Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01439/23.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR;
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
Sumário:
I- O indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial».

II- Se, para efectuar o juízo sobre a manifesta improcedência da petição inicial, o juiz utilizou elementos constantes de informação prestada pelo órgão da execução fiscal e dos documentos que a instruíram, impunha-se, em observância do princípio do contraditório, assegurar ao reclamante a oportunidade de se pronunciar sobre esses elementos.


A falta de notificação dessa informação e dos documentos que a suportam constitui omissão de um acto exigido por lei que, porque susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, constitui nulidade secundária, sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º, e 199.º do CPC, inquinando a validade dos actos ulteriormente praticados, incluindo a decisão recorrida.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 15/07/2023, que indeferiu liminarmente a reclamação formulada contra “despacho do Senhor Director de Finanças - Serviço de Finanças de ... S.F.: ... - 2 - ...”, na sequência de notificação de penhora de vencimentos e salários, proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...45, para cobrança coerciva do valor de €7.314,79.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo douto Tribunal “a quo” que indeferiu liminarmente a petição inicial oportunamente apresentada junto do Serviço de Finanças competente – Serviço de Finanças ... – 2 (...).
2) Refere – além do mais, o Tribunal, que o Executado, ora Recorrente, apresentou a Reclamação extemporaneamente.
O que não corresponde à verdade.
3) Como consta do documento que ora se anexa – o Executado/Reclamante, ora Recorrente – após citação, datada de 2022-07-17 e notificação de acto de penhora de vencimentos e salários concretizada em 01-08-2022, efectuou a necessária “Reclamação” de tais actos praticados pelo órgão de execução fiscal – o Serviço de Finanças ... – 2 (...) para o Tribunal competente – cfr. documento que ora se anexa e que aqui se dá por reproduzido para os pertinentes efeitos.
E fê-lo atempadamente.
Aliás,
4) «A reclamação é apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão (artigo 277° CPPT) e, tendo o processo de execução fiscal natureza judicial (artigo 103°/1 LGT), o prazo conta-se nos termos do Código Processo Civil (artigo 20°/2 CPPT) (Ac STA, Proc n° 0762/08, de 2008.10.22 (Rel. Cons. Jorge Lino), disponível em www.dgsi.pt: O prazo de apresentação de reclamação em processo de execução fiscal ao abrigo do artigo 276° do Código de Procedimento e de Processo Tributário começa a contar-se a partir da data de notificação da decisão reclamada operando-se sua suspensão durante as férias judiciais, como prazo judicial que é.).
5) Assim, ao caso é aplicável o artigo 138°, n° 1, do CPC: o prazo é contínuo, suspendendo-se, naturalmente, durante as férias judiciais.
Ora,
6) Como se constata (cfr. documento que agora se anexa) - os actos reclamados encontram-se datados, respectivamente, de 2022-07-17 e Agosto de 2022; o prazo legal de 10 dias para deduzir reclamação suspendeu-se no decurso das férias judiciais – a Reclamação apresentada pelo Executado, ora Recorrente, no dia 30 de Agosto de 2022, é tempestiva.
Mesmo assim,
7) E não obstante, o douto Tribunal “a quo”, na decisão aqui em reapreciação, entendeu também que o ora Recorrente, ao invés de apresentar a reclamação nos termos do art.º 276º e ss. do CPPT, deveria ter apresentado oposição à execução, porquanto os fundamentos e o pedido enunciados naquela, concretamente a declaração das invocadas nulidades do processo executivo: nulidade da citação e a falta de requisitos do título executivo, não podem agora (em 30/08/2022) – a pretexto da invocada penhora, serem novamente suscitados.
Todavia,
8) Ressalvado o devido respeito por douta opinião contrária, entende também o ora Recorrente que o douto Tribunal incorre também em erro de julgamento, ao considerar que o Recorrente deveria ter lançado mão da oposição à execução.
9) O Recorrente/Reclamante não acompanha tal entendimento.
10) As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que afectem direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância, tal como, aliás, dispõe o artigo 276º do CPPT.
11) Com efeito, o ora Recorrente, apresentou reclamação da decisão proferida e actos praticados (citação e penhora de salários) pelo Serviço de Finanças (órgão de execução fiscal), no prazo estipulado para o efeito (prazo decorrente em férias judiciais).
12) Isto é, tendo o Reclamante/Recorrente sido citado (citação datada de 2022-07-17) e notificado da penhora de salários (Agosto de 2022) pelo Serviço de Finanças, obviamente que se percebe que a Reclamação foi apresentada dentro do prazo legal para o efeito.
13) Não se poderá olvidar também que o meio processual para reagir contra uma decisão proferida pelo órgão de execução fiscal, será sempre a reclamação prevista no art.º 276º do CPPT; meio processual de que o ora Recorrente lançou mão.
14) Não se pode descurar o alcance, sentido, objecto e limites de um processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal previsto no art.° 276° do CPPT, segundo o qual qualquer acto praticado no âmbito da execução fiscal que afecte os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados é susceptível de recurso judicial.
15) A reclamação de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
16) Assim, é de concluir que o meio processual adequado para conhecer das questões que o Recorrente suscita na reclamação deduzida, é a reclamação (artigos 276° a 278° do CPPT.
17) O prazo para apresentação da reclamação é de 10 dias, a contar da notificação da decisão (artigo 277°, n° 1 do CPPT), contando-se de forma contínua nos termos do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 20°, n° 2 do CPPT, uma vez que o processo de execução fiscal, não obstante decorrer perante órgãos da administração tributária, tem natureza judicial (artigo 103°, n° 1 da LGT).
18) Sendo certo que - após ter sido citado para a execução e notificado da penhora de salários pelo Serviço de Finanças, não faria sentido que o Recorrente apresentasse oposição à execução, uma vez que - reitera-se, estamos perante actos e inerentes decisões emanadas pelo órgão de execução fiscal (Serviço de Finanças), pelo que, o meio de reacção adequado sempre seria a reclamação prevista no art.° 276° e ss. CPPT.
19) Com efeito, ao coarctar esta possibilidade ao Recorrente, o douto Tribunal, salvo o devido respeito, olvidou o princípio do contraditório, extensível às partes processuais.
20) Pois que, com o aditamento do n° 3, do art. 3°, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
21) A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico. Quer dizer,
22) O Executado, ora Recorrente, é notificado de penhora de vencimentos e salários por – como já apurou junto dos Serviços da AT – Administração Tributária,
“...161 – C Interminist. Mat. Assist. Mútua Cobr. Créd.Est. Memb. CE...”
Alegada dívida da qual desconhece a autoria/proveniência...
Dizer isto é a mesma coisa que...
23) O Executado, ora Recorrente, nada deve e - na forma como é identificada esta “alegada dívida” não pode sequer pronunciar-se quanto a uma alegada dívida que desconhece e – TEM A CERTEZA, nada deve!
EM CONCLUSÃO, a execução em causa é ilegal já que o ora Recorrente está a ser chamado à instância executiva mediante actos absolutamente nulos, pelo que – assim, deverá ser extinto o procedimento executivo.
PEDIDO:
Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta decisão aqui em crise.
E, consequentemente,
· Ser a quantia reclamada referente à indicada “Proveniência” – “161 – C Interminist. Mat. Assist. Mútua Cobr. Créd. Est. Mem. CE”, declarada Nula.
· E, mesmo que assim não se entenda - o que sempre não se concede, devem ser declarados nulos todos os procedimentos executivos já realizados ou a realizar e, em alternativa, declarar-se o Executado, ora Recorrente, parte ilegítima no processo de execução fiscal referenciado.
COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA”
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, e em erro de julgamento ao indeferir liminarmente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Em face dos documentos constantes dos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em 08/11/2021 o Serviço de Finanças ... - 2, no âmbito da cooperação interministerial em matéria de assistência mútua para cobrança de créditos entre Estados Membros da Comunidade Europeia, instaurou contra «AA», NIF ..., aqui reclamante, o processo de execução fiscal n.º ...45, para cobrança coerciva de dívidas provenientes do serviço “Team Bijzondere Invordering Gent”, referentes a impostos sobre o rendimento e património, referentes ao ano de 2017, no montante global de 6.670,34 € - cfr. fls. 17/25 e fls. 46/47 (SITAF).
B) Por ofício datado de 26/11/2021, o aqui reclamante foi citado pessoalmente para o processo de execução fiscal n.º ...45 - cfr. fls. 46 (SITAF).
C) Em 21/12/2021, o aqui reclamante remeteu ao Serviço de Finanças ... - 2, por correio eletrónico, requerimento, no qual invocou, essencialmente, a preterição do direito de audição prévia; a nulidade absoluta do ato de citação, por se tratar de um ato formal e materialmente jurisdicional, não podendo ser ordenada pelo órgão de execução fiscal; a nulidade insanável do processo executivo, por não lhe ter sido entregue com a citação cópia do título executivo; e a falta de fundamentação do ato de citação e a sua ilegitimidade para a execução fiscal, formulando, a final o seguinte pedido: “Nestes termos, em face do que vem alegado deverá pelo presente requerimento ser a quantia reclamada referente à indicada “Proveniência” - “161 - C Interminist. Mat. Assit. Mútua Cbr. Créd. Est. Mem. CE”, declarada Nula,
Sem prescindir, e quando assim não se entenda, o que sempre não se concede, devem ser declarados nulos todos os procedimentos executivos já realizados ou a realizar e, em alternativa, declarar-se o Requerente, ora Reclamante, parte ilegítima no processo de execução fiscal referenciado.”.
D) Por despacho de 12/01/2022, o Chefe do Serviço de Finanças, concluindo que o aqui reclamante foi citado nos termos do artigo 189.º e 190.º do CPPT, mas que os formalismos estipulados no artigo 190.º do CPPT não se encontravam cumpridos, por remissão da alínea e) do artigo 163.º do CPPT - que estipula que “são requisitos essenciais dos títulos executivos (...) a “Natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante”, determinou o envio de nova citação acompanhada da certidão de dívida - cfr. fls. 42/43 (SITAF).
E) Por ofício expedido por correio registado em 14/01/2022 e rececionado em 18/01/2022, o aqui reclamante foi notificado, na pessoa do seu mandatário judicial, do despacho mencionado na alínea anterior, com a indicação de que “a Decisão proferida pelo órgão de execução fiscal é suscetível de Reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário), nos termos e prazo ali estipulados.” - cfr. fls. 41/45 (SITAF).
F) Em 14/01/2022, o Serviço de Finanças ... - 2 enviou ao aqui reclamante, por correio registado com aviso de receção, o ofício n.º ...........896, com o seguinte teor: “Em complemento à citação efetuada no âmbito do Processo de execução ...45, e nos termos do artigo 189.º e 190.º do CPPT e alínea e) do artigo 163.º do CPPT, junto se remete a respetiva certidão de Dívida, sanando assim qualquer irregularidade na citação efetuada.” - cfr. fls. 16/24 (SITAF).
G) O ofício mencionado na alínea que precede veio devolvido ao remetente com a anotação “objeto não reclamado” - cfr. fls. 25 (SITAF).
H) Em 02/02/2022, o Serviço de Finanças ... - 2 enviou ao aqui reclamante, por correio registado com aviso de receção, o ofício n.º .........946, sob o assunto “Notificação - 2.ª”, com o seguinte teor: “Em complemento à citação efetuada no âmbito do Processo de execução ...45, e nos termos do artigo 189.º e 190.º do CPPT e alínea e) do artigo 163.º do CPPT, junto se remete a respetiva certidão de Dívida, sanando assim qualquer irregularidade na citação efetuada.” - cfr. fls. 16/24 (SITAF).
I) O ofício referido na alínea anterior veio devolvido ao remetente com a anotação “objeto não reclamado” - cfr. fls. 25 (SITAF).
J) A presente reclamação judicial foi apresentada, por correio eletrónico, em 30/08/2022 - cfr. fls. 4 e seguintes (SITAF).”

2. O Direito

O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que indeferiu liminarmente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal com fundamento na sua manifesta improcedência.
O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) - entendido na sua dimensão positiva de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo - e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» ( cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.).
Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado – cfr., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2011, proferido no âmbito do processo n.º 765/10.
No caso sub judice, a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para concluir pela manifesta improcedência da presente reclamação, não se limitou a utilizar os elementos fornecidos pela petição inicial e factos processuais, utilizou também outros elementos, designadamente os que subjazem à factualidade apurada de A) a I) da decisão da matéria de facto, constantes de informação prestada pelo órgão da execução fiscal com a remessa da reclamação ao tribunal e dos documentos que a integram.
É verdade que, no processo virtual, tais documentos mostram-se identificados como sendo “Documentos da PI”, mas tal não corresponde à realidade, dado que o reclamante somente juntou procuração forense e documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, o que poderá ter induzido em erro o tribunal recorrido – cfr. todas as folhas seguintes à petição inicial incorporada até à página 53 do processo no SITAF.
Ora, nas conclusões 19), 20) e 21) das alegações do recurso, o Recorrente alude à inobservância do contraditório, enquanto nulidade processual sempre que tal omissão seja susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, imputando tal vício também à decisão recorrida (surpresa), por não ter sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respectivo enquadramento jurídico.
É inquestionável que o princípio do contraditório constitui um dos mais elementares princípios que enformam todo o direito adjectivo e também o processo tributário, hoje entendido, não na sua dimensão negativa, de direito de defesa, oposição ou resistência à actuação alheia, mas na sua dimensão positiva, de direito de influir, activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo – cfr. entre muitos, o Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 03/03/2010, proferido no processo n.º 63/10.
Assim, é nossa convicção que esse princípio, previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, impõe a notificação da mencionada informação e dos documentos anexos à mesma, que estiveram na base da apreciação liminar da reclamação, na medida em que só a sua notificação permitirá que o reclamante se pronuncie sobre esses elementos e sobre a sua completude, quer quanto aos seus aspectos factuais, quer quanto às consequências jurídicas que destes se possam retirar.
Não podemos olvidar que o tribunal recorrido terá tido dificuldade em identificar o acto reclamado, como se denota na seguinte passagem da decisão recorrida: «(…) o reclamante, sem identificar devidamente o despacho reclamado, veio deduzir reclamação do “despacho do Senhor Diretor de Finanças - Serviço de Finanças de ... S.F.: ... - 2 - ...”, alegando, em suma, ter sido notificado de penhora de vencimentos e salários no processo por – “C.Interminist. Mat. Assist. Mútua Cobr. Créd. Est. Memb. CE”, alegada dívida que desconhece, (…)». O que, na nossa óptica, seria mais um motivo para ouvir previamente o reclamante, ora Recorrente, tanto mais que, agora em sede recursiva, este identifica, mais claramente, os actos impugnados (cfr. conclusão 3.ª) e foram juntos aos autos, pioneiramente, cópias de dois documentos a saber: o ofício contendo a (nova) citação pessoal do Recorrente, ostentando a data de emissão de 17/07/2022 e a carta que visou a notificação do acto de penhora, curiosamente (pois deveria suceder mais de 30 dias após a citação, conforme consta do texto desta), com data de emissão anterior – 15/07/2022.
Tudo leva a crer que foi posteriormente dado cumprimento a nova citação, na sequência da decisão do órgão de execução fiscal que assim o determinou, por força da anulação da anterior – nulidade da citação – cfr. ponto D) do probatório, demonstrando que não terá sido dado integral cumprimento ao disposto no artigo 278.º, n.º 5 do CPPT: “Em caso de subida imediata, a administração tributária remete por via eletrónica a reclamação e o processo executivo que a acompanha”; o que também revela a precipitação, in casu, do indeferimento liminar da reclamação.
Pelo exposto, a falta da notificação da informação do órgão de execução fiscal e dos documentos indicados na mesma, que a suportam, porque susceptível de influir no exame e decisão da causa, constitui nulidade processual, sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º, e 199.º do CPC, aplicável subsidiariamente nos termos da referida alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e inquina a validade dos actos ulteriormente praticados e dela dependentes (cfr. artigos 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), incluindo a decisão recorrida – cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/04/2016, proferido no processo n.º 548/15.
Assim, na procedência deste fundamento do recurso, que implica a nulidade consequente da decisão recorrida, fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos recursivos.

Conclusões/Sumário

I- O indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (cfr. artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial».
II- Se, para efectuar o juízo sobre a manifesta improcedência da petição inicial, o juiz utilizou elementos constantes de informação prestada pelo órgão da execução fiscal e dos documentos que a instruíram, impunha-se, em observância do princípio do contraditório, assegurar ao reclamante a oportunidade de se pronunciar sobre esses elementos.
III- A falta de notificação dessa informação e dos documentos que a suportam constitui omissão de um acto exigido por lei que, porque susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, constitui nulidade secundária, sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º, e 199.º do CPC, inquinando a validade dos actos ulteriormente praticados, incluindo a decisão recorrida.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular o processado ulterior à junção da informação do órgão de execução fiscal e documentos que a instruíram e determinar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem, designadamente com a notificação desses elementos.

Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 26 de Outubro de 2023

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais