Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00450/19.9BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
NULIDADE/ANULABILIDADE;
DIREITO À REPOSIÇAO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL;
Sumário:
I – Nos termos do artigo 58º, nº. 1, alínea b) do C.P.T.A, na versão dada pelo Decreto-Lei nº. 214-G/2015 de 02.10, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de três meses.

II- O dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº. 1 e alínea f) do n.º 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; nº.1 e alínea g) do n.º 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental.

III- A aplicação de multas contratuais não consubstancia a violação de nenhum direito fundamental, de modo que a invocada falta de fundamentação não pode constituir um elemento essencial do mesmo, sendo, por isso, a anulabilidade a única hipótese em causa.

IV- A ser assim, a não instauração da ação administrativa dentro do prazo legal, que é de 3 meses, prazo esse que expirou em 03.07.2018, constitui um insuperável obstáculo ao prosseguimento da presente ação.
V- O direito à reposição do equilíbrio financeiro caduca no prazo de 30 dias a contar do evento que o constitua ou do momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento, sem que este apresente reclamação dos danos correspondentes nos termos do número seguinte, ainda que desconheça a extensão integral dos mesmos [cfr. artigo 354º, nº.2 do CCP].

VI- Não se descortinando a formulação expressa ou mesmo implícita de qualquer pedido de reposição de equilíbrio contratual por parte da Autora no decurso do procedimento administrativo, não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reverso do juízo decisório firmado a tal propósito.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. [SCom01...], LDA., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Réu o Município ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que absolveu o Réu da instância, por verificadas as exceções de (i) caducidade do direito de ação e (ii) caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

Salvo o devido respeito, é por demais evidente que o aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento em dois segmentos, o primeiro, ao considerar que o ato impugnado nos presentes autos era inimpugnável por ser um ato meramente confirmativo e, o segundo, ao considerar que o recorrente não tem direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato por esse direito não ter sido exercido tempestivamente.

Com efeito,

Relativamente ao primeiro erro de julgamento, é confirmativo o ato que “...se limita a repetir um ato administrativo anterior, sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo. É dentro dessa ideia que o preceito explicita que o ato confirmativo é apenas aquele que mantém o sentido e o conteúdo de decisão anterior sem alterar a respetiva fundamentação” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª Ed., 2017, pág. 360).

Ora,

Do ofício n.° 9547 resulta que a Câmara Municipal decidiu “Aplicaras multas previstas no n.° 1 do art.° 403.° do CCP, a partir de 08/08/2017, data em que a obra deveria estar concluída e atendendo aos prejuízos do atraso reiterado, que no caso correspondem a 1°/w do preço contratual (resultando em 119,99€/dia), bem como o pagamento inerente ao prejuízo pelo encerramento do espaço comercial, no mínimo de 8 meses...”.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, é por demais evidente que aquela decisão não consubstancia, em si, um ato lesivo, considerando que não foi quantificado o valor da multa ou o prejuízo pelo encerramento do espaço comercial, não tendo sequer sido enviada qualquer fatura para pagamento dos referidos valores, razão pela qual não fazia sentido a recorrente impugnar contenciosamente aquele ato.

Na verdade,

É notório que não há uma identidade de sujeitos, de objeto e de decisão entre aquela decisão e o ato presentemente impugnado, na medida em que a Autora, ora recorrente, apenas teria interesse em impugnar a decisão de aplicação de multa se e quando fosse notificada do concreto montante e a forma de cálculo da multa, designadamente do número de dias de atraso e dos valores associados ao encerramento do espaço comercial.

Neste sentido,

Sustenta LUÍS CABRAL DE MONCADA que “O acto confirmativo só não será impugnável se não tiver efeitos externos lesivos. Sucede que, de acordo com o princípio do favor actionis, consequência do direito constitucional à tutela judicial efetiva, o juiz deve fazer uma interpretação cuidadosa do alcance externo lesivo do acto confirmativo apenas recusando o respetivo controlo se ficar convencido de que tal acto nada efetivamente acrescenta a um acto anterior que meramente confirma e que, portanto, não lesa por si próprio. Não por ser confirmativo, coisa que nada deve interessar ao juiz, mas por não ter efeitos externos lesivos. Para tanto necessário é que ele seja uma simples reprodução daquele, o que só sucederá se for o mesmo o autor, o objeto, o conteúdo do acto, os fundamentos respetivos, com o alcance não meramente formal de que se falou, e a eficácia dele próprio” (v. O acto administrativo confirmativo; noção e regime jurídico, pp. 180 e ss.).

Acresce que,

Como se pode verificar do ofício n.° 9547, o mesmo não consubstancia um ato administrativo, dado que se limita a notificar/comunicar à Autora uma estatuição autoritária.

Além disso, sabendo-se que os atos administrativos são precedidos de audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 121.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, é por demais evidente que a recorrente julgou tratar-se de um projeto de decisão e não da decisão final, razão pela qual respondeu ao ofício através da comunicação datada de 10 de abril de 2018.

Por último,

Ainda que se considerasse que a recorrente deveria apreender o ato impugnado nos presentes autos como uma mera confirmação do ato anterior, o que não se aceita e apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, certo é que também aquele ato padece de falta de fundamentação, que é de tal forma grave que gera a sua nulidade (v. Ac.° do Tribunal Constitucional n.° 594/08) e, portanto, apresente ação foi instaurada tempestivamente, considerando que a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo (cf. n.° 1 do artigo 58.° do CPTA).

10ª Relativamente ao segundo erro de julgamento, através do qual o tribunal considerou que havia caducado o direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, resulta do probatório que logo em 5 de abril de 2016 a recorrente informou que não poderia prosseguir com a empreitada, tendo, no entanto, feito o que lhe tinha sido possível, facto que, aliás, motivou a suspensão dos trabalhos e a consequente prorrogação do prazo inicial de execução da obra.

Assim sendo,

11ª É por demais evidente que o empreiteiro reclamou, de forma atempada, os prejuízos sofridos, ainda que naquela data não tivesse conhecimento da extensão integral e concreta dos danos, nem o tenha feito por meio de requerimento com exposição explícita dos fundamentos de facto e de direito ou até que tenha apenas requerido uma suspensão dos trabalhos.

12ª No entanto, é notório que a partir daquela data o dono da obra tinha perfeito conhecimento que a não disponibilização do local da obra nas condições que permitissem ao empreiteiro realizar os trabalhos dava lugar ao pagamento de uma indemnização, na medida em que existe um nexo causal entre esse facto e a maior onerosidade da obra, razão pela qual ma andou o aresto em recurso ao considerar que havia caducado o direito a essa reposição (…)”.


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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Município ... produziu contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…)

1) O recurso interposto pela Recorrente está totalmente destinado ao insucesso, não lhe assistindo qualquer razão, dando-se aqui por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos, a douta sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

2) Não assiste razão à Recorrente quanto aos invocados erros de julgamento da douta decisão proferida.

3) Através do ofício n.° 9547, de 28/03/2018, foi a Autora notificada da deliberação do réu de aplicação de multa contratual pelo atraso na execução da empreitada no valor de 1% do preço contratual por cada dia de atraso, nos termos do artigo 403.°/1, do CCP, a partir do dia 8 de agosto de 2017, correspondendo a 1% do preço contratual (Facto Provado 1.).

4) Na nova comunicação feita por via do referido ofício de 9/04/2019 (através do ofício n.° ...81) remete-se, de novo, para os efeitos previstos no artigo 403.°, n.° 1, do CCP, ou seja, refere-se à aplicação da multa contratual a partir de 8 de agosto de 2017, data a partir da qual a obra deveria estar concluída, correspondente a 1% do preço contratual (Facto Provado 2.).

5) Não existe, quanto à aplicação da multa contratual, qualquer inovação com a notificação do ato impugnado à Recorrente, pelo que caducou o direito de ação, por força do disposto no artigo 58.°/1, alínea b) do CPTA e artigo 354.°/2 e 3 do CCP.

6) Também não assiste razão à Recorrente na sua alegação quanto à pretendida nulidade do ato transmitido por ofício ...47, de 28/3/2018 por alegada falta de fundamentação do ato, não só porque o vício por falta de fundamentação não é determinativo da nulidade do ato, como não foi este o ato impugnado, não podendo o Tribunal recorrido apreciar os eventuais vícios deste ato.

7) Também não assiste razão à Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento, através do qual o Tribunal decidiu - e bem - que já havia caducado o direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, pois a Autora não deu cumprimento ao disposto no artigo 354.° do CCP.

8) Como bem decidiu o Tribunal “a quo”, que se transcreve, “a reposição do equilíbrio financeiro pelo agravamento dos encargos tem natureza ou caráter indemnizatório, corresponde ao prejuízo imediatamente sofrido pelo empreiteiro em que se concretiza aquele desequilíbrio ou, mesmo é dizer, traduzidos no agravamento dos encargos sofridos pelo empreiteiro em virtude de ação (omissão) - lícita ou ilícita - imputável ao dono da obra - ou seja, a reposição do equilíbrio financeiro prevista no artigo 354°,n°1 do CCP, contempla os danos emergentes sofridos pelo empreiteiro por fato imputável ao dono da obra, e não o ressarcimento por lucros cessantes.

9) Será uma indemnização paga ao empreiteiro pelo acréscimo de custos ou encargos sofridos pelo empreiteiro, no sentido de repor o equilíbrio financeiro do contrato, e reparar a lesão patrimonial que este sofreu com a atuação do dono da obra.

10) Nos termos do artigo 354.°, n.° 2, do CCP, o direito à reposição do equilíbrio financeiro caduca se o empreiteiro não reclamar a indemnização por danos junto do dono da obra no prazo de 30 dias, contado a partir da cognoscibilidade da extensão do dano.

11) A Recorrente teve consciência dos danos, mesmo que ignorando a sua extensão integral, desde o início da execução, tanto que deu disso conta ao dono de obra (Factos Provados 2. e 3.) e que tiveram resposta do dono de obra, que aceitou ter contribuído para tal atraso inicial, prorrogando, por isso, o prazo de execução (Facto Provado 4.).

12) Ora a presente ação deu entrada a 3 de julho de 2019, não tendo a autora demonstrado que requereu atempadamente a reclamação dos danos correspondentes aos atrasos na execução da empreitada por culpa imputável ao dono de obra, nos termos do artigo 354.°/2 e 3 do CCP.

13) Pelo contrário, ficou demonstrado que houve um reconhecimento inicial do próprio dono de obra de que não permitiu as condições necessárias à sua inicial execução e, por isso, suspendeu os trabalhos e prorrogou o prazo inicial, tendo havido aceitação tácita da autora (Factos Provados 2., 3 e 4.).

14) Pelo que decidiu e bem o Tribunal de primeira instância julgar procedente a exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro da Autora, na medida em que a Autora não apresentou ao Recorrido a reclamação dos danos correspondente aos alegados atrasos na execução da empreitada, devendo manter-se a douta decisão recorrida.

15) A sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento, não havendo qualquer fundamento para alterar a douta decisão recorrida, que deve manter-se integralmente (…)”.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A..

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.1 – DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art. 663º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. A Autora intentou a presente ação administrativa contra o Município ..., peticionando o provimento do presente meio processual por forma a “(…) Ser anulado o acto administrativo, comunicado à A. em 09/04/2019, que lhe aplica uma penalidade por alegado incumprimento contratual, por estar o mesmo ferido dos vícios de erro quanto aos pressupostos de facto e de falta de fundamentação (…)”, bem como por forma a “(…) Ser o Réu condenado a pagar à A. quantia de €4.804,10, a título de indemnização necessária à reposição do equilíbrio contratual, nos termos e com os fundamentos expostos supra, montante a que acrescerá o IVA e juros de mora vincendos à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento (…)”.

12. O Tribunal a quo, como sabemos, promanou despacho saneador-sentença recorrido a absolver o Réu da instância, por verificação das exceções de (i) caducidade do direito de ação impugnatória e de (ii) caducidade ao direito à reposição do equilíbrio contratual.

13. Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na fundamentação de direito do despacho saneador-sentença recorrido, é para nós absolutamente cristalino que, no mais essencial, o juízo de procedência da apontada matéria excetiva escorou-se no entendimento de que, por um lado, (i) que o ato transmitido à autora em 9 de abril de 2019 por ofício n.º ...81 - e que integra o objeto impugnatório da presente ação - é meramente confirmativo do anterior transmitido à Autora em 28 de março de 2018 por ofício nº. ...47, mostrando-se, por isso, caducado o direito de ação, por força do disposto no artigo 58.º/1, alínea b) do CPTA e artigo 354.º/2 e 3 do CCP e, por outro, (ii) que a Autora não requereu atempadamente a reclamação dos danos correspondentes aos atrasos na execução da empreitada por culpa imputável ao dono de obra, nos termos do artigo 354.º/2 e 3 do CCP, procedendo, por isso, a exceção de caducidade do direito à reposição do equilíbrio financeiro.

14. O Réu impetra erro[s] de julgamento de direito ao assim decidido, o que funda, no mais essencial, na convicção, por um lado, de que (i) “(…) o ato impugnado não consubstancia um ato confirmativo, na medida em que tem efeitos lesivos e não se limita a repetir um ato anterior (…)”, sendo que, ainda que assim não se entenda, “(…) certo é que também aquele ato padece de falta de fundamentação, que é de tal forma grave que gera a sua nulidade e, portanto, apresente ação foi instaurada tempestivamente, considerando que a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo (…)” e, por outro, de que (ii) “(…) logo em 5 de abril de 2016 a Autora informou que não poderia prosseguir com a empreitada, tendo, no entanto, feito o que tinha sido possível, facto que motivou, conforme resulta do aresto em recurso, a suspensão dos trabalhos e a consequente prorrogação do prazo inicial de execução da obra. Assim sendo, é por demais evidente que o empreiteiro reclamou, de forma atempada, os prejuízos sofridos, ainda que naquela data não tivesse conhecimento da extensão integral dos danos sofridos, nem o tenha feito por meio de requerimento com exposição explícita dos fundamentos de facto e de direito ou até que tenha apenas requerido uma suspensão dos trabalhos (…)”.

15. Vejamos estas questões especificadamente.

16. Assim, e quanto ao primeiro grupo de razões, importa que se comece por sublinhar que o ato meramente confirmativo é proferido na sequência de ato administrativo contenciosamente impugnável, em idêntico sentido, pela mesma entidade, e subsistindo os sujeitos e as circunstâncias legais, e factuais, do ato confirmado.

17. Configura, pois, um ato contenciosamente inimpugnável, porque não tem eficácia externa própria, e nem possui, autonomamente, natureza de ato lesivo de direitos ou de interesses protegidos - ver arts. 268.º da CRP e 53.º do C.P.T.A. [neste sentido, cfr., entre muitos outros, Ac. do Pleno do STA, de 27/2796, REC. 23486; de 25/5/2001, REC. 43440; de 7/1/2002, Rec. 45909; de 29/4/2003, Rec. 0363/03; de 11/10/2006, Rec. 614/06; de 21/5/2008, Rec. 70/06; de 11/3/2009, Rec. 01084/08 e ainda, de 28/10/2010, Rec. 0390/10].

18. Concretamente, no Ac. do S.T.A., de 11/3/2009, Proc. 01084/08, escreveu-se que: "Não é meramente confirmativo o ato proferido na sequência de uma reclamação facultativa que, com fundamentação diferente, decide no mesmo sentido do ato objeto de reclamação".

19. Assim, temos que não bastará uma identidade de assunto, porque mesmo sendo idêntico o assunto, mesmo levando a idêntica decisão, pode fazer-se mediante diferentes fundamentos, sendo que esta diferente fundamentação será suficiente para alterar e modificar os pressupostos da decisão [cfr. neste sentido, os Ac do STA (Pleno) de 27/2/1996, Rec. 3486; também do STA, de 23/5/2001, Rec. 47137; de 25/5/2001, Rec. 43440 e, por fim, 7/1/2002, Rec. 45909].

20. Quer isto significar que a posição jurisprudencial e doutrinal [v.g., Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição atualizada, pág. 129] considera que, para que um ato administrativo possa ser considerado confirmativo de outro, é necessário não só que tenham por pressupostos a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico, mas também que em ambos seja utilizada a mesma fundamentação.

21. Em síntese, o ato confirmativonão tira nem põe nas situações criadas pelo ato confirmado" [cfr. M. Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, vol. I, 10ª edição, pág. 452 e Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, vol. III, pág. 230 e segs], pelo que o ato confirmativo, para o ser, exige identidade de resolução dada a um caso concreto entre os mesmos sujeitos, identidade de fundamentação da decisão, identidade das circunstâncias ou pressupostos de facto da decisão, identidade da disciplina jurídica vigente à data da prática de ambos os atos, de tal forma que o segundo ato se limite a reiterar o primeiro, sem nada acrescentar ao seu conteúdo.

22. Munidos destes considerandos de enquadramento, e volvendo ao caso concreto, recorde-se que o despacho saneador-sentença recorrido perfilhou o entendimento de que o ato transmitido à Autora em 09 de abril de 2019 por ofício n.º ...81 - e que integra o objeto impugnatório da presente ação - é meramente confirmativo do anterior transmitido à Autora em 28 de março de 2018 por ofício nº. ...47.

23. Para facilidade de análise, convoque-se o teor dos atos em confronto, melhor espelhado nos pontos 1) e 2) do probatório coligido nos autos: “(…)

1) Em 28 de março de 2018 consta do ofício n.° 9547 da Câmara Municipal ..., a comunicação da deliberação do réu, dirigido à autora, no sentido da aplicação de multa contratual pelo atraso na execução da empreitada no valor de 1% do preço contratual por cada dia de atraso, recebida pela autora a 29 de março de 2018, ali constando em especial:

A empreitada de “Reabilitação do imóvel municipal sito no Terreiro da ... n.° 9 a 11” foi adjudicada a V. Exa. por despacho do Exmo. Senhor Presidente, datado de 17/09/2015. O contrato n.° ...15 foi assinado entre as partes a 20/11/2015 e a consignação teve lugar a 03/03/2016, com prazo de execução de 180 dias, estando a sua conclusão prevista para 30/08/2016.

Por despacho do Exmo. Senhor Presidente datado de 19/10/2016 foi aprovado do período de suspensão de 15/04/2016 até 09/08/2016 nos termos do art.° 365.° do CCP, por não existirem condições de segurança para a execução dos trabalhos e pela necessidade de introduzir alterações na forma de execução do projeto, conjugado com o art.° 297.°, dada a impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora do contraente público na entrega ou na disponibilização de meios ou bens necessários à respetiva execução, uma vez que todos os acessos à obra estavam interditos como resultado da intervenção no espaço público do Terreiro da .... Em consequência do anterior e nos termos do previsto no n.° 2 do art.° 298.° foi aprovada a prorrogação do prazo da empreitada pelo mesmo período de 116 dias terminando a 26/12/2016.

Por despacho do Exmo. Senhor Presidente datado de 10/02/2017 foi aprovado que o reequilíbrio financeiro da empreitada fosse reposto através da prorrogação do prazo de execução em 95 dias terminando em 31/03/2017.

Por despacho do Exmo. Senhor Presidente datado de 26/05/2017 foi aprovada a adjudicação dos trabalhos a mais e trabalhos de suprimento de erros e omissões, à firma [SCom01...] Lda., pelo valor de 9.975,13€ acrescido de IVA a taxa de 6%, com o prazo de execução de 15 dias a contar da data da assinatura do referido contrato. Este foi assinado a 24/07/2017 sendo que o prazo para o final dos trabalhos seria a 08/08/2017. 

Fora de prazo, os trabalhos prosseguiram, muito para além dessa data e em resultado de reunião no local da obra a 26/01/2018 determinou-se a data de 12/02/2018 como data na qual todos os trabalhos nas frações destinada a habitação deveriam estar impreterivelmente concluídos, o que se veio a verificar.

[...]

- Aplicar as multas previstas no n.° 1 do art.° 403.° do CCP, a partir do dia 08/08/2017, data em que a obra deveria estar concluída e atendendo aos prejuízos do atraso reiterado, que no caso correspondem a 1%o do preço contratual (resultando em 119,99€/dia), bem como o pagamento inerente ao prejuízo pelo encerramento do espaço comercial, no mínimo de 8 meses, no pressuposto que a obra ficará concluída no mês de março, conforme previsto no n.° 4 do art.° 404.° do CCP onde consta que ”Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o empreiteiro é responsável perante o dono da obra ou perante terceiros pelos danos decorrentes do desvio injustificado do plano de trabalhos, quer no que respeita ao conteúdo da respetiva prestação quer no que respeita ao prazo de execução da obra.”

2) A 9 de abril de 2019 consta do ofício ...81 da Câmara Municipal ... dirigido a “[SCom01...], IP”, onde consta:

"... Reenvia-se em anexo a fatura n.° ...10 estabelecendo para os devidos efeitos que esta refere-se à aplicação das multas previstas no n.0 1 do artigo 403.0 do CCP, a partir de 8/8/2017, data em que a obra deveria estar concluída e atendendo aos prejuízos do atraso reiterado, que no caso correspondem a 1% do preço contratual. Através do ofício com refº. ...47 de 28 de março de 2018 informou-se V. Exas. Que por deliberação nº. ...18 em reunião da Câmara Municipal datada de 5 de março de 2018 foi aprovado: "... Aplicar as multas previstas no nº. 1 do artigo 403º. do CCP, a partir do dia 08-08-2017, data em que a obra deveria estar concluída e atendendo aos prejuízos do atraso reiterado que no caso correspondem a 1% do preço contratual, bem como o pagamento inerente ao prejuízo pelo encerramento do espaço comercial, no mínimo de 8 meses no pressuposto que a obra ficará concluída no mês de março, conforme previsto no n.0 4 do artigo 404.0 do CCP onde consta que "... Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o empreiteiro é responsável perante o dono de obra ou perante terceiros pelos danos decorrentes do desvio injustificado do plano de trabalhos, quer no que respeita ao conteúdo da respetiva prestação quer no que respeita ao prazo de execução da obra (…)”.

24. Ora, da leitura que se faz, e se tem que fazer, da atuação transmitida à Autora em 9 de abril de 2019 por ofício n.º ...81, não se pode deixar de concluir que, sem margem para qualquer dúvida, que configura um mero acto de execução do ato transmitido pelo ofício nº. ...47, esse sim, que produziu efeitos na esfera da A.

25. Daí que não possa operar a lógica exposta na decisão judicial recorrida de que o ato impugnado limita-se a confirmar o teor do ato impugnado, assumindo, por isso, a natureza meramente confirmativa daquele.

26. Tal, porém, não se repercute decisivamente no sentido da decisão deste recurso, pois que, como é sabido, a impugnabilidade dos actos de execução apenas é possível quando a impugnação se funde em ilegalidade própria do acto de execução, o que não sucede in casu.

27. Realmente, os fundamentos aduzidos pela Autora, inclusive a invocada falta de fundamentação, são claramente reportáveis ao ato de aplicação de multas pela Administração e não ao ato de “(…) reenvio da fatura n.° ...10 estabelecendo para os devidos efeitos que esta refere-se à aplicação das multas previstas no nº. 1 do artigo 403.0 do CCP, a partir de 8/8/2017, data em que a obra deveria estar concluída e atendendo aos prejuízos do atraso reiterado, que no caso correspondem a 1% do preço contratual (…)”, que integra o ofício nº. ...81 impugnado nos autos.

28. Vale isto por dizer a impugnação contenciosa do oficio nº. ...81 impugnado não é de admitir em juízo, por razões da sua inimpugnabilidade, o que nos transporta para evidência – como bem se vislumbrou na decisão judicial recorrida - da aplicação do disposto no nº.1 do artigo 58º do C.P.T.A. por reporte ao ato transmitido à Autora em 28 de março de 2018 por ofício nº. ...47.

29. E na execução de tal tarefa, importa assentar que o dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº.1 e alínea f) do n.º 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA].

30. Neste sentido, pode ver-se, de entre outros, os seguintes Acórdãos:

31. Do Tribunal Constitucional, de 10.12.2008, tirado no Processo nº. 1111/07, disponível em www.tribunalconstitucional.pt: “[…] Ora, o direito de ação ou de recurso contencioso tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, afetados ou violados por atos administrativos. A fundamentação, apenas, propicia, na perspetiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efetividade, a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação. Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele. Nesta perspetiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. […] Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. Como diz José Carlos Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é [ou é sempre] causa de invalidade do ato administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do ato. Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra [artigo 135º do CPA], e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica [artigo 133º do CPA], bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. E, dizemos em princípio, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da garantia institucional constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA]. Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 293]. […]”.

32. Do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2002, no processo 0360/02: “Este Supremo Tribunal tem, reiteradamente, decidido que a falta de fundamentação, consiste num vício de forma que não é gerador de nulidade mas de mera anulabilidade. Vejam-se neste sentido e a título meramente indicativo os Acórdãos da Secção, de 30/11/1995, no recurso n° 35.872, de 21/3/2002, no recurso n° 221/02 e do Pleno de 8/10/1998, no recurso 34.722, que veio reforçar aquela linha jurisprudencial de que não se vislumbram agora razões para divergir. Como se pode ler no primeiro daqueles Acórdãos, "Com efeito, nem todos os elementos do ato administrativo enumerados no n° 2 do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo constituem elementos essenciais do ato para efeitos do disposto no n° 1 do artº 133° do mesmo diploma, sendo entendimento dominante que a falta de fundamentação é geradora de mera anulabilidade. A história dos preceitos confirma este entendimento: na 2ª versão (1982) do Projeto do então chamado Código do Processo Administrativo Gracioso, após se estabelecer a regra de que eram nulos os atos a que faltasse qualquer dos seus elementos essenciais (n° 1 do artigo 174º), também se cominava a nulidade para os atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigida (alínea f) do n° 2 do mesmo artigo), o que implicava que a fundamentação não era considerada elemento essencial do ato; na versão definitiva do Código, retirou-se do elenco do n° 2 do correspondente artº 133° a menção aos atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigível, “pois a sanção adequada para eles não é a nulidade, mas a anulabilidade” (DIOGO FREITAS DO AMARAL e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1995, págs. 197 e 212; porém, admitindo a existência de casos em que a falta de fundamentação, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, gera nulidade, nos termos da alínea d) do n° 2 do citado artigo 133º, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Coimbra, 1995, págs. 96-98 e 151". Sendo a fundamentação dos atos administrativos em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos.”

33. Deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.09.2010, tirado no processo nº. 00007/09.2BEMDL, em que se sumariou: (…) I. A invalidade de um ato administrativo consiste na sua inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica; II. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, torna o ato totalmente ineficaz, é insuscetível de sanação, é impugnável a todo o tempo perante os tribunais, sendo que este conhecimento judicial concorre com o conhecimento administrativo; III. A anulabilidade traduz um desvalor menos grave, sendo o ato eficaz até ser anulado [ou suspenso], é passível de sanação, é obrigatório enquanto não for anulado, e esta anulação, que tem prazo, apenas pode ser judicial; IV. O vício de falta de fundamentação acarreta, em princípio, apenas a anulabilidade do ato que dele padece (…)”.

34. Deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.05.2012, no processo 00730/10.9BECBR, em que se sumariou:” (…) I. Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa. II. O invocado desconhecimento quanto ao facto do prédio estar ou não inserido em zona REN e se está próximo de linha de água com consequente ilegalidade do edificado mostra-se irrelevante para efeitos da pretensa falta de fundamentação do ato impugnado. III. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", a sanção adequada será a anulabilidade. IV. Não ocorre violação do art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA dado nem a falta de fundamentação ser suscetível de gerar no caso o desvalor da nulidade, nem se mostra alegado a violação dum qualquer outro direito fundamental por parte do ato impugnado. V. Questão prejudicial para efeito do disposto no art. 31.º n.º 1 do CPA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento. VI. Esta decisão não pode ser proferida, nomeadamente com uma determinada margem de segurança, sem se saber ou conhecer o resultado da decisão da questão prejudicial que compete a outro órgão administrativo ou aos tribunais, ou seja, a resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo tem que depender da solução a dar à questão prejudicial (…)”.

35. Reiterando esta linha jurisprudencial, importa determinar se no caso em apreço ocorre a excecionalidade da fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº2 alínea d) do CPA], determinante da nulidade do ato impugnado.

36. A resposta é manifestamente, desfavorável, às pretensões da Recorrente.

37. Na verdade, a aplicação de multas contratuais não consubstancia a violação de nenhum direito fundamental da Recorrente, de modo que a invocada falta de fundamentação não pode constituir um elemento essencial do mesmo.

38. A anulabilidade é, pois, a única hipótese aqui em causa.

39. A ser assim, a não instauração da ação administrativa dentro do prazo legal, que é de 3 meses, prazo esse que expirou em 03.07.2018, constitui um insuperável obstáculo ao prosseguimento da presente ação.

40. Pelo que não se pode deixar de concluir que, neste particular conspecto, bem andou a MMª. Juiz a quo em julgar em conformidade com o ora exposto.

41. A mesma asserção é atingível no tocante à declarada caducidade do direito de reposição do equilíbrio contratual.

42. Concretizando.

43. Dispõe o nº. 2 do artigo 354º do CCP: “(…) 2 - O direito à reposição do equilíbrio financeiro previsto no número anterior caduca no prazo de 30 dias a contar do evento que o constitua ou do momento em que o empreiteiro dele tome conhecimento, sem que este apresente reclamação dos danos correspondentes nos termos do número seguinte, ainda que desconheça a extensão integral dos mesmos (…)”.

44. Perlustrando o probatório coligido nos autos no domínio em análise – reitere-se, isento de reparos -, logo se constata que, logo após a consignação da obra operada em 03 de março de 2016, o dono de obra assumiu que as condições para execução da mesma eram diferentes das inicialmente existentes, o que foi reconhecido pela Recorrente no correio eletrónico de 05 de abril de 2016 dirigido ao dono de obra [factos n.ºs 2 e 3].

45. De facto, é o seguinte o teor da referida comunicação de correio eletrónico: “(…) Eng. «AA». Como já foi comunicado telefonicamente, os condicionantes na zona envolvente à empreitada em questão, motivados pelas obras em curso no Terreiro da ..., impossibilitam o normal curso dos trabalhos necessários e previstos para o imóvel do Terreiro da ... nº 9 a 11, conforme se pode verificar nas fotografias que anexo. Os únicos trabalhos possíveis de realizar até à data, e ainda assim muito condicionados foram os de remoção do recheio do R\C que se encontra concluído, estando neste momento a decorrer os trabalhos de arqueologia. Assim que estes estejam concluídos, só poderemos prosseguir com a empreitada, se forem garantidos acessos a veículos ao local e uma zona de estaleiro, tal como previsto no projeto de estaleiro aprovado (…)”.

46. Como se depreende do oficio nº. ...47 da Câmara Municipal ..., datado de 28 de março de 2018, tal comunicação motivou um período de suspensão da obra de 01.04.2016 a 09.08.2016, bem como a prorrogação do prazo de execução da empreitada pelo período, inicialmente, de 116 dias, terminando a 26.12.2016, e posteriormente, de 95 dias, com conclusão em 31.03.2017 [facto nº.4].

47. Sendo os contornos fácticos dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar os que derivam dos exatos termos do probatório coligido nos autos, é nosso entendimento que a Recorrente não logrou demonstrar a formulação de um pedido de reposição de equilíbrio contratual no prazo legalmente previsto.

48. Realmente, a comunicação de correio eletrónico datada de 05 de abril de 2016 não comporta a formulação expressa de qualquer pedido de reposição de equilíbrio contratual, nem dele se pode extrair outro objetivo que não seja o que dele consta, ou seja, a comunicação da existência de vicissitudes em matéria da execução da obra a implicar a intervenção do dono de obra.

49. Pelo que a alegação da Recorrente de que “(…) logo em 5 de abril de 2016 a Autora informou que não poderia prosseguir com a empreitada, tendo, no entanto, feito o que tinha sido possível (…) Assim sendo, é por demais evidente que o empreiteiro reclamou, de forma atempada, os prejuízos sofridos, ainda que naquela data não tivesse conhecimento da extensão integral dos danos sofridos, nem o tenha feito por meio de requerimento com exposição explícita dos fundamentos de facto e de direito ou até que tenha apenas requerido uma suspensão dos trabalhos (…)” não é minimamente persuasiva, carecendo de substrato legitimador.

50. Desta feita, à míngua da arguição de qualquer outro vício ou erro de julgamento à sentença recorrida no que tange à declarada caducidade do direito à reposição ao equilíbrio contratual, não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reverso do juízo decisório firmado a tal propósito.

51. E assim fenecem todas as conclusões deste recurso.

52. Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a decisão judicial recorrida.

53. Ao que se provirá no dispositivo.

* *

IV – DISPOSITIVO


Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, e confirmar o despacho saneador recorrido.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 03 de novembro de 2023,

[Ricardo de Oliveira e Sousa]

[Luís Migueis Garcia]

[Helena Maria Mesquita Ribeiro]