facturou-se, de imediato, o máximo possível de renovações do contrato – cfr. factura: opção de contrato de 10 anos - €50.000,00. Ora, o acordo foi firmado por um ano – cfr. ponto 6.5 do contrato e as renovações (até dez anos) ficaram sujeitas às condições previstas no ponto 6.6 do contrato. Não vislumbramos como é que as condições previstas no ponto 6.6.2 já estavam reunidas à data da celebração do contrato em 30/09/2010. É verdade que se acordou que pelas renovações seria devido anualmente o montante de €5.000,00 – cfr. ponto 6.6.3 do contrato. Porém, consideramos desajustada do contrato a facturação pela totalidade das renovações possíveis (10 anosx5.000,00=€50.000,00), quando ainda se estava no primeiro dia do acordo (este facto inviabiliza, pelo menos, a verificação da condição prevista no ponto 6.6.2).
Tudo isto para concluir que a cópia do contrato anexa, enquanto suposto documento adicional à factura, em pouco clarifica a mesma. Além do mais, pressupõe-se que a própria factura remeta expressamente para outro documento complementar (ou vice versa) e que o mesmo se apresente densificador da designação da prestação de serviços e esclarecedor quanto à extensão da mesma. In casu, nem a factura remete expressamente para um documento anexo ou complementar, nem o contrato de agente supostamente relacionado com a factura se vislumbra totalmente clarificador da extensão da prestação de serviços.
Portanto, relativamente à factura n.º 2010001, repete-se – o que aqui é absolutamente decisivo – que a factura em causa, nos termos em que se apresenta, não revela a quantificação/extensão das prestações de serviços (limita-se a referir preços devidos por contratos, que parecem sobrepor-se), o que, nos termos já expostos, compromete definitivamente a possibilidade de a AT controlar a base tributável e o apuramento do imposto.
Quanto às restantes facturas, nenhuns elementos adicionais se encontram juntos aos autos, nem a impugnante, ora Recorrida, os identificou, pelo que, reitera-se, inviabiliza qualquer sindicância acrescida da extensão das prestações de serviços vertidas nas facturas.
Ora, sendo assim, não pode afirmar-se, globalmente, que nas facturas emitidas tenha sido, pelas razões já ditadas, plenamente atingida a ratio legis inerente ao citado artigo 36.º do Código do IVA, ou seja, possibilitar à AT uma forma segura de verificar da adequação da base tributável e evitar a eventual dupla dedução do IVA.
Conclui-se, em face de tudo quanto vem dito, que, como os serviços inspectivos apontaram, os termos utilizados nas facturas em causa são omissos, não preenchendo, assim, os requisitos legais a que se refere a alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA.
É, pois, por estas razões que o IVA liquidado nas facturas em apreço não pode ser deduzido, sendo claro que não se mostram preenchidos todos os requisitos formais que as facturas, nos termos legais, devem conter – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA.
Assim sendo, como já havíamos adiantado, fica prejudicado o conhecimento dos vícios relacionados com o fundamento adoptado pela AT referente ao artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA. Realmente, se as facturas não podem dar lugar à dedução do IVA, por falta de requisitos formais, é irrelevante apurar se a AT errou de facto e de direito ou se violou os princípios da verdade material, justiça, proporcionalidade e proibição do excesso ao concluir que essas mesmas facturas não tinham subjacentes operações reais.
Sempre diremos, contudo, quanto à alegação de que a AT não lançou mão, como deveria, do procedimento próprio previsto em sede de IVA no artigo 16.º, n.º 4 do Código do IVA, que, tendo por base que a AT somente aplicou normas específicas anti-abuso para motivar as liquidações impugnadas e que essas normas foram o artigo 19.º, n.º 2 e n.º 3 do Código do IVA, tal, nos termos de ambos os normativos, tem como consequência a exclusão do direito à dedução do IVA, não havendo que apurar qualquer valor normal.
Encontrando-se reunidos os pressupostos para a actuação da AT, pelo menos quanto ao disposto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA, desconsiderando a dedução do IVA, não vislumbramos em que medida se mostra necessário, para alcançar esse efeito, a prévia abertura, por parte da AT, de procedimento específico previsto em sede de IVA.
Nesta conformidade, resta, em substituição ao tribunal “a quo”, julgar a impugnação judicial improcedente, mantendo as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 1003T a 1012T, na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - Em face do disposto no artigo 60.º, n.º 2, do RCPIT, não há que convocar o disposto no artigo 60.º, n.º 6 da LGT, já que a norma prevista naquele preceito se encontra numa relação de especialidade relativamente à prevista neste.
II - Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 2 do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) só confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado o imposto mencionado em facturas e documentos que observem a forma legal.
III - O artigo 36.º do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código.
IV - A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos facturas tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.
V - Se os vícios formais contidos na factura ou documento equivalente não permitirem a exacta cobrança e respectiva fiscalização do imposto, o direito à dedução do IVA não pode ser exercido.
VI – No caso em análise, as facturas em causa, nos termos em que se apresentam, não revelam a quantificação/extensão das prestações de serviços, o que, pelas razões explicadas no acórdão, compromete definitivamente a possibilidade de a Administração Tributária controlar a base tributável e o apuramento do imposto.
VII - No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado facturado as facturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo que haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.
VIII - Deste modo, não obedecem aos requisitos legais, não conferindo, por isso, direito à dedução do IVA, facturas em que apenas se mencionam, relativamente a serviços prestados, expressões como: “Serviços de desenvolvimento”, “Serviços de Assistência Técnica” ou “Desenvolvimento de conteúdos”.
IX - Por estas razões, o IVA liquidado nas facturas em causa não pode ser deduzido, sendo claro que não se mostram preenchidos todos os requisitos formais que as facturas, nos termos legais, devem conter – cfr. artigo 19.º, n.º 2 do CIVA.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação judicial improcedente.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça por não ter contra-alegado.

Porto, 23 de Abril de 2020


Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães