Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00371/13.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/04/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL; LEI Nº 24/2007;
AUTOESTRADA; ÓNUS DE PROVA
Sumário:1 - Resulta do art.º 12º da Lei nº 24/2007 que nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito, designadamente, a objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
A concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, está assim onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.
Assim, compete à concessionária da via provar que o acidente não terá resultado de culpa sua, atenta a circunstância de ter todas as condições de segurança que estavam a seu cargo, mormente elidindo a presunção da falta de cumprimento das obrigações de segurança (presunção de ilicitude e de culpa) no que respeita ao acidente.
Fazendo o art. 12.º da Lei n.º 24/07 recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes resultem, designadamente, de objetos existentes nas faixas de rodagem, competia à Concessionária, mais do que a mera prova genérica de que procede a patrulhamentos da via concessionada.
2 - A existência de um tronco de madeira na autoestrada pode resultar de diversas proveniências, incluindo ter aí sido largado intencional ou inintencionalmente por um qualquer individuo, utilizador, ou não, da via, sendo que, enquanto não for conhecida a efetiva razão do sucedido, na dúvida, é a favor do lesado, e não da concessionária que a questão terá de ser resolvida, à luz do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007.
Caso fosse possível afastar a presunção, pela mera alegação de que funcionários da concessionária passavam nos diversos locais da autoestrada, de duas em duas horas, estar-se-ia a subverter a própria presunção de culpa legalmente estabelecida, que passaria a constituir a um mero requisito formal, facilmente contornável.
Não pode ficar a cargo do utilizador da autoestrada sinistrado a prova da origem do obstáculo, pois que se assim fosse, mais uma vez se estaria a subverter a presunção legal de culpa da concessionária.
O afastamento da presunção de incumprimento que sobre si impende, só poderia operar se a Concessionária fizesse prova que a existência do tronco de madeira no pavimento da autoestrada que determinou o acidente, surgiu de forma inopinada ou foi colocado de forma intencional ou negligente, por outrem.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoestradas Norte Litoral – Sociedade Concessionária AENL, SA
Recorrido 1:APSMP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
Autoestradas Norte Litoral – Sociedade Concessionária AENL SA, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, que foi intentada por APSMP, na qual peticionou a atribuição de uma indemnização de 5.604,55€, mais juros, em resultado de acidente de que foi vitima em 21 de Fevereiro de 2012 na A28, no sentido Porto/Vila do Conde, ao Km 15,050, inconformada com a Sentença proferida em 30 de Setembro de 2014, no TAF do Porto, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido condenada a pagar uma indemnização de 2.529,55€, mais juros, veio a recorrer da mesma (Cfr. fls. 176 a 191 Procº físico).

Formula a aqui Recorrente/Concessionária nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 189 a 191 Procº físico):

“A) A Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, estabelece uma presunção indireta de ilicitude porque não diz que se presume o incumprimento, mas, antes, que deve provar o cumprimento das obrigações de segurança na via;

B) A concessionária, ora recorrente, fez tudo o que lhe era exigível e possível em termos de razoabilidade e exequibilidade em sede de cumprimento das obrigações de segurança;

C) O aparecimento súbito de um tronco de madeira na via não é, por si só, suficiente para responsabilizar a ré;

D) A ré logrou provar todos os factos por si alegados em matéria de fiscalização e prevenção de acidentes;

E) Desse mesmo acervo de factos provados resulta de forma clara que não se trata apenas do cumprimento genérico de medidas por si implementadas com vista a evitar a presença de objetos na via;

F) A elisão da presunção de culpa satisfaz-se mediante a demonstração de terem sido respeitados os deveres do comportamento exigíveis segundo o padrão do bom pai de família, sem que seja necessário provar o facto estranho que desencadeou o sinistro;

G) Para que tal fosse possível a ré teria de fiscalizar individualmente cada uma das viaturas que circulam diariamente na A28, que são dezenas de milhares;

H) A obrigação que impende sobre a ré é de meios, de envidar esforços, e não de resultado;

I) Os esforços e cuidados que coloca diariamente na vigilância da via integram totalmente o que é exigível e exequível em termos de razoabilidade;

J) A vigilância permanente não pode garantir resultados absolutos que, de resto, não são exigíveis legalmente;

K) A concessionária só lograria explicar o modo, momento e forma como o objeto foi lançado na via se tivesse o dom da omnipresença;

L) Mas nem mesmo com o dom da omnipresença evitava que o objeto fosse lançado na via e provocasse danos;

M) É também totalmente irrealista e impraticável exigir à concessionária evite ocorrências danosas na via;

N) Prova a constante e permanente vigilância da via a circunstância do vigilante ter acorrido ao local 5 minutos após a sua chamada, sem esquecer o relevante facto de uma hora antes não se encontrar qualquer objeto na via no local onde ocorreu o evento danoso, conforme ficou provado;

O) A douta decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, em face da matéria de facto provada.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva, como é de inteira e esperada JUSTIÇA.”

O Recorrido/APSMP veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 2 de Dezembro de 2014, sem conclusões (Cfr. fls. 198 a 216 Procº físico).

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 5 de Janeiro de 2015 (Cfr. fls. 238 Procº físico).

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 28 de Setembro de 2015 (Cfr. fls. 228 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
A principal questão a apreciar resulta da invocada “errada interpretação e aplicação da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, em face da matéria de facto provada”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz por se entender ser a mesma suficiente, ajustada e adequada:

“A factualidade provada é a seguinte:
1) No dia 21 de Fevereiro de 2012, pelas 11:00 horas, ocorreu um acidente de viação na A28, no sentido Porto - Vila do Conde, ao Km 15,050, concelho de Vila do Conde, distrito do Porto.
2) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o Autor conduzia o motociclo de marca B..., de matrícula **- HM -**, fazendo-o pelo corredor de circulação mais à direita, atento o seu sentido de marcha.
3) A uma velocidade não superior a 100 km horários.
4) À sua frente circulava um veículo.
5) O Autor efetuou uma manobra de ultrapassagem a esse veículo.
6) Quando ingressa no corredor de circulação mais à esquerda, depara-se, de forma súbita e inopinada, com um tronco de madeira com mais de um metro de comprimento e com 20 cm de altura, o qual se encontra no pavimento a ocupar parte substancial do corredor de circulação, no meio da via.
7) O A. embateu no dito tronco, de forma violenta, perdendo o controlo do veículo.
8) O Autor limitou-se a tentar equilibrar-se em cima do seu motociclo, deixando o mesmo imobilizar-se por força da inércia.
9) O veículo veio a imobilizar-se ao km 15,800.
10) No local do embate, e atento o sentido de marcha seguido pelo HM, a artéria descreve-se em reta, sendo constituída por dois corredores de circulação, ambos afetos ao mesmo sentido de circulação.
11) Em consequência do embate o motociclo de matrícula HM sofreu danos materiais, em toda a sua frente, necessitando de reparação ao nível designadamente na jante da roda da frente e traseira, suporte, traseira e frente, e bem assim, mão-de-obra, tudo no montante de € 1.849,00 (mil, oitocentos e quarenta e nove euros) - cfr. doc. 5 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12) O motociclo de matrícula HM era utilizado diariamente pelo Autor.
13) O A. é médico, com residência em Vila do Conde, prestando serviços no Porto (Hospital Pedro Hispano), Póvoa do Varzim (Hospital S. Pedro Pescador) e Vila do Conde (Clínica da Marginal e Clínica dos Navegantes).
14) O A. necessita do veículo HM para exercer a sua profissão.
15) O A. utilizava também o veículo HM nas suas atividades lúdicas e na organização do seu agregado familiar.
16) O Autor fez uma exposição que dirigiu à Ré, expondo a situação e reclamando o pagamento dos danos sofridos - cfr. doc. 6 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
17) A Ré respondeu nos termos do doc. 7 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
18) O Autor incorreu ainda nas seguintes despesas: i. Certidão da participação de acidente de viação - € 47.05 (quarenta e sete euros e cinco cêntimos); ii. Despesas hospitalares € 133,50 (cento e trinta e três euros e cinquenta cêntimos) – cfr. docs. 9, 10 e 11 juntos com a p.i. que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
19) Em consequência do acidente o Autor sofreu danos corporais, designadamente traumatismo cervical, carecendo de tratamento hospitalar.
20) O A. recorreu ao serviço de urgência do Hospital S. Pedro Pescador sito na cidade da Póvoa do Varzim, queixando-se de cervicalgia e dorsalombalgia pós traumática.
21) Na triagem de Manchester foi-lhe atribuída uma gravidade 4.
22) Como a dor não passava o Autor realizou exames radiológicos (coluna lombar, coluna dorsal, coluna cervical e joelho direito).
23) Tendo-lhe sido ministrado medicação, designadamente Diclofenac, Tiocolquicosido, Diazepam, Petidina, Tramadol e Paracetamol.
24) Após o resultado dos exames radiológicos, o Autor teve alta hospitalar tendo-se deslocado para casa - cfr. doc. 12 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
25) Do acidente foi elaborada participação pela GNR (destacamento de Trânsito do Porto) – doc. 1 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
26) Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os doc. 2,3 e 4 (fotografias) para todos os efeitos legais.
27) A Ré é a concessionária da A28.
28) A Ré procede a patrulhamentos diários da via concessionada, utilizando, para o efeito, viaturas que circulam durante as 24 horas, passando, em média, pelo mesmo local com um intervalo de duas horas.
29) As viaturas afetas ao patrulhamento circulam a velocidade moderada, entre os 70/80km/hora.
30) Nos patrulhamentos efetuados antes do acidente não foi detetada a presença de objetos na via.
31) A Ré dispõe, na via concessionada, de postos SOS, de dois em dois quilómetros, e de número de telefone “azul” em funcionamento permanente durante todos os dias do ano, publicitados em toda a extensão da via.
32) A Ré possui ainda de painéis de mensagem variável ao longo da extensão da via concessionada.
33) A Ré teve conhecimento do acidente no dia 21/02/2012, pelas 11h05m através do número azul - doc. 1 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
34) O Centro de Controlo da Ré, que recebeu a chamada, de imediato contactou o vigilante mais próximo do local para tomar conta da ocorrência e adotar os procedimentos adequados.
35) O vigilante interpelado, AS, chegou ao local da alegada ocorrência às 11h10m – cfr. doc. 1 junto com a contestação.
36) O mesmo vigilante passou pelo local da ocorrência por volta das 10 horas e nada viu.
37) No registo do incidente o vigilante AS fez constar o seguinte: “Utente circulava na A28, e ligou para o centro de controlo a informar que estava um pedaço de madeira na via. Fui ao local, e estava um barrote de madeira com cerca de um metro de comprido na via esquerda. Retirei o barrote. No local onde estava o barrote de madeira encontrava-se um condutor do motociclo a tirar fotos ao pedaço de madeira. O condutor do motociclo disse-me que tinha embatido no barrote, e tinha partido a jante da frente. O motociclo estava imobilizado ao Pk 15,500. Fui perto do motociclo para ver os danos, confirmando que a jante estava partida. As causas do barrote na via são desconhecidas” – cfr. doc. n° 2 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
38) Da contagem do tráfego diário com referência ao dia 21/02/2012 e ao sublanço Angeiras/Modivas, sentido Sul/Norte, localizado ao Pk 15,070 passaram entre as 10h00 e as 10h59m 681 veículos, sendo 664 ligeiros e 17 pesados, e entre as 11h00 e as 11h59m 913, sendo 878 ligeiros e 35 pesados — doc.3 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
39) Na A28 estão instaladas câmaras de vigilância.

Factos não provados:
- O Autor não tinha mais nenhum veículo para colmatar a falta do veículo acidentado.
- O Autor teve necessidade de recorrer à ajuda de amigos e familiares.
- O A. ficou privado durante 43 dias do uso da viatura sinistrada.
- Com o passar dos dias as dores foram-se agudizando, passando a ser insuportável para o Autor aguentá-las, ainda que com o consumo reiterado de analgésicos e anti-inflamatórios.
- O A. teve dores que aumentavam quando pegava em pesos ou quando fazia qualquer movimento que implicasse o movimento da coluna cervical.
- Mesmo cumprindo à risca as indicações médicas, o Autor padeceu de muitas dores, nomeadamente, quando pegava em pesos ou quando fazia qualquer movimento que implicasse o movimento da coluna cervical.
- Bastava sujeitar a coluna cervical ao mínimo esforço para o Autor se sentir limitado e constrangido.
- O Autor teve ainda muitas dores quando ocorreu a mudança de temperatura.
- Ao A. foi-lhe aplicado um colar cervical com que andou três semanas.
- O Autor teve um período de incapacidade temporária parcial de cerca de 3 semanas.
- o A. teve muitas dificuldades em dormir durante esse período.
- Durante quase um mês o Autor passou a ser uma pessoa nervosa, de difícil contacto, desconcentrado e ansioso.
- O A. era uma pessoa alegre, bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais.
- O Autor temeu pela sua integridade física e suportou um grande choque enquanto não soube o resultado dos exames radiológicos, já que temia ficar com lesões ao nível da cervical.”

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado em função da factualidade dada como provada.

O sentido da decisão face ao presente processo está, naturalmente, condicionado por aquilo que pôde ser dado como provado.

Decidiu-se em 1ª instância:
Julgar “(…) a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 2.529,55, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento (…).”

Desde logo, e no que concerne à matéria de Facto Provada, sublinha-se que a Concessionária, aqui Recorrente, não a impugna, o que determina a sua consolidação e estabilização.

Assim sendo, importará tão-só verificar se a sentença recorrida aplicou devidamente o regime legal vigente, designadamente a Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.

Desde logo, cabendo à concessionária, como se verá mais aprofundadamente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança a seu cargo, uma vez que a causa do acidente foi a presença de um tronco de madeira na via, importará verificar se a mesma elidiu a presunção da falta de cumprimento daquelas obrigações de segurança - presunção de ilicitude e de culpa - no que respeita ao acidente, sendo que “a Concessionária deverá manter as Autoestradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam”.

Vejamos então:
Importa desde já enquadrar a questão do ponto de vista normativo.
Atenda a data em que ocorreu o acidente (21 de Fevereiro de 2012) é predominantemente aplicável, em termos de Responsabilidade Civil a Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma que revogou o D.L. n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967.

Nos termos do Artº 7º, nº 1 do referido regime jurídico Estabelece “o Estado e demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.

Já o Artº 8º do mesmo diploma refere:
"1 - Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam em razão do cargo.
2 – O estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

Nos termos do art. 9º da referida Lei, consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

Já nos termos do Artº 10º “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”.

A responsabilidade civil da Administração por facto ilícito assenta ainda nos pressupostos análogos aos enunciados no artigo 483.º do Código Civil, a saber: o facto; a ilicitude; a culpa; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e dano.

No que concerne à “culpa”, afere-se a mesma pela diligência exigível a um funcionário ou agente típico, ou seja, um funcionário ou agente zeloso que atua com respeito pela lei.

Nos termos do artigo 487.º do Código Civil, resulta que é ao lesado que incumbiria provar a culpa do autor da lesão, não fora a existência de presunção de culpa, que inverte o ónus da prova.

Efetivamente, à data do acidente vigorava já o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias, designadamente, classificadas como autoestradas concessionadas, aprovado pela Lei nº 24/2007, de 18 de Julho.

O referido diploma, estabeleceu as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis para os utentes (art.º 1º).

Estabelece o art.º 12º da referida Lei nº 24/2007:
“1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:
a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente grave inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.

Assim, resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.

A referida presunção pressupõe, até prova em contrário, o incumprimento de um certo dever, constituindo uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).

Da factualidade provada, resulta que ocorreu a colisão do motociclo do Autor contra um tronco de madeira que se encontrava na via onde circulava no dia 21/2/2012 pelas 11h00m, na A28, no sentido Porto – Vila do Conde.

O motociclo careceu de reparação no montante de € 1.849,00 (mil, oitocentos e quarenta e nove euros).

Dos elementos disponíveis, resulta que ficaram provados os pressupostos da responsabilidade civil que ao Autor lhe competia provar, designadamente, o facto e os danos, bem como o respetivo nexo de causalidade entre ambos (artº 483º do CC).

Correspondentemente, competia à concessionária da via provar que o acidente não terá resultado de culpa sua, atenta a circunstância de ter todas as condições de segurança que estavam a seu cargo, mormente elidindo a presunção da falta de cumprimento das obrigações de segurança (presunção de ilicitude e de culpa) no que respeita ao acidente.
O tribunal a quo deu como provado que a concessionária da A28 procede a patrulhamentos diários da via concessionada, utilizando, para o efeito, viaturas que circulam durante as 24 horas, passando, em média, pelo mesmo local com um intervalo de duas horas, sendo que nos patrulhamentos efetuados antes do acidente não foi detetada a presença de quaisquer objetos na via. Tendo-se o acidente verificado às 11h00, o vigilante teria passado no local cerca de uma hora antes (10h00).

Entendeu o tribunal de 1ª instância que a concessionária não elidiu, em concreto, a presunção de ilicitude e culpa por sua parte na produção do acidente, uma vez que é obrigada a assegurar de modo continuado e permanente, a conservação das autoestradas de que é concessionária, devendo proceder às intervenções necessárias e adequadas para, salvo casos de força maior devidamente comprovados, nela se possa circular sem perigo.

Mais foi entendido que a concessionária não é alheia ao facto de, na via em que circulava o A. se encontrar um tronco de madeira em plena faixa de rodagem.

O que é facto é que, como se disse já, o art. 12.º da Lei n.º 24/07 faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes resultem, designadamente, de objetos existentes nas faixas de rodagem, pelo que efetivamente e como decidido pelo TAF do Porto, competia à Concessionária, mais do que a mera prova genérica de que procede a patrulhamentos da via concessionada.

Demonstrado que foi que o acidente participado resultou do facto de, na faixa de rodagem da identificada autoestrada se encontrar um tronco de madeira no qual o motociclo do Autor embateu o que provocou danos materiais no veículo e necessidade daquele recorrer ao Hospital, e não tendo a concessionária feito prova cabal que as ações de vigilância que exerce na via se mostram suficientes e adequadas, por forma a prevenir ocorrências desta natureza, e não tendo ficado demonstrado que o acidente tenha resultado de caso fortuito ou de força maior, não merece censura a decisão proferida de responsabilizar a concessionária pelos prejuízos materiais dados como provados.

Nos termos do art. 563° do C. Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

É manifesto que a existência de um tronco de madeira na autoestrada pode resultar de diversas proveniências, incluindo ter aí sido largado intencional ou inintencionalmente por um qualquer individuo, utilizador, ou não, da via, sendo que, enquanto não for conhecida a efetiva razão do sucedido, na dúvida, é a favor do lesado, e não da concessionária que a questão terá de ser resolvida, à luz do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007.

A suposta passagem de funcionários nos diversos locais da autoestrada, de duas em duas horas, só por si não chegará para elidir a presunção de culpa por parte da Concessionária.

Caso fosse possível afastar a referida presunção, pela mera alegação de que funcionários da concessionária passavam nos diversos locais da autoestrada, de duas em duas horas, estar-se-ia a subverter a própria presunção de culpa legalmente estabelecida, que passaria a constituir a um mero requisito formal, facilmente contornável.

Não pode igualmente ficar a cargo do utilizador da autoestrada sinistrado a prova da origem do obstáculo, pois que se assim fosse, mais uma vez se estaria a subverter a presunção legal de culpa da concessionária.

Só "caso de força maior devidamente verificado" permite desresponsabilizar a concessionária da obrigação de garantir a circulação em condições de segurança na via.

O afastamento da presunção de incumprimento que sobre si impende, só poderia operar se a Concessionária fizesse prova, o que não logrou fazer, que a existência do tronco de madeira no pavimento da autoestrada que determinou o acidente, surgiu de forma inopinada ou foi colocado de forma intencional ou negligente, por outrem.

Aqui chegados, vindo peticionada a atribuição de indemnização “pelos danos decorrentes do acidente” de 5.604,55€, o tribunal a quo condenou adequadamente a concessionária, em termos de danos materiais no pagamento de 1.849,00€, correspondentes à reparação do motociclo, 47,05€ correspondentes à emissão de participação do acidente e 133,50€ relativos a despesas hospitalares, no total de 2.529,55€.
No que respeita à indemnização peticionada de 2.500€ por danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, entendeu o tribunal a quo, atenta a prova feita, atribuir uma indemnização de 500€ a qual se mostra, equilibrada, suficiente e adequada, atento o art.º. 496, nº 1, do Código Civil que considera como ressarcíveis apenas os danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito, como é o caso da ofensa dos direitos à integridade física, saúde e qualidade de vida.


* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando-se o sentido da decisão proferida em 1ª Instância.
Custas pela Recorrente

Porto, 4 de Dezembro de 2015
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia