Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:004653/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, IRC DE 1998, MÉTODOS INDIRETOS, FUNDAMENTOS PARA O RECURSO À AVALIAÇÃO INDIRETA, SITUAÇÃO PATRIMONIAL DA EMPRESA, MARGEM BRUTA DE VENDA,
ERRO DE FACTO NOS PRESSUPOSTOS
Sumário:I- Padece de erro de facto nos pressupostos o ato que fundamenta a decisão da tributação pelos métodos indirectos com suporte em factos (alegadamente) ocorridos num exercício fiscal diverso daquele a que diz respeito.

II -Padece ainda de erro de direito nos pressupostos de direito, por errada interpretação da lei, o ato que suporta a decisão da tributação pelos métodos indirectos num desvio existente entre a margem bruta de vendas declarada pelo contribuinte e uma margem de bruta de vendas média, simulada pelos SIT com base na extrapolação de dados relativos a dois meses do exercício, e referentes a 60% da tipologia de artigos transacionados. O recurso a margens médias do lucro líquido sobre as vendas são uma das metodologias ao seu dispor, mas apenas e só para, e uma vez verificados os pressupostos para a tributação pelos métodos indiretos, chegar à quantificação presumida da matéria coletável.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:V., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
V., Lda., com os demais sinais nos autos, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida tendo por objeto liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1998, no montante de EUR 13.111,94 (PTE 2.628.707,00), vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1 - Da discussão da causa devem ser julgados provados os seguintes factos:
A - A carne de frango comercializada pela impugnante perde cerca de 1,5% de peso no processo de refrigeração no matadouro e mais, pelo menos, outro 1,5% de peso na distribuição por esta feita para os clientes.
B - Essa carne de frango é comprada em bruto tendo de ser “amanhada” e limpa para os clientes churrasqueiras, retirando-se os pescoços, os miúdos e as peles, e vendida com esses miúdos, para os clientes talhos;
C - Esses “subprodutos” (pescoços, peles e miúdos) são por vezes vendidos a preços mais baratos do que o do kilo da carcaça mas, muitas vezes, eram destruídos indo para o lixo.
D - A carne de frango comprada nos matadouros vem muitas vezes pisada não sendo possível à armazenista (impugnante) aperceber-se dessa anomalia.
Essa carne que depois é devolvida à impugnante já não é vendida nem devolvida pois, na larga maioria das vezes, principalmente em 1997, os produtos já não estavam condições.
E - À data dos anos fiscalizados as quebras resultantes de B. a D. cifravam-se em 4% a 5% do peso das matérias-primas e constituíam perdas normais da actividade sem necessidade de relevação contabilística.
F - A impugnante vendia, pelo menos em 2008, frango com miúdos e frango sem miúdos a preços diferentes consoante os cientes e até os fornecedores.
[depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas conforme acta de fls. 120 e 121, de 19 de Março de 2013, em concreto o de M. de 00.01 a 37.17, o de F., de 38.00 a 01.04.55 e o de A. de 01:05.00 a 01.26.44 e documentos constantes de fls. 38 a 46 48, 53 a 63 dos autos - Art.º do 108º, n.º 3 e 115º do CPPT (normas violadas) ]
2 - Devem alterar-se os factos provados em 2) da douta sentença na parte em que se reproduz o Relatório de Fiscalização sem qualquer conciliação com o ponto 9. dos factos provados incluindo a matéria que lhe foi aditada em sede de decisão pelo Director de Finanças após revisão e que, relativamente a 1998, alterou os valores apurados no Relatório, apurando-se uma “nova margem após correcção” para esse exercício de 7,4% (ao invés dos 12,2% iniciais) - confr. Doc. 2
Sem prescindir,
3 - Fazendo uma análise crítica do relatório da inspeção, base das liquidações impugnadas, verifica-se, que a margem de lucro ponderada foi firmada com base em dois meses, sem estudo da sua aderência à totalidade da população, não se demonstrou que esta amostra de dois meses fosse aleatória, e verifica-se ainda que a margem de lucro foi apurada sem ter em conta os desperdícios e quebras efetivos e ainda a devida tolerância de desvio amostral.
4 - Por outro lado está demonstrado, que os elementos da população são muito instáveis, quer no mix dos produtos, quer nos preços de compra, quer nos de venda e que os pescoços e miúdos são vendidos a preços muito inferiores ao frango, o que coloca em crise todo o raciocínio da margem de lucro ponderada expresso no relatório da inspeção.
5 - Ignorando toda essa factualidade o Tribunal manteve a “amostra” dos dois meses, entendeu esse erro aos 40% de artigos com margens de lucro muito inferiores, ignorou as quebras normais da actividade sem possibilidade de relevação contabilística, acabando por confundir mercadoria/quantidades com valor quando justifica que as perdas estão contabilizadas nos lucros
6 - Deu como existente a destruição de produtos por ultrapassarem o prazo de validade no percurso comercial da recorrente (e que ficam por conta desta) sem extrair daí a consequente conclusão de que, não tendo estes, igualmente, sido relevados pela AT, sempre as liquidações que os não consideraram estão eivadas de ilegalidade.
7 - Pelo que existe vício de fundamentação no recurso aos métodos indiretos, Art. 77º da LGT (norma violada).
8 - Existe erro nos pressupostos de facto na aplicação dos métodos indiretos, Art. 81º do CPT e 84º do CIVA e 51º do CIRC (normas violadas).
9 - Existe errónea quantificação e manifesto excesso de capacidade contributiva, Art. 84º do CIVA e 52º do CIRC e 81º do CPT (normas violadas).
10 - Existe vício de fundamentação na quantificação, artº 77º da LGT (norma violada).
11 - O procedimento está ainda eivado de preterição de formalidade essencial face à falta de notificação da recorrente sobre a data da realização do debate contraditório, em violação do disposto no art.º 91º da LGT.”
Termina pedindo:
“Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação recorrida, para que assim se faça Justiça.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, por entender que a decisão recorrida fez uma correta valoração da prova e dos factos, e uma acertada aplicação do direito, com apoio da doutrina e jurisprudência, não violando qualquer norma legal, e que a Recorrente insiste nos argumentos anteriormente enunciados na PI, nada acrescentando nas suas alegações de recurso que se revele capaz de abalar o sentido da decisão.
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Os vistos foram dispensados, com a anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa analisar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados.
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz na parte considerada pertinente:
“a) Factos provados:
Com interesse para a boa decisão da causa considero provados os seguintes factos:
1. A Impugnante exerce a atividade de Comércio de Produtos Avícolas.
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doc. de fls. 75 e sgs. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo para todos os que infra se descrevem.
2. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 25347 de 28.02.2000, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção Distrital de Finanças de Viseu, procederam a uma ação de inspeção à Impugnante, relativa aos exercícios dos anos de 1997, 1998 e 1999.
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doc. de fls. 75 e sgs. do PA,
3. Desta ação de inspeção resultou um Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta com interesse para a decisão, o seguinte:
“(...) 4. — Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiciários/indirectos
A contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial da empresa nem os resultados obtidos pela mesma, de que são exemplos:
- as margens brutas sobre o custo das vendas apresentadas pelo s.p. nos exercícios de 1997 e 1998 são incompatíveis com as que resultaram dos testes efectuados, o que mais adiante será demonstrado, e de que é indício o facto de a empresa ter apresentado no exercício de 1999, ano em que cessou a sua actividade, uma margem de 12,12%;
- o s.p. não movimenta contabilisticamente a conta depósitos à ordem embora no seu dia-a-dia trabalhe com bancos;
- o s.p. omite vendas à contabilidade de que é exemplo: no mês de dezembro de 1997 o contribuinte comprou 96.905,5 Kgs. de frango industrial. Vendeu no mesmo período 68.711,2 Kgs. Tendo em conta que no inventário final a empresa declara ter em stock 8.656 Kgs., existe uma diferença para menos nas vendas de 19.538,3 Kgs. de frango industrial. Aliás, o facto de em quase todos os meses do exercício de 1997 e na maior parte dos meses de 1998, o valor das compras ser superior ao das vendas, e tendo em conta as margens obtidas pela empresa, revela precisamente esse facto.
4.1. Testes efectuados
4.1.1. Exercício de 1997
Com o intuito de aquilatar da veracidade da margem apresentada pelo s.p. na sua declaração de rendimentos do exercício de 1997, - 5,73% foi efectuado um teste que seguiu os seguintes passos:
- seleccionamos aleatoriamente os meses de Maio e Dezembro;
- nestes períodos listamos as compras e as vendas efectuadas;
- depois foram calculados os respectivos preços médios de compra e de venda;
- de seguida foram calculadas as margens apuradas em cada mercadoria que posteriormente foram ponderadas pelo respectivo peso no valor das vendas;
- determinamos assim as margens ponderadas de Maio e Dezembro;
- finalmente, e para determinarmos a margem a aplicar no exercício, ponderamos aquelas duas margens pelo respectivo peso no valor das vendas. (...)
Chegámos assim a uma margem de 5% que contraria a apresentada pelo s.p. e que dada a dimensão do teste julgamos poder extrapolar para todo o exercício não correndo o risco de incorrermos num erro significativo.
4.1.2. Exercício de 1998
Atendendo ao peso que a comercialização de frango industrial representa no total das vendas da empresa, mais de 60%, para este exercício seguimos os mesmos passos utilizados nos testes efectuados para 1997, tendo em conta apenas a mercadoria “frango”. (...)
Chegámos assim a uma margem de 12,2% para o exercício de 1998 que contraria a apresentada pelo s.p., aliás quase idêntica à que o contribuinte apresenta no exercício de 1999. (...)
5. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiciários/indirectos
Como já se demonstrou a contabilidade não reflecte a realidade empresarial do s.p.. Dado não ser possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação do resultado tributável, propõe-se que o apuramento do mesmo seja efectuado através da aplicação de métodos indiciários, conforme prevêem os artigos 16º e 51º, do CIRC.
5.1. Aplicação dos métodos indiciários
Para determinação dos resultados tributáveis corrigidos dos exercícios de 1997 e 1998 e do volume de negócios a fixar para efeitos de IVA aplicaremos ao custo das vendas apresentados pelo s.p. as respectivas margens brutas apuradas nos testes corrigindo-se assim os proveitos. Quanto aos custos não se vêem razões para efectuar quaisquer correções aos mesmos.(…).”
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doc. de fls. 75 e sgs. do PA.
4. A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção, pelo ofício 07343 de 11.04.2000, tendo exercido esse direito no dia 26.04.2000.
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doc. de fls. 72 e sgs. e 70 e sgs. do PA.
5. A Impugnante foi notificada do teor do capítulo do relatório em que é feita a apreciação da audição, por carta registada com aviso de receção assinada no dia 18.05.2000, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade.
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doc. de fls. 64 e sgs. do PA.
6. A Impugnante foi notificada da fixação do lucro tributável/imposto/volume de negócios (artigo 77º, da LGT), pelo ofício 15560, através de carta registada com aviso de receção assinada no dia 21.09.2000, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade.
_________________________________________________________________________________________________________________________________________
doc. de fls. 62 do PA.
7. A Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável no dia 16.10.2000.
_________________________________________________________________________________________________________________________________________
doc. de fls. 7 e sgs. do PA.
8. Através do ofício nº 2.807, enviado por carta registada com aviso de receção assinada no dia 21.02.2001, foi o perito da Impugnante notificado para comparecer na reunião do pedido de revisão da matéria tributável.
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doc de fls. 60 e sgs. do PA.
(…)
*
b) Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
*
c) Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e do PA, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.º, da Lei geral Tributária e artigo 362.º e sgs. do Código Civil).”
***
Em face do alegado pela Recorrente, e fazendo uso do dever resultante do disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, a fundamentação de facto é modificada, alterando-se o seu ponto 9 e aditando-se um facto, por se considerar esta alteração e aditamento indispensáveis para a correta fundamentação da decisão:
9. No dia 07.03.2001, realizou-se a “reunião do pedido de revisão da matéria tributável a que se refere o art. 91.º da Lei Geral Tributária – procedimento do art. 92.º da LGT”, na qual tomou parte o perito indicado pela V. Lda. e o perito indicado pela Administração Tributária, lendo-se o seguinte na respetiva ata (cf. ata 11/01, a fls. 33 a 36 dos autos):
(…) Aberta a reunião o perito do contribuinte, em primeiro lugar, disse que no exercício de 1998, no cálculo das margens de comercialização das vendas da amostra da inspecção tributária que serviu para determinar as vendas de mercadorias, foram cometidas incorrecções. No preço de aquisição considerou 11 % de desconto de factura e depois mais 11% da nota de crédito passada no final de cada mês. Este último desconto não respeita à totalidade da factura, pelo que não devia ter sido considerado 11% na totalidade mas sim a percentagem efectiva do desconto em relação à facturação.
O perito referiu ainda que as compras e os preços médios de aquisição do Kg de frango dos meses de Maio e Dezembro, não são os valores da amostragem da inspecção tributária de 250$00, e 243$00, mas sim 260$00 e 255$00. Esta divergência de valores deveu-se à inspecção tributária que cometeu erros de somas e põe em causa a amostragem e consequentemente o montante das vendas consideradas.
Seguidamente, o perito do reclamante disse que o custo das existências vendidas de 1998 que serviu de base ao cálculo das vendas pela aplicação da margem obtida, não está correto. Não lhe foi abatido o valor de 578 222$00, de descontos de compras do mês de Dezembro. Nota de Crédito n.º 1028652 de 22/02/99.
Em terceiro lugar, o perito do reclamante disse que a atividade do reclamante estava sujeita a quebras e desperdícios normais, não ponderadas no relatório da inspeção tributária.
Não constavam do processo todos os elementos comprovativos do afirmado pelo perito da reclamante, esta confirmação só podia ser obtida através da escrita do reclamante pelo que a reunião foi suspensa.
Após ter sido analisada a escrita do reclamante e confirmados os respetivos valores, os peritos voltaram a reunir-se no dia 21 do corrente mês, pelas 9 horas e 30 minutos.
Relativamente ao primeiro ponto, exposto pelo perito do contribuinte, os valores obtidos da contabilidade são os constantes dos mapas anexos, assim resumidos:



Compras de frango
MêsQuant. KgsValorP.U.
Maio73 104,419 024 848$260$20
Dezembro89 874,122 898 694$254$80
Soma162 978,541 923 542$257$20

Vendas de frango
MêsQuant. KgsValorP.U.
Maio70 40619 343 654$274$70
Dezembro84 680,523 497 2274277$50
Soma155 086,542 840 881$276$20

Margem de comercialização média ponderada, do relatório a inspeção tributária corrigida, nos dois meses = (276$20-257$20)/257$20=7,4%
O custo das mercadorias vendidas é da ordem dos 392 409 295$00 e não o valor considerado.
Os peritos, analisaram os elementos ao seu dispor com valores corrigidos e não chegaram a acordo.
O perito do contribuinte propõe que os valores da contabilidade de volume de negócios e lucro tributável devem ser mantidos.
Quanto ao perito da Administração Fiscal propõe que os valores referidos devem ser calculados tendo em consideração esta nova realidade. Quanto aos desperdícios não há na contabilidade qualquer registo ou indicação de desperdícios e quebras. A nova margem considerada é obtida tenho em consideração somente dois meses, se ela abrangesse um período mais longo do exercício poderia ser mais alta. No exercício de 1999 foi de 12,2%.
Conforme consta do relatório de inspeção tributária do mês de Dezembro foram detetadas falta de vendas pois adquiriu mais frango do que vendeu.
Assim a matéria coletável e o volume de negócios propostos são dos seguintes montantes:

Cálculo do volume de negócios
Ano1998
Custo das vendas392 409 295$
Margem7,4%
Vendas de mercadorias421 447 583$
Valores contabilizados399 657 880$
Valores em falta21 789 703$
IVA em falta1 089 485$


Cálculo do IRC
1998
Vendas de mercadorias421 447 583$
Prov. Financeiras62 898$
Total de proveitos421 510 481$
Total de custos414 247 035$
Resultado Tributável007 263 446$

Quanto ao exercício de 1997 mantêm-se os valores fixados.
O perito o contribuinte referiu em contraponto, ao dito quanto aos desperdícios, pelo perito da Fazenda Pública, o seguinte:
Não existe norma contabilística ou fiscal que obrigue ao registo de desperdícios normais na contabilidade – ver P.O.C.
O contribuinte não tem culpa da amostra ter sido efetuada a dois meses, em face do relatório de fiscalização e é de opinião que se fosse efetuada ao ano os valores até seriam inferiores.
Quanto à diferença, entre as compras e as vendas e stocks, em Dezembro de 1997, está de acordo com o exposto pelo reclamante nos pontos 21, 22 e 23 da petição em discussão.
O perito da Fazenda Nacional retomou a palavra e disse: quanto à falta de registo de vendas detetam-se, porque no mês de Dezembro foram adquiridos mais Kg de frango do que foram vendidos e não estão em existência.
(…)
10. No dia 21-03-2001, foi exarada decisão pelo Diretor de Finanças, com o seguinte teor (cf. decisão, a fls. 32 dos autos):
DECISÃO
(n º 6 do art. 92 º LGT)
Nos termos do nº 6 do artº 92º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos.
Analisada a respetiva acta verifica-se o seguinte:
Relativamente aos anos em causa, verifica-se que não foi conseguido acordo. No entanto, pelo Perito da Administração Tributária e relativamente ao exercício de 1998, foram propostas correcções de acordo (IRC e IVA) que quantificou na própria acta, propostas estas rejeitadas pelo Perito do Contribuinte c/ os fundamentos expressos também na respectiva acta.
Assim, considerando todos os elementos existentes, relatório da inspecção tributária, posição dos peritos, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, e nos termos do nº 6° do artº 92º da LGT, atendendo a·posição/defesa do Perito da Administração Tributária:
- manter o valores fixados de IRC/IVA do ano de 1997;
- Refixar/apurar os valores do ano de 1998, da seguinte forma:

Imposto/AnoLucro tributávelVolume negócios totalImposto falta
IRC/987.263.446$
IVA/98421.447.583$1.089.485$

Notifique-se.

II.2. Fundamentação de Direito

Importará começar por lembrar que no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito este Tribunal é soberano [cf. art. 5.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT], não estando por isso vinculado à qualificação jurídica dos factos representada pela Recorrente.
Interpretadas as alegações de recurso, delas resulta que a Recorrente assaca à sentença recorrida um conjunto de erros de facto e de direito no julgamento.
Assim, e por um lado, argumenta que a sentença deixou por provar factos pertinentes que, na sua tese, resultaram provados em consequência dos depoimentos das testemunhas ouvidas, assim como da prova documental existente nos autos, o que constitui erro de julgamento por omissão de fixação de factos.
Por outro lado, considera que foi feita uma errada interpretação da lei, não se tendo retirado as devidas ilações da sua aplicação aos factos provados, o que configura um erro de direito, na modalidade de erro de estatuição (cf. neste sentido PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 27).
Vejamos então.
Como é sabido, a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta, só podendo ocorrer nos casos expressamente prescritos na lei.
Tem por isso caráter excecional, só podendo ser despoletada pela Administração fiscal nos casos tarifados na lei, e apenas em situações em que se conclua pela impossibildiade em determinar a matéria coletável através a avaliação direta.
De sublinhar ainda que a avaliação indireta não tem caráter sancionatório, pois o seu objetivo não é sancionar o incumprimento dos deveres de cooperação pelo contribuinte, mas tão só “estabelecer a matéria tributável daquele sujeitos passivos que não tenham cumprido com as suas obrigações ou não o tenham feito corretamente”, pelo que através dela procura-se “determinar somente o valor efetivo da obrigação tributária que não foi cumprida e de maneira alguma, a fixação de uma matéria tributável diferente e quiçá mais elevada do que aquela que se teria estabelecido através da avaliação direta (…)” (cf. Ribeiro, João Sérgio – Tributação Presuntiva do Rendimento. Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável. Coleção Teses. Coimbra: Almedina, 2010, pág. 214).
Ou seja, a finalidade da avaliação indireta é de, a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração fiscal disponha, determinar “o rendimento real, ainda que presumido ou supostamente obtido, mas atendendo às condições de exploração do contribuinte” (cf. LOPES, Cristina Mota e MARTINS, António – A Tributação por Métodos Indiretos. Uma Análise do Enquadramento Jurisprudencial dos Pressupostos Contabilístico-Fiscais. Coimbra: Almedina, 2014, pág. 43; destacado nosso).
Assim, resultava do disposto no art. 51.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (a que corresponde o atual art. 57.º do CIRC), na redação vigente à data, que a determinação do lucro tributável por métodos indiciários apenas se poderia verificar caso se constatasse a inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução [alínea a)]; se se verificasse a recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação [alínea b)]; se se constatasse a existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal [alínea c)]; ou quando se constatasse a existênia de erros e inexatidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não refletia a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido [alínea d)].
Nas situações em que não ocorresse qualquer destas patologias, e a a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostrasse organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presumia-se a veracidade dos dados e apuramento dela decorrentes (art. 78.º do CPT, norma a que veio a suceder o art. 75.º da LGT).
Dado o seu caráter excecional e a consequente taxatividade dos seu fundamentos, resultava ainda do disposto no art. 81.º do CPT (norma a que viria a suceder o atual n.º 4 do art. 77.º da LGT) que a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificaria os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicaria os critérios utilizados na sua determinação.
No exercício de 1998 aqui em causa, a Recorrente dedicava-se-se à comercialização de produtos provenientes da avicultura (frangos, perús, galinhas e patos) e cunicultura (coelhos), comprando e vendendo os animais mortos.
Compulsado o Relatório de Inspeção produzido pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção Distrital de Finanças de Viseu, do qual resulta em grande parte a fundamentação do ato de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1998 aqui em causa, constata-se que a decisão de recorrer aos métodos indiretos para o cálculo da matéria coletável se enquadrou no fundamento constante na supracitada alínea d) do art. 51.º, n.º 1 do CIRC, pois entendeu-se que a contabilidade da Recorrente não refletia a exata situação patrimonial da empresa, nem os resultados obtidos pela mesma.
O RIT, no que se refere aos motivos pelos quais foi decidido recorrer aos métodos indiretos, explicita, no respetivo ponto 4, porque é que se considerou que a contabilidade não refletia a situação patrimonial da empresa, com recurso a três argumentos: (i) as margens brutas sobre o custo das vendas apresentadas pela Recorrente nos exercícios de 1997 e 1998 são incompatíveis com as que resultaram dos testes efectuados (pelos SIT) e de que seria indício o facto de a empresa ter apresentado no exercício de 1999, ano em que cessou a sua actividade, uma margem de 12,12%; (ii) a recorrente não movimentaria contabilisticamente a conta “depósitos à ordem” “embora no seu dia-a-dia trabalhe com bancos”; e por último, (iii) a Recorrente omitira vendas à contabilidade de que seria exemplo o facto de “no mês de dezembro de 1997 [ter comprado] 96.905,5 Kgs de frango industrial. Vendeu no mesmo período 68.711,2 Kgs. Tendo em conta que no inventário final a empresa declara ter em stock 8.656 Kgs, existe uma diferença para menos nas vendas de 19.538,3 Kgs de frango industrial. Aliás, o facto de em quase todos os meses do exercício de 1997 e na maior parte dos meses de 1998, o valor das compras ser superior ao das vendas, e tendo em conta as margens obtidas pela empresa, revela precisamente esse facto”.
A Recorrente assaca a este segmento da sustentação do ato de liquidação os vícios de falta de fundamentação e de erro de facto nos pressupostos, e insurge-se contra o facto de a sentença em crise não os ter reconhecido, razão pela qual entende que a mesma padece de erro de julgamento, de facto e de direito.
Concentra grande parte do seu esforço argumentativo na forma como os SIT chegaram, por estimativa, à margem bruta de venda e à margem bruta ponderada de venda que suportou, por um lado, os “testes” efetuados para por em causa a fiabilidade das margens brutas sobre o custo das vendas apresentadas pela Recorrente (com relevância para o caso) no exercício de 1998, e por outro lado que foi utilizada para, por extrapolação, chegar ao montante da matéria coletável que sustentou a correção adicional referente ao IRC para este exercício.
Neste sentido, argumenta a Recorrente que os SIT ignoraram completa e indevidamente as perdas normais na atividade que desenvolveu, e que têm a sua origem no processo de refrigeração, no processo e limpeza e amanho dos animais comercializados, maxime, dos frangos, e nas circunstâncias normais associadas à comercialização de produtos facilmente perecíveis, como é o caso, e que terão estado na origem de várias devoluções.
Argumenta ainda que a metodologia seguida pelos SIT apresenta várias falhas, como é caso com a falta de demonstração da aleatoriedade na escolha da amostra; o erro na escolha dos meses selecionados para a amostra, por falta de representatividade dos mesmos - não sendo, alega, os meses de maio e dezembro aqueles que melhor refletem as variações normais da sua atividade -; o erro, por falta de representatividade da população escolhida para a construção da margem bruta utilizada na extrapolação, uma vez que a mesma explicitamente ignorou 40% da realidade da empresa, apenas tendo considerado os frangos e descurado os restantes (tipos de) animais transacionados, o que, sublinha, não é de todo indiferente, posto que as vendas de frango têm margens superiores; e no que se refere aos frangos, a desconsideração da circunstância de por vezes os respetivos “miúdos” (vísceras e pescoços) serem vendidos separadamente, a preço mais baixo.
Vejamos, então.
No que diz respeito ao vício de falta de fundamentação do ato de liquidação adicional em causa, não tem a Recorrente razão, resultando da leitura das suas alegações de Recurso que, neste ponto, persiste em qualificar incorretamente o vício que pretende assacar ao ato.
A fundamentação dos atos administrativos – no caso, do ato administrativo tributário prototípico, de liquidação - é um direito dos administrados, que se encontra consagrado no art. 268.º, n.º 3, da CRP, e que é “entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada” (cf. CANOTILHO, J. J. GOMES e MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. II. 4.ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 825).
De facto, só um ato fundamentado é passível de controlo contencioso, designadamente no que se refere a vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos (de facto e de direito) e do desvio de poder.
O dever de fundamentação dos atos tributários encontra-se concretizado no art. 77.º, da LGT, e, como foi já referido, os requisitos particulares da fundamentação decisão de tributação pelos métodos indiretos encontravam-se previsto no art. 81.º do CPT, norma a que viria a suceder o atual n.º 4 do art. 77.º da LGT.
A fundamentação será suficiente “quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões (de facto e de direito) por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.” (cf. o acórdão do STA proferido em 2003-05-14, no proc. 0495/02, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Por sua vez, a fundamentação da decisão de tributar por métodos indiciários ou indiretos deve especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.
Assim sendo, andou bem a sentença recorrida a considerar não verificado o vício de falta de fundamentação, pois o ato contém e revela suficientemente os seus motivos, que, de resto, foram compreendidos pela Recorrente, como resulta profusamente demonstrado na sua alegação.
Dito de outro modo, a Recorrente compreendeu a motivação do ato, o que lhe permitiu apresentar através da via contenciosa eleita as razões da sua discordância com a mesma.
De facto, o que a Recorrente pretende verdadeiramente é assacar ao ato os vícios de erro de facto nos pressupostos e de défice de instrução, como veremos, e cuja falta de reconhecimento pela sentença a poderá ferir de erro de julgamento, caso se venha a concluir pela sua verificação.
Ora, e quanto a estes vícios, não pode este Tribunal deixar de dar razão à Recorrente.
Vejamos.
A Recorrente não se conforma com os motivos que levaram ao recurso aos métodos indiretos de avaliação da matéria coletável.
Ora, é patente a fragilidade da argumentação dos SIT para sustentar esta decisão. De facto, o único motivo que teria o pontencial para sustentar a existência de uma contabilidade pouco fiável, e de afastar o recurso à avaliação direta, não diz respeito ao exercicio de 1998.
Com efeito, a circunstância de a Recorrente omitir vendas à contabilidade no mês de dezembro de 1997, e de nesse mesmo mês o seu inventário (alegadamente) revelar uma diferença negativa (nas vendas) de 19.538,3 Kgs de frango industrial, não pode ser usada como fundamento para concluir pela inadequação da contabilidade referente ao exercício de 1998.
Para fundamentar o recurso aos métodos indiretos, os SIT teriam necessariamente de ter feito a instrução do ato tendo por referência o ano de 1998, e apresentado factos concretos referentes a esse exercício para sustentarem o recurso à avaliação indireta no mesmo, não podendo para o efeito basear-se numa extrapolação dos dados referentes ao ano anterior.
É patente que neste ponto o ato se encontra ferido de erro de facto nos pressupostos, e que revela um grosseiro défice de instrução.
Também a afirmação de que na “maior parte dos meses de 1998, o valor das compras ser superior ao das vendas, e tendo em conta as margens obtidas pela empresa, revela precisamente esse facto” não está devidamente sustentada em factos concretos, tanto mais, atendendo às características da atividade da Recorrente.
Vejamos.
Que a atividade da Recorrente implica o manuseamento de produtos perecíveis, decorre das regras de experiência comum, constituindo presunção judicial (cf. artigos 349.º e 351.º do Código Civil (CC)), ou ainda que assim não se entendesse, sempre deveria ser considerado facto notório, nos termos do disposto nos artigos 514.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e, do CPPT].
Com efeito, é facilmente percetível e alcançável pelas regras da experiência comum que um animal abatido para consumo humano é suscetível de degradação, e passível de sofrer alterações físicas, químicas e biológicas.
Ora, nas atividades de comercialização de produtos perecíveis, como é o caso, é natural que se verifiquem quebras nos inventários.
E então como agora, as quebras normais de uma atividade económica, desde que não tenham materialidade, não têm de ser sujeitas a registo contabilístico.
Tendo materialidade, a sua ocorrência poderia expressar-se através de um de dois procedimentos: através da alteração das quantidades e do custo unitário, mantendo-se o valor global (valor global = quantidade x custo unitário) das existências em armazém, neste caso, sem necessidade de qualquer lançamento nas contas pertinentes; ou alterando as quantidades e o valor global, mantendo o custo unitário das existências em armazém, neste caso efetuando o correspondente registo a débito na respetiva conta de conta de gastos (656 gastos/quebras normais em inventários) por contrapartida do registo a crédito na conta de regularizações em inventários (38x) (cf. neste sentido, Borges, António; Rodrigues, Azevedo; e Rodrigues, Rogério – Elementos de contabilidade geral. 24.ª edição. Lisboa, Áreas Editora, 2007, pág. 479).
Perante esta evidência, importaria que os SIT tivessem investigado e apurado o que é que neste setor económico seria aceitável como quebra normal, e que concretizassem, para o exercício de 1998, se essas perdas tiveram materialidade e se se afastaram do que é considerado aceitável para o setor.
Este esforço instrutório era necessário e prévio à conclusão de que a contabilidade da Recorrente não refletia a exata situação patrimonial da empresa.
Com efeito, neste contexto, não bastava referir, sem quantificar, que o valor das compras foi superior ao das vendas, pois estando em causa uma atividade comercial sustentada no manuseamento de bens perecíveis, havia que afrontar a questão das quebras normais.
Não o tendo feito, não é aceitável que, com fundamento em circunstâncias que diziam respeito a um outro exercício (1997) fundamentasse, como acabou por fazer, a alegada fragilidade da representação contabilística da situação patrimonial da empresa com base na comparação da margem bruta de vendas declarada pela Recorrente com uma margem bruta de venda simulada, fundada numa extrapolação dos dados (parciais, considerando apenas 60% da atividade) referentes a dois meses de 1998.
Assim, não é de aceitar como argumento para fundamentar o recurso a métodos indiretos, e sustentar a alegada falta de representação da situação patrimonial da empresa, a incompatibilidade das margens brutas sobre o custo das vendas apresentadas pela Recorrente nos exercícios de 1997 e 1998 com os “testes” efetuados pelos SIT, fundados na extrapolação dos dados recolhidos relativamente a dois meses do ano, de 60% dos produtos comercializados, no caso, frangos.
Muito menos é de aceitar, sem mais, como bom indício de invalidade das margens brutas sobre o custo das vendas apresentadas pela Recorrente em 1998 o seu afastamento da margem declarada no exercício de 1999.
Com efeito, não existe qualquer princípio económico que dite que as empresas têm de ter um lucro constante ao longo dos seus vários exercícios de atividade.
Por outro lado, e como bem refere a Recorrente – sendo esta uma das falhas que assaca à fundamentação de facto da sentença em apreço, que omite esta circunstância – a margem de lucro estimada de 12,2% a que os SIT chegaram no Relatório de Inspeção para o exercício de 1998, não resistiria à discussão efetuada no seio do procedimento de revisão da matéria coletável, no âmbito da qual foi corrigida para 7,4% (cf. pontos 9 e 10, da fundamentação de facto).
Que este argumento, em que os SIT se fundaram para concluir pela falta de fiabilidade da contabilidade da Recorrente é enganador, resulta também claramente da própria lei.
De facto, o que resulta da lei é, como já vimos, que existe uma presunção de veracidade dos dados e apuramento decorrentes da contabilidade ou escrita dos contribuintes (cf. art. 78.º do CPT, norma a que veio a suceder o art. 75.º da LGT), que é afastada quando se verifique uma das patologias expressamente referidas na lei - art. 51.º, n.º 1, do CIRC, na redação em vigor à data (a que corresponde o atual art. 57.º do CIRC, que remete para o disposto, neste caso, no art. 88.º da LGT), a inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos, irregularidades na sua organização ou execução, recusa da sua exibição e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação, a existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal, existência de erros e inexatidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflete a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido.
Quanto uma destas circunstâncias se verifique no caso concreto, estará a ATA habilitada a recorrer aos métodos indiretos para chegar à matéria coletável, que nestes casos terá de ser simulada, por ser impossivel a sua determinação direta com recurso à contabilidade.
Ora, um dos métodos que a lei admite para esta simulação matéria coletável, é o recurso a margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas [cf. alínea a) do art. 52.º do CIRC, na redação vigente à data, a que corresponde a atual alínea a) do n.º 1 do art. 90.º da LGT].
O que a lei já não permite, é que, numa total inversão da lógica deste mecanismo, se parta de um afastamento da margem de lucro declarada pelo contribuinte relativamente a uma margem média de lucro simulada – com base na extrapolação dos dados parciais (referentes a 60% da atividade) de dois meses do exercicio – para concluir que a sua contabilidade não reflete a situação patrimonial da empresa (!), como ocorreu no caso concreto.
Por fim, e quanto ao argumento de que a Recorrente não movimentaria contabilisticamente a conta depósitos à ordem “embora no seu dia-a-dia trabalhe com bancos”, também ele não tem consistência isoladamente, nem se revela por si só idóneo a sustentar o recurso aos métodos indiretos
De facto, em 1998 não existiam as obrigações legais que atualmente impendem – e bem - sobre as empresas, de manutenção obrigatória de contas afetas à atividade empresarial, e de proibição de pagamentos em numerário, resultantes do aditamento à LGT dos arts. 63.º-C e 63.º-E, respetivamente, pela Lei n.º 55.º-B/2004, de 30/12, entrada em vigor em 2005-01-01, e pela Lei n.º 92/2017, de 22/08, entrada em vigor em 2017-08-23.
Donde, nada impedia que os fluxos monetários da Recorrente ocorressem à margem da(s) respetiva(s) conta(s) bancária(s), não sendo de afastar sem mais uma eventual explicação operacional para esta circunstância.
Por outro lado, e se de facto todos os fluxos monetários da Recorrente se efetuavam através do banco, o argumento por si só não fundamenta a impossibilidade de reconstituição da situação real, embora tal exigisse um maior esforço por parte dos SIT, através da reconciliação dos movimentos bancários da Recorrente com os seus registos contabilisticos e correspondentes documento de suporte, ou, no limite, através do encetamento do procedimento de levantamento de sigilo bancário.
Refira-se ainda que na falta de outro elemento que sustentasse a ocorrência de um erro relevante da contabilidade, a falta de movimentação das contas de bancos não era passível de sustentar a alegada falta de revelação da verdadeira situação patrimonial da empresa, pois é de facto uma conta que diz respeito a fluxos monetários, e não aos fluxos reais e numa ótica financeira (despesa/receita), estes sim, relevantes para a divulgação da situação patrimonial.
Por último, mas não de somenos importância, importa referir que o Relatório não sustenta de facto as duas conclusões que assim enuncia categoricamente – que a Recorrente não movimentaria contabilisticamente a conta depósitos à ordem, “embora no seu dia-a-dia trabalhe com bancos” -, mas não demonstra.
Em face do exposto, não resta senão concluir que o ato de liquidação em apreço, ao decidir infundadamente pelo recurso a métodos indiretos, padece de erro de facto e de direito nos pressupostos, não estando devidamente instruído, pelo que não pode subsistir na ordem jurídica.
Perante a constatação de que o ato de liquidação em apreço se revela desconforme à lei na parte referente à decisão de recorrer ao apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos, fica prejudicado o conhecimento do recurso na parte concernente ao excesso de quantificação, que sendo logicamente posterior, não sobrevive à constatação de que aquela decisão se revela ilegal.
Assim sendo, não pode deixar de se concluir que a sentença, ao não reconhecer que o ato de liquidação se encontra eivado dos erros que o ferem de ilegalidade, errou no julgamento efetuado.
Não resta senão concluir pela procedência do recurso, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, anulando o ato de liquidação adicional de IRC de 1998 em causa.

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No que diz respeito à responsabilidade por custas, em face da decisão de procedência do presente recurso, a Fazenda Pública decai, aqui e na 1.ª instância, pelo que é sua a responsabilidade pelas custas.
No entanto, a impugnação judicial aqui em causa foi interposta em 2001-08-22, data em que se encontrava em vigor Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de fevereiro, e entrado em vigor no dia 199-02-12 (art. 10.º do DL 29/98), em cuja alínea a) do n.º 1 do art. 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do “Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados”.
Esta isenção deixou de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro no art. 2.º do Código das Custas Judiciais.
No entanto, aquele DL 324/2003 continha uma disposição transitória no seu art. 14.º, n.º 1, por força do qual as alterações ao Código das Custas Judiciais que introduziu apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 2004-01-01, nos termos do disposto no n.º 1, do seu art. 16.º.
Por sua vez, nos termos do disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP), quanto à respetiva aplicação no tempo, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção, o mesmo se verificando atualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13 de fevereiro, a qual, no n.º 4 do respetivo art. 8.º, prevê que: “Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.”
Assim sendo, e embora responsável pelas custas, em face do seu total decaimento, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respetivo pagamento, na 1.ª instância, e no presente recurso.

Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
Padece de erro de facto nos pressupostos o ato que fundamenta a decisão da tributação pelos métodos indirectos com suporte em factos (alegadamente) ocorridos num exercício fiscal diverso daquele a que diz respeito.
Padece ainda de erro de direito nos pressupostos de direito, por errada interpretação da lei, o ato que suporta a decisão da tributação pelos métodos indirectos num desvio existente entre a margem bruta de vendas declarada pelo contribuinte e uma margem de bruta de vendas média, simulada pelos SIT com base na extrapolação de dados relativos a dois meses do exercício, e referentes a 60% da tipologia de artigos transacionados. O recurso a margens médias do lucro líquido sobre as vendas são uma das metodologias ao seu dispor, mas apenas e só para, e uma vez verificados os pressupostos para a tributação pelos métodos indiretos, chegar à quantificação presumida da matéria coletável.
III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e em consequência revogar a sentença recorrida e anular o ato de liquidação de IRC referente ao exercício de 1998 da ora Recorrente sub judice.

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Custas pela Fazenda Pública, em ambas as instâncias, sem prejuízo da isenção subjetiva de que beneficia.
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Porto, 5 de novembro de 2020

Margarida Reis (relatora) - Cláudia Almeida - Paulo Moura