Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01405/16.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACTO CONFIRMATIVO; NOTIFICAÇÃO;
N.º 2 DO ARTIGO 53º E ALÍNEA B) DO N.º 3 DO ARTIGO 59º, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:Nos termos das disposições combinadas só se pode dar por verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto recorrido, por ser meramente confirmativo, se o primeiro acto foi devidamente notificado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 28.1.2023, pela qual foi julgada procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto administrativo e, consequentemente, absolvida a Ré da instância, na acção que moveu contra a Universidade ... para impugnação do acto contido ofício proferido pelos Serviços Partilhados a 26.01.2016, pelo qual foi indeferida a reclamação por si apresentada relativamente à remuneração que lhe foi fixada no seguimento e mobilidade intercarreiras.

Invocou para tanto, em síntese, que Sentença ora recorrida errou em parte do julgamento da matéria de facto e, quanto ao enquadramento jurídico violou as normas contidas nos artigos 51.º, 53.º n.º 2 e 89.º n.º 4 i), todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativo e no artigo 120.º do Código de Procedimento Administrativo, ao dar como verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto visado pela Recorrente, por entendê-lo como um acto confirmativo.

A Universidade ... apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*


I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. O Despacho Saneador-Sentença a quo sustenta-se sustenta em conclusões infundamentadas e que não têm correspondência com a prova extraída dos autos – apenas prova documental face à ausência de Audiência de Discussão e Julgamento por entendimento do douto Tribunal a quo.

B. A Sentença ora recorrida consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa.

C. No entender da Recorrente, a Sentença ora recorrida viola as normas previstas nos artigos 51.º, 53.º n.º 2 e 89.º n.º 4 i), todos do CPA e o artigo 120.º do CPA, ao dar como verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato visado pela Recorrente, por entendê-lo como um ato confirmativo.

D. Impugnada será igualmente a matéria de facto dada como provada, porquanto da mesma o Tribunal a quo retirou uma interpretação errónea e que motivou o Despacho Saneador-Sentença injusto e contra as normas legais supra indicadas.

E. Consequentemente, e como se retira do exposto, será impugnada a matéria de direito, por errónea apreciação e qualificação dos factos que conduziram a uma errónea interpretação e aplicação quanto à qualificação do ato administrativo em crise como confirmativo, julgando-o como inimpugnável.

II. ENQUADRAMENTO

F. Sem prejuízo das Conclusões ora apresentadas, para melhor entendimento da matéria factual em crise e que releva para a boa decisão do litígio, remete-se para o Capítulo II da presente peça relativo ao enquadramento, para melhor exposição.

G. Não obstante, a Recorrente encontrava-se colocada na 2.ª posição remuneratória, correspondente ao nível remuneratório 17, prestando funções inerentes à categoria de Coordenador Técnico, na carreira de Assistente Técnico nas instalações da Recorrida.

H. No final de 2015 a Recorrida deu início a um processo de mobilidade e, suportada por um parecer da DGAEP, a Recorrente entende que devia ser colocada no nível remuneratório 20 e passar a auferir €1.458,94 (mil e quatrocentos e cinquenta e oito euros e noventa e quatro cêntimos).

I. No entanto, por ato de 26/11/2015 a Recorrente toma conhecimento de Despacho de autorização da mobilidade intercarreiras, na qual a Recorrida a coloca no nível remuneratório 18, correspondente a uma remuneração de €1.355,96 (mil trezentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos).

J. Não concordando, a Recorrente dirigiu reclamação à Recorrida e, por ato de 26/01/2016 tomou conhecimento de que a sua pretensão não tinha sido procedente, o que motivou que, em 26/02/2016 apresentasse recurso hierárquico que não foi atendido pela Recorrida e motivou o recurso à presente ação, pedindo que, “a) seja modificada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 184.º do CPA, a decisão emitida pelo Diretor dos Serviços Partilhados da Universidade ..., no sentido de atribuir à Recorrente a posição remuneratória que lhe é devida, ou seja, substituir o nível remuneratório 18 da tabela única, correspondente a €1.355,96, pela aplicável 3.ª posição remuneratória, nível remuneratório 20 da tabela única, correspondente a €1.458,94; e b) a decisão modificativa da remuneração devida à Recorrente pela mobilidade intercarreiras para a nova categoria profissional de Técnico Superior, produza os seus efeitos retroativamente, desde 1 de novembro de 2015”.

K. Porém, o Tribunal a quo, deu como verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato administrativo, conforme invocado pela Recorrida, por entender tratar-se de um ato administrativo confirmativo e, como tal, inimmpugnável nos termos do artigo 53.º do CPTA.

III. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

L. Na Sentença de que ora se recorre, constam factos dados como provados que levaram a uma errada interpretação e aplicação na fundamentação de direito.

Ponto de facto D) dado como provado:

M. O Tribunal a quo deu como provada a existência da Instrução mencionada no facto D), que foi junto pela Recorrida no Processo Arbitral.

N. No entanto, não poderia ter concluído, como concluiu, que a Recorrente conhecia esta informação ou que foi dela notificada, como afirma no primeiro parágrafo da página 18 da sentença “Note-se que não assiste qualquer razão à Autora quando afirma que apenas no acto datado de 26/01/2016 é que a mesma ficou a conhecer a sua integração no nível 18 da TRU. Na verdade, e como resulta de forma cristalina dos pontos D) e F) da matéria de facto dada como provada, tal integração advinha já do acto praticado a 26/11/2015”.

O. E com isso dar como confirmativo um ato com base numa informação desconhecida da Recorrente e que o ato praticado não faz qualquer referência, inquinando a demais Sentença.

P. Assim, o facto D) deve ser alterado, ou, pelo menos, aditado um novo facto E) que claramente deixe expresso que, sem prejuízo de ter sido emitida a Instrução referida esta era desconhecida pela Recorrente que nunca foi notificada da mesma.

Ponto de facto F) dado como provado:

Q. No seguimento do ponto anterior, o ponto de facto dado como provado F) deve ser alterado, e aí passar a constar expressamente que no ato aí previsto não é feita qualquer referência à Instrução mencionada em D).

IV. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Da impugnabilidade do ato administrativo:

R. Por força da procedência da exceção de inimpugnabilidade do ato administrativo, o presente recurso de apelação incidirá sobre esta decisão do Tribunal a quo, com a qual a Recorrente não se pode conformar – mais concretamente, sobre os documentos ... e ...0 juntos com a Petição Inicial, o ato administrativo de 26/11/2015 e o ato administrativo de 26/01/2016, respetivamente e se o segundo pode ser entendido como um ato confirmativo do primeiro, o que a Recorrente discorda e que motivou o presente recurso.

S. Diferentemente do decidido pelo douto Tribunal a quo, não pode a Recorrente aceitar quando, na sentença de que se recorre, se afirme que no ato de 26/11/2015 a Recorrente ficou a conhecer a sua integração no nível 18 da tabela remuneratória única, porque tal apenas ocorreu com o ato de 26/01/2016.

T. A Recorrente, em sede de Réplica, com o documento n.º ...82 junto do SITAF, junto a fls…, evidenciou que apenas tomou pleno conhecimento da decisão face à sua mobilidade com o ato de 26/01/2016, pois foi este Ofício que concluiu, sem margem para dúvida, pela integração da Recorrente pelo CRSCUP no nível dezoito da tabela remuneratória única.

U. Acresce que, o ato de 26/01/2016 acrescenta informação e fundamentação ao que foi notificado à Recorrente em 26/11/2015, pelo que, atentando ao conceito presente no artigo 53.º do CPTA, o ato de 26/01/2016 não pode ser entendido como um ato confirmativo do ato de 26/11/2015.

V. Na recente jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 05/03/2021 (disponível in dgsi.pt), suportando-se, entre o mais, noutra decisão do mesmo tribunal de 16/10/2020 entendeu-se que “Será ato meramente confirmativo aquele que tenha por objeto ato potencialmente lesivo anteriormente praticado, sendo que para a sua verificação importa que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: a) Que o ato confirmado fosse lesivo; b) Que tal ato fosse do conhecimento do interessado; c) Que entre o ato confirmado e o ato confirmativo haja identidade de sujeitos, de objeto e de decisão” (sublinhados ora apostos).

W. Como desenvolve o acórdão de 16/10/2020 supra mencionado, “No entanto, importa reter que para se poder falar num ato meramente confirmativo não nos poderemos bastar com uma identidade de decisão, isto é, que os efeitos jurídicos produzidos sejam idênticos, ou que exista urna identidade de assunto, já que mesmo levando a idêntica decisão a esta se pode chegar mediante a invocação ou utilização de diferentes fundamentos, na certeza de que essa diversa fundamentação será suficiente para alterar e modificar os pressupostos da decisão e afastar a qualificação do ato como meramente confirmativo.” (sublinhado ora aposto).

X. Em bom rigor, no ato datado de 26/11/2015 não informa a Recorrente sobre a posição remuneratória que passaria a ser-lhe aplicável, fazendo apenas uma mera menção à remuneração ilíquida de €1.355,96, com base no artigo 93.º da LGTFP, sem mais ou a remuneração ilíquida que seria aplicável à Recorrente.

Y. Já no ato de 26/01/2016 não é feita qualquer menção ao ato anterior (de 26/11/2015), indica a posição remuneratória da Recorrente, com base, desta feita, no artigo 153.º da LGTFP.

Z. Por motivo que não lhe é imputável, com o ato de 26/11/2015 a Recorrente não tomou conhecimento da posição remuneratória que lhe seria atribuída em virtude da mobilidade intercarreiras.

AA. Não se verificando os pressupostos cumulativos exigidos pela jurisprudência supra ilustrada – é patente que o ato de 26/01/2016 não se trata de um ato meramente confirmativo, traz alterações no seu fundamento e raciocínio, ainda que o resultado final possa ser entendido como o mesmo – a (errada) mobilidade da Recorrente.
BB. Erroneamente, a sentença a quo dá como provado no Ponto D dos factos provados que em 20/11/15 os Serviços Partilhados da Recorrida emitiram a Informação n.º ..., pela qual, supostamente, a Recorrente teria ficado a saber da sua posição remuneratória, no entanto, em momento algum dá como provado que a Recorrente teve conhecimento desta informação!

CC. Ora, se não teve conhecimento desta informação, então não se pode dar como provado que teve conhecimento em novembro de 2015 da sua posição remuneratória, pois que a Informação era desconhecida pela Recorrente.

DD. Caso contrário, bastaria no ato de 26/01/2016 remeter para a decisão de novembro de 2015, o que não o fez, nem sequer uma única menção ou aproveitamento de decisão.

Por fim, e porque apenas a sentença recorrida refere que, em todo o caso, sempre claudicaria a pretensão da Autora / Recorrente,

V. DA POSIÇAO REMUNERATÓRIA EM CASO DE MOBILIDADE:

EE. A sentença ora recorrida encerra com a seguinte consideração “Sempre se adiante que sempre claudicaria a pretensão da Autora, porquanto o referido n.º 1 do artigo 153º da LTFP prevê uma mera possibilidade (e não um direito potestativo) a ascender à posição remuneratória imediatamente seguinte”.

FF. Em momento algum a Recorrente se arrogou como titular de um qualquer direito potestativo à mobilidade.

GG. No entanto, em meados de 2015 a Recorrida iniciou um processo de mobilidade, para o qual a Recorrente pediu aconselhamento à DGAEP e, em momento algum a Recorrida pôs em causa a possibilidade de não existir mobilidade.

HH. A Recorrente tinha legítimas convicções (ou melhor, expetativas jurídicas) à Recorrente de que iria beneficiar do artigo 153.º da LGTFP.

II. Nas melhores palavras de António Santos Justo (Introdução ao Estudo do Direito. 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2006, págs. 62 e 63) “Expectativas jurídicas – São situações em que se encontra uma pessoa que ainda não tem um direito subjectivo, mas conta razoavelmente vir a ter. Não se trata duma simples esperança longínqua e fortuita (spes vana) mas duma situação intermédia mais ou menos consistente, da esperança, que o direito protege, duma pessoa a favor de quem se está a formar progressivamente um direito subjectivo, apenas faltando uma condição para que exista um ius perfectum” (sublinhado ora aposto).

JJ. A convicção da Recorrente saiu ainda mais reforçada quando pediu pronúncia à DGAEP (Direção-Geral da Administração e do Emprego Público), organismo da Administração Pública e esta entidade tem um entendimento diverso da Recorrida (e que a Recorrente partilha) (cfr. doc. ... junto com a Petição Inicial).

KK. Com efeito, a DGAEP sindica (e concorda a Recorrente) que deveria ser colocada na posição remuneratória equivalente ao nível 20 e não ao nível 18 como entende a Recorrida.

LL. Devendo a Recorrente, em virtude do legalmente disposto, passar a auferir o montante mensal de 1.458,94.

MM. Deve ser sopesada a existência de uma 3.ª posição remuneratória imediatamente seguinte à 2.ª posição remuneratória que a Recorrente ocupava (correspondente ao nível 20) – em conformidade com a lei e com a comunicação da DGAEP.

NN. Apenas se não houvesse uma posição remuneratória imediatamente seguinte – o que não é o caso – é que a Recorrente deveria ser colocada no nível remuneratório que sucederia à sua posição na tabela remuneratória única, equivalente ao nível 18, como sustenta a Recorrida.

OO. Fundamentos pelos quais a Recorrente veio peticionar, nos presentes autos - tal como requerera anteriormente no recurso hierárquico apresentado - a modificação da decisão emitida pela Direção da SPU... no sentido de atribuir a posição remuneratória devida.


*

II –Matéria de facto.

Quanto à matéria de facto invoca a Recorrente:

“22. A Recorrente não pode concordar com o facto provado D), ainda mais quando usado pela Juiz a quo para dar como provado que a Recorrente teve conhecimento da Informação ... aí referida.

23. A Recorrente também não pode concordar com o facto dado como provado F), quando se afirma que o Diretor dos Serviços Partilhados da UP proferiu despacho “tendo por base os fundamentos descritos na informação transcrita em D)”, porquanto tal conclusão não é possível de ser inferida, para além de que, na decisão que se faz referência em F) não é mencionada, em momento algum, a instrução que consta em D).”

Vejamos.

O facto provado em D) é pura e simplesmente a citação de um documento cuja genuinidade e autenticidade não foi posta em causa.

Não é aí referido, antes na apreciação jurídica do caso, que a Recorrente teve conhecimento da informação aí referida.

Pelo que nesta parte não há que alterar a matéria de facto.

Quanto à alínea F), com efeito, no despacho de 26/11/2015, referido nessa alínea, não se menciona a informação contida na alínea D), sendo uma conclusão – e não um facto – dizer que teve “por base os fundamentos descritos na informação transcrita em D)”, pelo que esta parte deve ser retirada na alínea em causa.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:

A) A 21/06/2010, entre a Autora e a Ré foi celebrado um designado “contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado”, pela qual aquela se comprometeu a prestar as funções inerentes à categoria de Coordenador Técnico, da carreira de Assistente Técnico, nas instalações da Faculdade de Economia (cf. fls. 1 e seguintes do processo administrativo).

B) No início de 2015, a Autora encontrava-se colocada na 2ª posição remuneratória, no nível remuneratório 17, ao qual corresponde um montante pecuniário mensal de € 1.304,46 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 4).

C) A 18/11/2015, a Autora dirigiu à Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (doravante abreviadamente DGAEP) um pedido de informação com o seguinte teor:

“Exerço a minha actividade profissional na Universidade ..., com contrato em regime de funções públicas por tempo indeterminado como Coordenadora Técnica colocada no índice remuneratório 17 a que corresponde o vencimento de € 1.304,46. Actualmente decorre na Universidade um processo de Mobilidade Intercarreiras pelo qual estou abrangida por ter habilitações superiores. Assim, solicito informação relativamente ao Nível Remuneratório em que devo ser posicionada na categoria de Técnico Superior.”

(cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 5).

D) A 20/11/2015, os Serviços Partilhados da Ré emitiram a informação nº ..., da qual consta, designadamente, o seguinte:

“A trabalhadora «AA», com um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com a categoria de coordenadora técnica desde 19 de Abril de 2002, exerce funções no Núcleo de Tesouraria da Unidade de Contabilidade e Tesouraria do Serviço Económico-Financeiro dos SPU..., na unidade local .... Do levantamento efectuado junto dos dirigentes acerca do exercício de funções de técnico superior dos assistentes técnicos com habilitação superior, atestou a responsável que a trabalhadora tem vindo a desempenhar funções como técnica superior no Núcleo de Tesouraria da Unidade de Contabilidade e Tesouraria do Serviço Económico-Financeiro dos SPU.... Analisado o processo individual, verifica-se que a trabalhadora «AA» é titular de um contrato de trabalho em funções públicas sendo-lhe, por isso, aplicada a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho de 2014. Ora, nos termos do disposto no artigo 93º, nº 3, «a mobilidade intercarreiras ou categorias opera-se para o exercício de funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular e inerentes: a) a categoria superior ou inferior da mesma carreira; b) a carreira de grau de complexidade funcional igual, superior ou inferior ao da carreira em que se encontra integrado ou ao da categoria de que é titular», e depende da titularidade da habilitação adequada (nº 4). Atento o parecer da superior hierárquica da trabalhadora, e considerando as informações constantes do registo individual, designadamente quanto ao contrato de trabalho e habilitações académicas, porque se verifica o exercício de funções de grau de complexidade funcional superior ao da categoria actual e o mestrado em Ciências da Educação obtido em 21 de Julho de 2014, conclui-se estarem reunidas as condições legalmente exigíveis para a decisão de mobilidade intercarreiras para a categoria de técnica superior. A ser deliberada a mobilidade intercarreiras da trabalhadora «AA», determina o artigo 153º da LGTFP que a remuneração a auferir nunca pode ser inferior à que corresponde à categoria de que é titular o(a) trabalhador(a) (nº 2). Quanto à remuneração em caso de mobilidade intercarreiras, estipula o artigo 153º da LGTFP, que o trabalhador em mobilidade intercarreiras ou categorias nunca pode auferir uma remuneração inferior à que corresponde à categoria de que é titular (nº 2). Assim, quando a primeira posição remuneratória da categoria correspondente à função que o trabalhador vai exercer (técnico superior) for superior ao nível remuneratório da primeira posição daquela de que é titular (assistente técnico), a remuneração do trabalhador é acrescida para o nível remuneratório superior mais próximo daquele que corresponde ao seu posicionamento na categoria de que é titular (nº 3). O nº 4 do mesmo artigo refere que não se verificando o pressuposto do nº 3 do artigo 153º, o trabalhador pode ser remunerado nos termos do nº 1 do mesmo artigo, ou seja, o trabalhador pode ser remunerado pelo nível remuneratório que suceda ao correspondente à sua posição na tabela remuneratória única – TRU (Portaria nº 1553-C/2008, de 31 de Dezembro). No caso concreto, a trabalhadora com a categoria de coordenadora técnica com nível remuneratório 17 (a auferir de um vencimento de € 1.304,46), ao transitar para a categoria de técnico superior em mobilidade intercarreiras, auferirá de um vencimento de € 1.355,96, valor correspondente ao nível remuneratório 18. De salientar que, de acordo com o artigo 97º da LGTFP, a mobilidade intercarreiras ocorre por um determinado período de tempo (18 meses, podendo ser renovável ou não) não alterando definitivamente a categoria de origem do trabalhador. O artigo 38º da LOE para 2015, apesar de manter genericamente as proibições de valorizações remuneratórias, veio repor a possibilidade de os trabalhadores, com contrato de trabalho em funções públicas, em mobilidade intercarreiras poderem ser remunerados nos termos do artigo 153º da LGTFP.
(…) Assim sendo, estão reunidas as condições para que a mobilidade intercarreiras da trabalhadora «AA» seja autorizada, com efeitos a 1 de Novembro de 2015.
(…)”

(cf. fls. 44 e seguintes do processo administrativo).


E) A 25/11/2015, a DGAEP remeteu uma informação à Autora, através de correio electrónico, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) A determinação da remuneração na mobilidade intercarreiras obedece ao disposto no artigo 153º/2 a 4 da LTFP. No seu caso particular, quando no desempenho de funções como técnica superior ao abrigo de uma mobilidade intercarreiras no mesmo órgão ou serviço, a auferir remuneração pela posição remuneratória (2ª PR/nível 17) e, uma vez que a 1ª PR da categoria de origem (1ª PR/nível 14) é superior à 1ª PR da carreira/categoria de técnico superior (1ª PR/nível 11), deve ser remunerada pela posição remuneratória seguinte àquela em que se encontra posicionada na categoria (3ª PR/nível 20) nos termos do artigo 153º/1, 2 e 4 da LTFP. (…)”

(cf. fls. 41 e seguintes do processo administrativo).

F) A 26/11/2015, o Director dos Serviços Partilhados da Universidade ... (SPU...) proferiu despacho de autorização da mobilidade intercarreiras da Autora (cf. fls. 44 e seguintes do processo administrativo).

G) A 01/12/2015, o despacho identificado supra foi comunicado à Autora por correio electrónico, mais se informando que esta passaria a auferir a remuneração ilíquida de € 1.355,96 (cf. fls. 42 e seguintes do processo administrativo).

H) A 07/12/2015, a Autora dirigiu ao Director dos SPU... uma designada reclamação, na qual se pode ler, designadamente, o seguinte:

“(…)
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 153.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), o trabalhador em mobilidade na categoria, em órgão ou serviço diferente ou cuja situação jurídico-funcional de origem seja a de colocado em situação de requalificação, pode ser remunerado pela posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que se encontre posicionado na categoria ou, em caso de inexistência desta, pelo nível remuneratório que suceda ao correspondente à sua posição na tabela remuneratória única. Acontece que, sendo a 1ª posição remuneratória da categoria de destino (€ 995,51) inferior à 1ª posição remuneratória da categoria de que sou titular (€ 1.149,99), é aplicável o disposto no n.º 1, do artigo 153.º da LGTFP por força do n.º 4 do mesmo artigo. Assim, tendo por base a tabela remuneratória da carreira de Assistente Técnico, deve a minha remuneração ser aferida pela posição remuneratória da categoria de Coordenador Técnico, imediatamente seguinte àquela em que me encontro posicionada, isto é, 3ª PR/nível 20 a que corresponde a remuneração ilíquida de € 1.458,94. A Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público pronuncia-se no mesmo sentido, como resulta do email junto em anexo. Nestes termos, e para os efeitos de remuneração ao abrigo do regime de mobilidade intercarreiras ou Intercategorias para a categoria profissional de técnico superior, requer-se a V/Exa se digne rectificar a minha posição remuneratória de € 1.355,96 para € 1.459,94, com efeitos a 1 de Novembro de 2015, dando-se, assim, cumprimento ao disposto nos números 2, 4 e 1 do artigo 153.º da LGTFP.
(…)”.

(cf. fls. 38 e seguintes do processo administrativo).

I) A 26/01/2016, sob a referência ...16, o Director dos SPU... da Ré pronunciou-se quanto à reclamação apresentada pela Autora, o que fez nos seguintes termos:

“Em resposta ao ofício enviado a 7 de Dezembro de 2015, informa-se que no âmbito do processo de mobilidade intercarreiras, foi decidido posicionar os assistentes técnicos de acordo com a tabela remuneratória única nos casos em que estes já auferiam na categoria de origem, no caso coordenador técnico, remuneração superior à primeira posição remuneratória de técnico superior. A sobredita decisão tem fundamento no artigo 153, números 1 e 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, nos termos do qual «o trabalhador em mobilidade na categoria, em órgão ou serviço diferente ou cuja situação jurídico-funcional de origem seja a de colocado em situação de requalificação, pode ser remunerado pela posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que se encontra posicionado na categoria, ou em caso de inexistência desta, pelo nível remuneratório que suceda ao correspondente à sua posição na tabela remuneratória única«. Mais se informa, de acordo com o solicitado, que na sequência da decisão de mobilidade em apreço, passará a auferir, na categoria de técnico superior em regime de mobilidade intercarreiras, o valor de remuneração base de € 1.355,96 (…), correspondente ao nível dezoito da tabela remuneratória única. (…)”.

(cf. fls. 37 do processo administrativo).

J) A 25/02/2016, a Autora dirigiu ao Magnífico Reitor da Ré um designado “recurso hierárquico”, ao abrigo do previsto no artigo 193º do Código do Procedimento Administrativo, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, peticionando, a final, a substituição do despacho recorrido por outro que lhe aplique a 3ª posição remuneratória, nível remuneratório 20 da tabela única, correspondente ao montante de € 1.458,94 (cf. fls. 8 e seguintes do processo administrativo).

K) A 22/03/2016, o Magnífico Reitor da Ré comunicou à Autora o seguinte:

“Em resposta ao ofício enviado a 25 de Fevereiro de 2016, considerando que o Centro de Serviços e Recursos Comuns da U. ... é um serviço com autonomia administrativa e não estando expressamente previsto na Lei, nos termos do artigo 199º do CPA, do despacho do Senhor Director, Dr. «BB», não há lugar a recurso hierárquico.”

(cf. fls. 7 do processo administrativo).

L) A primeira posição remuneratória da categoria de coordenador técnico é no valor de € 1.149,99, ao passo que a primeira posição remuneratória da categoria de técnico superior é no valor de € 995,51 (cf. fls. 20 do processo administrativo).

M) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 27/05/2016 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).


*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)

Nos termos do previsto no nº 1 do artigo 51º do CPTA, “Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que actuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.”

Mas ressalva o nº 1 do artigo 53º do mesmo diploma legal que “Não são impugnáveis os actos confirmativos, entendendo-se como tal os actos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em actos administrativos anteriores.”

Como decorre da doutrina e da jurisprudência aplicáveis ao caso, o requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito – e os do acto confirmado; se assim não acontecer, o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se susceptível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstracto) que não podem deduzir-se contra o acto parcialmente confirmado.

No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/03/2009, no processo 01084/08 (disponível em www.dgsi.pt) consignou-se o seguinte:

"Não é meramente confirmativo o acto proferido na sequência de uma reclamação facultativa que, com fundamentação diferente, decide no mesmo sentido do acto objecto de reclamação".

Assim, e porque tem interesse para os presentes autos, temos que não bastará uma identidade de assunto, porque mesmo sendo idêntico o assunto, mesmo levando a idêntica decisão, pode fazer-se mediante diferentes fundamentos, sendo que esta diferente fundamentação será suficiente para alterar e modificar os pressupostos da decisão (cf. neste sentido, os Acórdãos do STA, do Pleno, de 27/2/1996, Rec. 3486; também do STA, de 23/5/2001, Rec. 47137; de 25/5/2001, Rec. 43440 e, por fim, 7/1/2002, Rec. 45909, todos disponíveis também em www.dgsi.pt).

Quer isto significar que a posição jurisprudencial e doutrinal (v.g., Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição actualizada, pág. 129) considera que, para que um acto administrativo possa ser considerado confirmativo de outro, é necessário não só que tenham por pressupostos a mesma situação fáctica e o mesmo regime jurídico, mas também que em ambos seja utilizada a mesma fundamentação.

Em síntese, o acto confirmativo “não tira nem põe nas situações criadas pelo acto confirmado" (cf. M. Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, vol. I, 10ª edição, pág. 452 e Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, vol. III, pág. 230 e segs.), pelo que o acto confirmativo, para o ser, exige identidade de resolução dada a um caso concreto entre os mesmos sujeitos, identidade de fundamentação da decisão, identidade das circunstâncias ou pressupostos de facto da decisão, identidade da disciplina jurídica vigente à data da prática de ambos os actos, de tal forma que o segundo acto se limite a reiterar o primeiro, sem nada acrescentar ao seu conteúdo.

Analisando a matéria de facto dada como provada, especificamente os pontos D), F) e I), resulta com clareza que o acto administrativo datado de 26/01/2016 se limita a confirmar aquele já produzido a 26/11/2015 e comunicado à Autora a 01/12/2015, porquanto se verifica absoluta identidade de assunto, identidade de decisão e ainda a aplicação do mesmo regime jurídico, com total identidade de fundamentação e pressupostos de facto.

Note-se que não assiste qualquer razão à Autora quando afirma que apenas no acto datado de 26/01/2016 é que a mesma ficou a conhecer a sua integração no nível 18 da TRU. Na verdade, e como ressuma de forma cristalina dos pontos D) e F) da matéria de facto dada como provada, tal integração advinha já do acto praticado a 26/11/2015.

Tampouco veio o acto datado de Janeiro de 2016 acrescentar quaisquer novos fundamentos à decisão adoptada, sendo inclusivamente mais sucinto que o acto confirmado e limitando-se a corroborar a fundamentação de direito antes usada, “sem tirar nem pôr”.

Consequentemente, e existindo já um ónus de impugnação sobre aquele acto primitivo, e assumindo natureza meramente confirmativa, é este acto impugnável, nos termos do disposto no artigo 53º do CPTA, soçobrando a argumentação expendida pela Autora, o que desde já se declara.

Sempre se adiante que sempre claudicaria a pretensão da Autora, porquanto o referido nº 1 do artigo 153º da LTFP prevê uma mera possibilidade (e não um direito potestativo) a ascender à posição remuneratória imediatamente seguinte (neste sentido, Paulo Veiga e Mora e Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1º Vol., 2014, Coimbra Editora, pág. 462; Aleida Vaz de Carvalho, A relação jurídica de emprego público, 2021, Gestlegal, págs. 465 e seguintes).
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VI – Decisão:

Face a tudo quanto antecede, julga-se procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto administrativo e, consequentemente, absolve-se a Ré da instância.
(…)”.


A alteração da matéria de facto impõe, no entanto, decisão diversa da recorrida.

Nos termos das disposições combinadas do n.º 2 do artigo 53º e da alínea b) do n.º 3 do artigo 59º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, só se pode dar por verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto recorrido, por ser meramente confirmativo, se o primeiro acto foi devidamente notificado.

Ora no primeiro acto não é feita referência à Informação ..., na qual já estaria contida a fundamentação do acto impugnado, nem dos autos resulta que, por qualquer forma, a Recorrente tivesse já conhecimento do teor dessa informação quando foi notificada do primeiro acto.

Assim, só se pode concluir que apenas com o acto impugnado, de 26.01.2016, a Recorrente ficou a conhecer os fundamentos em que se baseou a Recorrida para atribuir a posição remuneratória que lhe atribuiu.

Pelo que não se pode concluir que o acto impugnado é meramente confirmativo de acto anterior consolidado na ordem jurídica.

O que impõe a revogação da decisão recorrida e, na não verificação da excepção, o prosseguimento dos autos para instrução e conhecimento do mérito da impugnação.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam improcedente a excepção de inimpugnabilidade do acto.

3. Ordenam a baixa dos autos para instrução e apreciação de mérito da impugnação.


Custas pela Recorrida.

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Porto, 19.05.2023


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre