Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01331/14.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; ESTRADA NACIONAL CONCESSIONADA; PRESENÇA DE GATO NA FAIXA RODOVIÁRIA; PRESUNÇÃO DE CULPA; NO Nº 1 DO ARTIGO 12º DA LEI 24/2007, DE 18.07; Nº 1 DO ARTIGO 350º DO CÓDIGO CIVIL.
INDEMNNIZAÇÃO PELA IMOBILIZAÇÃO DE VEÍCULO LIGEIRO PARTICULAR. N.º 3 DO ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:1. Como se resume no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.11.2019, no processo 1860/16.9 BRG, num caso em que a concessionária não demonstrou que a autoestrada estava efectivamente vedada em condições de segurança e em que não se sabe de onde surgiu o canídeo que inusitadamente se atravessou na faixa de rodagem, a dúvida resolve-se a favor do lesado/utente, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 12º da Lei 24/2007, de 18.07, conjugado com o nº 1 do artigo 350º do Código Civil.

2. Mostra-se ajustado ao caso concreto e equitativo - nº 3 do artigo 566º do Código Civil - o valor de 20 € (vinte euros) por dia de imobilização do veículo sinistrado, dado tratar-se no caso de um veículo essencialmente para uso particular e não para uso profissional e pelas alternativas menos dispendiosas que o lesado teve.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Infraestruturas de Portugal, S.A
Recorrido 1:P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso da A,, e negar provimento ao recurso da Recorrida.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Infraestruturas de Portugal, S.A. veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 06/02/2018, pela qual a presente acção administrativa comum, que P. move contra AEDL – Autoestradas do Douro Litoral, S.A. e Estradas de Portugal, S.A., foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia total de €3.407,45, acrescida de juros desde a data da citação e até integral pagamento.

Invocou, para tanto e em síntese, que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto e, em consequência, em erro de julgamento do direito, pugnando pela sua absolvição do pedido, por não ter praticado qualquer acção ou omissão voluntária, ilícita, culposa, danosa e em que se verifique o nexo de causalidade adequada entre a acção ou omissão e os danos.

A Recorrida, P. apresentou contra-alegações, em que pugna pela manutenção do julgamento dos factos que a Ré Infraestruturas pretende ver alterados; e interpôs recurso subordinado, a pedir a alteração da matéria de facto quanto ao tempo de paralisação do veículo sinistrado, com consequente alteração do montante a arbitrar à Recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional da Ré, Infraestruturas de Portugal, S.A.:

1. Após devida análise de todo o conteúdo da sentença, é nosso entendimento haver aspectos da matéria de facto que apontam em sentido diverso do considerado na sentença e, consequentemente, a devida subsunção ao direito conduziria a uma sentença de conteúdo diferente da proferida.

Da matéria de facto:

2. Apesar das declarações das várias testemunhas, não resulta que se tenha provado a dinâmica do acidente, alegada pelo A., havendo depoimentos, como vemos, a seguir que podem melhor esclarecer e permitir uma outra interpretação dos factos. Desde logo, ninguém presenciou o acidente, além do próprio condutor da viatura, o que deixa uma apreciável margem de indefinição.

3. Não se tenha provado a dinâmica do acidente, tal e qual vem configurada pelo Autora e Condutora e pelas suas próprias declarações em depoimento de parte.

4. As condições de circulação da viatura por parte da condutora vão no sentido de excesso de velocidade, desatenção e manifesta imperícia. Ora, a condutora já vê o gato à distância, na medida em que descreve os movimentos do animal com grande pormenor, como se extrai das declarações da condutora, passagem da gravação [26´:50 a 28´:00] “…viu o gato a saltar…. Acertou-lhe com os faróis… O gato voltou para trás…”Seria, assim expectável, que pudesse dominar a viatura em tempo e em espaço útil, com segurança. Reduzir a velocidade e até parar, como aliás, acabou por parar após o injustificado despiste e em total descontrolo. Depoimento da condutora /autora (passagem da gravação [43´:00 a 44´:00]), “… Não bateu no separador central…. Bateu-lhe com a roda e não com o farol… ele estava no chão…”

5. Verifica-se, pois, ser tão pouco para tamanho descontrolo e despiste para cima do talude. Aliás, era noite (22:25 horas) e não se verificou, no momento, a passagem de qualquer outra eventual viatura que viesse atrás.

6. Portanto, ou falta da atenção e/ou excesso de velocidade seria a versão mais compatível com a descrição dos factos.

7. De forma alguma, releva a discussão em torno de mais ou menos vegetação no talude da estrada. Os taludes têm de apresentar, necessariamente, revestimento vegetal, como obrigam as normas rodoviárias, o tal tratamento paisagístico e que a IP faz o devido acompanhamento do Departamento do Ambiente da IP, através dos seus arquitetos paisagistas e outros técnicos, constituindo um trabalho algo oneroso e permanente, uma das componentes importantes dos trabalhos de conservação corrente.

8. O revestimento vegetal não é composto somente por vegetação rasteira. Comporta algumas espécies vegetais qualificadas e de algum porte. Além de outras funções, o revestimento vegetal tem um papel muito importante na estabilidade mecânica ou física dos taludes, bem como na drenagem das águas pluviais, tudo em defesa das boas condições de circulação da estrada.

9. Falece, assim, o argumento de que a vegetação do talude tinha de estar cortada. E, muito menos, que tal fosse determinante para evitar o acidente com um gato que, por si só, tem todas as possibilidades de chegar às estradas, mesmo que vedadas, sem que a IP o possa impedir.

10. A IP provou que assegurava e continua a assegurar as devidas condições de circulação da A43, diretamente pelos seus meios técnicos e humanos e ainda por uma empresa externa prestadora de serviços. Entre esses meios, assumem relevância as passagens periódicas das UMIAS (unidades móveis de inspeção e apoio) com intervalos não inferiores a 4 horas, assumindo uma fiscalização e vigilância superior à praticada pela BRISA-Concessionária de Auto Estradas, conforme declarações da testemunha da Ré, Eng.º A.: Passagem da gravação [02:06´:00 a 02:09:00] “…o gato entra por qualquer lado…”

11. Trata-se duma zona da estrada que, embora vedada, tem adjacente, de um e outro lado, expressivos aglomerados urbanos, predominantemente residencial, e um Nó Rodoviário que é, evidentemente aberto, por natureza, permitindo sempre a eventual entrada de animais, sem que se possa colocar ou instalar o que quer que seja.

12. A este propósito, citam-se as declarações do Sr. Agente da GNR, na passagem da gravação [16´:00-17´:00] “…o animal é coisa pequena…pode ter entrado pelo Nó.”

13. Por outro lado, não estará afastada a possibilidade de alguém ter abandonado o animal no separador da estrada ou no referido Nó, como às vezes acontece, à noite, em certos locais como, por exemplo, áreas de serviço e zonas de via rápida, como é o caso.

14. Para todos efeitos, não resulta provada a dinâmica do acidente, pelo menos, nos moldes traçados pela Autora, não havendo testemunhas, como já se referiu, pelo que se ficou, de algum modo, refém das declarações da condutora. Sendo que essas declarações não se afiguram plausíveis, pois se viu o gato como o viu e até lhe acertou com os faróis nos olhos (era à noite), como é possível que possa descrever, com tanto pormenor, a movimentação do gato e despistar-se para um e outro lado da estrada, só porque o pequeníssimo gato teria batido numa roda e não no farol (como era suposto ser na petição-artigo 13.º)?

15. E despistar-se, sem bater no separador. Parece uma construção muito rebuscada para se dar como assente a dinâmica do acidente nas condições que a Autora/condutora alega.

16. O gato até já poderia ter sido morto, antes, por um eventual outro condutor que não o Autor. Não se afigura crível que o gato, após ter atravessado a estrada do separador para a berma (da esquerda para a direita) venha a recuar. E recuar, porquê? Havia algum veículo a passar à direita? A ultrapassar pela direita naquele local?

17. Normalmente, um gato atravessa duma só vez. Não recua. Não fica à espera que o matem. A presença do gato parece constituir motivo desproporcionado para o tipo de despiste alegado, com mergulho no talude, em que danifica um delineador da berma, como refere o Sr. Agente da GNR. A este propósito, referem-se as passagens da gravação: [12´:00 a 13´:00] “…a altura da vegetação era normal…” “…antes o local é uma curva acentuada..” [14´:00 a 15´:00] “…o carro ficou imobilizado a 30 metros do local…” [16´:00 a 17´:00] “…o animal é coisa pequena… Poderá ter entrado pelo Nó…”

18. De facto, o animal é coisa pequena que passa por qualquer lado. Caso fosse, por exemplo, um javali ou um cão a análise poderia ser outra ou diferente.

