Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00067/17.2BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/17/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ARTIGO 11º DO DECRETO-LEI Nº 466/99, DE 6 DE JANEIRO;
PENSÃO DE PREÇO DE SANGUE;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA» instaurou Acão Administrativa (de impugnação do despacho da Caixa Geral de Aposentações de 12 de outubro de 2016, quanto à atribuição da pensão preço de sangue), contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo: a) a declaração de nulidade ou anulação da decisão impugnada na parte que reduz a pensão; b) a condenação da Ré a fixar a pensão preço de sangue no valor de € 987,72.

Por decisão proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada procedente a acção e
e, em consequência:
a) Anulada a decisão impugnada na parte que reduz a pensão;
b) Condenada a Ré a fixar a pensão preço de sangue no valor de € 987,72.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:

1ª Nos termos do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 466/99, de 6 de Janeiro, diploma que prevê o regime das pensões de preço de sangue, “O quantitativo da pensão a conceder aos beneficiários não sofrerá qualquer redução quando dos actos que lhe dão origem tenha resultado o falecimento ou a incapacidade absoluta e permanente do seu autor para o trabalho”.

2ª Na sentença recorrida confundem-se dois conceitos jurídicos distintos: “diminuição na capacidade geral de ganho” e “incapacidade absoluta e permanente para o trabalho”.

3ª Em resultado do cumprimento do serviço militar obrigatório na Guiné, o qual causou graves perturbações psiquiátricas em «BB», este sofreu uma diminuição na capacidade geral de ganho. De outra forma, não poderia ter sido qualificado DFA. Porém, apesar de ter sofrido uma diminuição na capacidade geral de ganho, apesar de lhe ter sido fixado um elevado grau de incapacidade (80%), o Ministério da Defesa Nacional não o considerou absoluta e permanentemente incapaz para todo e qualquer trabalho.

4ª No caso em apreço, resulta do processo administrativo que os serviço militares, não obstante terem considerado existir uma incapacidade para todo o serviço militar relativamente ao falecido «BB», consideraram igualmente que o mesmo se encontrava “apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência”, o que significa que aquele não era portador de uma incapacidade absoluta e permanente para o trabalho.

5ª Ora, o conceito “incapacidade permanente e absoluta para o serviço militar” é distinto do conceito utilizado no nº 1 do artigo 11º do Decreto-lei nº 466/99, de 6 de Janeiro, “incapacidade permanente e absoluta para qualquer trabalho”.

6ª Assim sendo, a pensão de preço de sangue atribuída à Autora subsume-se ao disposto no nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 466/99, de 6 de Novembro, onde se determina que, caso não exista incapacidade absoluta e permanente para o trabalho, “(...) sempre que os rendimentos ou proventos de qualquer natureza do agregado familiar do ou dos beneficiários da pensão sejam superiores ao limite estabelecido no nº 5 do artigo 9º, a parte que exceder esse limite será deduzida à quota parte da pensão que lhes couber, não podendo , porém, o valor desta ser inferior à correspondente quota-parte do salário mínimo nacional”.

7ª Resulta com clareza a adequação dos procedimentos adotados pela Caixa Geral de Aposentações. A decisão proferida em primeira instância, ao condenar a Caixa Geral de Aposentações a fixar a pensão de preço sangue a atribuir à Autora no valor de € 987,72, sem proceder à sua redução, violou o disposto nos nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 466/99, de 6 de Novembro.

Nestes termos, e com o suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1ª O aresto em recurso não merece qualquer censura ou reparo, sendo lamentável que a CGA venha, depois da morte de quem tanto sofreu, querer negar aos seus herdeiros um direito que lhes é reconhecido por lei desde 1976 (v. última linha do preâmbulo do DL n° 43/76, de 20 de Janeiro) e pretender acrescentar palavras à lei só para dar mais ênfase à interpretação que dela faz - apesar de o n° 1 do art.° 11° do DL n° 466/99, de 6 de Novembro dizer apenas que a pensão não sofrerá qualquer redução quando tenha resultado incapacidade absoluta e permanente do seu autor "para o trabalho", a recorrente resolveu acrescentar a palavra "qualquer" àquela frase, ficcionando que a mesma se refere à incapacidade para todo e "e qualquer trabalho".
Na verdade,

2ª A CGA não tem poderes para se substituir ao legislador e acrescentar palavras e exigências que a própria lei não faz, como também em lado algum do probatório resulta que o falecido marido da recorrida se encontrava "apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência" conforme afirma a recorrente, pelo que mesmo que a lei exigisse que a incapacidade fosse para "qualquer" trabalho, ainda assim não ficou demonstrado nos presentes autos que o falecido tivesse, efectivamente, qualquer capacidade para angariar meios de subsistência.
Com efeito,

3ª Consta do acervo documental que o falecido marido da recorrida foi declarado incapaz logo em 5 de Abril de 1974 pela Junta Médica Militar (v. doc. n° ... junto com a p.i.), tendo em 10 de Setembro de 1991 sido presente a nova Junta Médica que confirmou a Incapacidade e posteriormente c-declarou DFA (v. facto provado n° 1).

4ª Consta, igualmente, do probatório que a CGA, por despacho de 27 de Junho de 1995, aposentou o marido da recorrida - facto que a CGA não questiona, v. facto n° 2 da factologia assente -, o que, por si só, é determinante para se considerar que o falecido marido da recorrida se encontrava absoluta e permanentemente incapaz para o trabalho, pois se assim não fosse, certamente, que não o teria aposentado.
Além disso,

5ª Consta, ainda, do probatório que a própria recorrente reconheceu perante o Ministério da Defesa Nacional, em 3 de Fevereiro de 2005, que «BB» estava "incapaz para lodo o serviço, Com desvalorização de 80%" (v. facto provado n° 3, 3° parágrafo).

6ª Por último, verifica-se que as situações em que há lugar à atribuição de pensão de preço de sangue são diversas e na grande maioria dos casos resultam de acidentes (em serviço) ou ferimentos geradores de uma incapacidade permanente, seja ela parcial ou absoluta, razão pela qual se compreende que o legislador tenha recorrido à expressão "incapacidade absoluta e permanente do seu autor para o trabalho" - expressão mais comum nos acidentes em serviço, cujo diploma é do mesmo ano que prevê a pensão de preço de sangue -, visto que não são só os herdeiros dos DFA que têm direito à pensão de preço de sangue, mas também aqueles que sofreram um qualquer acidente em serviço por conta ou no exercício das suas funções públicas, razão pela qual se deve interpretar o n° 1 do art.° 11° do DL n° 466/99 no sentido de abranger todos os DFA, independentemente de os mesmo estarem ou não aptos para o exercício de outra qualquer actividade - até porque a própria pensão de preço de sangue apenas é atribuída aos DFA que sejam portadores de incapacidade igual ou superior a 60%, não fazendo a lei qualquer distinção quanto à incapacidade, seja ela parcial ou absoluta.

Nestes termos,
Deve ser julgado totalmente improcedente o recurso jurisdicional interposto, confirmando-se integralmente o aresto em recurso.

Assim será cumprido o Direito
e feita JUSTIÇA
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

A este respondeu a Autora nos termos que aqui se dão por reproduzidos.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 10 de julho d 1995 em documento timbrado de Ministério da Defesa Nacional, em particular que:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado no PA, constante em cd)
2. Em 27 de junho de 1995 consta de documento timbrado de Banco 1..., designadamente:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado no PA, constante em cd)
3. A 3 de fevereiro de 2005, consta de documento timbrado de Caixa Geral de Aposentações dirigido ao Ministério da Defesa Nacional, onde consta:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado no PA, constante em cd)
4. Em 19 de agosto de 2016 é subscrito documento timbrado de Caixa Geral de Aposentações, dirigido a «CC», ali constando:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
5. A 14 de dezembro de 2016 a Caixa Geral de Aposentações dirige ofício à autora onde consta:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica).

DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
A Ré/CGA, não se conformando com o teor da sentença proferida nos autos, veio dela interpor recurso.
A questão a dirimir prende-se com o quantum da pensão a atribuir à Autora.
A sentença julgou procedente a acção, condenando a Ré a fixar a pensão de preço de sangue no valor de € 987,72.
A sentença estriba-se na seguinte fundamentação:
O artigo 11°, n° 1 do Decreto-Lei n° 466/99, de 6 de novembro, determina que "O quantitativo da pensão a conceder aos beneficiários não sofrerá qualquer redução quando dos actos que lhe dão origem tenha resultado o falecimento ou a incapacidade absoluta e permanente do seu autor para o trabalho."
Considerando, nesta sequência que, "se foi qualificado como Deficiente das Forças Armadas, é porque ao marido da Autor foi reconhecida uma incapacidade geral de ganho, razão pela qual, enquadra a sua situação na excepção prevista no art° 11°, n° 1 do Decreto-Lei n° 466/99, de 6 de novembro".
Na verdade, apesar de o nº 1 do art.º 11º do DL nº 466/99, de 6 de Novembro, dizer apenas que a pensão não sofrerá qualquer redução quando tenha resultado incapacidade absoluta e permanente do seu autor "para o trabalho", a CGA acrescentou a palavra "qualquer" àquela frase, ficcionando que a mesma se refere à incapacidade para todo e "qualquer trabalho".
Cremos que assim não é.
A lei não o diz e se o legislador quisesse que tal incapacidade se reportasse a "todo e qualquer" trabalho, era precisamente isso que teria escrito. Mas não escreveu.
Escreveu apenas uma "incapacidade (...) para o trabalho".
Ora, dúvidas não há - até porque está provado nos autos e não foi alvo de recurso - em como o falecido marido da Recorrida foi declarado absoluta e permanentemente incapaz para o serviço em 80%, pelo que muito bem andou a sentença em recurso ao considerar que esta situação era subsumível no já referido nº 1 do art.º 11º e, como tal, a pensão não deveria sofrer qualquer redução.
No presente recurso a questão decidenda resume-se a saber se a incapacidade do marido da Recorrida se subsumia ou não na situação excepcional prevista na lei que impede que o valor das pensões de sangue possa ser reduzido.
Ora, sabendo-se que a lei refere que tal pensão não sofrerá qualquer redução quando tenha resultado "incapacidade absoluta e permanente para o trabalho" e que o marido da Recorrida foi efectivamente declarado "incapaz para todo o serviço com a desvalorização de 80%" - v. facto provado nº 3, 3º parágrafo -, dúvidas não há em como a pensão de sangue atribuída não poderia ser reduzida, pelo que sempre o aresto em recurso teria que ter considerado ilegal tal redução - tal como o fez.
Contudo, a CGA pretende agora acrescentar palavras à lei e assim defender que a lei exige - para que tal redução não se verifique - que a incapacidade seja para "qualquer" trabalho e que tal não se verificou, porque alegadamente "...resulta do processo administrativo que o mesmo (...) se encontrava apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência..." (v. 3° parágrafo, fls. 3, das alegações de recurso).
Sucede, porém, que não só a CGA não tem poderes para se substituir ao legislador e acrescentar palavras e exigências que a própria lei não faz, como sempre se diga que em lado algum da matéria de facto provada resulta demonstrado que o falecido pensionista se encontrava "apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência", pelo que mesmo que a lei até exigisse que a incapacidade fosse para "qualquer" trabalho, ainda assim não ficou demonstrado nos presentes autos que o falecido tivesse, efectivamente, qualquer capacidade para angariar meios de subsistência. Antes pelo contrário.
Pelo que bem andou a sentença ao considerar ilegal a redução que a CGA efectuou à pensão de sangue atribuída à Recorrida.
Senão vejamos,
Está provado nos autos que foi a Junta Médica Militar quem declarou o marido da Recorrida como DFA- Deficiente das Forças Armadas-, e que foi na sequência dessa mesma Junta que a CGA o aposentou e lhe atribuiu a pensão de DFA.
De igual forma, e de acordo com a matéria provada nos autos, é a própria Entidade Recorrente quem afirma que a Junta Médica Militar julgou o falecido pensionista "-incapaz para todo o serviço, com uma desvalorização de 80%..." (v. Facto Provado n° 3, 3° parágrafo). Por isso mesmo, é desprovida de sentido a tese de que o mesmo estava "...apto a para o trabalho e para angariar meios de subsistência", quando ainda por cima não resulta da Factologia Assente qualquer documento que comprove tal afirmação.
Com efeito, a ora Recorrida, por falecimento do seu marido, «BB» - que foi declarado Deficiente das Forças Armadas (DFA) em 10 de julho de 1995 e portador de uma incapacidade geral de ganho de 80% -, em 19 de agosto de 2016, passou a ter direito à pensão de preço de sangue, nos termos do disposto nos artigos 16º do DL nº 43/76, de 20 de janeiro - diploma que prevê e regula a situação dos DFA - e 2º/c), 5º/1/a) e 8º/1 do DL nº 466/99, de 6 de novembro - regime jurídico das pensões de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País.
In casu não se discute o direito à pensão mas tão somente o seu quantum, sustentando a CGA que o falecido marido da recorrida não fora declarado incapaz "para todo e qualquer trabalho" e que, como tal, não se enquadrava no disposto no nº 1 do art.º 11º do DL nº 466/99 (v. ponto 5 da factologia assente).
Na verdade, a Recorrente centra o presente recurso jurisdicional na teoria de que as expressões "diminuição na capacidade geral de ganho" e "incapacidade absoluta e permanente para o trabalho" são distintas e com aplicação igualmente distinta e que não tendo o falecido marido da recorrida sido declarado absoluta e permanentemente incapaz para todo e qualquer trabalho tem a pensão de preço de sangue de ser diminuída.
Todavia, não lhe assiste razão.
Quanto ao quantum da pensão de preço de sangue, determina o art.º 9º do DL nº 466/99 que "O quantitativo da pensão é igual a 70% da remuneração mensal do autor dos atos que a originam quando o beneficiário for o próprio autor ou se trate dos titulares a que se refere o grupo primeiro do nº 1 do artigo 5º", pelo que correspondendo a remuneração do falecido a 1.411,03€ (v. ponto 4 da factologia dada como provada), é por demais evidente que a Recorrida tem direito a uma pensão mensal no valor de 987,72€, tal como inicialmente reconhecido no despacho impugnado (v. ponto 4 da factologia dada como provada).
Entende, porém, a Recorrente que a referida pensão tem de ser reduzida, ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 11º do DL nº 466/99, não se aplicando o disposto no nº 1 do referido artigo, em virtude de o falecido marido da Recorrida não ter sido considerado absoluta e permanentemente incapaz para todo e qualquer trabalho.
Ora, os nºs 1 e 2 do art.º 11 do DL nº 466/99 determinam que:
"1. O quantitativo da pensão a conceder aos beneficiários não sofrerá qualquer redução quando dos actos que lhe deram origem tenha resultado o falecimento ou incapacidade absoluta e permanente do seu autor para o trabalho.
2. Nos demais casos, sempre que os rendimentos ou proventos de qualquer natureza do agregado familiar do beneficiário da pensão seja superior ao limite estabelecido pelo nº 5 do art.° 9.°, a parte que exceder esse limite será deduzida à quota-parte da pensão que lhes couber, não podendo, porém, o valor desta ser inferior à correspondente quota-parte do salário mínimo."
Significa isto que se os falecidos tivessem uma incapacidade absoluta e permanente para o trabalho, os beneficiários teriam direito à pensão de preço de sangue por inteiro, sem quaisquer reduções.
No caso em apreço é patente que o falecido marido da Recorrida tinha uma incapacidade permanente, isto porque logo em 5 de abril de 1974, foi declarado incapaz pela Junta Médica Militar, a qual considerou que padecia de uma Psicopatia Constitucional Esquizóide (v. doc. n° ..., fls. 2, junto com a p.i.).
Além disso, em 10 de setembro de 1991, o marido da Recorrida foi presente a nova Junta Médica Militar, a qual o julgou "...incapaz de todo o serviço militar com a incapacidade parcial permanente para o trabalho de 80% por estado paranoíde".
Acresce que, consta do probatório que o falecido marido da Recorrida foi declarado DFA, ao abrigo do disposto nos artigos 1º e 2º do DL nº 43/76, em 10 de julho de 1995, com o grau de incapacidade geral de ganho de 80% (v. ponto 2 da factologia assente), definição que, nos termos do nº 1 do art.° 2º do DL nº 43/76, implica uma diminuição da possibilidade de trabalho para angariar meios de subsistência.
Consta, igualmente, do probatório que, na sequência da qualificação do falecido como DFA, a CGA, por despacho de 27 de junho, de 1995, reconheceu o direito à aposentação e aposentou o marido da Recorrida -facto que a CGA não questiona -, atendendo a que após realização da junta Médica da CGA foi reconhecido ao mesmo o grau de desvalorização de 80,00% (v. ponto 2 da factologia dada como provada), o que, por si só, é determinante para se considerar que o falecido marido da Recorrida se encontrava absoluta e permanentemente incapaz para o trabalho, pois se assim não fosse, certamente que a Recorrente não o teria aposentado, pelo que é absolutamente desprovido de sentido que a CGA venha agora dizer que o falecido marido da Recorrida se encontrava "apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência".
Além disso, consta ainda do probatório que a própria Recorrente reconheceu perante o Ministério da Defesa Nacional, em 3 de fevereiro de 2005, que «BB» estava "incapaz para todo o serviço, com desvalorização de 80%".
Assim, atendendo ao probatório não impugnado, é notório que bem andou o Tribunal a quo ao anular o acto impugnado.
Ademais, o art.º 2º do DL nº 466/99 tipifica as situações em que há lugar à atribuição da pensão de preço de sangue, sendo manifesto que a mesma não é só atribuída na sequência do falecimento de deficientes das Forças Armadas portadores de incapacidade igual ou superior a 60%.
Com efeito, verifica-se que as restantes situações dizem respeito ao falecimento de determinadas pessoas, com determinado tipo de funções, e a pessoas que por força do exercício das suas funções sofreram algum acidente.
Ora, analisando o disposto no nº 1 do art.º 11º, e cuja aplicação se encontra em discussão nos presente autos, verifica-se que a utilização da expressão "incapacidade absoluta e permanente do seu autor para o trabalho" resulta e faz mais sentido quando falamos de acidentes em serviço, cujo regime legal se encontra consagrado no DL nº 503/99, de 20 de novembro - e veja-se que ambos os diplomas são de novembro de 1999.
Na verdade, é no diploma dos acidentes em serviço que o legislador recorre à expressão "incapacidade permanente" (v., a título meramente exemplificativo, artigos 3°, 20°, 26°, 34° e 38° do DL n° 503/99), pelo que se compreende que no art.º 11º se tenha recorrido à mesma expressão, atendendo a que não são só os DFA que têm direito à pensão de preço de sangue e que as restantes carreiras e categorias têm esse direito quando sofrem ferimentos ou acidentes no e por causa do exercício das suas funções, razão pela qual é notório que o nº 1 do art.º 11º tem de ser interpretado no sentido de abranger todos os DFA, independentemente de os mesmos estarem ou não aptos para o exercício de uma outra qualquer actividade.
Acresce que, a própria pensão de preço de sangue só é atribuída aos Deficientes das Forças Armadas que sejam portadores de incapacidade igual ou superior a 60% - quando se sabe que para a definição de DFA e aplicação do disposto no DL n° 43//76 é fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo (v. art.° 2°/1/6) do DL n° 43/76) -, não fazendo a lei qualquer distinção quanto à incapacidade, seja ela parcial ou absoluta.
Além disso, o art.° 15º do DL nº 43/76 prevê uma extensão de regalias para os DFA com percentagem de incapacidade igual ou superior a 60% em razão da sua maior necessidade. Significa isto que apenas o falecimento dos DFA carentes de maiores necessidades dá direito à percepção da pensão de preço de sangue.
Ora, tendo ao falecido marido da Recorrida sido fixada uma incapacidade de 80%, é por demais evidente que não lhe pode ser reduzida a pensão, sendo a situação enquadrável na excepção prevista no nº 1 do art.º 11º do DL nº 466/99, razão pela qual bem andou o Tribunal a quo.
Com efeito, como sentenciado, para o marido da autora ter sido qualificado como DFA [deficiente das forças armadas] é porque se lhe reconhecia uma incapacidade geral de ganho, quantificado em 80%, logo claramente enquadrável na exceção prevista no artigo 11.º/1 do DL n.º 466/99, de 6 de novembro, na redação do DL n.º 161/2001, de 22 de maio.
Assim, não pode deixar-se de considerar ilegal a redução imposta à autora no valor global da pensão de preço de sangue inicialmente atribuída.
Improcedem, pois, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 17/11/2023
Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Rogério Martins