Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00262/15.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/18/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:RUÍDO – DEVER DE FISCALIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – CULPA DO LESADO
Sumário:i – Das disposições conjugadas dos artigos 595º nº 1 alínea b) e 591º nº 1 alínea f) do CPC novo se o estado do processo não permitir, sem necessidade de mais provas, conhecer imediatamente do mérito da causa logo em despacho-saneador, com apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória e o processo dever prosseguir, deve o juiz na audiência prévia, e após debate, identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

II – Quando, numa ação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo, o réu, na sua contestação, alega factos destinados a consubstanciar a culpa do lesado, e a invoca como causa da exclusão ou redução da responsabilidade que lhe vem assacada, defende-se por exceção; mas se apenas contradiz a versão do autor, pugnando não ser responsável pelos danos invocados, designadamente por não lhe ser imputável qualquer facto ilícito e culposo, ou porque não se verifica o nexo de causalidade adequada entre o ilícito e os danos, defende-se por impugnação.

III – A culpa do lesado consubstancia matéria excetiva de conhecimento oficioso, como expressamente decorre do artigo 572º, in fine, do Código Civil, nos termos do qual “…o Tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada”.

IV – A obrigação quanto ao cumprimento dos limites máximos de ruído estabelecidos legalmente (cfr. artigos 11º e 13º do Regulamento Geral do Ruído) recai, obviamente, sobre a pessoa, singular ou coletiva, que leva a cabo a ação, desenvolve a atividade permanente ou temporária, ou detém o equipamento, estrutura ou infraestrutura que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se faça sentir o seu efeito, e constituí a fonte de ruído (cfr. artigo 3º alínea d)).

V – O que compete às entidades públicas no quadro das suas atribuições e competências é promover as medidas de carácter administrativo e técnico adequadas à prevenção e controlo da poluição sonora, nos limites da lei e no respeito do interesse público e dos direitos dos cidadãos, competindo em especial às autarquias locais, tomar todas as medidas adequadas para o controlo e minimização dos incómodos causados pelo ruído resultante de quaisquer atividades, incluindo as que ocorram sob a sua responsabilidade ou orientação (cfr. artigo 4º nºs 1 e 3 do Regulamento Geral do Ruído).

VI – Para a omissão ser juridicamente relevante, para efeitos da culpa do lesado, impunha-se a preexistência de um dever de atuação.

VII – Se não competia ao autor levar a cabo, ele próprio, a medição acústica, contratando os serviços de uma empresa acreditada para o efeito, não se pode retirar da circunstância de o não o ter feito qualquer omissão negligente.

VIII – haverá cabimento na imputação de responsabilidade por omissão da função fiscalizadora perante a verificação de um dano merecedor da tutela do direito sempre que forem violados deveres concretos de fiscalização e de cuja não atuação contribuiu para a produção desse dano.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:J.
Recorrido 1:MUNICÍPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso na parte em que é dirigido ao despacho interlocutório e Conceder provimento ao recurso na parte em que é dirigido à sentença recorrida.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

J. (devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o MUNICÍPIO (...) – na qual, peticionou a condenação deste a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a dezasseis mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, bem como de quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre aquela inconformado com a sentença datada de 20/06/2017 (fls. 710 SITAF) que julgando a ação parcialmente procedente condenou o réu MUNICÍPIO (...) a pagar ao autor a quantia de 750,00 €, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação, até efetivo e integral pagamento, interpôs o presente recurso de apelação (fls. 765 SITAF), que dirige àquela sentença e bem assim ao despacho interlocutório proferido pelo Mmº Juiz a quo em 12/12/2016 em sede de audiência prévia (vertido na respetiva ata, de fls. 254 SITAF), pelo qual foi indeferida a reclamação do autor no sentido de dever ser considerada como provada toda a matéria de facto alegada na petição inicial, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A
1. O recurso do despacho proferido na audiência prévia é tempestivo.
2. O réu não contestou um único facto dos alegados na PI. Apenas contesta os montantes peticionados, que considera exagerados.
3. Sobre os factos provados ou não, impugnados ou não, o despacho nada diz, pelo que sempre seria nulo.
4. O que também leva a crer que o tribunal achava que o autor tinha razão, mas não quis admitir o seu erro.
5. Assim, todos os factos contidos na PI desde o artigo 1º até ao artigo 80º, inclusive, devem ser dados como provados, nomeadamente os atrás constantes em III, factos que aqui se consideram reproduzidos, para todos os efeitos legais.
6. Foi violado o artigo 574º do CPC, que deveria ser interpretado no sentido de dar como provada toda a matéria de facto alegada na PI.
B
7. O tribunal admite a culpa do réu nas folhas 35 a 37, mas a seguir aligeira a culpa do réu sem tal matéria ter sido alegada ou discutida.
8. Uma carta não afasta a omissão de actuação.
9. A agilização do processo não competia ao autor lesado, mas ao Município, nos termos do artigo 4º do RGR, não tendo o autor qualquer obrigação de ele próprio pagar ou mandar proceder ao exame acústico.
10. Nem o tribunal nem o réu explicaram por que motivo a Câmara não recorreu a uma terceira empresa, se é que as há, sendo a Câmara que deveria, ela sim, recorrer a meios ou empresas privadas, se é que existem, não podendo onerar ou prejudicar o autor.
11. O réu não pode tirar vantagens da sua própria inércia ou omissão, diz o Tribunal Europeu, devendo dar o exemplo como órgão constitucional.
12. Interpretação contrária viola as regras da experiência, senso comum e lógica, é arbitrária, e como tal viola o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
13. "Não é de admitir que um município pretenda transferir para os particulares queixosos os custos de uma tarefa pública que lhe compete. A questão é de ordem pública e não apenas privada. Além do mais, fazer recair sobre os interessados o ónus da prova do ilícito, seria introduzir um factor de injustiça social extremamente penoso", conclui o Provedor de Justiça e assim deve considerar o tribunal.
14. Não fazia parte da matéria a discutir nem foi alegado nada quanto aos gastos que teria o autor com uma peritagem, nem se havia empresas desse sector, nem a Câmara informou quais eram, nem se discutiu por que o autor não mandou ele fazer a peritagem.
15. O autor não se pode defender desta sentença, que o prejudica ostensivamente e viola o direito ao contraditório e igualdade de armas, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
16. O tribunal tira partido contra o autor, prejudicando-o, pelo facto de também ter processado a dona do talho quando soube do resultado dos relatórios de medição acústica.
17. Porém, também tal matéria não foi discutida nos autos, não podendo o tribunal prejudicar o autor, por não ter sido alegada nem fazer parte dos temas de prova.
18. O autor não se pode defender desta sentença nessa parte, que o prejudica ostensivamente e viola o direito ao contraditório e igualdade de armas, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
19. Quanto a eventuais meios judiciais para fazer valer o direito do autor, o tribunal afirma que o autor tinha outros meios ao seu dispor. Mas, outra vez, tal matéria não foi discutida nos autos, não fazia parte dos temas de prova. Por isso, não se pode o autor defender dessa parte da sentença.
20. Adiantar-se-á também que os processos nos tribunais demoram 8, 10 e 15 anos, SÓ NA PRIMEIRA INSTÂNCIA, sendo ainda mais morosos e caros quando há perícias, facto que o tribunal ignorou.
21. Mais uma razão para escolher a via administrativa.
22. Vai-se para tribunal quando se tem provas técnicas e testemunhas e incomoda-se os vizinhos.
23. Isso podia ser discutido na acção e não foi. Não se pode, portanto, o autor defender.
24. Ao pretender obrigar o autor a ter de recorrer a outras vias, a sentença viola o artigo 6º nº 1, e o artigo 35º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, violando ostensivamente, os princípios da proporcionalidade, adequação, confiança legítima e as regras de convivência em sociedade.
25. Pois o autor escolhe os meios mais convenientes e adequados para o fim em vista, só sendo obrigado a escolher um dos meios, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu.
26. O tribunal puniu o autor por alegadamente ser “um advogado muito experiente” (sic) e por não ser um “homem médio” (sic), violando o princípio da igualdade e o princípio de um processo equitativo previstos no artigo 6º, nº 1 e 14 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e com tutela constitucional.
27. A referida concorrência de culpas do autor não foi discutida nos autos.
28. A culpa do lesado ou concorrência de culpas constitui uma excepção peremptória. E como tal, está sujeita ao ónus de impugnação pela parte contrária, e consequente direito a resposta/réplica.
29. A prova dos factos respectivos cabia ao réu por força do artigo 342, nº 2, e 572 do CC. Bem como pelo artigo 414 do CPC.
30. Nem se provou ou alegou que o autor tivesse de fazer o que quer que fosse.
31. Tinha a Câmara de alegar e provar que o autor tivera actuação culposa, nem sequer bastando um comportamento ilícito ou desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que nem sequer existe um dever jurídico de evitar a concorrência de danos para si próprio.
32. O artigo 570º do CC diz: “facto culposo do lesado” (sic)
33. O dano causador da obrigação de indemnizar resulta da omissão do réu e não da negligência do particular.
34. Não fazia parte da matéria a discutir, dos temas de prova, nem foi alegado ou contra-alegado nada quanto ao facto de o autor ter ou não informado ou dito ou feito sobre a possibilidade ou impossibilidade de ele próprio mandar fazer a peritagem.
35. Como não foi discutido, o autor nada pôde provar, não se pôde defender dessas surpresas.
36. O Tribunal escreveu na página 38 e sublinhado na sentença, no fim do terceiro parágrafo:” … E QUE OPORTUNAMENTE SERIA CONTACTADO PARA ESSE EFEITO.” (sic), sendo que no Dicionário da Academia consta o advérbio de modo oportunamente e diz que significa: “Carácter de que é oportuno, apropriado, EM DEVIDO TEMPO, ANTES QUE SEJA TARDE DEMAIS.” (sic)
37. O tribunal até deu como provado que o autor, de boa-fé, “confiava que a Câmara Municipal fosse ágil a fazê-lo.” (sic), pelo que o tribunal não podia tirar conclusões contra o autor.
38. A frase contida na página 39, “o autor nada disse ao réu, nem nada fez…” (sic) não resulta provada ou deixada de provar, não passando de uma frase sem suporte fáctico.
39. Assim, e mais uma vez, o autor não se pode defender desta sentença, que o prejudica ostensivamente e viola o direito ao contraditório e igualdade de armas, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem como viola o princípio da igualdade previsto no artigo 14 da Convenção.
40. Ao julgar com base em matéria não discutida nos autos violou o tribunal o disposto no princípio do dispositivo, o direito ao contraditório e igualdade de armas e o princípio e direito à igualdade e a um juiz imparcial, e isto na perspectiva da Revista da Ordem dos Advogados e segundo a jurisprudência do TEDH e dos tribunais nacionais, como atrás consta.
41. Esta é uma decisão surpresa que viola o direito ao contraditório e igualdade de armas previsto no artigo 6, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pois o autor não se pôde defender de forma eficaz.
42. Tudo atrás que o tribunal utilizou em detrimento do autor constitui excepção peremptória que deveria ser alegada pelo réu, da qual se defenderia o autor, provando ou contraprovando o que entendesse.
43. Cabe ao lesante provar a culpa do lesado se quiser beneficiar da redução ou diminuição da sua culpa, nos termos do art.º 570, n.1 do CC.
44. O Regulamento do Ruído transpõe directivas comunitárias obrigatórias e serve para protecção da saúde dos cidadãos, que também tem protecção constitucional e protecção no Código Civil, como direito de personalidade.
45. A fixação de uma indemnização miserabilista, sendo ofensiva e afrontosa, viola os artigos 3º, 6º, nº 1, e 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo um atentado ao respeito pelo princípio de um processo equitativo e ao direito à saúde e vida privada e familiar e ao domicílio e constitui um tratamento degradante.
46. A sentença é nula quanto às partes em que se pronuncia sem que o réu tenha alegado na contestação, e provado, a respectiva matéria de facto ou suscitado as respectivas questões.
47. Disposições violadas múltiplas vezes: princípios constitucionais da legalidade, igualdade, segurança jurídica, certeza do direito, proporcionalidade, adequação e confiança legítima, princípios do contraditório e igualdade de armas. E
48. Outras disposições legais violadas múltiplas vezes: Artigos 3º, 6º, nº 1, 8º, 14º e 35º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E artigos do CC: 342, nº 2, e 572 e 496º, 562º, 563º, 566º, 570º. E artigos 3º, 4º, 5º, 414º, 574º do CPC. E artigo 6º-A do CPA. E artigo 4º do RGR.
49. Que deveriam ser interpretados e aplicados no sentido de todas as conclusões anteriores, condenando-se o réu nos precisos termos da PI.
50. Pelo que deve revogar-se a sentença, dando total razão ao autor, fixando a indemnização/compensação em dezasseis mil euros, acrescida dos juros legais desde a citação.

O recorrido contra-alegou (fls. 833 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção seja do despacho proferido em sede de audiência prévia, seja da sentença, formulando a final o seguinte quadro conclusivo nos seguintes termos:

Do recurso do despacho proferido na audiência prévia de 12 de Dezembro de 2016
A. Basta uma leitura desatenta da Contestação para perceber que o Recorrido considera que a pretensão indemnizatória deduzida não tem fundamento e não deve proceder. Para tanto, a Contestação percorre os requisitos na responsabilidade civil do Estado e demais Entidades Públicas, fazendo uma análise da conduta dos serviços municipais e referindo – é verdade e assumido pelo Recorrente – que o valor da indemnização é claramente exagerado.
B. Como bem lembra Abílio Neto, “a ampla liberalização do ónus de impugnação, implementada pela reforma de 2013, reconduziu-o a uma função minimalista, porquanto, por um lado, o réu passou a estar obrigado a tomar uma posição clara apenas “sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”, ou sejam sobre os factos e razões de direito que servem de fundamento à acção, avaliados por um juízo de causa-efeito entre esses factos e o direito (casa de pedir) e o pedido, na lógica do autor (ou noutra lógica que o tribunal entenda adequada), e, por outro lado, a admissão por acordo dos factos instrumentais, ou seja, daqueles factos cuja função é penas probatória, sem que consubstanciem ou preencham directamente as pretensões jurídico-materiais do autor, embora deles se infira a existência dos factos principais, pode ser sempre afastada por prova posterior (nº 2 in fine), o mesmo é dizer que o acordo que recaiu sobre tais factos é sempre provisório, sujeito como está às contingências da prova, nomeadamente testemunha” Cfr. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, 2ª edição revista e ampliada, Janeiro /2014, Ediforum, pp. 625 e 626. , acrescentando ainda que “o cuidado e minúcia que antes caracterizavam uma contestação solidamente elaborada são substituídas por um articulado aligeirado, uma vez que o “centro de gravidade” foi deslocado para a audiência de julgamento” Cfr. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, 2ª edição revista e ampliada, Janeiro /2014, Ediforum, p. 626..
C. E esta alteração promovida pela reforma de 2013 é teleologicamente orientada e está intimamente relacionado com o fim dos quesitos e com o nascimento da delimitação do objecto do litígio e dos temas de prova, vindo dar a coerência necessária a alterações processuais que visam dar mais importância à descoberta da verdade material em detrimento de uma justiça mais formalista e atida a regras processuais mais rígidas.
D. O tribunal a quo interpretou correctamente E da única forma que, a nosso ver, o podia fazer, buscando sempre uma decisão judicial materialmente justa. as regras processuais e aplicou as normas jurídicas de acordo com as finalidades previstas pelo legislador, pelo que o despacho que indefere a reclamação não deverá merecer qualquer reparo ou censura, porquanto não é violador do disposto no artigo 574º do Código de Processo Civil.
E. Pelo exposto, deverá o recurso improceder quanto ao despacho proferido na audiência prévia de 12 de Dezembro de 2016, mantendo-se assim o mesmo na ordem jurídica.
Do recurso da sentença
F. Para atacar a sentença, que condena o Recorrido no pagamento do valor de EUR. 750,00, o Recorrente convoca um conjunto significativo de normas jurídicas (artigo 4º do Regulamento Geral do Ruído, artigos 3º, 6º, nº1, 8º, 14º, e 35º do Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigos 342º, nº 2, 572º, 496º, 562º, 563º, 566º e 570º do Código Civil, artigos 3º, 4º, 5º, 414º, 574º do CPC e artigo 6º-A do CPA), para além da violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, segurança jurídica, certeza do direito, proporcionalidade, adequação e confiança legítima, princípio do contraditório e igualdade de armas.
G. Não custa ao Recorrido reconhecer, como sempre o fez Nem poderia se de outra forma, uma vez que tal consta do processo administrativo., que entre a data da apresentação da denúncia - Dezembro de 2009 -, até à data em que foi realizada a medição acústica, em Setembro de 2013, passaram quase 4 anos, o que pode ser entendido - caso não se consulte o processo administrativo – que o Recorrido teve uma conduta negligente quanto à situação denunciada.
H. Primeira conclusão acerca da actuação dos serviços municipais: o Recorrido verificou que não tinha meios disponíveis para promover as medições acústicas, informou o munícipe (em Janeiro e Setembro de 2010), explicou as razões e deu conta de que ele próprio poderia promover uma medição e que tal seria válida na instrução do processo.
I. Desde Janeiro e Setembro de 2010, que o Recorrente “soube e conheceu das razões e fundamentos que o Réu lhe alegou de que não poderia prosseguir na realização da medição acústica, já que tinha outras situações pendentes em tratamento, e que o Réu tinha como boa, para efeitos de instrução da sua reclamação, uma medição quer fosse efetuada por uma empresa acreditada na área da medição de ruído” Cfr. fls 39 da sentença recorrida..
J. A reacção do ora Recorrente surgiu somente no dia 16 de Novembro de 2012 (mais de dois anos depois das comunicações do Recorrido), numa comunicação em que refere o ruído a partir do estabelecimento de talho, e que “… não se consegue dormir/descansar”.
K. Até efectuar uma medição de ruído – no ano de 2013 - houve instrução procedimental no âmbito da reclamação que o Recorrente apresentou ao Recorrido.
L. O Recorrente sabia das dificuldades e das faltas de meios dos serviços municipais em responder a estas questões, tendo igualmente conhecimento de que poderia agilizar o processo se mandasse fazer uma medição acústica, com lhe foi sugerido nos dois ofícios que o Recorrido lhe remeteu logo em 2010.
M. Por outro lado, o Recorrente é Advogado que conhece bem os seus direitos e as leis, e sabia que podia reagir judicialmente – tutela jurisdicional efectiva - contra a inércia administrativa. Mas também não o fez!
N. Tendo assim, com a sua inacção, contribuído para o agravamento do suposto e alegado prejuízo do seu descanso e do estado de stress e ansiedade que invoca.
O. Note-se que o Recorrente somente recorre aos tribunais em Janeiro de 2015, depois de ter o problema resolvido, isto é, depois do talho funcionar dentro dos limites legais de ruído Cfr. a este propósito fls. 44 e 45 da sentença recorrida..
P. Da certidão do processo nº 1908/15.4T8PRT, emerge desde logo, maxime da douta sentença lá proferida, que não se procedeu a uma análise crítica - factual e jurídica - do mérito da causa por parte do tribunal, uma vez que a Ré “não contestou validamente” Cfr. fls 1 da sentença que consta da certidão em apreço. e que o Recorrente pretende receber duas indemnizações derivadas dos mesmos alegados danos não patrimoniais.
Q. Por outro lado, da aludida certidão resulta ainda que o Recorrente invocou os mesmos factos para sustentar a sua pretensão indemnizatória, parecendo querer receber “a dois carrinhos” (note-se que até o valor do pedido indemnizatório nas duas acções é igual: € 16.000,00), existindo já existe na ordem jurídica uma sentença transitada em julgado que indemniza o Recorrente e compensa pelos danos não patrimoniais que vem reclamar neste pleito.
R. Ao contrário do que é preconizado pelo Recorrente, a sentença não viola princípios legais e constitucionais nem qualquer norma jurídica, tendo antes feito uma boa apreciação dos factos dados com provados e uma aplicação exemplar do direito aplicável.
S. Pelo exposto, a sentença proferida pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.
*
Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.

Os quais, após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) são, agora, submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA.

O presente recurso, que é interposto pelo autor, vem dirigido à sentença datada de 20/06/2017 (fls. 710 SITAF) que julgou apenas parcialmente procedente a ação condenou o réu MUNICÍPIO (...) a pagar ao autor a quantia de 750,00 €, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação, até efetivo e integral pagamento, e bem assim ao despacho interlocutório proferido pelo Mmº Juiz a quo em 12/12/2016 em sede de audiência prévia (vertido na respetiva ata, de fls. 254 SITAF), ao não ter considerado como provada toda a matéria de facto alegada na petição inicial e elencado os temas de prova com marcação de audiência final.
Importando, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as respetivas conclusões de recurso, apreciar e decidir se devem ser revogadas aquelas decisões recorridas, pelos fundamentos que lhe são apontados.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1 - O Autor reside numa fração do prédio em propriedade horizontal, de que é proprietário, sito na Rua (…), há cerca de 30 anos e desde a sua construção, com a sua família, onde recebe amigos e visitas, aí fazendo o seu lar e domicílio, aí habitando, aí comendo, dormindo e repousando – Cfr. fls. 129 e 130 dos autos em suporte físico; facto admitido por acordo;
2 - No rés-do-chão do edifício onde mora, no n.º 681 da mesma rua (…), há mais de 10 anos, está instalado um estabelecimento de comércio de carnes chamado “Talho S.”, cuja instalação foi aprovada pela Câmara Municipal (...), que tem alvará sanitário com o n.º 8452, emitido para o local em 07 de janeiro de 1982, e averbado em nome da atual proprietária desde 15 de maio de 2003 – Cfr. fls. 132 e 133 dos autos em suporte físico; Cfr. fls. não numeradas do Processo Administrativo;
3 – No dia 22 de dezembro de 2009, o Autor enviou uma carta à Câmara Municipal (...) – Cfr. fls. 1 do Processo Administrativo -, depois de ele e os moradores do prédio com entrada pelo n.º 683 e das portas “D” se queixarem do ruído nocturno feito por um compressor de aparelho frigorífico, a qual, carta, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“[…]
Exmos. Senhores
Moro na Rua (…).
Sucede que todos os moradores deste número e das portas D, se queixam do ruído nocturno feito por um compressor de aparelho frigorífico. Na verdade, no rés-do-chão (n° 681) existe um talho com frigorífico incorporado na parede (Talho S.).
Já falei com a gerência do talho e me queixei várias vezes. Quando desligam o aparelho não há barulho ou ruído, o que prova que o barulho e o ruído provêm do compressor do frigorífico.
A verdade é que não se consegue dormir/descansar. O aparelho arranca e desliga, de x em x minutos, impedindo de adormecer quem estava quase a adormecer.
Hoje, dia 22/12/2009, ou seja de 21 para 22, o aparelho esteve ligado toda a noite até às 8 horas da manhã, não se conseguindo dormir.
Assim, solicito tomem as medidas adequadas com vista à resolução do assunto.
Com os melhores cumprimentos,
Subscrevo- me
(J.)
4 - Nesse mesmo dia, a Câmara Municipal (...), através do Departamento do Ambiente (Ecolinha) acusou a recepção da participação e informou o Autor de que a mesma tinha sido registado com o n.º 122271/09/CM_ e encaminhada para o serviço responsável (Gabinete do Ambiente/Ruído) para análise do processo – Cfr. fls. 67 dos autos em suporte físico;
5 - No dia 15 de janeiro de 2010, o Autor enviou uma carta registada com aviso de recepção à proprietária do Talho S., com conhecimento à Administração do Condomínio, à Câmara Municipal (...) e à Polícia Municipal (...) - Cfr. fls. 69 dos autos em suporte físico -, a qual, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“Exmos Senhores
D. A. e marido a/c: Talho S.
Rua (…)
- c/Conhecimento à Administração do Condomínio
- c/Conhecimento à Câmara Municipal (...) (Registo n° 122271109/CM_)
- c/Conhecimento à Polícia Municipal (...)
Carta registada com A/R
Porto, 15/01/2010
Exmos Senhores,
Apesar das queixas do barulho/ruído que fazem as máquinas do vosso talho, a verdade é que deixam de noite a aparelhagem ligada perturbando o sossego e sono dos vizinhos do n° 683, letras D. O barulho do vosso sistema de refrigeração liga e desliga de 3 em 3 minutos, e, ligado, faz um barulho que impede que os cidadãos que trabalham possam descansar e dormir. Pelo contrário, V. Exas desligam a aparelhagem durante o dia.
No dia 29/12/2009 chamei a Polícia Municipal, através dos senhores Agentes M. e P., que verificaram in loco o barulho da vossa maquinaria, ouvido no 3° andar às 23:00 horas.
No dia 06/01/2010 pelas 09:30 horas os mesmos chamaram a vossa atenção para o facto.
Os administradores já verificaram que o vosso sistema de refrigeração da carne faz imenso barulho ouvido até no 5° andar.
Caso V.Exas não resolvam o vosso problema de imediato, as pessoas que moram no 3° andar D irão pedir uma indemnização a VExas por cada dia que não consigam dormir por causa do barulho vindo do vosso talho, sem prejuízo do mais que consta da lei.
Na verdade, VExas ficaram de desligar a aparelhagem entre as 22:00 e as 08:00 horas, o que não cumpriram.
Com os melhores cumprimentos,
Subscrevo-me
(J.)”
6 - O Gabinete do Ambiente da Câmara Municipal (...) enviou ao Autor um ofício, datado de 18 de janeiro de 2010, sobre o assunto: “Reclamação por incomodidade sonora resultante do funcionamento do Talho sito na Rua (…)” - Cfr. fls. 77 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
Exmo.(a)s Sr.(a)s
J.
Rua (…)
Assunto: Reclamação por incomodidade sonora resultante do funcionamento do Talho sito na Rua de (...)
Sobre o assunto referido em epígrafe, cumpre-nos informar que estes serviços recepcionaram a reclamação apresentada por V. Ex.", relacionada com o ruído proveniente do funcionamento de equipamentos do estabelecimento supracitado.
A situação em análise é passível de ser alvo de avaliação acústica, contudo, tendo em conta a existência de outros processos de reclamação anteriores que aguardam a realização do respectivo ensaio, neste momento não é possível o agendamento imediato de qualquer medição. Logo que exista possibilidade, o Gabinete do Ambiente entrará em contacto com V. Ex." de forma a promover a despistagem necessária à verificação do cumprimento dos limites sonoros constantes na alínea b), ponto 1 do art. 13° do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro e, nesta medida dar seguimento do processo de reclamação.
Caso pretenda V. EX.a agilizar a instrução processo poderá, querendo, recorrer aos serviços de uma empresa preferencialmente acreditada na área da acústica, para promoção da medição acústica, que será tida como válida na instrução do processo de reclamação.
Face ao exposto, qualquer esclarecimento adicional, deverá ser solicitado junto do Gabinete do Ambiente Núcleo do Ruído - n.º de telefone: (…)
Com os melhores cumprimentos.
A Directora Municipal de Ambiente e Serviços Urbanos
(G.)

7 - A Divisão Municipal de Gestão Ambiental da Câmara Municipal (...) enviou ofício ao Autor, datado de 02 de setembro de 2010 - Cfr. fls. 78 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“[...]
Assunto: Reclamação Por incomodidade sonora de ruído proveniente do funcionamento do estabelecimento designado por "Talho S." sito na Rua de (...)
Sobre o assunto referido em epígrafe, cumpre-nos informar que estes serviços recepcionaram uma reclamação com o registo n: 122285/09/CM_, que corresponde a uma reclamação apresentada por V. Ex.". relacionada com o ruído proveniente do funcionamento do estabelecimento referido em epígrafe.
Não obstante o ponto de situação já efectuado pelo oficio (ref. 1/7691/10/CM_), não foi ainda possível a estes serviços proceder ao agendamento da medição acústica, por motivos que se prendem com a resolução de situações pendentes com entrada nestes serviços anterior à sua reclamação, pelo que logo que nos seja possível será V. EX.a contactada pela Divisão Municipal de Gestão Ambiental, para marcação da medição acústica.
Caso pretenda V. EX.a agilizar a instrução processo poderá, caso entenda, recorrer aos serviços de uma empresa preferencialmente acreditada na área da acústica, para promoção da medição acústica, que será tida como válida na instrução do processo de reclamação.
Com os melhores cumprimentos.
Pel' Directora Municipal de Ambiente e Serviços Urbanos (Ordem de Serviço nº I/104828/1O/CM_)
(F. Eng.)

8 - No dia 06 de setembro de 2010, o Autor participou os factos já comunicados à Câmara Municipal (...), à ASAE, por fax e e-mail - Cfr. fls. 80 dos autos em suporte físico -, que por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“À
ASAE
Fax (…)
Correio.xxxx.@asae.pt
[...]
Moro na Rua (…).
Sucede que todos os moradores deste número e das portas D, se queixam do ruído nocturno feito por um compressor de aparelho frigorífico. Na verdade, no rés-do-chão (nº 681) existe um talho com frigorífico incorporado na parede (Talho S.).
Já falei com a gerência do talho e me queixei várias vezes. Quando desligam o aparelho não há barulho ou ruído, o que prova que o barulho e o ruído provêm do compressor do frigorífico.
A verdade é que não se consegue dormir/descansar. O aparelho arranca e desliga, de x em x minutos, impedindo de adormecer quem estava quase a adormecer.
Há pessoas que têm de tomar medicamentos para dormir por causa do barulho do compressor do talho.
Assim, solicito tomem as medidas adequadas com vista à resolução do assunto.
Com os melhores cumprimentos,
Subscrevo-me
(J.)”
9 - No dia 12 de novembro de 2012, foi publicado no site do Jornal Público (www.publico.pt) o artigo que por ter interesse para a decisão a proferir – Cfr. ponto 20 da Petição inicial -, para aqui se extrai como segue:
Câmaras não têm os meios para fiscalizar o ruído
12.11.2012 - 23:50 Por A.
Na Praça (…), a noite celebra-se com gente e ruído (P.)
A maioria dos municípios portugueses não dispõe de meios humanos e técnicos que permitam realizar medições acústicas e fiscalizar as queixas relacionadas com ruído. A conclusão consta de um inquérito, realizado pelo provedor de Justiça, onde é defendida a utilização de mais meios e a aprovação de legislação mais dura na fiscalização do ruído.
Dos 244 municípios que responderam ao inquérito, 86,5% reconheceram não ter meios humanos e técnicos para realizar medições de ruído: falta pessoal formado e equipamentos, como os sonómetros, que fazem a medição dos níveis de ruído
Para o provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, o número de autarquias que declara não ter meios é difícil de entender, uma vez que, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), nos últimos anos, 188 municípios foram apoiados financeiramente
tendo em vista a aquisição de equipamentos de medição de ruído.
No inquérito, no entanto, apenas 52 dos municípios declaram ter beneficiado de apoios da administração central. E há mesmo 20 autarquias que dizem ter beneficiado de apoios públicos mas que, mesmo assim, não dispõem nem de equipamentos nem de técnicos qualificados para fazer as medições, algo que no relatório do provedor de Justiça é considerado incompreensível.
Uma parte significativa dos municípios recorre a entidades externas para realizar as medições acústicas e muitas vezes os custos dos serviços são imputados aos munícipes. Nalguns casos, é exigido que o próprio apresente as medições do ruído, provando a violação da lei e o prejuízo para a tranquilidade pública; noutros casos, poder-lhe-á ser apresentada para cobrança a própria nota de honorários da entidade que prestou o serviço ao município.
Nas autarquias que exigem o pagamento de cauções e taxas, os montantes variam entre 30 e 500 euros, uma situação que o provedor considera inaceitável. "Não é de admitir que um município pretenda transferir para os particulares queixosos os custos de uma tarefa pública que lhe compete. A questão é de ordem pública e não apenas privada. Além do mais, fazer recair sobre os interessados o ónus da prova do ilícito, seria introduzir um factor de injustiça social extremamente penoso", conclui o relatório, que considera razoável que se cobre uma taxa de valor reduzido para financiar o serviço.
Segundo o provedor, a formação de pessoal e a aquisição de sonómetros são de "máxima utilidade" para que as autarquias assegurem a fiscalização. Mas, face ao reduzido número de funcionários e meios, e em tempos de aperto financeiro, a Provedoria sugere a cooperação entre municípios vizinhos ou associações municipais na utilização destes meios.
Para colmatar as deficiências identificadas na fiscalização do ruído, o gabinete do provedor de Justiça promete apresentar um caderno de boas práticas a enviar a todos os municípios, bem como formular uma série de sugestões de alterações legislativas ao Governo. O relatório sugere, por exemplo, que o Regulamento Geral do Ruído contemple expressamente a possibilidade de as câmaras poderem determinar o encerramento urgente de um estabelecimento, a interdição de actividade ou a restrição de horário em caso de prejuízo da tranquilidade pública e que o reinício da actividade
esteja dependente da realização de provas técnicas.
O relatório foi originado pelo elevado número de queixas recebidas pelo provedor que protestavam contra a passividade das autoridades em situações de poluição sonora. O relatório estará em consulta pública até 15 de Dezembro e dará origem a um manual de boas práticas que será distribuído por todos os 308 municípios
Restauração e entretenimento motivam queixas
Por cada duas queixas relacionadas com a área do ambiente que são recebidas na Provedoria de Justiça, uma relaciona-se com o ruído. Em 2011, o gabinete do provedor José Alfredo de Sousa recebeu 80 queixas relacionadas com problemas de barulho e a maior parte (38 casos) relaciona-se com o barulho produzido por restaurantes, bares e discotecas instalados em edifícios residenciais e sem isolamento.
Os bares no Bairro Alto, em Lisboa, os estabelecimentos nocturnos no centro do Porto, mas também de Vila Real e Braga, são alguns dos casos que têm gerado mais queixas junto do provedor de Justiça.
Para além dos estabelecimentos nocturnos, o tráfego rodoviário e o ruído de vizinhança doméstica são outras das razões que estão no topo das queixas relacionadas com ruído. Mas também há motivos mais improváveis como cabeleireiros, ginásios, oficinas de automóveis, simples equipamentos para espantar aves ou alarmes de passagens de níveis.
http://www.publico.pt/Local/camaras-nao-tem-os-meios-para-fiscalizar-o-ruido-1572212?all=1”
10 - No dia 16 de novembro de 2012, o Autor enviou à Câmara Municipal (...) – Gabinete do Ambiente – Núcleo do Ruído, por fax, uma nova exposição dos factos relacionados com o ruído provocado pelos compressores do aparelho frigorífico instalados no Talho S. - Cfr. fls. 82 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“[…]
ASSUNTO: Poluição sonora provocada pelo compressor/frigorífico no Talho S., (…)
Exmos Senhores,
Moro na Rua (…).
Apesar das queixas que vos foram dirigidas, nada fizeram para resolver o ruído do talho durante a noite.
O talho acabou de fazer obras e o barulho aumentou.
Sucede que todos os moradores deste número e das portas D, se queixam do ruído nocturno feito por um compressor de aparelho frigorífico. Na verdade, no rés-do-chão (nº 681) existe um talho com frigorífico incorporado na parede (Talho S.).
Já falei com a gerência do talho e me queixei várias vezes. Quando desligam o aparelho não há barulho ou ruído, o que prova que o barulho e o ruído provêm do compressor do frigorífico.
A verdade é que não se consegue dormir/descansar. O aparelho arranca e desliga, de x em x minutos, impedindo de adormecer quem estava quase a adormecer.
Há pessoas que têm de tomar medicamentos para dormir por causa do barulho do compressor do talho.
Assim, solicito tomem as medidas adequadas com vista à resolução do assunto.
Caso nada façam, serão responsabilizados nos termos da lei.
Anexo 14 documentos da correspondência anterior.
Com os melhores cumprimentos,
Subscrevo-me
(J.)

11 - Nas assembleias-gerais ordinárias do Condomínio da rua de (…), realizadas nos dias 08/01/2010, 17/01/2011 e 13/01/2012, 14/01/2023 e 10/01/2014, e 12/01/2015, o Autor alertou a Assembleia de condóminos para o facto de haver ruído nocturno e incomodativo que o impede de dormir, ruído esse provocado pelos compressores das arcas frigoríficas do talho sito no n.º 681, solicitando à administração do condomínio no sentido de tomar providências para que o problema fosse solucionado. - Cfr. fls. 84 a 87 dos autos em suporte físico.
12 - Pelo ofício datado de 22 de novembro de 2013, o Autor foi notificado pela Direcção Municipal de Protecção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos do teor do Relatório de ensaio – Medição dos Níveis de Pressão Sonora-Critério de Incomodidade, efectuado pelo Laboratório de Ruído da Câmara Municipal (...) e emitido em 04 de setembro de 2013, aí se concluindo que no talho não se verifica a conformidade da situação específica de ruído com os limites estabelecidos na lei - Cfr. fls. 90 a 100 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“[…]
Assunto: Reclamação por incomodidade sonora resultante do funcionamento dos equipamentos de frio do Talho S. sito na Rua de (...).
Sobre o assunto referido em epígrafe, cumpre-nos informar que na sequência do ensaio acústico, realizado na residência de V. Ex.a para avaliação da incomodidade sonora, nos dias 4,5,17 de Julho e 23 de Agosto, foi efectuado o relatório de ensaio n° ReLA.13.09.021, cuja cópia se anexa. Tendo resultado do mesmo a constatação da violação dos limites estabelecidos na alínea b) do ponto 1 do art. 13.° do Decreto-Lei n." 9/2007, de 17 de Janeiro.
O incumprimento detetado através deste ensaio consubstancia níveis de ruído violentos para a saúde humana pelo facto de exceder os limites legais em 5 dB(A).
Nestas circunstâncias o responsável pelo estabelecimento vai ser notificado no sentido de adoptar medidas eficazes que garantam a cessação do incómodo gerado, sob pena de ser ponderada a aplicação de medida cautelar de encerramento do estabelecimento, até que sejam evidenciados esforços na resolução do problema.
Acresce ainda referir que a constatação da violação dos limites legais previstos no Regulamento Geral do Ruído vai dar lugar a processo contra-ordenacional.
Com os melhores cumprimentos.
A Diretora Municipal de Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos
(G., Dra)”
13 - No dia 17 de fevereiro de 2014, o Réu dirigiu correspondência ao Autor, por correio eletrónico - Cfr. fls. 109 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“Exmo. Senhor Doutor J.,
Conforme conversa telefónica estabelecida com estes serviços e tendo V. Exa. comunicado que após a intervenção efectuada a incomodidade sonora se reduziu substancialmente, sendo que neste momento não se sentirá incomodado, vimos por este meio comunicar que o processo irá ser arquivado.
Ressalva-se contudo a possibilidade de se ponderar a realização de uma medição acústica, caso surjam novas situações de incomodidade.
Nestas circunstâncias, estes serviços irão proceder ao arquivo do processo de reclamação, podendo V. Exa., caso entenda, pronunciar-se para efeitos de audiência prévia, nos termos do art.º 100 e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, nos 10 dias úteis após recepção deste ofício.
Com os melhores cumprimentos.
A Diretora Municipal de Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos
(G., Dr.ª)”

14 - Nessa sequência, face à sua notificação para audiência prévia, e como o ruído continuava, em 17 de fevereiro de 2014, o Autor dirigiu à Câmara Municipal nova comunicação - Cfr. fls. 109 dos autos em suporte físico -, que por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“[...]
Oponho-me ao arquivamento tout court. Com efeito, continuo a ouvir os motores mais distantes. Sugiro novas medições quando o tempo aquecer.
O talho deve proceder ao isolamento/insonorização total de modo a ninguém ter de ouvir ruídos ou sinais de motores ou frigoríficos. Mesmo que menos intensos.
Pretendo consultar o processo para a audiência prévia.
Cumprimentos.
J.

15 – No dia 09 de junho de 2014, no seio do Réu, foi elaborada informação circunstanciada traçando o historial da reclamação apresentada pelo Autor junto do Réu, assim como das intervenções levadas a cabo pela proprietária do estabelecimento comercial de talho, tendo a final sido proposta a realização de nova medição acústica para aferir de melhoria da situação de incomodidade sonora, tendo por referência as medidas de insonorização implementadas – Cfr. fls. 184 a 187 do Processo Administrativo;
16 - No dia 18 de maio de 2014, o Autor dirigiu à Câmara um mail - Cfr. fls. 112 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“Ex.mos Senhores,
O talho continua a produzir mais barulho que antes.
Está a ficar insuportável dormir no local.
Se nada fizerem, tenho de fazer actuar o tribunal.
Obrigado.
J.”

17 - No dia 12 de maio de 2014, o Autor comunicou à Câmara Municipal que o ruído ainda era maior e que não podia dormir com esse ruído - Cfr. fls. 116 dos autos em suporte físico -, cuja comunicação, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“Ex.mos Senhores,
O talho continua a produzir mais barulho que antes.
Está a ficar insuportável dormir no local.
Se nada fizerem, tenho de fazer actuar o tribunal.
Obrigado.
J.”

18 - No dia 13 de maio de 2014, o Autor tornou a enviar uma mensagem por correio eletrónico ao Réu - Cfr. fls. 118 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“Ex.mos Senhores,
Mais uma noite que fui acordado pelas quatro da manhã pelo barulho do talho e não mais consegui dormir.
Se nada fizerem, tenho de fazer actuar o tribunal.
Obrigado.
J.”

19 - No dia 14 de maio de 2014, o Autor tornou a dirigir ao Réu um novo mail - Cfr. fls. 121 dos autos em suporte físico -, cujo teor, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai como segue:
“Ex.mos Senhores,
O barulho é pior que antes.
Solicito me informem que medidas tomaram.
Já não aguento mais.
Até a minha esposa é incomodada, ela que dorme como um sino.
Tudo isto é para levar ao conhecimento dos tribunais para exigir responsabilidade civil à Câmara e aos donos do talho.
14/05/2014
J.”

20 - O ruído do compressor do talho perdurou até o Autor e a família irem de férias de Verão em 2014, tendo o mesmo constatado que a proprietária fez obras para reduzir o nível do ruído – facto admitido por acordo;
21 - A proprietária do talho fez obras de insonorização/redução do ruído produzido pelos equipamentos, e nessa sequência, o Réu efectuou nova medição de ruído, tendo elaborado relatório, datado de 29 de outubro de 2014, onde se concluiu que o ruído atinge 24 dB(A), é valor inferior ao limite de 27 dB (A), e assim, que os limites de ruído constatados não traduzem incomodidade – Cfr. fls. 201 a 212 do Processo Administrativo;
22 - O Autor tem pressão arterial alta, tomando medicamentos para o efeito - Cfr. fls. 134 a 153, 158 e 159, e 526 dos autos em suporte físico; ainda nos termos das declarações prestadas pelo Autor em Audiência final, que assim declarou; porém, não resultou provado, de forma cabal, que a tensão arterial de que padece o Autor e para o que toma medicação que lhe é prescrita por médico, seja adveniente, ou tenha origem no ruído produzido pelos equipamentos em funcionamento no estabelecimento comercial de talho, pois que a denúncia do mal funcionamento do talho, junto do Réu, ocorreu em 22 de dezembro de 2009. Como assim referiu a mulher do Autor em Audiência final, F., desde os anos de 2006/2007, que o Autor “tinha problemas para dormir, pois tinha um sono sobressaltado, e que qualquer ruído o fazia acordar, acordando irritado, com um sono de má qualidade, indo irritado para o trabalho e que desenvolveu a tensão alta, com tonturas”. Mais referiu esta testemunha, que ultimamente o seu marido, aqui Autor, “dorme muito bem, porque o problema com o ruído acabou desde 2015 e 2016”, e que “desde 2008 que [o seu marido] toma comprimidos para a tensão arterial (Nebivolol), e que é ela que lhos compra”. Referiu ainda esta testemunha, “não saber se a tensão arterial alta foi desenvolvida a partir do ruído produzido pelas máquinas, mas que não sendo na atualidade a tensão tão alta, que o seu marido continua a tomar a medicação.”
23 - O Autor é advogado desde 31 de março de 1978, e tem 64 anos, tendo nascido a 04 de janeiro de 1953, tendo-lhe o barulho/ruído decorrente do funcionamento do talho causado desgaste a nível físico e psicológico, vivendo com ansiedade, irritação e cansaço, e mais dificuldade no trabalho, e há pelo menos seis anos que se mostra cansado, por dormir menos – Facto admitido por acordo; Cfr. ainda fls. 144 e 146 dos autos em suporte físico; todavia, em face do teor do depoimento prestado pela testemunha M., que foi funcionário do Autor no seu escritório de advogado, não conseguimos formar convicção segura de que o Autor não conseguia adormecer. Efetivamente, e pese embora o conhecimento indirecto que esta testemunha tem da factualidade em apreço, por lhe ter sido contada pelo Autor, e por vivenciar o dia-a-dia do Autor no seu local de trabalho, e também por durante o dia se ter deslocado a casa do Autor, a mesma [testemunha] começou por dizer em Audiência final, que “o Autor chegava stressado ao escritório, porque não conseguia dormir, e que a partir da hora que o compressor iniciava o seu funcionamento, às 05,00 horas – como assim frisou –, que o Autor deixava de poder dormir, e que por não dormir [tendo depois referido não se recordava bem da hora em que o Autor deixava de dormir], estava de mal humor, de tensão alta, e que via a tensão pelos documentos que o Autor tinha de escrever durante o dia.” Ou seja, e como também assim havia deposto a mulher do Autor, como julgamos, o Autor tinha um sono de má qualidade, que por experiência de vida, pode ter origem em vários factores, endógenos e exógenos, pois para além do mais, acordando às 05,00 horas [e não se provou que assim ocorresse – acordar a essa hora -, todos os dias da semana] com o barulho do motor do compressor do talho, não resultou todavia cabalmente provado, que o Autor tivesse dificuldade em adormecer e em dormir. Referiu ainda o Autor, em sede de declarações prestadas a final da Audiência final, “que tem aversões a químicos para dormir, e que se estiver 2 ou 3 dias sem dormir, que habitualmente toma paracetamol, e que admite ter tomado paracetamol até meados de 2015”. Porém, tendo o Autor querido demonstrar [o que não logrou provar], que a sua tensão alta se iniciou com o ruído produzido pelos equipamentos em funcionamento no talho, e que por isso, a partir de 2009 teve de passar a tomar Nebivolol, tendo para o efeito junto algumas prescrições médicas com essa medicação, já quanto à alegação de que quando tem dificuldade em dormir, que toma paracetamol, o Autor, para prova dessa prescrição [e sem saber o Tribunal se ocorreu a sua aquisição] juntou um receituário emitido em 21 de Setembro de 2014, de onde se extrai que lhe foi prescrito, nessa data, esse princípio ativo medicamentoso, em 30 unidades, quando declarou admitir ter tomado essa medicação até meados de 2015, sem nunca ter recorrido a uma consulta médica especificamente por causa da sua qualidade de sono, e que nunca um médico lhe prescreveu ansiolíticos. Mas porque consta dos autos [Cfr. fls. 142 dos autos em suporte físico], que nessa mesma data, em 21 de Setembro de 2014, uma médica lhe receitou Diazepam 10mg, que é um ansiolítico/relaxante muscular, quando confrontado com esta factualidade, o Autor referiu que tal lhe foi prescrito no contexto de um dor cervical, sendo que, por experiência de vida, se assim foi, também o único paracetamol, assim como o ibuprofeno que lhe foram prescritos, nesse mesmo dia 21 de Setembro de 2014, visavam atenuar a dor nessa parte do corpo, e não como assim declarou o Autor, e que assim não se convenceu o Tribunal, de que o paracetamol lhe foi prescrito, ou que o tomava por ter dificuldades em dormir.
24 - No dia 22 de janeiro de 2015, o Autor intentou acção declarativa cível comum contra a proprietária do talho, que correu termos sob o Processo n.º 1908/15.4T8PRT, no Tribunal judicial da comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto – Juiz 7 - Cfr. fls. 264 e 348 dos autos em suporte físico.
25 - A proprietária do talho foi citada nesse Processo, mas não deduziu Contestação, tendo em 04 de fevereiro de 2016 sido proferida douta sentença, pela qual a mesma [proprietária] foi condenada a pagar ao Autor, designadamente, a quantia de 16.000,00 euros a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, a adotar as condutas necessárias à insonorização/isolamento do talho, assim como a pagar ao Autor a sanção pecuniária compulsória de 100,00 euros, por cada dia que passe em que os equipamentos se mantenham a produzir ruído, a partir da data do trânsito em julgado da sentença – Cfr. certidão emitida pelo Tribunal judicial da comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto – Juiz 7, constante de fls. 264 a 528 dos autos em suporte físico.
26 – O Autor nunca pensou em intentar a acção judicial contra a proprietária do talho, logo no ano de 2009, e aí requerer a realização de medição do ruído, em sede de prova pericial, porque confiava que a Câmara Municipal fosse ágil a fazê-lo – Nos termos das declarações prestadas pelo Autor em Audiência final, que assim possibilitou formar a nossa convicção, como vertido neste item.
27 - Dão-se aqui por integralmente reproduzidos, os documentos enunciados na matéria de facto assente supra.
28 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido, o teor do Processo Administrativo junto aos autos pelo Réu.
29 - A Petição inicial que motiva os presentes autos, deu entrada neste Tribunal em 21 de janeiro de 2015 - Cfr. fls. 3 dos autos em suporte físico.

E julgou como não provado o seguinte:
A – Que os ruídos produzidos pelo funcionamento do estabelecimento comercial de talho, impedissem a sua família de descansar, e que o stresse passava para os familiares e para aqueles que interagem com o Autor.
**
B – De direito

1. Das decisões recorridas
O autor dirige o presente recurso à sentença datada de 20/06/2017 (fls. 710 SITAF) que julgou apenas parcialmente procedente a ação condenou o réu MUNICÍPIO (...) a pagar ao autor a quantia de 750,00 €, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação, até efetivo e integral pagamento, e bem assim ao despacho interlocutório proferido pelo Mmº Juiz a quo em 12/12/2016 em sede de audiência prévia (vertido na respetiva ata, de fls. 254 SITAF), pelo qual foi indeferida a reclamação do autor no sentido de dever ter sido considerada como provada toda a matéria de facto alegada na petição inicial.
Nada obstando à apreciação do recurso nesta sua dupla dimensão, vejamos, então, se procedem, ou não, os seus fundamentos.

2. Do recurso dirigido ao despacho interlocutório proferido em sede de audiência prévia
2.1 O autor instaurou a presente ação administrativa comum em 21/01/2015 e nela peticionou a condenação do réu MUNICÍPIO (...) a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a dezasseis mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, bem como de quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre aquela.
Fundou aquele pedido na imputação de responsabilidade ao MUNICÍPIO (...), por omissão de ação no que respeita ao ruído gerado pelo estabelecimento de comércio de carnes chamado “Talho S.”, instalado num prédio em propriedade horizontal, sito na Rua (...), onde o autor reside, nos termos e pelos fundamentos que expôs ao longo da Petição Inicial.
O réu MUNICÍPIO (...) contestou (fls. 206 SITAF) a ação.
E o Mmº Juiz a quo convocou audiência prévia tendo em vista os fins previstos no artigo 591.º, n.º 1, alíneas a), b), c) d), e), f) e g), do CPC (cfr. despachos de 07/09/2016 e de 04/10/2016 – fls. 229 e fls. 246 SITAF), a qual se realizou em 12/12/2016 (cfr. respetiva ata - fls. 254 SITAF).
Nela, entre o demais, definiu o objeto do litígio nos seguintes termos: «Apreciar e decidir a invocada responsabilidade civil do Réu, a título de danos de natureza não patrimonial, decorrentes da omissão de agir que o Autor assaca ao Réu, assim como o correspondente dever de indemnizar, pelos valores reclamados pelo Autor».
E enunciou do seguinte modo os temas da prova: «Quanto aos Temas da Prova, são os seguintes:
a) Apreciar sobre o modo e termos de funcionamento do estabelecimento comercial de talho, sito na rua de (...).
b) Apreciar dos termos da reclamação por incomodidade sonora apresentada pelo Autor junto do Réu, decorrente do funcionamento do referido estabelecimento comercial, e do âmbito de atuação do Réu, no período compreendido entre 22/12/2009 e 29/10/2014.
c) Que tipo de danos se manifestaram na esfera jurídica do Autor, durante esse período.
d) Aferir dos termos e pressupostos determinantes da efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Réu por actos ilícitos.
e) Aferir do quantum indemnizatório a que o Autor tenha direito.»
Dada ali palavra aos ilustres mandatários para se pronunciarem quanto ao objeto do litígio e temas da prova, o autor disse o seguinte: “O Autor não concorda com o exposto supra, porquanto tudo está provado, dado que o Réu não contestou nem um único facto, assim, os factos alegados pelo Autor se consideram provados; o Réu só contesta o montante da indemnização. Assim, a marcação de uma audiência de julgamento torna-se absolutamente inútil donde, se for o caso, terá o Autor de interpor recurso do despacho.”.
Por seu turno o ilustre mandatário do réu disse o seguinte: “O Réu MUNICÍPIO (...) concorda com o objeto do litígio e com os temas da prova propostos. Quanto ao mais, entende como essencial que se abra um período de prova, na medida em que da contestação oportunamente apresentada, se manifesta a ausência de direito que o Autor vem reclamar.”.
Após o que o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Em face do que alegou o Autor e bem assim o senhor Mandatário do Réu, nos termos e pelos pressupostos por nós enunciados nos temas da prova, julgamos que os autos carecem de instrução adicional, porquanto, depois de cotejada a Petição inicial e, de resto, em face do pedido enunciado no final da contestação, o Réu conclui não ter havido pela sua parte qualquer omissão dos seus deveres, e também, que não se encontram preenchidos os pressupostos determinantes da efetivação da responsabilidade civil extracontratual, como assacado pelo Autor ao Réu.”.
2.2 O autor, aqui recorrente, sustenta, nos termos que expõe no recurso e reconduz às respetivas conclusões 1ª a 6ª, que o réu não contestou um único facto dos alegados na PI, tendo apenas contestado os montantes peticionados, que considera exagerados; que sobre os factos provados ou não, impugnados ou não, o despacho nada diz, pelo que sempre seria nulo, que também leva a crer que o tribunal achava que o autor tinha razão, mas não quis admitir o seu erro; que, assim, todos os factos contidos na PI desde o artigo 1º até ao artigo 80º, inclusive, devem ser dados como provados, nomeadamente que:
1. O réu teve conhecimento das atas do condomínio em que o autor se queixa do ruído do compressor e aparelhos frigoríficos do talho conforme consta do dossier administrativo.
2. O réu nada fez para obrigar a dona do talho a eliminar o ruído até 22/10/2014, bem sabendo que o ruído perturbava gravemente a saúde, sono e sossego do autor e sua família.
3. O ruído mantém-se constantemente, permanentemente, verão e inverno, dia e noite.
4. O réu agiu conscientemente, bem sabendo que com a sua inércia ou omissão perturbava a saúde do autor, sendo o seu comportamento reiterado no tempo.
5. Tais ruídos, atrás referidos, pela sua intensidade e constância, e duração no tempo e durante anos, tornam muito desagradável, incomodativa, irritante e cansativa a permanência em qualquer um dos quartos da casa do autor, o que impede o repouso e a tranquilidade do autor e família.
6. Ruídos provocados pelo talho há mais de dez anos.
7. O autor, há mais de dez anos que tem dificuldade em conciliar o sono com o barulho e ruído provocado pelos compressores e frigoríficos da ré.
8. Sendo que o autor, por causa desse ruído, há mais de seis anos, se mostra facilmente irritável. Pois não consegue dormir ou acorda com esse ruído e não mais adormece.
9. O barulho causado impede o autor de dormir o que, provoca no autor ansiedade, irritação, mais cansaço e mais dificuldade no trabalho.
10. O ruído do talho, e por causa dele, provoca no autor ansiedade, irritação, mais cansaço e mais dificuldade no trabalho.
11. Há mais de seis anos que tem pressão arterial alta tomando medicamentos para o efeito.
12. E é advogado e tem 64 anos, tendo nascido a 04/01/1953.
13. A situação acima descrita relacionada com o barulho/ruído do talho tem causado no autor desgaste a nível físico e psicológico, vivendo com ansiedade, irritação e cansaço.
14. O autor, há mais de seis anos que se mostra-se cansado, por dormir menos, ou não conseguir adormecer com tal barulho.
15. …E revoltado com a situação criada.
16. Esses ruídos impedem o signatário e a sua família de descansarem.
17. O stresse do autor passa para os familiares e para aqueles que consigo interagem.
18. O autor e sua família moram e residem no local há mais de 30 anos, Rua (…)….
19. O autor é dono do andar por compra ao seu irmão C. em Agosto de 2011, conforme certidão junta. (Docs 24-25)
20. Sendo uma zona habitacional muito tranquila e sossegada até que o talho começou a fazer ruído.
21. Essa zona habitacional era muito procurada, por estar dentro e fora do Porto ao mesmo tempo, com acessos às auto-estradas em menos de 5 minutos e transportes públicos para todo o lado.
22. Perdendo interesse comercial e habitacional por causa do ruído do talho.
23. O autor é advogado, fazendo dessa actividade a sua profissão e fonte de rendimentos.
24. Inscrito na Ordem dos Advogados com a cédula XXXXC..
25. Bem como o demais que consta da PI e do processo administrativo, nomeadamente que o réu, após ter feito o primeiro exame acústico, enviou uma carta ao autor e à dona do talho em que diz: :“O incumprimento detetado através deste ensaio consubstancia níveis de ruído violentos para a saúde humana pelo facto de exceder os limites legais em 5 dB(A). “ (sic)

E que, assim, foi violado o artigo 574º do CPC, que deveria ser interpretado no sentido de dar como provada toda a matéria de facto alegada na PI.
2.3 Importa, neste contexto, precisar que a ação foi instaurada em 21/01/2015, pelo que, estando sujeita a forma de processo da ação administrativa comum, seguia na tramitação processual, o processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, nos termos do disposto no artigo 35º nº 1 do CPTA (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro).
Lembre-se que o CPTA na sua versão original (anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015) assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial, sendo que a distinção entre os campos de aplicação destas duas formas processuais devia fazer-se da seguinte forma: se a pretensão do particular se dirigia contra um ato administrativo de efeitos positivos ou de uma norma, ou se visava a prática de um ato administrativo devido ou a edição de uma norma ilegalmente omitida, a forma processual própria era a da ação administrativa especial; se a pretensão do particular apresentava qualquer outra configuração, o processo seguia, em princípio, a via da ação administrativa comum (isto sem prejuízo das formas de processo especiais urgentes previstas no Código).
No caso a ação seguiu, e bem, a forma da ação administrativa comum, já que se destinava à efetivação de responsabilidade civil extracontratual (cfr. artigo 37º nº 1 e nº 2 alínea f) do CPTA na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro). Pelo seguia na tramitação processual, o processo de declaração regulado no Código de Processo Civil, nos termos do disposto no artigo 35º nº 1 do CPTA (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro).
2.4 No processo comum declarativo nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação, a que corresponde a alçada dos Tribunais Centrais Administrativos, como é o caso (cfr. artigos 6º nº 4 do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de fevereiro e 44º nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, Lei nº 62/2013, de 26 de agosto), findos os articulados, e não havendo lugar a despacho pré-saneador, é convocada audiência prévia (cfr. artigos 546º, 597º, 590º e 591º do CPC novo).
A audiência preliminar destina-se, nos termos do disposto no artigo 591º nº 1 do CPC novo a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º, isto é, despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
Assim, se o estado do processo não permitir, sem necessidade de mais provas, conhecer imediatamente do mérito da causa logo em despacho-saneador, com apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória e o processo dever prosseguir, deve o juiz na audiência prévia, e após debate, identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (cfr. artigo 595º nº 1 alínea b) e 591º nº 1 alínea f) do CPC novo).
2.5 O novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, abandonou, pois, o mecanismo que anteriormente decorria das disposições conjugadas dos artigos 511º nº 1, 513º, 552 nº 2, 577º nº 1, 623º nº 1 e 638º nº 1 do antigo CPC/1961, que implicava que na fase de saneamento do processo fosse selecionada a matéria de facto assente e a que se mostrasse controvertida, esta elencada na base instrutória, seguindo-se ulterior fase de instrução a incidir sobre os «quesitos» da base instrutória.
Como se lê na exposição de motivos da proposta de lei 113/XII/2ª, disponível in, https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/12/02/041S3/2012-11-30/8?pgs=2-334&org=PLC&plcdf=trueNo que respeita à tramitação da ação declarativa, as alterações introduzidas visam assegurar a concentração processual, em termos de a lide, cumprida a fase dos articulados, se desenvolver em torno de duas audiências: a audiência prévia e a audiência final.(…)
Cumpre acentuar que se encontra aqui um dos mais emblemáticos pilares desta reforma, que se revela num duplo plano. Por um lado, corta-se radicalmente com o passado, pondo termo a uma prática assente na estabilização, logo após os articulados, dos factos provados (especificação, até 1995/1996; matéria de facto assente, desde então) e dos factos a provar (questionário, durante décadas; base instrutória, nos últimos quinze anos). São conhecidas e reconhecidas as restrições decorrentes de uma conceção assente num rígido esquema de ónus e preclusões. É sabido que tal conceção tem por efeito condicionar a prova e limitar os poderes cognitivos do tribunal, assim se criando sérios obstáculos à desejada adequação da sentença à realidade extraprocessual. Por outro lado, fica claro que nesta fase intermédia do processo do que se trata é de, primeiro, identificar o objeto do litígio e, segundo, de enunciar os temas da prova. (…) Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação atomística e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.”.
2.6 O abandono do ato de seleção da matéria de facto assente e controvertida em sede de saneamento dos autos que o novo Código de Processo Civil operou, substituindo-o pela enunciação dos temas da prova, produziu uma deslocação do centro de gravidade da discussão em torno da classificação e da natureza da factualidade alegada como assente ou não, desse despacho para a sentença que é o momento em que se decide a matéria de facto (cfr. artigo 607º do CPC novo). Sentença em que se declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando-se criticamente as provas, indicando-se as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando-se os demais fundamentos que foram decisivos para a convicção do tribunal, devendo o juiz tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (cfr. artigo 607º nº 4 do CPC novo).
Significando que é na análise da sentença que se haverá de verificar se houve, ou não, erro de julgamento de facto, designadamente por não terem sido dados como provados factos admitidos por acordo devendo tê-lo sido (cfr. artigo 607º nº 5 do CPC novo).
2.7 Na situação dos autos o autor defendeu em sede de audiência prévia, e renova agora no recurso que tudo o que alegou na Petição Inicial está provado por acordo por o réu, na sua visão, não ter contestado um único facto, apenas tendo contestado o montante da indemnização, e que, assim, a realização de uma audiência de julgamento seria inútil.
Mas a sua tese não procede.
2.8 Já se viu que das disposições conjugadas dos artigos 595º nº 1 alínea b) e 591º nº 1 alínea f) do CPC novo se o estado do processo não permitir, sem necessidade de mais provas, conhecer imediatamente do mérito da causa logo em despacho-saneador, com apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória e o processo dever prosseguir, deve o juiz na audiência prévia, e após debate, identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
E essa era precisamente a situação dos autos.
2.9 É sabido que ao contestar o réu deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor considerando-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (cfr. artigo 574º nºs 1 e 2 do CPC novo). Mas tal não será assim se os factos estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito (cfr. artigo 574º, nº 2, 2ª parte do CPC novo).
Lida a contestação dela não resulta que o réu MUNICÍPIO apenas tenha contestado o montante da indemnização. Na verdade, o réu nela discorre sobre a sua versão dos factos, mormente aqueles que foram praticados no âmbito do processo administrativo iniciado com a queixa do autor quanto ao ruído.
A narrativa desses factos feita pelo réu na contestação, contradiz a narrativa que o autor fez na Petição Inicial no sentido de que ser elevado o ruído causado pelo estabelecimento (talho), em particular o ruído do compressor e aparelhos frigoríficos, que pela sua intensidade constância e duração no tempo, perturbaram o seu descanso, e que disso tendo conhecimento o réu MUNICÍPIO nada fez para obrigar a dona do talho a eliminar o ruído.
2.10 Pelo que andou bem o Mmº Juiz a quo ao enunciar os temas da prova com a subsequente realização da audiência.
Improcedendo, pois, nesta parte, o recurso.

3. Do recurso dirigido à sentença
3.1 O autor peticionou na ação a condenação do réu MUNICÍPIO (...) a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a 16.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, bem como de quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre aquela.
Pela sentença recorrida o Tribunal a quo julgou apenas parcialmente procedente a ação condenando o réu MUNICÍPIO (...) a pagar ao autor a quantia de 750,00 €, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação, até efetivo e integral pagamento.
Decisão que tendo por base a factualidade que ali foi dada como provada, assentou na seguinte fundamentação, da qual se passa a transcrever o seguinte:
«(…) Subjacente à demanda por parte do Autor, está o facto de ter apresentado junto do Réu, em 22 de dezembro de 2009, uma denúncia pelo ruído produzido pelo funcionamento daquele estabelecimento comercial, onde alegou que não podia dormir/descansar e onde solicitava que fossem tomadas medidas adequadas com vista à resolução do assunto.
Ora, atenta a matéria de facto dada como provada, e com interesse para a decisão a proferir em torno dos pedidos formulados pelo Autor, aqui se dá relevo que, efetivamente, foi em 22 de dezembro de 2009 que o Autor apresentou aquela denúncia junto do Réu, e que na sequência de processado vário ocorrido nos seus serviços [em vários dos seus serviços], veio a ser efetuado relatório de medição acústica em 04 de setembro de 2013, onde se concluiu que o estabelecimento em causa funciona, dentro do período que foi sujeito a avaliação [em período noturno, das 23,00 horas às 07,00 horas], em violação dos limites estabelecidos na alínea b), n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, e que a Diretora Municipal do Ambiente da Câmara Municipal veio a considerar, como assim veio a notificar, quer o Autor, quer a proprietária do estabelecimento comercial, de que o incumprimento detetado consubstanciava níveis de ruído violentos para a saúde humana.
Mais resultou provado, que desde inícios de 2014, que a proprietária do talho iniciou procedimentos tendentes à redução do nível de ruído produzido, o que pela medição acústica realizada em 29 de outubro de 2014 se veio a constatar como estando o mesmo [talho] a funcionar dentro dos limites de ruído legalmente estabelecidos.
No fundo, e em essência, o Autor faz assentar a causa de pedir, no facto de o Réu ter demorado 4 anos para produzir relatório onde concluiu que o estabelecimento comercial de talho funcionava fora dos limites legais de produção de ruído, e que essa demora lhe causou danos de natureza não patrimonial, designadamente em torno do direito ao sono e ao repouso, e por causa dessa delonga do Réu na atuação, passou a sentir-se instável, irritado, ansioso, e a ter tomar medicação para dormir (paracetamol) e para a tensão alta (nebivolol), que como alegou, passou a registar apenas a partir da altura em que em 2009 fez a denúncia junto do Réu [o que assim não resultou provado – Cfr. a fundamentação por nós vertida no ponto 23 da matéria de facto assente].
(…)
No caso dos autos a conduta danosa não vem assacada a um certo e determinado funcionário, pelo que a responsabilidade civil, a ocorrer na tese do Autor, decorrerá da deficiente organização e da tardia atuação do Réu, cumprindo-lhe por conseguinte, para ilidir a presunção de culpa, alegar e provar que atuou dentro dos limites que lhe são exigíveis, e que está devidamente organizado.
Ou seja, cabia ao Réu demonstrar que a sua conduta não se situou abaixo do nível médio de atuação e de funcionamento que lhe era exigível.
Apreciando e decidindo.
É manifesto que entre a data da apresentação da denúncia por parte do Autor, ao Réu, em dezembro de 2009, até à data em que foi realizada a medição acústica, em Setembro de 2013, que medeou cerca de 4 anos.
Por força desta mera contagem, afigura-se, prima facie, que durante esses 4 anos o Réu teve uma conduta omissiva, ou negligenciada quanto à situação de facto que lhe foi denunciada pelo Autor.
Porém, em face do que consta processado no Processo Administrativo que correu termos no seio do Réu, assim como do que resultou provado e enunciado na matéria de facto supra, o que resultou provado é que, logo no início de 2010, foi prestada informação escrita [Cfr. fls. 10 do Processo Administrativo] de que a medição acústica iria ser realizada, mas que atento o critério de realização definido, que era o do maior número de registo de reclamações, e da antiguidade da reclamação, que o seu agendamento iria ser feito mais tarde, o que foi levado ao conhecimento do Autor, logo em 18 de janeiro de 2010, por ofício do Réu – Cfr. ponto 6 da matéria de facto assente -, o que como julgamos, foi então tempestivamente prosseguido pelo Réu, e nada denotador de omissão de atuação.
Efetivamente, nessa data, decorridos que eram cerca de 25 dias sobre a denúncia apresentada, o Réu informou o Autor, que “A situação em análise é passível de ser alvo de avaliação acústica, contudo, tendo em conta a existência de outros processos de reclamação anteriores que aguardam a realização do respectivo ensaio, neste momento não é possível o agendamento imediato de qualquer medição. Logo que exista possibilidade, o Gabinete do Ambiente entrará em contacto com V. Ex.ª de forma a promover a despistagem necessária à verificação do cumprimento dos limites sonoros constantes na alínea b), ponto 1 do art. 13° do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro e, nesta medida dar seguimento do processo de reclamação.
Sem embargo do teor dessa informação assim prestada, o Réu ainda transmitiu ao Autor que “Caso pretenda V. Ex.ª agilizar a instrução processo poderá, querendo, recorrer aos serviços de uma empresa preferencialmente acreditada na área da acústica, para promoção da medição acústica, que será tida como válida na instrução do processo de reclamação.”, o que julgamos ser digno de nota, quanto ao dever de diligência, prosseguido nessa data, que incumbe sobre o Réu.
Posteriormente, em 02 de Setembro de 2010, por ofício do Réu – Cfr. ponto 7 da matéria de facto assente -, o mesmo tornou a informou o Autor, entre o mais, que “…não foi ainda possível a estes serviços proceder ao agendamento da medição acústica, por motivos que se prendem com a resolução de situações pendentes com entrada nestes serviços anterior à sua reclamação, pelo que logo que nos seja possível será V. EX.a contactada pela Divisão Municipal de Gestão Ambiental, para marcação da medição acústica.” Ou seja, o Réu informou o Autor que tinha outras situações idênticas à sua, pendentes de realização de medição acústica, e que oportunamente iria ser contatado para esse efeito.
Sem embargo do teor dessa informação assim prestada, o Réu ainda transmitiu ao Autor que “Caso pretenda V. Ex.a agilizar a instrução processo poderá, caso entenda, recorrer aos serviços de uma empresa preferencialmente acreditada na área da acústica, para promoção da medição acústica, que será tida como válida na instrução do processo de reclamação.”
Ou seja, o Réu informou o Autor, de forma adequada e tempestivamente, que tinha outras situações pendentes de apreciação, mas que, no seu interesse [do Autor], para tornar a instrução da situação da existência de ruído mais célere, que podia recorrer aos serviços de uma empresa acreditada, e com o relatório que viesse a ser emitido, que seria avaliado o bem fundado da reclamação por si apresentada.
Ora, neste domínio o Autor nada disse ao Réu.
Nem nada fez, no seu próprio interesse.
Com efeito, pelo menos a partir daquelas datas [janeiro de 2010 e Setembro de 2010] que o Autor soube e conheceu das razões e fundamentos que o Réu lhe alegou de que não poderia prosseguir na realização da medição acústica, já que tinha outras situações pendentes em tratamento, e que o Réu tinha como boa, para efeitos de instrução da sua reclamação, uma medição quer fosse efetuada por uma empresa acreditada na área da medição de ruído.
Nessa sequência, o Autor apenas se veio a dirigir ao Réu, por telecópia que lhe remeteu em 16 de novembro de 2012, onde lhe tornou a referir que existia produção de ruído a partir do estabelecimento de talho, e que “… não se consegue dormir/descansar.”, solicitando que fossem tomadas medidas adequadas com vista à resolução do assunto, e que “Caso nada façam, serão responsabilizados nos termos da lei”, tendo então junto por anexo, diversos documentos, entre os quais, os ofícios que lhe foram remetidos pelo Réu, supra referidos, datados de 18 de janeiro de 2010 e 02 de Setembro de 2010 – Cfr. pontos 6 e 7 da matéria de facto assente.
Para além de o Autor nada ter feito, sabendo que o Réu lhe comunicou que não tinha condições para prosseguir na realização da medição acústica, por ter outras situações pendentes, mais antigas, não tendo prosseguido, ele próprio, pela realização de medição acústica por empresa acreditada, ou então, informando o Réu, designadamente, de que não dispunha de dinheiro para fazer face à despesa que daí fosse decorrente [Cfr. artigo 6.º-A do CPA], veio a estabelecer aquela comunicação com o Réu, por telecópia de 16 de novembro de 2012, decorridos que estavam 4 dias sobre um artigo jornalístico publicado no Jornal Público em 12 de novembro de 2012 [cujo teor o Autor, nestes autos, veio levar ao conhecimento do Tribunal – Cfr. ponto 20 da Petição inicial], e que então versou o tema de que as Câmaras Municipais não têm meios para fiscalizar o ruído.
Aqui chegados.
É certo que desde dezembro de 2009 até Setembro de 2013, o Réu demorou cerca de 4 anos para efetuar uma medição de ruído. É certo todavia, também, que durante esses anos houve instrução procedimental no âmbito da reclamação que o Autor lhe apresentou, e que ao contrário do que veio sustentado pelo Autor, o Réu teve uma atuação diligente. Diligente, desde logo, porque informou o Autor de que não tinha possibilidade de, no imediato realizar a medição acústica, e também, de que querendo agilizar o processo, que o Autor podia mandar fazer a medição acústica e apresentá-la nos serviços do Réu, a fim de ser avaliado se o ruído produzido respeitava ou não os limites legais estabelecidos.
E deste modo, a atuação do Autor, pelo julgamos que fazemos, é passível de censura jurídica, quando vem peticionar a condenação do Réu no pagamento de danos não patrimoniais, pela delonga da sua atuação, quando ele próprio [o Autor] foi quem contribuiu para a produção desses danos, ou pelo menos, ele [Autor] tinha aptidão para obstar à continuada produção desses danos, há largo tempo.
Mas nestes autos, depois de corrida a sua instrução, o que também é certo, é Réu não alegou nem provou que quantidades de medições acústicas é que realizou nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, e que obstaram a que a medição acústica fosse realizada.
Ou seja e como julgamos, a organização do Réu no âmbito e para efeitos de realização de medições acústicas, em ordem a prosseguir as suas atribuições e competências, como definidas pelo Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro [actual redacção] não pode estar indexada, quanto ao critério da sua realização, pela existência de um maior ou menor número de registo de reclamações, ou da antiguidade da reclamação apresentada.
Em face das reclamações apresentadas, o Réu tem de ter uma atuação de efectiva prestação, seja em consonância com as disposições do RGR, seja porque um cidadão clama de si a concessão de tutela administrativa.
Nesta medida, julgamos que a atuação do Réu também é passível de censura jurídica, porque se situa abaixo do que deveria ser a atuação diligente de uma entidade, que tem por função avaliar do cumprimento do ruído por parte dos estabelecimentos comerciais, principalmente daqueles que já foram por si licenciados, como é o caso do estabelecimento de talho em causa, que o foi em 07 de janeiro de 1982.
Neste patamar.
Relativamente aos danos não patrimoniais, atento o que neste domínio resultou provado – Cfr. ponto 23 da matéria de facto assente -, e face ao que dispõe o artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, julgamos que o facto de a situação vivenciada pelo Autor, na sua relação com o Réu quanto à reclamação e o período por que durou a mesma a ser tratada, mais concretamente, por ter o Réu demorado 4 anos a realizar uma medição acústica, e que por todo esse período o deixou desgastado a nível físico e psíquico, ansioso, irritado e cansado, e a dormir menos, é matéria que, por si, como julgamos e no contexto em causa, merece a tutela do direito.
Porém, a indemnização peticionada pelo Autor, que é de montante idêntico àquela que pediu à proprietário do estabelecimento comercial de talho, que lhe provocou os danos, no âmbito do Processo n.º 1908/15.4T8PRT, é manifestamente exagerada, desde logo, porquanto não está em apreço nestes autos, a concessão de uma indemnização ao Autor, por parte do Réu, pelos danos infligidos, antes pela demora na realização da medição acústica, ou de outra forma, pela sua não realização no tempo pretendido pelo Autor, porque o Réu tinha pendentes outras medições acústicas, e a sua organização interna, em termos de recursos humanos e materiais não o permitir. E essa quantificação em torno do montante indemnizatório, não pode passar pela mesma bitola.
Por outro lado, tendo o Autor sido informado pelo Réu, de que tinha outras situações pendentes de realização de medição, e de que, por essa razão e entretanto, se quisesse agilizar o procedimento podia ele mandar realizar uma medição por empresa acreditada, e nada tendo feito, nem nada tendo alegado junto do Réu porque não o ía ou não o poderia fazer, com essa sua atuação, o Autor concorreu para a produção ou para o agravamento dos danos [para a delonga na medição do nível de ruído, e assim, quanto ao nível do desgaste a nível físico e psicológico, à ansiedade, irritação e cansaço, e mais dificuldade no trabalho, por dormir menos].
Tendo o Autor sido informado, em tempo devido, por parte do Réu, em que termos estava a avaliação da sua reclamação, se o mesmo achava que a lesão dos seus direitos persistia e que não podia esperar porque o Réu viesse a realizar a medição quando fossem decorridos os critérios por si [Réu] definidos para intervenção [medição acústica], ou então, de que não tinha meios monetários para contratar uma empresa acreditada para fazer a medição que o Réu em tempo útil [na ótica do Réu] não podia realizar, sempre ainda ao Autor estava garantido o direito à tutela jurisdicional, recorrendo para o efeito aos Tribunais, por aí garantindo o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que apreciasse com força de caso julgado, uma sua pretensão de ver garantido o seu direito ao sono e ao descanso, assim se obstando à produção de danos de natureza moral, e inclusivamente, a possibilidade de fazer executar essa decisão judicial, quer contra pessoas/entidades de direito privado [o caso da proprietária do talho], quer contra entidades públicas [o caso do Réu]. Por outro lado ainda, por via do acesso ao tribunal, a Lei garantia ao Autor, para tutela do seu direito, a forma de processo adequada, com vista a prevenir a produção de danos na sua esfera jurídica, designadamente os procedimentos necessários a acautelar o seu efeito útil, por via da adoção de providência cautelares.
E neste conspeto, no âmbito do nosso julgamento, não podemos passar ao lado do facto de que o Autor é Advogado, e para além de o ser, que é um Advogado muito experiente.
O Autor não é o “homem médio”. Nos termos e circunstâncias de facto em que o Autor esteve envolvido, com os seus específicos conhecimentos e adestramentos pessoais e profissionais, nas específicas condições de tempo e lugar em que se passou a relação quer com a proprietária do estabelecimento comercial de talho, quer com o Réu, o direito esperava de si [Autor], uma bem diferente postura relacional.
Ou seja, nas específicas condições de tempo e lugar que conhecemos nos autos, o “homem médio”, que se sentisse perturbado, quer com o barulho produzido pelos equipamentos em funcionamento no estabelecimento comercial de talho, quer com o atraso de meses [sequer, e não de anos] na realização de uma medição acústica, e caso persistisse, designadamente, a sua dificuldade em dormir/repousar, seguramente que teria recorrido à via judicial, para concessão de tutela jurisdicional efectiva [porque tardava a requerida tutela administrativa], seja junto dos tribunais judiciais, seja junto dos tribunais administrativos. E mesmo quando esse “homem médio”, é um homem que não invoca ao Réu dificuldades financeiras para efeitos de mandar realizar por empresa certificada uma medição de ruído, para além da busca por aquela tutela jurisdicional efectiva, também procuraria, no seu [do Autor] melhor tempo, e na sua melhor oportunidade, mandar realizar essa medição, para efeitos de posteriormente sujeitar esse resultado à apreciação, designadamente, do Réu, conforme este, de resto, logo no início de 2010 suscitou ao Autor, que o podia fazer em ordem a imprimir celeridade na avaliação da sua denúncia.
E se inelutavelmente se espera que o “homem médio”, nas concretas circunstâncias de tempo e lugar em que o Autor viveu quer a constância da produção de ruído, quer o tratamento da sua reclamação por parte do Réu, tenha uma conduta pró-ativa, em termos de obstar à produção, e reiterada, de danos na sua esfera jurídica, assim como pela pronta emissão de um relatório de medição acústica por via de empresa certificada, o Autor, que encarna em si aquilo que é muito mais do que a tipologia ideal desse homem médio, por ser um Avogado, e muito experiente, tinha a obrigação de ter, no mínimo, uma atuação conforme com aquela que se espera do “homem médio”.
Atentemos no que a seguir explicitamos.
O Autor apenas recorreu aos Tribunais, em janeiro de 2015, quando já sabia que o estabelecimento comercial de talho funcionava, em termos de emissão de ruído, dentro dos limites estabelecidos pelo RGR.
Para efeitos de intentar a presente ação, em 21 de janeiro de 2015, o Autor pagou de taxa de justiça inicial a quantia de 306,00 euros [Cfr. fls. 62 dos autos em suporte físico]. E nessa mesma data [em 21 de janeiro de 2015], para intentar ação judicial contra a proprietária do talho, em simultâneo com a presente ação, o Autor também teve de dispender quantia similar, no valor de €306,00 – Cfr. fls. 295 verso dos autos em suporte físico.
Ora, com essa[s] quantia[s], ou com parte dela[s], o Autor poderia ter sido diligente em termos de mandar realizar, logo em 2010, quando assim lhe foi suscitado pelo Réu, uma medição acústica por empresa acreditada. E futuramente, também poderia o Autor, assim querendo intentar ação/ações judiciais contra quem entendesse por devido, aí peticionando, designadamente, que lhe fosse paga a quantia que dispendeu com a realização da medição, e os danos infligidos na sua esfera jurídica em sede de danos de natureza não patrimonial.
Tendo o Autor prosseguido sempre uma prestação passiva em torno dos seus direitos perante o Réu, apenas aguardando pela atuação deste – Cfr. pontos 6, 7 e 10 da matéria de facto assente -, sem procurar ele próprio atuar como assim foi informado pelo Réu, fê-lo todavia em conformidade com a dimensão dos seus interesses, com o seu grau de auto determinação.
Por conseguinte, de acordo com o disposto no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil, “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Como julgamos, a atuação do Autor, que se situação abaixo daquela que o “homem médio” protagonizaria, e nada de acordo com a postura, saber e conhecimento profissional de alguém que é auxiliar na administração da justiça [Cfr. artigos 88.º e 90.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados] desde 31 de março de 1978 – Cfr. fotocópia da cédula profissional do Autor, a fls. 144 dos autos em suporte físico -, concorreu sobremaneira para a ocorrência e superveniência dos danos dados como provados - Cfr. pontos 3, 6, 7 e 23 da matéria de facto assente -, pelo que, para não dar como absolutamente excluído o dever de indemnizar por parte do Réu [pois a sua atuação não foi prosseguida em estrita observância do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, 4.º, n.º 3, 26.º, alíneas b) e d) e 27.º, todos do RGR], nos termos e para efeitos da alínea e) dos temas da prova, em conformidade com o disposto nos artigos 562.º, 563.º, 566.º, n.ºs 1 e 3, 4.º, alínea a), 570.º, e 496.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, condeno o Réu no pagamento ao Autor de uma indemnização/compensação que fixo em €750,00 [setecentos e cinquenta euros].»
2.3 O autor, aqui recorrente, não se conforma com o assim decidido, pondo em causa, nos termos que expõe no recurso e reconduz às respetivas conclusões 7ª a 50ª, a pronúncia do Tribunal a quo de o autor ter contribuído, com culpa (culpa do lesado) para a produção dos danos, e defendendo que a indemnização a atribuir não pode ser miserabilista, propugnando pela revogação da decisão recorrida com condenação do réu a pagar-lhe indemnização no montante peticionado de 16.000,00€.
Vejamos.
2.4 Comecemos por relembrar que o objeto do litígio, tal como aliás foi definido pelo Mmº Juiz a quo em sede de audiência prévia, respeita à invocada responsabilidade civil do réu MUNICÍPIO (...) pelos danos de natureza não patrimonial decorrentes da omissão de agir que o autor lhe imputou na ação na decorrência da queixa por ele apresentada ao MUNICÍPIO (...) em 22/12/2009 quanto ao ruído noturno feito por um compressor de aparelho frigorífico incorporado na parede no estabelecimento Talho S., situado no rés-do-chão do prédio onde habita, ruído esse que o impedia de dormir e descansar.
2.5 Na sentença recorrida entendeu-se ser manifesto que entre a data da apresentação da denúncia por parte do autor, ao réu, em dezembro de 2009, até à data em que foi realizada a medição acústica, em setembro de 2013, que mediou cerca de 4 anos, é de configurar que durante esses 4 anos o réu teve uma conduta omissiva, ou negligenciada quanto à situação de facto que lhe foi denunciada pelo autor.
Mas socorrendo-se dos elementos patenteados no Processo Administrativo, que elencou nos factos provados na sentença, concluiu que durante esses anos houve instrução procedimental e que o réu teve uma atuação diligente por ter informado o autor de que não tinha possibilidade de, no imediato realizar a medição acústica, e de que querendo agilizar o processo o autor podia mandar fazer a medição acústica e apresentá-la nos serviços do réu, a fim de ser avaliado se o ruído produzido respeitava ou não os limites legais estabelecidos, e que deste modo a atuação do autor é passível de censura jurídica, quando vem peticionar a condenação do réu no pagamento de danos não patrimoniais, pela delonga da sua atuação, quando ele próprio [o autor] foi quem contribuiu para a produção desses danos, ou pelo menos, ele [autor] tinha aptidão para obstar à continuada produção desses danos, há largo tempo.
E analisando, mais à frente, o montante da indemnização a atribuir, considerou que o peticionado montante de 16.000,00€ era manifestamente exagerado por estar em causa nos autos a demora na realização da medição acústica fundada na circunstância de o réu MUNICÍPIO ter outras medições acústicas pendentes, não permitindo os seus recursos, humanos e materiais, realizá-la em momento anterior e por o autor nada ter feito apesar de informado pelo réu de que se quisesse agilizar o procedimento podia ele próprio mandar realizar uma medição por empresa acreditada, nem nada ter alegado junto do réu, designadamente porque razão não o fazia ou não poderia fazer essa avaliação, e que assim, com essa sua atuação, concorreu para a produção ou para o agravamento dos danos, isto é, para a delonga na medição do nível de ruído, e assim, quanto ao nível do desgaste a nível físico e psicológico, à ansiedade, irritação e cansaço, e mais dificuldade no trabalho, por dormir menos.
E convocando a figura da culpa do lesado como tal prevista no artigo 570º do Código Civil, concluiu que a atuação do autor concorreu sobremaneira para a ocorrência e superveniência dos danos dados como provados, e nesse enquadramento fixou a indemnização a pagar pelo réu ao autor em 750,00€.
2.5 Relembre-se que o artigo 570º do Código Civil dispõe, sob a epígrafe “culpa do lesado”, que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída” (nº 1) e que “se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar” (nº 2).
Sendo que tal figura é também acolhida no artigo 4º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo DL. nº 67/2007, de 31 de dezembro, que sob a epígrafe “culpa do lesado”, dispõe que “quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do ato jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
O que era também já reconhecido no anterior Regime de Responsabilidade do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, em cujo artigo 7º se dispunha que o “dever de indemnizar, por parte do Estado e demais pessoas coletivas públicas, dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer dos atos causadores do dano; mas o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou a negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto”.
2.6 O recorrente invoca, a um tempo, que a concorrência de culpas não foi discutida nos autos, desde logo por não ter sido alegada pelo réu na sua contestação, constituindo a culpa do lesado uma exceção perentória, sujeita ao ónus de alegação e prova dos factos respetivos por força do artigo 342º, nº 2, 572º e 414º do CPC, assistindo, por conseguinte, à parte contrária (o autor) o direito de resposta/réplica, que não fazia parte da matéria a discutir, isto é, dos temas de prova, nem foi alegado ou contra-alegado nada quanto ao facto de o autor ter ou não informado ou dito ou feito sobre a possibilidade ou impossibilidade de ele próprio mandar fazer a peritagem; e que como não foi discutido nos autos o autor nada pôde provar, não se tendo podido defender dessas surpresas, invocando, assim, terem sido violados, designadamente, o princípio do dispositivo, o direito ao contraditório e de igualdade de armas. E por outro lado, que essa sua culpa e contribuição para os danos ou seu agravamento não se verificam, nomeadamente por a agilização do processo não competia ao lesado (autor), mas ao réu MUNICÍPIO nos termos do artigo 4º do Regulamento Geral do Ruído (RGR), não tendo o autor qualquer obrigação de, ele próprio, pagar ou mandar proceder ao exame acústico.
2.7 Compulsada a contestação do réu constata-se que, efetivamente, não foram ali alegadas nenhuma das circunstâncias que foram aludidas na sentença para suportar a conclusão de que o autor havia culposamente concorrido para a produção ou agravamento dos danos.
Será, então, que apropriando-se dos elementos patenteados nos autos, incluindo os elementos documentais fornecidos seja pelo autor seja pelo réu, mormente do Processo Administrativo, estava vedado ao Mmº Juiz a quo atender à eventual contribuição do autor para a produção ou agravamento dos danos e assim reduzir, com tal fundamento, o montante da indemnização?
2.8 Integrava os temas da prova «aferir do quantum indemnizatório a que o Autor tenha direito». Mas a instrução, prova e julgamento (dos factos) haverá de incidir sobre os factos que tenham sido alegados pelas partes e se mostrem contraditados, posto que, naturalmente, com relevância para as questões a decidir.
É as partes que cabe alegar “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” (cfr. artigo 5º nº 1 do CPC novo). Podem, todavia, além dos factos articulados pelas partes, ser também considerados pelo juiz i) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, ii) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e iii) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, mas estes, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
Tudo sem esquecer o princípio da aquisição processual, que designadamente decorre do disposto no artigo 413º do CPC novo nos termos do qual “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”.
2.9 Mas, no caso, o recorrente não põe em causa, propriamente, o julgamento factual feito na sentença recorrida, não pugnando pela modificação do julgamento factual nela feito.
Pelo que a questão colocada se circunscreve, apenas, às consequências jurídicas retiradas pela sentença, isto é, à solução de direito a que nela se chegou.
2.10 A matéria da culpa do lesado e do seu contributo para a verificação ou agravamento dos danos, tem vindo a ser enquadrada pela jurisprudência dos tribunais administrativos como consubstanciadora de uma exceção perentória, na medida em que se suporte em factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor e a respetiva verificação possa implicar a redução ou exclusão da indemnização a atribuir ao lesado, conduzindo, portanto, à absolvição total ou parcial do pedido (cfr. artigo 571º nº 2 do CPC novo) – (neste sentido vejam-se, entre outros, os acórdãos do STA de 15/04/1999, Proc. nº 037995; de 27/10/2004, Proc. nº 01214/02, e de 01/06/2006, Proc. nº 01186/05, in, www.dgsi.pt/jsta).
Tratar-se-á, com efeito, de situações em que a responsabilidade pelos danos será repartida ou excluída em função da culpa do lesado (autor). Pelo que já se está fora do mero domínio do cálculo da indemnização devida em função da medida dos danos, incluindo os de natureza não patrimonial (cfr. artigos 483º, 496º, 563º e 564º do Código Civil). A questão da eventual culpa do lesado, prende-se, ao invés, com a responsabilização do lesado (autor) como agente da sua própria lesão, ou pelo menos com a dimensão desta.
2.11 Assim, quando, numa ação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e culposo, o réu, na sua contestação, alega factos destinados a consubstanciar a culpa do lesado, e a invoca como causa da exclusão ou redução da responsabilidade que lhe vem assacada, defende-se por exceção. Mas se apenas contradiz a versão do autor, pugnando não ser responsável pelos danos invocados, designadamente por não lhe ser imputável qualquer facto ilícito e culposo, ou porque não se verifica o nexo de causalidade adequada entre o ilícito e os danos, defende-se por impugnação. Distinção que nos é dada pelo artigo 571º nº 2 do CPC novo, e que dela decorre.
2.12 A culpa do lesado consubstancia, todavia, matéria excetiva de conhecimento oficioso, como expressamente decorre do artigo 572º, in fine, do Código Civil, nos termos do qual “…o Tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada”.
Pelo que o Tribunal deve conhecer da culpa do lesado, ainda que esta não tenha sido invocada pelo réu na sua defesa – (vide, neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 27/10/2004, Proc. nº 01214/02, in, www.dgsi.pt/jsta e o acórdão do STJ de 21/02/2013, Proc. nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1, in, www.dgsi.pt/jstj).
2.12 Razão pela qual não colhe a nulidade da sentença invocada pelo recorrente (vide conclusão 46ª das alegações de recurso), na medida em que se o Tribunal podia conhecer oficiosamente da culpa do lesado, em face dos elementos factuais apurados nos autos, não apreciou questão de que não pudesse conhecer (cfr. artigo 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA).
2.13 O que sucede é que o fez sem que essa questão tivesse sido discutida, e por conseguinte, sem que tivesse assegurado o direito de contraditório (cfr. artigo 3º nº 3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA), e decidindo também em erro de julgamento, que o recorrente igualmente lhe imputa (vide, designadamente, conclusões 7ª a 11ª das alegações de recurso). Vejamos porquê.
2.14 A atuação omissiva, ilícita e culposa (culpa do serviço) imputada ao réu MUNICÍPIO (...) e que a sentença reconheceu existir, respeita à demora na realização da medição de ruído gerado pelo equipamento do identificado estabelecimento de talho, face à circunstância de terem mediado quase 4 anos desde o momento em que foi apresentada a queixa por ruído (22/12/2009) e o momento em que, feita a respetiva medição, foi elaborado o respetivo Relatório de Ensaio – Medição dos Níveis de Pressão Sonora-Critério de Incomodidade, pelo Laboratório de Ruído da Câmara Municipal (...) (04/09/2013), facto de que foi dado conhecimento ao autor (reclamante-queixoso), por ofício de 22/11/2013. Medição da qual resultou a constatação da violação dos limites estabelecidos na alínea b) do ponto 1 do art. 13.° do Decreto-Lei n." 9/2007, de 17 de Janeiro, consubstanciando níveis de ruído violentos para a saúde humana pelo facto de exceder os limites legais em 5 dB(A), conduzindo a que o responsável pelo estabelecimento viesse a ser notificado no sentido de adotar medidas eficazes a garantir a cessação do incómodo gerado, sob pena de ser ponderada a aplicação de medida cautelar de encerramento do estabelecimento, até que sejam evidenciados esforços na resolução do problema (vide pontos 3. a 12. do probatório).
Essa demora decorreu do facto, desde logo comunicado ao autor através do ofício de 18/01/2010, de existirem outros processos de reclamação anteriores que aguardam a realização do respetivo ensaio de medição de ruído, o que impossibilitou o seu agendamento imediato e atempado de qualquer medição. Sendo que, concomitantemente, lhe foi informado de que logo que existisse possibilidade o Gabinete do Ambiente entraria em contacto com o autor de forma a promover a despistagem necessária à verificação do cumprimento dos limites sonoros constantes na alínea b), ponto 1 do artigo 13° do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro e, nesta medida dar seguimento do processo de reclamação.
2.15 Como a sentença recorrida não deixou de reconhecer, ao réu MUNICÍPIO (...), em ordem a prosseguir as suas atribuições e competências, como definidas pelo Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, no âmbito e para efeitos de realização de medições acústicas, cabia organizar os seus serviços de modo a dar-lhes cabal cumprimento.
Efetivamente, o réu MUNICÍPIO (...), não efetuou qualquer medição acústica nos anos de 2010, 2011, 2012, a qual só veio a ser levada a cabo nos dias 4, 5 e 17 de julho e 23 de agosto (vide ponto 12. do probatório).
E neste circunstancialismo e enquadramento, concluiu-se na sentença que a atuação do réu MUNICÍPIO (...) é passível de censura jurídica, por se situar “abaixo do que deveria ser a atuação diligente de uma entidade, que tem por função avaliar do cumprimento do ruído por parte dos estabelecimentos comerciais, principalmente daqueles que já foram por si licenciados, como é o caso do estabelecimento de talho em causa”.
2.16 Temos, assim, que a sentença recorrida considerou verificada a ilicitude e culpa do réu MUNICÍPIO, enquanto culpa do serviço, tal como previstas nos artigos 9º nº 2, 10º e 7º nº 4 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público, aprovado pelo DL. nº 67/2007, de 31 de dezembro, ainda que não o tenha expressamente referido.
E este juízo não vem, naturalmente, questionado pelo recorrente, já que a procedência da sua pretensão indemnizatória depende da verificação daqueles pressupostos, constitutivos que são do direito indemnizatório que reclama.
E não vindo interposto pelo réu recurso independente ou subordinado, encontra-se fora do âmbito do objeto do recurso qualquer questão que pudesse suscitar-se em torno dos pressupostos da ilicitude e culpa da atuação dos serviços do réu MUNICÍPIO (...) (cfr. artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA). O que também sucede quanto ao juízo sobre a natureza dos danos não patrimoniais apurados e à sua ressarcibilidade à luz do artigo 496º nº 1 do Código Civil, assim feito na sentença recorrida: “Relativamente aos danos não patrimoniais, atento o que neste domínio resultou provado – Cfr. ponto 23 da matéria de facto assente -, e face ao que dispõe o artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, julgamos que o facto de a situação vivenciada pelo Autor, na sua relação com o Réu quanto à reclamação e o período por que durou a mesma a ser tratada, mais concretamente, por ter o Réu demorado 4 anos a realizar uma medição acústica, e que por todo esse período o deixou desgastado a nível físico e psíquico, ansioso, irritado e cansado, e a dormir menos, é matéria que, por si, como julgamos e no contexto em causa, merece a tutela do direito.
2.17 O que vem impugnado no recurso é o juízo feito na sentença quanto à culpa do autor enquanto lesado, com convocação do artigo 507º do Código Civil, que conduziu o Tribunal a quo a considerar ocorrer concorrência de culpas para a produção e superveniência dos danos, fixando a indemnização devida pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor em 750,00€.
2.18 Ora, aqui, como já se antecipou, não se mostra correto, à luz do direito e das circunstâncias do caso, o juízo feito na sentença recorrida.
2.19 O DL. nº 9/2007, de 17 de janeiro aprovou o Regulamento Geral do Ruído, no qual é estabelecido o regime de prevenção e controlo da poluição sonora, visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações (cfr. artigo 1º).
Diploma que surgiu no seguinte contexto, explicitado do seguinte modo no respetivo preâmbulo: “A prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações constitui tarefa fundamental do Estado, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Bases do Ambiente. Desde 1987 que esta matéria se encontra regulada no ordenamento jurídico português, através da Lei n.º 11/87, de 11 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), e do Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, que aprovou o primeiro regulamento geral sobre o ruído. O Decreto-Lei n.º 292/2000, de 14 de Novembro, que aprovou o regime legal sobre poluição sonora, revogou o referido decreto-lei de 1987 e reforçou a aplicação do princípio da prevenção em matéria de ruído. A transposição da diretiva n.º 2002/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Junho, relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente, tornou premente proceder a ajustamentos ao regime legal sobre poluição sonora aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/2000, de 14 de Novembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 76/2002, de 26 de Março, 259/2002, de 23 de Novembro, e 293/2003, de 19 de Novembro, de modo a compatibilizá-lo com as normas ora aprovadas, em especial a adoção de indicadores de ruído ambiente harmonizados. Na oportunidade considerou-se importante proceder também à alteração de normas do regime legal sobre poluição sonora que revelaram alguma complexidade interpretativa com consequências para a eficácia do respetivo regime jurídico. Urge pois clarificar a articulação do novo Regulamento Geral do Ruído com outros regimes jurídicos, designadamente o da urbanização e da edificação e o de autorização e licenciamento de atividades.
Acresce que o regime legal sobre poluição sonora foi objeto de alterações introduzidas por diversos diplomas legais, pelo que se justifica atualizar as suas normas e conferir coerência a um regime que se revela tão importante para a saúde humana e o bem-estar das populações.
2.20 O Regulamento Geral do Ruído (RGR), aprovado pelo DL. nº 9/2007, de 17 de janeiro, aplica-se às atividades ruidosas permanentes e temporárias e a outras fontes de ruído suscetíveis de causar incomodidade, incluindo, designadamente, a laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços (cfr. artigo 2º nº 1 alínea c)), entendendo-se como «atividade ruidosa permanente» a atividade desenvolvida com carácter permanente, ainda que sazonal, que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído, designadamente laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços (cfr. artigo 3º alínea a)).
2.21 A obrigação quanto ao cumprimento dos limites máximos de ruído estabelecidos legalmente (cfr. artigos 11º e 13º do RGR) recai, obviamente, sobre a pessoa, singular ou coletiva, que leva a cabo a ação, desenvolve a atividade permanente ou temporária, ou detém o equipamento, estrutura ou infraestrutura que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se faça sentir o seu efeito, e constituí a fonte de ruído (cfr. artigo 3º alínea d)).
O que compete às entidades públicas no quadro das suas atribuições e competências é promover as medidas de carácter administrativo e técnico adequadas à prevenção e controlo da poluição sonora, nos limites da lei e no respeito do interesse público e dos direitos dos cidadãos, competindo em especial às autarquias locais, tomar todas as medidas adequadas para o controlo e minimização dos incómodos causados pelo ruído resultante de quaisquer atividades, incluindo as que ocorram sob a sua responsabilidade ou orientação (cfr. artigo 4º nºs 1 e 3).
Essa tarefa de controlo e fiscalização é exercida seja em momento prévio, designadamente no âmbito do licenciamento para a instalação e funcionamento da atividade ruidosa, seja sucessivamente, em ação de fiscalização.
E às entidades fiscalizadoras cabe, perante uma situação de incumprimento das normas sobre ruído, designadamente, determinar ao incumpridor a eliminação da fonte de ruído ou a adoção das medidas necessárias à sua contenção dentro dos limites legais, para além da aplicação das contraordenações a que haja lugar, bem como ordenar, sempre que se justifique, a adoção das medidas cautelares imprescindíveis, de caráter urgente, para evitar a produção de danos graves para a saúde humana e para o bem-estar das populações em resultado de atividades que violem os limites máximos de ruído consentidos, as quais, podem consistir na suspensão da atividade, no encerramento preventivo do estabelecimento ou na apreensão de equipamento por determinado período de tempo (cfr. artigos 26º e 27º).
Mas a constatação de que os níveis de ruído consentidos estão a ser ultrapassados, designadamente no caso de ele decorrer da laboração de estabelecimento, depende de avaliação acústica, através de ensaios e medições acústicas, enquanto atos de verificação da conformidade de situações específicas de ruído com os limites fixados, os quais são necessariamente realizados por entidades acreditadas (cfr. artigos 3º alínea c) e 35º nº 1).
2.22 O que vem de dizer-se serve para explicitar o ilícito culposo que foi praticado pelo MUNICÍPIO (...), atinente a uma omissão (demora) do exercício do dever de fiscalização, que lhe incumbia (e que foi reconhecida na sentença) de modo a que, tendo isso presente, se possa aferir do nexo de causalidade (adequada) entre essa sua atuação omissiva e os danos não patrimoniais sofridos pelo autor, o que inclui a verificação se por efeito da eventual culpa do autor-lesado, o nexo de causalidade (entre a conduta omissiva do MUNICÍPIO e o danos sofridos) foi interrompido, na medida em que o lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento do dano. E, se por essa razão a indemnização devida pelo dano a cargo do réu lesante deve ser reduzida ou excluída.
2.23 Ora, quanto à questão da culpa do lesado assiste razão ao recorrente, não podendo manter-se o juízo feito na sentença recorrida. E isto porque nem o quadro normativo convocado, nem os princípios gerais, permitem concluir que sobre o autor recaísse qualquer obrigação de levar ele próprio a cabo a avaliação acústica, através de ensaios e medições acústicas.
2.24 Resulta, com efeito, do probatório que na sequência da reclamação por ruído dirigida pelo autor ao MUNICÍPIO (...) em 22/12/2009, deste mereceu a resposta que consta do ofício de 18/01/2020, no qual, para além de informar que a situação em análise era «…passível de ser alvo de avaliação acústica» mas que «…contudo, tendo em conta a existência de outros processos de reclamação anteriores que aguardam a realização do respetivo ensaio» não era possível «…o agendamento imediato de qualquer medição», e que logo que existisse possibilidade, o Gabinete do Ambiente entraria com ele em contacto «…de forma a promover a despistagem necessária à verificação do cumprimento dos limites sonoros constantes na alínea b), ponto 1 do art. 13° do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro e, nesta medida dar seguimento do processo de reclamação» também se disse que caso pretendesse «…agilizar a instrução processo poderá, querendo, recorrer aos serviços de uma empresa preferencialmente acreditada na área da acústica, para promoção da medição acústica, que será tida como válida na instrução do processo de reclamação» - (vide pontos 3. e 6. do probatório).
2.25 Na sentença recorrida entendeu-se que «…nada tendo feito, nem nada tendo alegado junto do Réu porque não o ía ou não o poderia fazer, com essa sua atuação, o Autor concorreu para a produção ou para o agravamento dos danos [para a delonga na medição do nível de ruído, e assim, quanto ao nível do desgaste a nível físico e psicológico, à ansiedade, irritação e cansaço, e mais dificuldade no trabalho, por dormir menos].»
E que «…tendo o Autor sido informado, em tempo devido, por parte do Réu, em que termos estava a avaliação da sua reclamação, se o mesmo achava que a lesão dos seus direitos persistia e que não podia esperar porque o Réu viesse a realizar a medição quando fossem decorridos os critérios por si [Réu] definidos para intervenção [medição acústica], ou então, de que não tinha meios monetários para contratar uma empresa acreditada para fazer a medição que o Réu em tempo útil [na ótica do Réu] não podia realizar, sempre ainda ao Autor estava garantido o direito à tutela jurisdicional, recorrendo para o efeito aos Tribunais, por aí garantindo o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que apreciasse com força de caso julgado, uma sua pretensão de ver garantido o seu direito ao sono e ao descanso, assim se obstando à produção de danos de natureza moral, e inclusivamente, a possibilidade de fazer executar essa decisão judicial, quer contra pessoas/entidades de direito privado [o caso da proprietária do talho], quer contra entidades públicas [o caso do Réu].» e que «…por outro lado ainda, por via do acesso ao tribunal, a Lei garantia ao Autor, para tutela do seu direito, a forma de processo adequada, com vista a prevenir a produção de danos na sua esfera jurídica, designadamente os procedimentos necessários a acautelar o seu efeito útil, por via da adoção de providência cautelares.».
Ao que se acrescentou ainda que «… neste conspecto, no âmbito do nosso julgamento, não podemos passar ao lado do facto de que o Autor é Advogado, e para além de o ser, que é um Advogado muito experiente.
O Autor não é o “homem médio”. Nos termos e circunstâncias de facto em que o Autor esteve envolvido, com os seus específicos conhecimentos e adestramentos pessoais e profissionais, nas específicas condições de tempo e lugar em que se passou a relação quer com a proprietária do estabelecimento comercial de talho, quer com o Réu, o direito esperava de si [Autor], uma bem diferente postura relacional.
Ou seja, nas específicas condições de tempo e lugar que conhecemos nos autos, o “homem médio”, que se sentisse perturbado, quer com o barulho produzido pelos equipamentos em funcionamento no estabelecimento comercial de talho, quer com o atraso de meses [sequer, e não de anos] na realização de uma medição acústica, e caso persistisse, designadamente, a sua dificuldade em dormir/repousar, seguramente que teria recorrido à via judicial, para concessão de tutela jurisdicional efectiva [porque tardava a requerida tutela administrativa], seja junto dos tribunais judiciais, seja junto dos tribunais administrativos. E mesmo quando esse “homem médio”, é um homem que não invoca ao Réu dificuldades financeiras para efeitos de mandar realizar por empresa certificada uma medição de ruído, para além da busca por aquela tutela jurisdicional efetiva, também procuraria, no seu [do Autor] melhor tempo, e na sua melhor oportunidade, mandar realizar essa medição, para efeitos de posteriormente sujeitar esse resultado à apreciação, designadamente, do Réu, conforme este, de resto, logo no início de 2010 suscitou ao Autor, que o podia fazer em ordem a imprimir celeridade na avaliação da sua denúncia.
E se inelutavelmente se espera que o “homem médio”, nas concretas circunstâncias de tempo e lugar em que o Autor viveu quer a constância da produção de ruído, quer o tratamento da sua reclamação por parte do Réu, tenha uma conduta pró-ativa, em termos de obstar à produção, e reiterada, de danos na sua esfera jurídica, assim como pela pronta emissão de um relatório de medição acústica por via de empresa certificada, o Autor, que encarna em si aquilo que é muito mais do que a tipologia ideal desse homem médio, por ser um Avogado, e muito experiente, tinha a obrigação de ter, no mínimo, uma atuação conforme com aquela que se espera do “homem médio”.
Atentemos no que a seguir explicitamos.
O Autor apenas recorreu aos Tribunais, em janeiro de 2015, quando já sabia que o estabelecimento comercial de talho funcionava, em termos de emissão de ruído, dentro dos limites estabelecidos pelo RGR.
Para efeitos de intentar a presente ação, em 21 de janeiro de 2015, o Autor pagou de taxa de justiça inicial a quantia de 306,00 euros [Cfr. fls. 62 dos autos em suporte físico]. E nessa mesma data [em 21 de janeiro de 2015], para intentar ação judicial contra a proprietária do talho, em simultâneo com a presente ação, o Autor também teve de despender quantia similar, no valor de €306,00 – Cfr. fls. 295 verso dos autos em suporte físico.
Ora, com essa[s] quantia[s], ou com parte dela[s], o Autor poderia ter sido diligente em termos de mandar realizar, logo em 2010, quando assim lhe foi suscitado pelo Réu, uma medição acústica por empresa acreditada. E futuramente, também poderia o Autor, assim querendo intentar ação/ações judiciais contra quem entendesse por devido, aí peticionando, designadamente, que lhe fosse paga a quantia que despendeu com a realização da medição, e os danos infligidos na sua esfera jurídica em sede de danos de natureza não patrimonial.
Tendo o Autor prosseguido sempre uma prestação passiva em torno dos seus direitos perante o Réu, apenas aguardando pela atuação deste – Cfr. pontos 6, 7 e 10 da matéria de facto assente –, sem procurar ele próprio atuar como assim foi informado pelo Réu, fê-lo todavia em conformidade com a dimensão dos seus interesses, com o seu grau de auto determinação.».
Tendo, então, concluído nos seguintes termos: «Como julgamos, a atuação do Autor, que se situação abaixo daquela que o “homem médio” protagonizaria, e nada de acordo com a postura, saber e conhecimento profissional de alguém que é auxiliar na administração da justiça [Cfr. artigos 88.º e 90.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados] desde 31 de março de 1978 – Cfr. fotocópia da cédula profissional do Autor, a fls. 144 dos autos em suporte físico -, concorreu sobremaneira para a ocorrência e superveniência dos danos dados como provados - Cfr. pontos 3, 6, 7 e 23 da matéria de facto assente -, pelo que, para não dar como absolutamente excluído o dever de indemnizar por parte do Réu [pois a sua atuação não foi prosseguida em estrita observância do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, 4.º, n.º 3, 26.º, alíneas b) e d) e 27.º, todos do RGR], nos termos e para efeitos da alínea e) dos temas da prova, em conformidade com o disposto nos artigos 562.º, 563.º, 566.º, n.ºs 1 e 3, 4.º, alínea a), 570.º, e 496.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, condeno o Réu no pagamento ao Autor de uma indemnização/compensação que fixo em €750,00 [setecentos e cinquenta euros].»
Não podemos, todavia, subscrever este entendimento.
2.26 Desde logo, porque não competia ao autor levar a cabo, ele próprio, a medição acústica, contratando os serviços de uma empresa acreditada para o efeito. A competência de fiscalização pertence, nos termos legais ao MUNICÍPIO, e este, aliás, aceitou como boa a reclamação, e deu-lhe seguimento. Fê-lo, foi com demora, perdurando no tempo a situação geradora de ruído, que se veio a confirmar ser superior aos máximos legais consentidos, e assim, nociva para a saúde e bem-estar dos residentes no prédio, neles de incluindo o autor.
E se não competia ao autor ter aquela atuação ou conduta, que lhe foi, lembre-se, simplesmente sugerida pelo MUNICÍPIO, não se pode retirar da circunstância de o não o ter feito qualquer omissão negligente. Para a omissão ser juridicamente relevante, para efeitos da culpa do lesado, impunha-se a preexistência de um dever de atuação. E ela não existe.
E também por essa razão não tinha que invocar quaisquer dificuldades financeiras para justificar que não mandasse ele próprio realizar a medição de ruído por empresa certificada.
2.27 Por outro lado, não emerge como censurável a circunstância de o autor não ter lançado mão, no intervalo que mediou entre o momento em que apresentou a reclamação sobre o ruído ao MUNICÍPIO (22/12/2009) e a data em que a avaliação do ruído foi concluída com a elaboração do respetivo relatório (04/09/2013), de qualquer meio judicial destinada a fazer cessar a situação de ruído garantindo o seu direito ao sono e ao descanso.
No caso, aliás, o autor não se poupou em envidar esforços nesse sentido, seja através de diligências junto do proprietário do estabelecimento de talho, seja através de exposições dirigidas ao MUNICÍPIO (...), que o probatório demonstra e verte (vide, designadamente, pontos 6. e 10. do probatório).
Sendo que na sequência da sua nova exposição de 06/09/2010 o MUNICÍPIO (...) informou não ter ainda sido possível proceder ao agendamento da medição acústica, por motivos que se prendiam com a resolução de situações pendentes com entrada anterior à sua reclamação, e que, assim, logo que fosse possível seria contactado para marcação da medição acústica (vide ponto 7. do probatório).
Confiaria, então, naturalmente, que ela viesse, entretanto, a ser efetuada, ainda que com desconhecimento da data previsível, sobre a qual o MUNICÍPIO não informou. Sendo que o réu MUNICÍPIO não recusou ou negou ao autor o tratamento da sua reclamação, com realização do exame acústico à fonte de ruído, antes afirmou que o faria.
E em 16/11/2012 o autor apresentou nova exposição dizendo que apesar das queixas que lhe dirigiu nada havia ainda sido feito para resolver o ruído, e dando nota de que o estabelecimento de talho havia acabado de fazer obras e que o barulho havia aumentado, que todos os ali moradores se queixam do ruído noturno feito por um compressor de aparelho frigorífico incorporado na parede do estabelecimento de talho; que falou com a gerência do talho e se queixou várias vezes; que quando desligam o aparelho não há barulho ou ruído, o que prova que o barulho e o ruído provêm do compressor do frigorífico; que o aparelho arranca e desliga, de x em x minutos, impedindo de dormir e descansar, havendo pessoas que têm de tomar medicamentos para dormir por causa do barulho do compressor do talho, terminando solicitando a tomada de medidas adequadas com vista à resolução do ruído (vide ponto 10. do probatório).
2.28 O autor não deixou, pois, ao longo daquele período, de reivindicar ao MUNICÍPIO que atuasse. O que veio a acontecer, ainda que apenas em julho e agosto de 2013, quando foi realizada a medição do ruído, que deu lugar ao respetivo relatório de 04/09/2013.
2.29 Neste contexto não se descortina omissão de ação do autor, nem se vê como pode ter contribuído para a produção ou agravação dos danos não patrimoniais em causa. Não podendo ter-se por verificada a culpa do autor-lesado, como se considerou na sentença recorrida. Pelo que a mesma incorre, nesta parte, no erro de julgamento que lhe vem apontado.
2.30 Mas como se refletirá este erro de julgamento no quantum indemnizatório?
2.31 Nos termos do disposto no artigo 496º nº1 do Código Civil a indemnização pelos danos não patrimoniais que por revelarem gravidade mereçam a tutela do direito é fixada equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil, isto é, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
2.32 A sentença recorrida fixou a indemnização no montante de 750,00€. E fê-lo, tendo presente, desde logo, a natureza não patrimonial dos danos dados como provados nos autos, a que assim se referiu: «Relativamente aos danos não patrimoniais, atento o que neste domínio resultou provado – Cfr. ponto 23 da matéria de facto assente -, e face ao que dispõe o artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, julgamos que o facto de a situação vivenciada pelo Autor, na sua relação com o Réu quanto à reclamação e o período por que durou a mesma a ser tratada, mais concretamente, por ter o Réu demorado 4 anos a realizar uma medição acústica, e que por todo esse período o deixou desgastado a nível físico e psíquico, ansioso, irritado e cansado, e a dormir menos, é matéria que, por si, como julgamos e no contexto em causa, merece a tutela do direito».
Mas atendeu também, como já vimos, à circunstância, que julgou verificada, embora erradamente, de o autor ter contribuído com culpa para a produção dos danos ou do seu agravamento.
E para além disso considerou também, que «…a indemnização peticionada pelo autor, que é de montante idêntico àquela que pediu ao proprietário do estabelecimento comercial de talho, que lhe provocou os danos, no âmbito do Processo n.º 1908/15.4T8PRT, é manifestamente exagerada, desde logo, porquanto não está em apreço nestes autos, a concessão de uma indemnização ao Autor, por parte do Réu, pelos danos infligidos, antes pela demora na realização da medição acústica, ou de outra forma, pela sua não realização no tempo pretendido pelo Autor, porque o Réu tinha pendentes outras medições acústicas, e a sua organização interna, em termos de recursos humanos e materiais não o permitir. E essa quantificação em torno do montante indemnizatório, não pode passar pela mesma bitola».
2.33 A culpa que foi reconhecida ao réu MUNICÍPIO integra a chamada culpa de serviço, e o ilícito que foi imputado, o de omissão (retardamento) do exercício dos poderes de fiscalização, através da realização do exame acústico ao estabelecimento de talho.
2.34 A respeito da responsabilidade do Estado e das pessoas coletivas de direito público decorrente do incumprimento de deveres de fiscalização, refere Paulo Otero, in, “Direito fundamental à responsabilidade civil dos poderes públicos e crise financeira: esboço de uma metódica ponderativa de restrição”, inRegime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas: Comentários à Luz da Jurisprudência”, Coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, 2ª Edição, Lisboa, AAFDL, 2018, pág. 23-25, que “o desenvolvimento de um modelo intervencionista do Estado que se imiscui em todos os setores da sociedade civil, ora como regulador ou fiscal do cumprimento da regulação, ou então como simples garante de obrigações de terceiros, determinou que a Administração Pública fosse chamando a si a responsabilidade de novas áreas de matérias, isiu numa dupla aceção: - Responsabilizando-se por aquilo que fez e não devia ter feito ou deveria tê-lo feito em termos diferentes; - Responsabilizando-se por aquilo que não fez e deveria ter feito”.
2.34 Trata-se, como refere Carla Amado Gomes, in, “Responsabilidade administrativa por danos decorrentes de ações e omissões de atividades inspetivas externas: uma tentativa de enquadramento”, in, “Estudos sobre a atividade inspetiva”, Coordenação de Carla Amada Gomes e Ana Fernanda Neves, Lisboa, AAFDL, 2018, pág. 74., de “uma responsabilidade pelo exercício de uma função de salvaguarda de valores de relevo público”.
2.35 O réu MUNICÍPIO é responsável pelos danos que a sua atuação omissiva causou adequadamente. Não foi ele o emissor do ruído. Mas a demora na realização da avaliação acústica contribuiu para a manutenção da situação de ruído. E é na medida desse seu contributo que deve ser responsável. E os danos não patrimoniais do autor ocorrem ainda dentro do âmbito de proteção da norma que impõe o dever violado e que essa norma quer proteger.
2.36 E haverá cabimento na imputação de responsabilidade por omissão da função fiscalizadora perante a verificação de um dano merecedor da tutela do direito sempre que forem violados deveres concretos de fiscalização e de cuja não atuação contribuiu para a produção desse dano. Exigindo-se, por conseguinte, um nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita da ação fiscalizadora e o dano verificado.
2.37 Note-se que pressuposto da obrigação de indemnizar (e simultaneamente sua medida) é também o nexo de causalidade, estatuindo a tal respeito o artigo 563º do Código Civil, precisamente sob a epígrafe “nexo de causalidade”, que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
É reiterado o entendimento segundo o qual o artigo 563º do Código Civil consagrava a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Ennecerus/Lehmann no sentido de que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. De modo que para que se verifique nexo causal seja necessário que os danos, apreciados segundo um juízo de prognose póstuma, sustentado em critérios de normalidade e razoabilidade e na experiência comum, possam ser considerados consequência normal da lesão, ou seja, que a ação ou omissão (facto) se mostre adequada à produção do dano, gerando fortes probabilidades de o originar.
E a tal respeito tem-se entendido que para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado. E que depois há ainda que ver se aquele facto era, em abstrato, ou em geral, segundo as regras da vida, causa adequada ou apropriada, para a produção do dano.
Pelo que a esta luz não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto (ilícito), mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, isto é, aqueles cuja ocorrência esteja com ele numa relação de adequação causal. O juízo de adequação causal tem assim que assentar numa relação entre o facto e o dano, de modo que este corresponda a uma decorrência adequada daquele. A este respeito, Mário Júlio Almeida e Costa, in, “Direito das Obrigações”, 11.ª edição, pág. 605, diz que “(…) não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos (art. 563.º).”.
2.38 Tal não implica, porém, que se exija a exclusividade da condição, no sentido de que tenha o facto (ilícito) que ter, só por si, determinado o dano, admitindo-se poderem ter colaborado na sua produção outros factos, concomitantes ou posteriores, por a causalidade não ter que ser necessariamente direta e imediata, podendo ser meramente indireta, desde que o facto (ilícito) condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano.
E esse tem sido o sentido em que a jurisprudência se vem pronunciando, acompanhando também a doutrina, considerando existir nexo de causalidade adequada entre a conduta (ilícita) e o dano quando este, pelas regras de experiência comum, possa ser consequência daquela, bastando uma causalidade indireta, que se dá “quando o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste." vide, entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/03/2007, Proc. 3956/06; de 31/03/2009, Proc. 08B2421 e de 20/01/2010, Procº. nº. 670/04.0TCGMR.S, in, www.dgsi.pt/jstj.
Ou, noutra dimensão, que o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, ser de todo inadequado e o dano se haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais, importando citar, pela sua clareza, o que a este respeito se diz no Acórdão do STJ de 07/04/2005, Proc. 03B4474, in, www.dgsi.pt/jstj: “…na conceção mais criteriosa da doutrina da causalidade adequada, para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual - a «formulação negativa», acolhida no artigo 563.º do Código Civil segundo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça - o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto”. E como diz Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – anotado”, Coimbra Editora, 2008, pág. 81-82, em nota 9 ao artigo 3º daquele regime, a problemática do nexo causal envolve “uma «vertente naturalística», que se contém no âmbito restrito da matéria factual, e consiste em saber se o facto, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; e uma «vertente jurídica», que constitui matéria de direito (…) que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano”. E que, continua, “partindo de uma formulação negativa («danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»), que, por isso mesmo, consente uma aceção mais ampla da causalidade adequada, o artigo 563º não exige a exclusividade do facto condicionante do dano (no sentido que só esse facto tenha determinado o dano), admitindo que outros factos, contemporâneos ou posteriores, possam ter também concorrido para a sua produção. Do mesmo passo que se não exclui uma causalidade indireta ou mediata, o que sucede «quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste».”
E esta aceção, mais ampla, de causalidade adequada para efeitos do estabelecimento do nexo causal entre o facto (ilícito) e o dano, tem cabimento em sede de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícitos do Estado e demais entidades públicas não só em face do disposto no artigo 563º do Código Civil (acompanhando-se a jurisprudência e doutrina civilista), mas igualmente perante o regime de responsabilidade aprovado pela Lei nº 67/2007, mormente dos seus artigos 3º nº 3, 7º nºs 1, 3 e 4, 9º nºs 1 e 2 e 10º nº 4, à luz do artigo 22º da CRP, como o evidencia a expressão “de que resulte” ali contida – neste sentido, vide o acórdão do TCA Sul de 26/03/2015, Proc. nº 08446/12, in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores, em que se sumariou o seguinte: «(…) II - O juízo de adequação causal tem que assentar numa relação entre o facto e o dano de modo que este corresponda a uma decorrência adequada daquele. Existirá nexo de causalidade adequada entre a conduta (ilícita) e o dano quando este possa ser consequência daquela, bastando uma causalidade indireta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste. (…)».
2.39 Na situação presente a atuação omissiva do MUNICÍPIO não foi indiferente à produção do dano, à sua dimensão e intensidade, pois a atuação exigível em conformidade com o quadro normativo aplicáveis teria sido apta a evitar a perduração da situação de ruído em níveis superiores aos admissíveis, com fonte no estabelecimento de talho.
Tanto que, na sequência do Relatório de 04/09/2013, baseado nas medições de ruído efetuadas nos dias 4, 5 e 17 de julho e 23 de agosto, onde se concluiu que o ruído excedia em 5 dB(A) o limite máximo legal, o réu MUNICÍPIO notificou o responsável pelo estabelecimento no sentido de adotar medidas eficazes que garantissem a cessação de tal situação. O que veio a acontecer, já que tendo a proprietária do estabelecimento de talho feito obras de insonorização e redução do ruído produzido pelos equipamentos, após o que o réu MUNICÍPIO efetuou nova medição de ruído, em cujo Relatório, datado de 29/10/2014 se concluiu que o ruído atingia 24 dB(A), sendo, assim, inferior ao limite de 27 dB (A), não traduzindo incomodidade os limites de ruído constatados (vide, designadamente, pontos 12. e 21. do probatório).
2.40 A obrigação de indemnização que recai sobre o réu MUNICÍPIO, a esse título, é, pois, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor em consequência da atuação omissiva daquele, e na medida do seu contributo.
Tudo circunstâncias que, a par do grau de culpa do agente e da situação económica do lesante e lesado, devem, nos termos do disposto no 494º do Código Civil, ex vi do artigo 496º nº 1 do mesmo Código, ser consideradas na indemnização a fixar equitativamente quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
2.41 A sentença recorrida fixou a indemnização no montante de 750,00€, mas fê-lo convocando, em erro de julgamento como já se viu, a culpa do autor-lesado.
A recusa, que supra se decidiu, da contribuição do autor-lesado para a produção ou agravamento dos danos, implica, naturalmente, que a indemnização fixada na sentença recorrida pelos danos não patrimoniais seja agora revista.
Implicando, porque se trata precisamente de danos patrimoniais, que se convoque novamente todas as circunstâncias que para o efeito devem ser atendidas, e que já se percorreram.
E porque o recurso é interposto pelo autor (que obteve apenas procedência parcial do pedido) e não pelo réu, a indemnização agora a fixar nunca poderá ser inferior aos 750,00€ a que o réu MUNICÍPIO (...) já foi condenado na sentença, nem superior aos 16.000,00€ que foram peticionados pelo autor na ação.
2.42 Dito isto, e em face de tudo o que supra se expôs, considerando que a atuação omissiva do MUNICÍPIO respeita à demora na realização da medição acústica à fonte de ruído, enquanto obrigação decorrente do seu dever de fiscalização que legalmente lhe estava acometida; tendo presente que essa mesma demora se fundou na circunstância invocada pelo réu MUNICÍPIO de ter outras medições acústicas pendentes, significando que seus recursos, humanos e materiais, não permitiam realizá-la em momento anterior; que neste contexto a culpa do réu MUNICÍPIO assume a forma de culpa de serviço, cujo grau não ultrapassa a mera negligência ou culpa leve, a qual se prende, no caso concreto, com o modo como o MUNICÍPIO procede à alocação dos seus recursos para a realização das tarefas que lhe estão legalmente acometidas e que fazem parte das suas atribuições e competências; atendendo ao tempo decorrido entre a reclamação, apresentada em 22/12/2009 e a data em que a avaliação do ruído foi efetuada (julho e agosto de 2013), a qual contribuiu para que a situação de ruído (de 5dB acima do limite máximo admissível) perdurasse e tendo presente que o réu MUNICÍPIO é uma autarquia local, pessoa coletiva de direito público, e o autor-lesado, uma pessoa singular, residente no prédio em que se encontra instalado o estabelecimento em que o ruído era gerado, e que perdurou, e que o autor-lesado, nascido a 04/01/1953, atualmente 67 anos, tinha à data dos factos, entre 56 e 60, consideramos justa e adequada a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais no montante de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) a pagar pelo do réu MUNICÍPIO (...) ao autor. O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em:
- negar provimento ao recurso na parte em que é dirigido ao despacho interlocutório proferido em sede de audiência prévia, mantendo-se o mesmo;
- conceder provimento ao recurso na parte em que é dirigido à sentença recorrida e, revogando-se a mesma com os fundamentos supra expostos, condenar o réu MUNICÍPIO (...) a pagar ao autor a indemnização de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
*
Custas a cargo do recorrente e recorrido, na proporção do respetivo decaimento - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 18 de dezembro de 2020

M. Helena Canelas (relatora)
Isabel Costa (1ª adjunta)
Rogério Martins (2º adjunto)