19. De relevar a grande distância a que o veículo parou, cerca de 30 metros, à frente do gato, o que poderá levar a inferir que o acidente até não possa ter qualquer relação com o gato, mas sim despiste puro e simples do condutor/Autor, por eventuais causas que lhe sejam exclusivamente imputáveis.

20. A rede de vedação da estrada estava reparada, à data do acidente, não havendo falhas. Mesmo que, por hipótese, houvesse falha na rede, o que não se concede (pois o gato até poderia subir e transpor com grande facilidade a rede), seria de admitir alguma relação com o sinistro que ocorreu ao 6,200Km, cerca de mais 2Km à frente?

21. A IP assegura um nível de fiscalização e vigilância até superior à da Concessionária de Autoestradas BRISA, assegurando todos os dias passagens das UMIAS (unidades móveis de inspeção e apoio) no mesmo local, com uma frequência não inferior a 4 horas, portanto, 6 vezes por dia, como referiu a testemunha Eng.º A.. A BRISA apenas assegura uma frequência de uma vez por dia, como é referido na gravação [02:16´:00 a 02:17´:00], apesar do grau de exigência ser bem maior.

22. O que mostra o grau de vigilância da IP, tido como superior, apesar da estrada em causa ter as características dum IC, ou seja o Itinerário Complementar IC9 (a denominada Via Rápida de (...)) e não a A1 como é o caso da BRISA. E não se trata duma autoestrada, mas sim uma via Rápida, sem portagens e sempre, sem qualquer hipótese de vedar os Nós rodoviários. E, concretamente, o Nó do Multiusos, próximo do local do acidente. Acresce tratar-se dum Nó manifestamente urbano.

23. Não há processo de fechar estes Nós, o que, a acontecer, equivaleria à supressão do Nó e anular as próprias funções da estrada que ligar destinos e servir as populações e utentes.

24. Ainda a não relevância do suscitado problema da vegetação que não tenha qualquer influência no alegado sinistro. Certo é que as ceifas periódicas até estavam realizadas antes do acidente, designadamente no separador e até 3metros no talude, contados desde a berma, como muito bem o afirma o Técnico que superintende e dirige os trabalhos relativos à vigilância, fiscalização, conservação e manutenção da estrada Eng.º A.- (Declarações na passagem da gravação [02:10´:00 a 2:12´:00]).

25. Deste modo, não se vê mais o que possa ser feito, imputável à IP, para evitar o acidente. Ora, só poderá resultar de factos alheios à IP, aqui Ré, relativos ao próprio condutor ou de terceiros que possam ter abandonado na estrada ou lançado à estrada o animal gato. E mesmo assim, parece-nos que, a haver gato, não constitua causa adequada para os danos alegados.

26. Consequentemente, não se poderá dar provado, como o foi, a ocorrência e dinâmica do embate da viatura da Autora no animal e demais circunstâncias.

27. Claro que os alegados danos resultantes, a terem ocorrido naquela medida dos autos, careceriam de devida verificação. De qualquer forma, afiguram-se grandes dúvidas quanto nexo de causalidade entre o facto e o dano, na perspetiva que a Autora vinha a praticar uma condução prudente.

28. Não será compreensível a não existência de qualquer peritagem na altura imediata do acidente, como seria normal. E muito menos, lançar-se mão dum orçamento elaborado cerca de um ano mais tarde, não possibilitando o devido contraditório em altura própria, ficando à mercê duma simples relação bilateral entre o principal interessado e o dono da oficina de reparação da viatura.

29. Pelo que, não se poderão reconhecer esses danos.

30. E não se poderão considerar provados os factos alegados relativos à dinâmica do acidente, designadamente:
- Se o gato foi morto pela Autora;
- Se havia gato vivo antes, se ele saiu ou não do separador;
- Se mudou, repentinamente, de direção, voltando para o lado esquerdo, o que leva a questionar a falta de suporte material que levou a que o Digníssimo Tribunal julgasse como facto provado o descrito no ponto 11 da sentença.

31. Não se poderá dar, também, como assente a ausência de rede em cerca de 1metro ao Km 4, 200 (cerca de 2Km atrás, antes do local do acidente) – facto provado no ponto 28 da sentença-. E, muito menos, provar a entrada do gato por esse alegado buraco.

Da matéria de direito

32. A sentença proferida considera provada a dinâmica do acidente, o que não se pode aceitar, face ao que se acabou de descrever na alegação da matéria de facto.

33. É deduzida uma responsabilidade civil sobre a IP que não tem qualquer suporte legal, não se identificando qualquer um dos pressupostos exigíveis (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano).

34. Consequentemente, para o que ao caso dos Autos interessa, impunha-se, para haver responsabilidade da Ré IP, a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos.

35. Do que antecede, não se verifica qualquer prática de acto por ação ou omissão que configure ilicitude para a Infraestruturas de Portugal (a IP). Não se verifica, pois, qualquer facto ilícito imputável à IP. Esta Empresa não deu motivo que permita estabelecer um nexo de causalidade entre qualquer eventual facto ilícito e culposo e o dano.

36. Independentemente do cumprimento de todos os deveres de cuidado ao alcance da IP, tal seria sempre indiferente à produção do dano, tornando-se condição dele outras circunstâncias alheias ao IP, como muito bem é descrito pelo Digníssimo Tribunal, quando invoca a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, de harmonia com a doutrina de Ennecerus-Lehmann.

37. Não resulta provada a dinâmica do acidente alegada pelo A., como se explicou na parte da matéria de facto. E, muito menos, foram verificados os pressupostos exigíveis para obrigar a indemnizar, em sede de responsabilidade civil extracontratual.

38. Para a produção do acidente concorreu apenas a conduta negligente e imprudente do condutor que, muito provavelmente, vinha em excesso de velocidade e não conseguiu controlar o carro, após ter descrevido a curva antes.

I.II. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do recurso jurisdicional subordinado interposto pela Autora, P.:

1. A Recorrida EP foi condenada no pagamento do valor de € 100,00 a título de privação de uso da viatura da Autora (€ 20,00/dia X 5 dias);

2. A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, nomeadamente, o ponto nº 2 dos factos considerados não provados.

3. De facto, resulta dos documentos nºs 13 e 14 juntos com a PI e da conjugação destes documentos com o depoimento da testemunha L. acima transcrito, que a reparação da viatura terá decorrido entre meados de Março de 2014 e 26-03-2014.

4. Na verdade, aqueles documentos correspondem, respectivamente, à factura e recibo referente à reparação da viatura, são ambos datados de 26-03-2014 e do 1º documento consta que “Os artigos/serviços facturados foram colocados à disposição do adquirente à data da factura”, motivo pelo qual deverá a matéria de facto impugnada passar a figurar nos factos assentes.

5. Por outro lado, ficou ainda provado sob o ponto 19 que por falta de disponibilidade financeira a Autora apenas ordenou a reparação em meados de Março de 2014.

6. Desta forma, só tendo a reparação obtido ordem da Autora em meados de Março e estando também assente a data da entrega da viatura (26-03-2014), terá o referido facto que ser considerado como provado.

7. Em resumo, está provado com interesse para esta questão que a Recorrente utilizava a viatura diariamente para as deslocações casa-trabalho, entre (...) e (...), bem como para as suas actividades do dia-a-dia e de fim-de-semana, que o seu veículo ficou impossibilitado de circular, que por falta de disponibilidade financeira apenas ordenou que a reparação fosse efectuada em meados de Março de 2014, que só em 26-03-2014 voltou a utilizar a viatura e que desde a data do acidente (12-06-2013) a 26-03-2014 utilizou a viatura do pai, com quem repartiu boleias e recorreu a boleias de amigos para as suas deslocações.

8. Entendeu no entanto a Sra. Juiz que a Recorrida apenas é responsável pelo período que tiver durado a reparação que quantifica em 5 dias, sendo a Recorrente responsável pelo período restante.

9. Ora, a Recorrente não se conforma com este entendimento, porquanto não existe disposição legal que determine que um terceiro lesado tenha que ordenar a reparação da viatura, quando até pode suceder (como é o caso) não ter condições para o efectuar.

10. Era à Recorrida que incumbia ordenar a reparação da viatura ou, pelo menos, assumir o pagamento dessa reparação perante a Recorrente.

11. Não o tendo feito é responsável por todo o período em que a Recorrente esteve privada da utilização da viatura, ou seja, 288 dias, contabilizados desde a data do acidente (12-06-2013) até à data em que a mesma foi entregue reparada (26-03-2014);

12. Aceitando-se o montante diário arbitrado em 1ª instância de € 20,00, deverá a Recorrida ser condenada no montante total de € 5.760,00 (€ 20,00 X 288 dias) e não o montante de € 100,00 arbitrado em 1ª instância.

13. A sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 483º e 562º do Código Civil.
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II –Matéria de facto.
A) Do recurso da Ré Infraestruturas de Portugal, S.A.

Alega a Recorrente Infraestruturas de Portugal, S.A.: apesar das declarações das várias testemunhas, não resulta que se tenha provado a dinâmica do acidente, tal e qual vem configurada pela Autora; desde logo, ninguém presenciou o acidente, além do próprio condutor da viatura; as condições de circulação da viatura por parte da condutora vão no sentido de excesso de velocidade, desatenção e manifesta imperícia; ora, a condutora já vê o gato à distância, na medida em que descreve os movimentos do animal com grande pormenor, como se extrai das declarações da condutora, passagem da gravação [26´:50 a 28´:00] “…viu o gato a saltar… Acertou-lhe com os faróis… O gato voltou para trás…”; seria, assim expectável, que pudesse dominar a viatura em tempo e em espaço útil, com segurança. Reduzir a velocidade e até parar, como aliás, acabou por parar após o injustificado despiste e em total descontrolo; o depoimento da condutora /autora (passagem da gravação [43´:00 a 44´:00]): “… Não bateu no separador central…. Bateu-lhe com a roda e não com o farol… ele estava no chão…”; verifica-se, assim, ser tão pouco para tamanho descontrolo e despiste para cima do talude; aliás, era noite (22:25 horas) e não se verificou, no momento, a passagem de qualquer outra eventual viatura que viesse atrás; portanto, ou falta da atenção e/ou excesso de velocidade seria a versão mais compatível com a descrição dos factos; também, a nosso ver, toda a discussão em torno de mais ou menos vegetação no talude da estrada não assume qualquer relevância; os taludes têm de apresentar, necessariamente, revestimento vegetal, como obrigam as normas rodoviárias, o tal tratamento paisagístico e que a IP faz o devido acompanhamento do Departamento do Ambiente da IP, através dos seus arquitetos paisagistas e outros técnicos, constituindo um trabalho algo oneroso e permanente, uma das componentes importantes dos trabalhos de conservação corrente; o revestimento vegetal não é composto somente por vegetação rasteira; comporta algumas espécies vegetais qualificadas e de algum porte; além de outras funções, o revestimento vegetal tem um papel muito importante na estabilidade mecânica ou física dos taludes, bem como na drenagem das águas pluviais, tudo em defesa das boas condições de circulação da estrada; falece, assim, o argumento de que a vegetação do talude tinha de estar cortada; e, muito menos, que tal fosse determinante para evitar o acidente com um gato que, por si só, tem todas as possibilidades de chegar às estradas, mesmo que vedadas, sem que a IP o possa impedir; a IP, como o demonstrou na contestação e firmado pelas suas testemunhas, assegurava e continua a assegurar as devidas condições de circulação da A43, diretamente pelos seus meios técnicos e humanos e ainda por uma empresa externa prestadora de serviços; entre esses meios, assumem relevância as passagens periódicas das UMIAS (unidades móveis de inspeção e apoio) com intervalos não inferiores a 4 horas, assumindo uma fiscalização e vigilância superior à praticada pela BRISA - Concessionária de Auto-Estradas, conforme declarações da testemunha da Ré, Eng.º A.: passagem da gravação [02:06´:00 a 02:09:00]: “…o gato entra por qualquer lado…”; trata-se duma zona da estrada que, embora vedada, tem adjacente, de um e outro lado, expressivos aglomerados urbanos, predominantemente residencial, e um nó rodoviário que é, evidentemente aberto, por natureza, permitindo sempre a eventual entrada de animais, sem que se possa colocar ou instalar o que quer que seja; a este propósito, interessa ainda aludir às declarações do Militar da GNR, na passagem da gravação [16´:00-17´:00] “…o animal é coisa pequena…pode ter entrado pelo Nó.”; por outro lado, não estará afastada a possibilidade de alguém ter abandonado o animal no separador da estrada ou no referido nó, como às vezes acontece, à noite, em certos locais como, por exemplo, áreas de serviço e zonas de via rápida, como é o caso; para todos efeitos, não resulta provada a dinâmica do acidente, pelo menos, nos moldes traçados pela Autora, não havendo testemunhas, como já se referiu, pelo que se ficou, de algum modo, refém das declarações da condutora; sendo que essas declarações não se afiguram plausíveis, pois se viu o gato como o viu e até lhe acertou com os faróis nos olhos (era à noite), como é possível que possa descrever, com tanto pormenor, a movimentação do gato e despistar-se para um e outro lado da estrada, só porque o pequeníssimo gato teria batido numa roda e não no farol (como era suposto ser na petição-artigo 13.º)?; e despistar-se, sem bater no separador; parece uma construção muito rebuscada para se dar como assente a dinâmica do acidente nas condições que a Autora/condutora alega; o gato até já poderia ter sido morto, antes, por um eventual outro condutor que não a Autora; e não se afigura crível que o gato, após ter atravessado a estrada do separador para a berma (da esquerda para a direita) venha a recuar; e recuar porquê? havia algum veículo a passar à direita? a ultrapassar pela direita naquele local? normalmente, um gato atravessa duma só vez; não recua; não fica à espera que o matem; a presença do gato parece constituir motivo desproporcionado para o tipo de despiste alegado, com mergulho no talude, em que danifica um delineador da berma, como refere o Militar da GNR; a este propósito, referem-se as passagens da gravação: [12´:00 a 13:00]“…a altura da vegetação era normal…” “…antes o local é uma curva acentuada..” [14´:00 a 15´:00] “…o carro ficou imobilizado a 30 metros do local…” [16´:00 a 17´:00] “…o animal é coisa pequena… poderá ter entrado pelo Nó…”; de facto, o animal é coisa pequena que passa por qualquer lado. Caso fosse, por exemplo, um javali ou um cão a análise poderia ser outra ou diferente; de relevar a grande distância a que o veículo parou, cerca de 30 metros, à frente do gato, o que poderá levar a inferir que o acidente até não possa ter qualquer relação com o gato, mas sim despiste puro e simples do condutor, a Autora, por eventuais causas que lhe sejam exclusivamente imputáveis; deu-se como provado o facto da rede que há uma falha da rede de 1 metro, ao Km 4,200 mas em ponto algum do processo se pode extrair tal conclusão e, muito menos alguma testemunha, o comprova; e não comprova, porque a rede estava reparada, à data do acidente; e mesmo que, por hipótese, houvesse falha na rede, o que não se concede (pois o gato até poderia subir e transpor com grande facilidade a rede), seria de admitir alguma relação com o sinistro que ocorreu ao 6,200Km, cerca de mais 2Km à frente? como refere a testemunha da Ré, Eng.º A. a IP assegura um nível de fiscalização e vigilância até superior à da Concessionária de Autoestradas BRISA, assegurando todos os dias passagens das UMIAS (unidades móveis de inspeção e apoio) no mesmo local, com uma frequência não inferior a 4 horas, portanto, 6 vezes por dia; a BRISA apenas assegura uma frequência de uma vez por dia, como é referido na gravação [02:16´:00 a 02:17´:00]; o que mostra o grau de vigilância da IP, tido como superior, apesar da estrada em causa ter as características dum IC, ou seja o Itinerário Complementar IC9 (a denominada Via Rápida de (...)) e não a A1 como é o caso da BRISA; e não se trata duma autoestrada, mas sim uma via Rápida, sem portagens e sempre, sem qualquer hipótese de vedar os Nós rodoviários. E, concretamente, o Nó do Multiusos, próximo do local do acidente; não há processo de fechar estes nós, o que, a acontecer, equivaleria à supressão do nó e anular as próprias funções da estrada que ligar destinos e servir as populações e utentes; por outro lado, embora o problema da vegetação não tenha qualquer influência no alegado sinistro, certo que as ceifas periódicas até estavam realizadas antes do acidente, designadamente no separador e até 3metros no talude, contados desde a berma, como muito bem o afirma o Técnico que superintende e dirige os trabalhos relativos à vigilância, fiscalização, conservação e manutenção da estrada - Eng.º A.- (Declarações na passagem da gravação [02:10´:00 a 2:12´:00]); deste modo, não se vê mais o que possa ser feito, imputável à IP, para evitar o acidente; ora, só poderá resultar de factos alheios à IP, aqui Ré, relativos ao próprio condutor ou de terceiros que possam ter abandonado na estrada ou lançado à estrada o animal gato; consequentemente, não se poderá dar provado, como o foi, a ocorrência e dinâmica do embate da viatura da Autora no animal e demais circunstâncias; claro que os alegados danos resultantes, a terem ocorrido naquela medida dos autos, careceriam de devida verificação; e qualquer forma, afiguram-se grandes dúvidas quanto nexo de causalidade entre o facto e o dano, na perspetiva que a Autora vinha a praticar uma condução prudente; não será compreensível a não existência de qualquer peritagem na altura imediata do acidente, como seria normal; e muito menos, lançar-se mão dum orçamento elaborado cerca de um ano mais tarde, não possibilitando o devido contraditório em altura própria, ficando à mercê duma simples relação bilateral entre o principal interessado e o dono da oficina de reparação da viatura; pelo que não se poderão reconhecer esses danos; e não se poderão considerar provados os factos alegados relativos à dinâmica do acidente, designadamente: se o gato foi morto pela Autora; se havia gato vivo antes, se ele saiu ou não do separador; se mudou, repentinamente, de direção, voltando para o lado esquerdo, o que leva a questionar a falta de suporte material que levou a que o Tribunal a quo julgasse como facto provado o descrito em 11; não se poderá dar, também, como assente a ausência de rede em cerca de 1metro ao Km 4, 200 (cerca de 2Km atrás, antes do local do acidente) – facto provado no ponto 28. e, muito menos, provar a entrada do gato por esse alegado buraco.”.

Infere-se do alegado que a Ré, ora Recorrente, pretende a alteração dos factos provados em 11 e 28, para não provados.

Vejamos:

Facto11:

“O gato entrou na faixa de rodagem, por forma a atravessar para o lado direito da via, mas mudou repentinamente de direcção, voltando para o lado esquerdo”.

Este facto foi declarado pela condutora e proprietária do veículo sinistrado, tendo sido as suas declarações prestadas de forma segura, natural e sem contradições. Para além disso, essas declarações já tinham sido prestadas, nos momentos que se seguiram ao sinistro, ao agente da Brigada de Trânsito, que as fez constar da participação do acidente, cujo teor foi confirmado em audiência de julgamento pelo referido agente. E nenhuma outra prova produzida em audiência contrariou tais declarações, que se reportam ao dia 12.06.2013.

Assim, decide-se confirmar o facto 11 dado como provado.

Facto 28:

“Ao km 4.200 existia uma falta de rede, de cerca de 1 metro.”

Este facto foi julgado provado com base nos depoimentos conjugados de J., agente da Brigada de Trânsito que acorreu ao local e elaborou a participação do acidente cujo teor consta do 15º facto dado como provado, O., que se deslocou ao local do embate no dia do acidente e no dia seguinte e prestou depoimento de forma assertiva e precisa na enunciação de tal facto, tendo-se apresentado tal depoimento coerente, espontâneo e claro, de A., testemunha indicada pela Ré e que confirmou tal facto e nas declarações da Autora.

Assim, decide-se confirmar o facto 28 dado como provado.

Tudo o mais relativo a alterações da matéria de facto pretendidas pela Recorrente Infraestruturas não respeitou os requisitos do artigo 640º, nº 1, alíneas a) e b) do CPC de 2013, que regem pela seguinte forma:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ora, analisadas as alegações e conclusões da Recorrente constata-se que não contêm os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não indica os meios probatórios que, relativamente a cada um dos factos impugnados, impunha decisão diversa nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Assim, não merece provimento o recurso interposto pela Ré Infraestruturas, fundamentado em erro de julgamento de parte da matéria de facto.

B) Recurso Subordinado da Autora.

Pretende a Autora a alteração da matéria de facto que fundamenta o dano da privação do uso do veículo automóvel sinistrado.

Alega a Autora: A Recorrente impugna a decisão proferida relativamente ao período que durou a reparação da viatura, nomeadamente, o ponto 2 da matéria de facto considerada como não provada: “2. A reparação da viatura da Autora durou entre meados de Março de 2014 e 26.3.2014.”. Salvo o devido respeito, existe, nesta parte, erro de julgamento, porquanto o da prova produzida, nomeadamente, da conjugação dos documentos nºs 13 e 14 juntos com a petição inicial com os depoimentos da testemunha L. resultou claramente como provado aquele facto. Desde logo aqueles documentos são datados de 26 de Março de 2014, data em que a viatura foi entregue reparada após a Autora ter dado ordem para a sua reparação. Acresce que, no mencionado documento nº 13, correspondente à factura da reparação da viatura, resulta que aquela foi entregue reparada à autora no mencionado dia 26 de Março de 2014, já que é a data da factura e consta da mesma que: “Os artigos/serviços facturados foram colocados à disposição do adquirente à data da factura”. Analisemos agora o depoimento da testemunha L.. Depoimento da testemunha L., gravado conforme acta de audiência de julgamento em suporte digital, de 00:56:30 até 01:17:33: Inicio - 00:59:58 Mandatário da Autora: – O Sr. recorda-se em que data é que o carro entrou na oficina? Testemunha – Acho que em Junho… Mandatário da Autora – Em Junho de? Testemunha – De 2013. Mandatário da Autora – 2013, a D.ª P. o que é que lhe disse, disse para reparar o carro logo de imediato? Testemunha – Como viu que era muito dinheiro mandou-me aguardar. Fim - 01:00:18 ; Inicio - 01:01:00. Mandatário da Autora; Mandatário da Autora – Em determinada altura a D.ª P. deve-lhe ter dado instruções para reparar o carro Testemunha – Sim, sim. Mandatário da Autora – Quando ela lhe deu essas instruções o que é que ela lhe disse? Testemunha – Para ver se lhe arranjava mais barato não é, e eu arranjei-lhe o carro. Mandatário da Autora – Ah o Sr. arranjou-lhe o carro então com peças de concorrência? Testemunha – Sim, sim. Mandatário da Autora - A D.ª P. quando lhe levantou o carro pagou-lhe o Sr. ainda aguardou que ela lhe pagasse? Testemunha – Ela pagou-me senão não mandava arranjar o carro. Mandatário da Autora – OK, no dia em que ela levantou o carro pagou-lhe, em que dia é que ela levantou o carro? Recorda-se? Testemunha – Deixe-me ver em que mês foi a factura, não estou a votar sentido a isso tudo não é, aqui a factura tenho passada no dia 26/03/2014. Mandatário da Autora – E o recibo o sr. tem o recibo? Testemunha – o recibo deve estar lá na oficina. Mandatário da Autora – Terá a mesma data? Testemunha - sim, sim. Mandatário da Autora- Então é nessa altura que paga a reparação do carro? Testemunha – Exacto. Fim - 01:01:52 Inicio - 01:02:22 Mandatário da autora- Sr. L., que documento é este? Testemunha – Isto é a factura. Mandatário da Autora – E o documento nº 30 o que é? Mandatário da Autora – é o recibo, e qual é a data do recibo? Testemunha – 26/03/2014. Mandatário da Autora - Foi nesta data que o Sr. entregou o carro e que a D.ª P. lhe pagou? Testemunha – Sim. Fim - 01:02:40. Ora, conjugando os documentos nºs 13 e 14 juntos com a petição inicial, com o depoimento testemunhal acima transcrito, bem como com o facto considerado como provado sob o ponto nº 19 (“Por falta de disponibilidade financeira a A. apenas ordenou que a reparação fosse feita em meados de Março de 2014”) não poderão restar dúvidas acerca do período durante o qual decorreu a reparação, motivo pelo qual o ponto nº 2 da matéria da facto não provada deverá passar para os factos assentes. Isto posto, Entendeu a Sra. Juiz a Quo que: “Não se apurou a duração da reparação da viatura, mas apenas que, atenta a insuficiência de meios económicos da A., esta ficou parada na oficina entre 12.6.2013 e 26.3.2014.

Ora, a duração do impedimento na utilização da viatura apenas resultou, de forma direta, da conduta do R. no período que durou a reparação. O restante período ficou a dever-se à A., razão pela qual não pode caber ao R. suportar para além do período daquela reparação a privação de uso do veiculo.”

Em resumo, entendeu a Sra. Juiz que apesar da viatura ter estado parada entre 12.6.2013 e 26.3.2014, a Ré apenas será responsável pelo período da reparação que quantifica em 5 dias, tendo o restante período de imobilização sido responsabilidade da Autora. Ou seja, entende a Sra. Juiz que a Autora deveria ter ordenado de imediato a reparação da viatura apesar de, conforme resulta da matéria de facto como provada, não ter condições económico-financeiras para tal. Salvo o devido respeito, não existe disposição legal que imponha que um terceiro lesado vítima de um acidente de viação tenha que ordenar a reparação da viatura. Essa reparação incumbe ao lesando, conforme artigos 483º e 562º do Código Civil. Recorde-se, em resumo, que está provado que a Recorrente utilizava a viatura diariamente para as deslocações casa-trabalho, entre (...) e (...), bem como para a s suas actividades do dia a dia e de fim-de-semana, que o seu veículo ficou impossibilitado de circular, que por falta de disponibilidade financeira apenas ordenou que a reparação fosse efectuada em meados de Março de 2014, que só em 26-03-2014 voltou a utilizar a viatura e que desde a data do acidente (12-062013) a 26-03-2014 utilizou a viatura do pai, com quem repartiu boleias e recorreu a boleias de amigos para as suas deslocações. Será, desta forma a Recorrida responsável pela indemnização devida por todo o período de imobilização que, considerando o montante diário arbitrado na sentença recorrida será de € 5.760,00 (€ 20,00 X 288 dias), e não os € 100,00 arbitrados.”

Vejamos:

Veremos a seu tempo que a Autora tem razão em discordar do período que lhe foi fixado a título de privação do uso do veículo, mas já a não tem quando alega que foi mal fixado como não provado o facto nº 2 da matéria factual dada como não provada.

Com efeito, o 2º facto dado como não provado está correctamente dado como tal.

Isso mesmo resulta das alegações da Recorrente.

Quanto ao mais, deverá ser tratado no enquadramento jurídico e não como alteração da matéria de facto.

Os factos 7, 19º e 23º dados como provados permitem que se faça uma correcta fixação desse dano da privação do uso do veículo, em matéria de enquadramento jurídico.

Assim, mantém-se a decisão recorrida e dão-se como provados os seguintes factos:

1. A Autora é proprietária do veículo ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, modelo Polo, a gasolina, com a cilindrada de 198cm3, com a matrícula XX-XX-XX, de 2007 – folhas 14 do suporte físico.

2. A Autora utilizava a sua viatura diariamente para as deslocações casa-trabalho, entre (...) e (...), e, bem assim, para as suas atividades do dia a dia e de fim de semana.

3. Junto ao nó do Multiusos de (...), a A43 é constituída por duas faixas de rodagem, em sentidos opostos, separadas entre si por um separador central.

4. Naquele local a faixa de rodagem, no sentido (...)-(...), tem duas vias de trânsito, existindo na saída da autoestrada para o Multiusos uma terceira faixa de desaceleração e, mais à frente, na entrada para a autoestrada do Multiusos uma terceira faixa de aceleração.

5. A faixa de rodagem é ladeada, naquela zona, por talude.

6. Em Junho de 2013 os taludes encontravam-se com pouca vegetação numa altura de cerca de 3 metros, mas na sua parte superior, junto à vedação, a vegetação era abundante e alta.

7. No dia 12.6.2013, pelas 22.25h, a viatura XX-XX-XX circulava na autoestrada A43, no sentido (...)-(...), sendo tripulada pela A..

8. A via encontrava-se iluminada.

9. A Autora seguia na hemifaixa da direita.

10. Aproximadamente ao km 6,300, junto ao nó do Multiusos de (...), e após o termo da via de aceleração da entrada para a autoestrada para quem acede vindo do Multiusos, surgiu subitamente pelo lado esquerdo da viatura, saído do separador central da via, um gato.

11. O gato entrou na faixa de rodagem, por forma a atravessar para o lado direito da via, mas mudou repentinamente de direção, voltando para o lado esquerdo.

12. Logo que se apercebeu da presença do gato, a A. tentou desviar-se para o lado esquerdo, mas face à mudança de direção deste, não conseguiu evitar o embate do animal no lado direito da sua viatura.

13. Em consequência do embate no animal, o carro guinou para a direita, acabando por subir pelo talude do lado direito da via e, posteriormente, rodando a frente da viatura para baixo e descendo,

14. Imobilizando-se no talude, com a frente da viatura em direcção à via.

15. A GNR deslocou-se ao local e lavrou auto de ocorrência, registado sob o n.º 1049/13, no qual se deixou consignado o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- folhas 11 do suporte físico.

16. O veiculo da Autora foi rebocado, tendo sido conduzido à oficina Auto F..

17. Em consequência do acidente acima descrito, o veículo da Autora ficou danificado nas partes frontais, traseira e laterais da viatura, e impossibilitado de circular.

18. O que determinou a necessidade de reparação que se traduziu em: rolamentos, para-choques frontal e traseiro, retrovisor, farol esquerdo e direito, frente em fibra, caixa elétrica, avental de para-choques, grelha central, grelha de para-choques, emblema, buzinas, eixo traseiro, braço suspensão, jogo de discos, violete, transmissão, farolim stop, válvula trancha traseira, matrícula, blindagem de trator, radiador, anticongelante, airbags dos bancos, programação da centralina, escovas, guarda lama, pintura.

19. Por falta de disponibilidade financeira a Autora apenas ordenou que a reparação fosse feita em meados de Março de 2014.

20. Dada a imobilização da viatura desde a data do acidente foi necessário substituir a bateria do veiculo, pelo valor sem IVA de € 25,00.

21. Pela reparação do veículo e pela substituição da bateria a Autora pagou, em 26.3.2014, o valor de 2.682,28 €, mais IVA a 23%, no total 3.299,20 €.

22. Na reparação da viatura foram utilizadas peças não originais.

23. Apenas em 26.3.2014 a Autora voltou a utilizar a viatura.

24. Entre 12.6.2013 e 26.3.2014 a Autora utilizou a viatura do pai, com quem repartia boleias, e recorreu boleias de amigos para as suas deslocações.

25. Para a obtenção da participação acima a Autora pagou 39,00 €– folhas 19 dos autos.

26. A A43, no nó do Multiusos de (...), onde se insere o local do acidente supra descrito, é uma estrada aberta, tendo nós de acesso livre, não dispondo de portagens, barreiras, cabines ou pórticos ou guardas e vigilantes fixos, e estava concessionada à aqui ré.

27. À data do acidente, a via rodoviária encontrava-se delimitada lateralmente por uma rede de vedação.

28. Ao km 4.200 existia uma falta de rede, de cerca de 1 metro.

29. Em Maio de 2013 a Ré realizou uma ceifa aos taludes, numa altura de cerca de 3 metros, e ao separador central.

30. A Ré realiza o patrulhamento da via diariamente, efetuando passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 4 horas.

31. Após o acidente os técnicos da Ré foram ao local do acidente.
*
III - Enquadramento jurídico.

1. Recurso da Infraestruturas de Portugal, S.A.

Alega a Recorrente quanto à matéria de direito: “A sentença proferida considera provada a dinâmica do acidente, o que não se pode aceitar, face ao que se acabou de descrever na alegação da matéria de facto; Além disso, é deduzida uma responsabilidade civil sobre a IP que não tem qualquer suporte legal, não se identificando qualquer um dos pressupostos exigíveis (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano). Consequentemente, para o que ao caso dos Autos interessa, impunha-se, para haver responsabilidade da Ré IP, a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos. E, como vimos, não se verifica qualquer prática de ato por ação ou omissão que configure ilicitude para a Infraestruturas de Portugal (a IP). Não se verifica, pois, qualquer facto ilícito imputável à IP. Esta Empresa não deu motivo que permita estabelecer um nexo de causalidade entre qualquer eventual facto ilícito e culposo e o dano. Independentemente do cumprimento de todos os deveres de cuidado ao alcance da IP, tal seria sempre indiferente à produção do dano, tornando-se condição dele outras circunstâncias alheias ao IP, como muito bem é descrito pelo Digníssimo Tribunal, quando invoca a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, de harmonia com a doutrina de Ennecerus-Lehmann. Não resulta provada a dinâmica do acidente alegada pelo A., como se explicou na parte da matéria de facto. E muito menos foram verificados os pressupostos exigíveis para obrigar a indemnizar, em sede de responsabilidade civil extracontratual. Para a produção do acidente concorreu apenas a conduta negligente e imprudente do condutor que, muito provavelmente, vinha em excesso de velocidade e não conseguiu controlar o carro, após ter descrevido a curva antes.”

Destas alegações resulta que a Recorrente Infraestruturas só pede uma alteração do direito em função da pedida alteração dos factos, pelo que tendo esta sido indeferida, cumpre manter a decisão recorrida, por estarem preenchidos os cincos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Ré nos termos tão doutamente desenvolvidos na sentença da 1ª instância que a referida Ré não põe em causa, ou melhor, ela só os põem causa na justa medida da alteração factual pretendida e que não logrou conseguir.

Não é controverso que a haver alguém responsável pelos danos emergentes do sinistro objecto dos presentes autos esse alguém é a Ré, Infraestruturas, concessionária da A43 onde o sinistro ocorreu, o que significa que, por força do disposto no artigo 1º, nº 5, do anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, está submetida às normas aplicáveis à responsabilidade civil das entidades públicas, competindo-lhe entre outras funções a manutenção e a prestação do serviço público no local onde o sinistro ocorreu, como aliás decorre da Base 73, aprovada pelo Decreto-Lei nº 380/2007.

Assim, a Ré Infraestruturas rege-se no âmbito da concessão no exercício de poderes administrativos, regulados por normas e princípios de direito administrativo, pelo que não há dúvidas de que lhe é aplicável o regime de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, conforme argumentação transponível para a situação em apreço, conforme acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.05.2013, Proc. nº 017.13.

Nos termos do artigo 7º do Anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, “o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa por causa desse exercício”.

Decorre dos artigos 7º a 10º do Regime em análise e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

Assim a Infraestruturas será responsável na medida em que se encontrem verificados os pressupostos; facto, ilícito, culposo, gerador de danos e verificação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo um juízo de causalidade adequada.

Vem imputada à Infraestruturas uma actuação omissiva – não tomada de providências no sentido de assegurar a segurança da circulação dos veículos automóveis na A43.

Da matéria dada como provada não resulta que a Infraestruturas tivesse actuado no sentido de prevenir a condutora do veículo sinistrado para a existência do gato que acabou por embater no veículo em causa.

Está, pois, preenchido o primeiro pressuposto legal.

O 2º pressuposto é a ilicitude.

A Lei nº 24/2007, de 18.07 veio definir “direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis” (artigo 1º).

O artigo 12º do referido diploma estabelece o seguinte:

“1. Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.

3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afectem as actividades de concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:

a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;

b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;

c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.”

O legislador resolveu no artigo 12º a problemática da repartição do ónus da prova dos elementos constitutivos da obrigação de indemnizar: quando esteja em causa um sinistro numa auto-estrada concessionada, provocado pelo atravessamento de um animal e que a autoridade policial competente tenha verificado no local as causas do acidente (v.g. a viatura acidentada e o animal), a entidade concessionária fica onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar, cabendo-lhe, portanto, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança.

Conforme já decidiu o Tribunal Constitucional, esta opção legislativa não está desprovida de fundamento material bastante, já que o legislador cometeu “o ónus em causa à parte que se encontra em melhores condições para antecipadamente poder lançar mão dos meios ou instrumentos materiais aptos à prova dos factos, quer pelo domínio material que tem sobre as auto-estradas e os meios de equipamento e de infra estruturas adequadas a conferir maior segurança na circulação rodoviária, quer pela sua capacidade económica para se socorrer desses meios” – acórdão do Tribunal Constitucional nº 596/2009; cfr. também acórdão do mesmo Tribunal com o nº 629/2009.

No mesmo acórdão citado, o Tribunal Constitucional sustenta que “o tipo de bens oferecido através da oferta da via das auto-estradas, diferentemente do que se passa com as demais estradas, pressupõe níveis elevados e especiais de segurança, traduzidos desde logo na concepção, construção, manutenção e exploração das vias segundo padrões materiais ou normativos de grande exigência, e que a sua utilização é feita em termos massivos e mediante o pagamento de uma taxa (ainda que nas SCUT esta seja assumida pelo Estado), não se vê que possa considerar-se existir qualquer violação do princípio da proporcionalidade ao atribuir-se ao concessionário da auto-estrada o ónus de demonstrar que cumpriu, em concreto relativamente a cada utilizador, a obrigação de segurança cuja pressuposta existência real se apresenta como determinante para que uma grande massa de consumidores opte pela sua utilização.”

E acrescenta que “estando-se perante especiais actividades económicas geradoras de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, muitas vezes ínsitos ao próprio tipo de bens cuja aquisição se oferece, afigura-se como previsível que o legislador possa submeter essa actividade concreta a especial regime de responsabilidade e isso principalmente quando ela é levada a cabo em regime de concessão pública, pois dela poderá sobrar para o Estado a emergência de ter de suprir as consequências danosas para os utilizadores desses bens, mormente através do cumprimento dos deveres de prestação dos serviços de saúde e de segurança social.”

Conclui que “a norma constante do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, na acepção segundo a qual, «em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento», não padece de inconstitucionalidade.”

Descendo ao caso concreto.

Da matéria de facto dada como provada resulta que: no dia 12.06.201, pelas 22.25 horas, a viatura XX-XX-XX circulava na auto-estrada A43, no sentido (...)-(...), em (…), quando ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o XX-XX-XX, propriedade da Autora e um gato que se encontrava na auto-estrada; o acidente resultou do embate no gato e a condutora não logrou evitar o embate; em resultado do embate o referido veículo sofreu vários danos; o acidente teve como causa o atravessamento desse gato na faixa de rodagem em que seguia o veículo segurado; a causa do acidente foi comprovada pela GNR e não houve alertas da presença do gato na auto-estrada antes do acidente.

Estão preenchidos todos os elementos que permitem accionar o artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18.07.

A sentença recorrida decidiu correctamente esta questão, pelo que se mantém a mesma in totum e contra o sustentado pela Recorrente Infraestruturas.

À Recorrente e não à Autora cabe alegar e provar a forma como o gato se introduziu na auto-estrada.

Não é à Autora que incumbe alegar e provar que concretas medidas de segurança a Recorrente incumpriu, já que a Autora, nos termos do artigo 350º do Código Civil, tem a seu favor uma presunção de incumprimento, pelo que está dispensada de alegar e provar esse incumprimento.

Sobre a Recorrente incidia o ónus de alegar e provar os factos que poderiam consubstanciar o cumprimento das regras de segurança da A43.

Resulta dos factos provados que a A43 , no nó Multiusos de (...), onde se insere o local do sinistro, é uma estrada aberta, tendo nós de acesso livre, não dispondo de portagens, barreiras, cabines ou pórticos ou guardas e vigilantes fixos e que à data do acidente, a via rodoviária encontrava-se delimitada lateralmente pro uma rede de vedação, se bem que ao km 4.200 existia uma falta de rede, de cerca de 1 metro e que a Ré realiza uma patrulhamento da via diariamente, efectuando passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 4 horas.

Não se provou que no dia do acidente os colaboradores da Ré tivessem realizado patrulhamento à via, tendo passado no troço onde ocorreu o sinistro às 20.25 horas.

Ora, a prova daqueles factos não é suficiente para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre a concessionária, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 1, da Lei nº 24/2007, de 18.07.

Acompanhamos o sustentado na sentença recorrida de que nada foi alegado e nada resultou provado no sentido de que a vedação concretamente instalada no local impede efectivamente a entrada de um gato como o que esteve envolvido no acidente objecto dos autos.

Impunha-se à interveniente alegar e provar que a rede ou vedação em causa era idónea a prevenir a entrada de gatos na A43 e que medidas tomou em concreto para evitar o sinistro ocorrido. Nada disso se provou e o facto é que o gato entrou inopinadamente na A42 e provocou o embate no veículo. Não se sabe por onde possa ter entrado o gato, mas o certo é que ele entrou, sendo a Recorrente a onerada com a alegação e demonstração de que tudo fez para o evitar, pelo que o não cumprimento desse ónus acarreta a sua responsabilidade civil extracontratual, obrigando-a a reparar os danos que foram consequência directa e necessária do embate entre o animal e o veículo da Autora.

O que está em causa, numa concessão, é uma transferência, em termos efectivos, de um risco substantivo para a concessionária, o que significa que os utentes da auto-estrada confiam que a sua circulação ali está garantida pela concessionária, não sendo expectável que animais, concretamente, gatos, se atravessem no seu caminho.

Da prova não resultou que a rede tivesse capacidade para prevenir que gatos possam entrar na auto-estrada, pelo que provar que existia essa rede, com a agravante de ao KM 4,200 existir uma falta de rede, de cerca de 1 metro, não é suficiente para ilidir a presunção de culpa do incumprimento das condições de segurança da via.

É também irrelevante a existência de patrulhamentos porquanto não ficou demonstrado que estavam instalados na auto-estrada em causa os meios técnicos que visem impedir a entrada de gatos na via e que esses patrulhamentos permitem efectivamente visualizar gatos que estejam no local em que o acidente ocorreu.

Competia à Recorrente a demonstração dos específicos meios que instalou na auto-estrada para prevenir a entrada de gatos na A43.

Os patrulhamentos não são especificamente destinados à detecção de animais. Importa ter em atenção que ao contrário dos elementos estáticos como pedras que podem causar acidentes, os animais são elementos que se movimentam e que se escondem, pelo que os patrulhamentos só por si não se afiguram como prova adequada do cumprimento das obrigações de segurança desacompanhados de outra prova no sentido de que se tenham instalado na auto-estrada infraestruturas que permitam em concreto prevenir a entrada de gatos.

Por outro lado, em face da jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a interveniente teria que demonstrar que o gato se introduziu na auto-estrada de uma forma incontrolável, por motivo de força maior, nomeadamente através de um acto de terceiro que não podia impedir.

No caso concreto, não se apurou de onde veio o gato, mas tão somente que apareceu na auto-estrada inopinadamente à frente do veículo, não tendo a sua condutora qualquer possibilidade de travar ou desviar-se do animal.

Sobre a Ré Infraestruturas incidia o ónus de provar o alegado excesso de velocidade que a Autora imprimia ao veículo por si conduzido ou a imperícia desta na condução, pelo que a ausência de tal prova, não nos permite concluir que houve culpa da Autora na eclosão do acidente.

A sentença recorrida aplicou, portanto, devidamente a Lei nº 24/2007, de 18.07, o Código da Estrada e o Código Civil.

Nada do que a Recorrente alega para consubstanciar a culpa concorrente da Autora se provou.

Não se provou o excesso de velocidade, pois não se provou qual o limite máximo de velocidade permitido no local dos factos, nem qual a velocidade rigorosa a que o veículo da Autora seguia.

Na ausência de tal prova, tudo quanto a lei nos diz é que nas auto-estradas o limite máximo é de 120 km/hora – artigo 27º, nº 1, do Código da Estrada, pelo que quer o veículo da Autora circulasse a 90 ou a 120 km/hora, não podemos concluir que circulava em excesso de velocidade.

E o facto de a Autora não ter conseguido parar a viatura não configura culpa da lesada no caso concreto, dado que o gato surgiu de forma inopinada, que impossibilitou a Autora de travar ou desviar-se do animal.

Na verdade, como refere o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.09.2018, no processo nº 1390/15, numa situação em que ficou demonstrada a circulação de um veículo acima do limite legal permitido, para que haja aplicação do artigo 570º do Código Civil é necessário que se demonstre que a conduta do condutor esteve na origem total ou parcial dos danos sofridos, o que não se provou.

Ora, nenhuma circunstância concreta resulta dos autos que permita concluir que a Autora não ajustou adequadamente a velocidade do veículo às circunstâncias previsíveis. E, de qualquer forma, não é previsível, e muito menos exigível, que um condutor circule numa auto-estrada a uma velocidade que lhe permita imobilizar imediatamente o veículo perante o aparecimento de um gato, já que não é suposto que gatos caminhem ou corram no interior das auto-estradas.

Neste sentido se pronuncia o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.07.2013, processo nº 3238/11.1TBGMR.P1:

“Quando apesar da existência das vedações, um cão se introduz na auto-estrada, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas.

E tal presunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso vertente, seja ignorada a razão da introdução do animal na via.

É manifesto que a entrada de um cão na auto-estrada pode acontecer por qualquer meio, incluindo ser aí largado por um utente.

Mas, enquanto não for conhecida a efectiva razão do sucedido, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respectiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 12º da Lei n° 24/2007, conjugado com o n.º 1 do art.º 350.º do C. Civil (Ac. Relação do Porto, 2011/01/11, www.dgsi.pt).

A simples afirmação feita pela ré (e corroborada pelas suas testemunhas – seus funcionários) de que as vedações, nas imediações do local do acidente estariam em condições no dia em que este ocorreu, não chega para que possamos afastar a presunção decorrente do artigo 12º, nº 1 da Lei nº 24/2007.

Caso contrário – caso afastássemos essa presunção com tão pouco – estaríamos a colocar o problema praticamente no mesmo estado em que se encontraria sem a existência da presunção. Esta valeria, pois, muito pouco, reconduzindo-se a uma espécie de obrigação protocolar da concessionária de trazer os seus funcionários a tribunal para afirmarem uma espécie de fórmula sacramental desoneradora de uma presunção legal assente em relevantes fundamentos de justiça.

Cremos, com efeito, que este grau de exigência se coaduna – é o que melhor se coaduna – com a teleologia da norma e está presente, em termos de mensagem normativa subjacente, no próprio texto através do carácter particularmente restritivo das exclusões estabelecidas no nº 3 desse artigo 12º.

Como se deixou já dito, perdoe-se-nos a repetição, a concessionária celebrou com o Estado um contrato (o contrato de concessão) pelo qual se comprometeu, para além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas.

Ora, está fora de qualquer dúvida que a introdução numa auto-estrada, via por essência de trânsito automóvel rápido, de um animal (um canídeo, no caso concreto), coloca sérios problemas de segurança rodoviária.

Por outro lado, o aparecimento daquele animal na via, nega a obrigação de segurança viária que cabe à R. proporcionar aos utentes da via, correspondendo esse surgimento a uma perigosa violação da segurança do tráfego automóvel.

Ou seja, mesmo que a ré tivesse provado que genericamente cumpriu as suas obrigações decorrentes do contrato de concessão, o certo é que não demonstrou, no caso concreto, a observância desses mesmos deveres.

Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da ré ou da origem do cão, porque não foi a prestação dele que falhou nem é ele que tem a direcção efectiva da via - o poder de facto sobre a auto-estrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço).

Como acima ficou dito, só o «caso de força maior devidamente verificado» exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, na hipótese de inexecução, o dever de reparar os prejuízos causados.

Isto significa, no essencial, que não será suficiente à concessionária de uma auto-estrada mostrar que foi diligente no cumprimento dos seus deveres em geral; terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que lhe não deixou realizar o cumprimento.

Essa prova só terá sido produzida quando se conhecer, em concreto, o modo de intromissão do animal. A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente.

Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria, pois a R. provar, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na auto-estrada, negligente ou intencionalmente, por outrem.

Isto é, e em jeito de conclusão (segundo a tese jurisprudencial maioritária, a que aderimos) sempre que há um acidente de viação numa auto-estrada concessionada, devido a um cão (ou outro animal) que se introduziu na mesma auto-estrada, presume-se o incumprimento da concessionária.

Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, provando, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na auto-estrada, negligente ou intencionalmente, por outrem (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-5-2012 disponível no mesmo sítio electrónico).

Isto porque, contrariamente ao defendido pela R. a obrigação que sobre si impende, decorrente da Base XLIV, nº 1, do DL nº 248-A/99, de 6 de Julho, é uma obrigação de resultados, já que existe, por banda da concessionária, a obrigação de promover e concretizar uma boa circulação rodoviária nas auto-estradas.”

Como já referido, esta interpretação jurisprudencial foi já objecto de sindicância pelo Tribunal Constitucional, que se pronunciou pela sua não inconstitucionalidade.

Por tudo o exposto, conclui-se que a Recorrente não ilidiu a presunção de incumprimento que sobre ela impendia, já que não logrou provar a proveniência do gato ou que o mesmo surgiu de forma concretamente incontrolável por si, e que, por esse motivo, não lhe é imputável o sucedido, não tendo sido alegada ou produzida qualquer prova concreta sobre a introdução do gato na A43.

Assim, se conclui pela omissão ilícita e culposa da Recorrente, porque rigorosamente, não se provou que a Autora tivesse agido com culpa, pelas razões supra citadas. A ausência de tal prova aliada à presunção de incumprimento das condições de segurança da via pela Recorrente, não permite concluir como o faz aquela nas suas alegações de recurso, que é aplicável a esta situação o artigo 570º nº 2 do Código Civil que determina:

“Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar”.

O dever em discussão recai sobre a Recorrente, desde logo por ser esta que colhe as vantagens do serviço prestado.

E tal também resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 14.03.2013, processo nº 201/06.8TBFAL.E1.S1, , que se transcreve parcialmente:

“Como refere Rui Ataíde, ob. cit. pág. 167, reportando-se especificamente à presença de animais na auto-estrada «não são os utentes a ter de adivinhar os locais onde esse perigo é mais plausível, mas as concessionárias a identificá-lo de forma visível, assinalando-os mediante a indispensável sinalização, o que investirá o utente na adopção de cuidados redobrados. Fora disso compete-lhes apenas e tão só cumprir as comuns regras de trânsito, designadamente as que fixam as velocidades máximas. E mais adiante conclui que «o cerne da conduta exigível aos concessionários reside em determinar se os sistemas de segurança adoptados são adequados, primeiro, à prevenção de tais sucessos e, segundo, quando tal não for possível, à diligente remoção das respectivas consequências, de modo a reconstituir as normais condições de circulação”.

E que tem como sumário:

“1. O art. 12º da Lei nº 24/077, ao definir os direitos dos utentes de auto-estradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais.

2. Provado que o despiste de um veículo automóvel foi determinado pelo facto de na faixa de rodagem se encontrar um pato de que o condutor se pretendeu desviar, a concessionária da auto-estrada é responsável pelos danos decorrentes do acidente, salvo se elidir a presunção de incumprimento de obrigações de segurança.

3. Recaindo sobre a concessionária de auto-estrada uma obrigação reforçada de meios, a elisão da referida presunção, relativamente à entrada ou permanência de animais na faixa de rodagem, não se basta com a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e de que não foi detectada ou comunicada a presença do animal.”.

Tal interpretação pode retirar-se da simples leitura do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 28.07, como também do artigo 493º do Código Civil que institui uma presunção de culpa sobre quem “tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância”, aqui se entendendo como coisa imóvel toda a A43.”

Este entendimento tem vindo apenas a ser clarificado e desenvolvido, uma vez que a jurisprudência já o acolhia há muito.

Ver, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.06.2004, no processo nº 04A1299, cujo sumário de transcreve:

“I - O contrato celebrado entre o utente que pretende circular pela auto-estrada e a Brisa, sua concessionária, é um contrato inominado em que o utente tem como prestação o pagamento de uma taxa e a Brisa a contraprestação de permitir que o utente «utilize» a auto-estrada, com comodidade e segurança.

II - Embora o contrato de concessão tenha como Partes Contratantes o Estado Concedente e a Brisa Concessionária, algumas das Bases da Concessão têm carácter normativo, eficácia externa relativamente às partes no contrato; para isso o Legislador as integrou no Decreto Lei aprovador da Concessão, dele fazendo parte integrante (final do preâmbulo e art. 1º do Dec-lei nº 294/97, de 24 de Outubro).

III - Uma dessas Bases é a XXXVI, nº 2, segundo a qual «a concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues.

IV - O aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem da auto-estrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula.”

Cabe à Brisa evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da Brisa ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direcção efectiva, o poder de facto sobre a auto-estrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço.

V - Só o «caso de força maior devidamente verificado» exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança (art. 799º, nº 1, do CC) e, na hipótese de inexecução, do dever de reparar os prejuízos causados.

VI - Não será suficiente (ao devedor, a Brisa) mostrar que foi diligente ou que não foi negligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não lhe deixou realizar o cumprimento.

VI - Essa prova só terá sido produzida quando se conhecer, em concreto, o modo de intromissão do animal. A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente» e de que se transcreve parte do texto “Impor à vítima o ónus da prova de um facto ilícito e culposo, quer da entidade gestora da auto-estrada, quer de um terceiro. Teremos então uma visão fatalista das coisas visto que o lesado não tem qualquer possibilidade de controlo sobre a fonte de perigo. Ou fazer recair o ónus da prova da ausência de culpa ou da violação de um dever à entidade encarregada de zelar pela segurança da auto-estrada.

(…)

Ao tornar obrigatória a vedação das auto-estradas em toda a extensão, o nosso direito pretende afastar esta fonte de perigos. No plano do direito probatório, a atitude que melhor se compatibiliza com essa postura é a de fazer impender o ónus da prova da ausência de culpa sobre quem tem a possibilidade (e o dever, ligado à custódia), bem como os conhecimentos e os meios técnicos e humanos para controlar a fonte dos perigos.

Dada a diversidade de modos e locais possíveis para a intrusão do animal, parece-nos que este ónus dificilmente poderá estar cumprido sem a demonstração positiva de como é que, apesar de lá estarem as barreiras, o animal se introduziu.”

Para além do incumprimento dos deveres de prevenção a que a Ré se encontra sujeita, estamos perante um comportamento omisso, uma vez que não retirou o animal em tempo útil, bem sabendo que deve garantir a segurança dos utilizadores dos lanços rodoviários sob a sua concessão.

Deveria ter tomado as providências necessárias ao nível da segurança rodoviária, nomeadamente ao nível do acionamento da sinalização de perigo e de presença de obstáculos (presença de animal na via) por forma a alertar os condutores que circulavam na A43, o que não fez.

A rede de vedação, de nada serve ter 1,60 metros ou 3 metros se existir orografia ou vegetação que permite a transposição, quando a sua montagem é deficiente, quando a sua manutenção é feita com base num número de recursos humanos de tal forma insuficiente para a extensão da operação que apenas permite uma fiscalização após os sinistros e nunca preventiva.

A incapacidade de evitar os sinistros deveria resultar de casos pontuais de falhas de equipamentos, já por si censuráveis, e não de meras considerações previamente estabelecidas em prol da assunção do risco apresentado para a Operadora em face dos custos para evitar os sinistros poderem ser superiores aos custos com as indemnizações que têm de ser suportadas.

Pouco serve o cumprimento de obrigações mínimas de segurança, quando as mesmas de forma reiterada se mostram insuficientes para garantir a segurança dos utentes das vias concessionadas e que são o fim da protecção das cláusulas contratuais e dispostas nas bases de contratação pública, e bem assim, o alvo garantístico das normas supra elencadas.

Tal como reiteradamente tem sido decidido por este Tribunal Central Administrativo Norte, nos acórdãos de 19.11.2015, processo 217/13.8 MDL, de 10.02.2017, processo 1705/12.9 PRT, de 17.11.2017, processo 224/12.8 MDL, de 30.11.2017, processo 951/14.5 BRG, de 14.09.2018, processo 1390/15.6 PNF, de 12.07.2018, processo 242/14.1 CBR, de 28.06.2019, processo 620/14.6 PNF, e de 15.11.2019, processo 1860/16.9 BRG.

2. Recurso subordinado da Autora.

Dano da Privação do uso.

Já supra expusemos a pretensão da Autora quanto a este dano.

Resultou provado nos factos 7º, 19º e 23º que a Autora esteve privada do uso do seu veículo entre 12.06.2013 e 26.03.2014, por não possuir condições económico-financeiras, pelo período de 288 dias e dado que o veículo ficou sem poder circular, como ficou provado que a Autora usava o veículo para as suas deslocações, não lhe tendo sido fornecido qualquer veículo de substituição.

Citando A. Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, página 39,

“…a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma fatia dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização. Aliás, o simples uso do veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.

E o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem qualquer que fosse a actividade/lucrativa, benemérita ou de simples lazer, a que o veículo estava afecto”. Neste sentido, ver o acórdão de 26/11/2002, in CJ ano 2002, tomo V, pág. 19, que decidiu que “o uso de um veículo automóvel constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial que deve, por si só, ser indemnizado com recurso a critérios de equidade. Por conseguinte, mesmo quando se trata de um veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade por danos tendo em conta a mera indisponibilidade do bem.”.

No mesmo sentido, na doutrina, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 2ª edição, Almedina, 2002, páginas 316 e 317; Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 7ª edição revista e ampliada, Livraria Petrony, 2005, página 359, na jurisprudência, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2008, processo 07B3557, de 06.5.2008, processo 08A1279, de 16.9.2008, processo 8A2094, de 06.11.2008, processo 08B3402 e de 09.12.2008, 08A3401, citados no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.2009, processo 1252/08.3TB.º FUN.L100.

O montante diário pedido pelo custo de aluguer de um veículo de substituição semelhante ao da Autora, fazendo recurso à equidade - nº 3 do artigo 566º do Código Civil – deverá situar-se algo abaixo da quantia peticionada de 35,00 €.

No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.12.2013, processo 607/10.8TBFLG.G1 foi fixado o valor de 74,28 € por dia para um veículo ligeiro de mercadorias. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 31.01.2013, processo 3793/10.3 TBOER.L1, foi fixado o valor de 30 € por dia pela imobilização de um veículo ligeiro de mercadorias. E no acórdão deste mesmo Tribunal de 21.05.2009, no processo 1252/08.3TBFUN.L1, foi fixado o valor diário de 40,25 € pela imobilização de um quadriciclo.

No acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 22.10.2015, no processo nº 219/08.6 MDL, como o mesmo Relator, foi fixado o valor diário de 35 € pela imobilização de um veículo comercial.

Neste contexto, ajustado ao caso concreto e equitativo o valor de 20 € (vinte euros) por dia de imobilização do veículo sinistrado, dado tratar-se no caso de um veículo essencialmente para uso particular e não para uso profissional e pelas alternativas menos dispendiosas que a Autora teve, a utilização da viatura do pai e boleias de amigos.

Ao montante supra referido, acrescem juros de mora, contados a partir da citação até integral e efectivo pagamento, sendo a taxa legal anual até à data de 4% – artigos 559º, 804º nº 1 e 2, 805º nº 3, 2ª parte e 806º nº s 1 e 2 do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 08.04.

Assim, impõe-se revogar parcialmente a sentença recorrida, e condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 5.760 € (cinco mil setecentos e sessenta euros) pela privação durante 288 dias do uso do seu veículo, a que acresce o valor da reparação do veículo fixado em 1ª instância, 2.657,28 €, e o valor pago pela certidão da participação no montante de 39,00 €, o que tudo somado perfaz o montante de 8.456,28 € (oito mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e vinte e oito cêntimos).

A este montante acrescem os juros de mora a partir da citação se reduz a indemnização – artigo 609º nº 1 do Código de Processo Civil de 2013.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional independente interposto pela Ré, Infraestruturas de Portugal, S.A. e CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso subordinado interposto pela Autora, P. pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.
2. Julgam a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
2.1. Condenam a Ré a pagar à Autora a indemnização de 8.456,28 € (oito mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e vinte e oito cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora às taxas legais desde a citação até integral e efectivo pagamento.
2.2. Absolvem a Ré do mais que é pedido.

Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
*
Porto, 16.10.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco