Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00061/23.4BEAVR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/17/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ACTOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», Requerente no presente processo cautelar, veio deduzir INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ATOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA, requerendo que o Tribunal julgue improcedentes as razões aduzidas na resolução fundamentada apresentada pelo CENTRO HOSPITALAR DE ..., EPE, e declare ineficazes os atos de execução identificados no artigo 16.º do seu requerimento e outros que venham, entretanto, a ser praticados.
Por decisão proferida pelo TAF de Aveiro foi julgado procedente o incidente, com a consequente ineficácia dos atos de execução praticados pela Entidade Requerida identificados nos pontos 4 a 9 do probatório.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Requerido formulou as seguintes conclusões:

I. Mal andou o Tribunal recorrido ao julgar procedente o incidente de declaração de ineficácia de actos e declarar ineficazes os actos de execução identificados nos pontos 4 a 9 do probatório da decisão a quo.

II. Ao contrário do que se afirma na sentença, esses actos, que a decisão em crise julgou ineficazes, não se encontram abrangidos pela providência cautelar. E, saliente-se, também o não se encontram pela acção de impugnação.

III. Tratam-se de actos de execução de uma deliberação distinta daquela que é impugnada e de que é requerida a suspensão de eficácia na presente providência; concretamente da deliberação de 22-12-2022 que determinou a abertura do novo concurso, e que constitui um novo e distinto acto administrativo, o qual teria de ser impugnado autonomamente.

IV. Apesar de a sentença referir que a requerente pretendeu impedir, através da presente providência cautelar, este novo concurso, o facto – inequívoco – é que isso não resulta do seu petitório inicial.

V. Em 06.02.2023, na sequência da deliberação do Conselho de Administração do Recorrente de 22.12.2022 e antes de ser citado nestes autos de providência cautelar, foi publicado o Aviso n.º 2570-A/2023 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 26, de 6 de fevereiro.

VI. No seguimento da publicação do Aviso n.º 2570-A/2023, consciente de que havia nova deliberação e de que se encontrava já aberto um outro procedimento concursal, a Recorrida submeteu o requerimento de fls. 429 dos autos, no qual atribui nova interpretação ao pedido formulado em B. no requerimento cautelar, concluindo que o mesmo “[d]eve ser entendido no âmbito do pedido apresentado a impossibilidade de a requerida dar seguimento ao concurso publicado mediante anúncio 2570/-A/2023 de 6 de fevereiro”.

VII. A proibição de executar o acto administrativo, estabelecida no n.º 1 do artigo 128 do CPTA, apenas opera automaticamente, por efeito da citação, em relação ao acto de que é peticionada a suspensão no requerimento cautelar. E esse consiste in casu exclusiva e tão-somente, na deliberação do Conselho de Administração do Recorrente de 02.12.2022.

VIII. Acresce que o requerimento de fls. 429 dos autos, no qual o Tribunal a quo se ancora na decisão em crise, não mereceu o acordo do Requerido que, em 9.º da Oposição, manifestou que devia ser indeferido; como tal, aguarda ainda despacho sobre a sua admissão e não podia ter sido considerado como fundamento para a decisão do incidente.

IX. Tendo o Recorrente recebido a citação nestes autos de procedimento cautelar, e vindo a mesma instruída, além do mais, com o requerimento de fls. 429, entendeu, por razões de cautela e segurança, emitir resolução fundamentada, nos termos do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, nela reconhecendo que o diferimento da execução do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 2570-A/2023 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 26, de 6 de fevereiro, seria gravemente prejudicial para o interesse público e determinando o prosseguimento da sua execução.

X. Ciente de que apenas a deliberação de 02.12.2022 consistia nestes autos acto suspendendo e sempre acautelado pela resolução fundamentada, o Recorrente, na estrita prossecução do interesse público, prosseguiu com a execução do novel acto administrativo de 22.12.2022 e tramitou o procedimento concursal publicitado através do Aviso n.º 2570-A/2023, do Diário da República, 2.ª Série, n.º 2, de 6.02.2023.

XI. Os actos praticados pelo Recorrente, como sejam os identificados nos pontos 4 a 9 do probatório da decisão a quo, não o foram ao abrigo da resolução fundamentada, apesar de por ela salvaguardado; esses actos de execução são exclusivamente referentes à deliberação de 22.12.2022, e não ao acto suspendendo de 02.12.2022.
XII. Estes autos de providência cautelar surgem como preliminar (e na dependência) de acção administrativa destinada a impugnação de AA e condenação ao ato legalmente devido.

XIII. A totalidade dos pedidos formulados na acção administrativa, instaurada em 07.03.2023, quando a Recorrida conhecia há muito a existência da deliberação de 22.12.2022 e a abertura de outro procedimento, são exclusivamente relativos à deliberação do CA do Recorrente de 02.12.2022, que anulou o procedimento concursal, publicada pelo Aviso (extrato) n.º 23287-A/2022 no Diário da República, 2.ª Série, de 7 de dezembro de 2022.

XIV. É inexorável que é essa deliberação de 02.12.2022, e apenas essa, que constitui o acto o suspendendo nestes autos e acto impugnado na acção administrativa.

XV. A sentença recorrida não atentou em dois princípios: o princípio da auto-responsabilização das partes, de onde decorre que não tendo impugnado nem na PI da providência, nem na PI dos autos principais a deliberação de abertura do novo concurso, não pode decidir-se como se a parte o tivesse feito; e o princípio tempus regis actum, de onde decorre que a sentença não pode se alicerçar sobre algo que não existe ainda nos autos e, aliás, se desconhece se vai ocorrer; apenas podendo ter em consideração «quod est in acta».

XVI. Soçobra, deste modo, a afirmação em que se ancorou o Tribunal recorrido, a fls. 15 da sentença, para considerar verificado o primeiro pressuposto do incidente em análise. Não se verificando o mesmo, deveria ter sido logo indeferido o incidente.

XVII. Por outro lado, ainda, e quanto à verificação do pressuposto do preenchimento do grave prejuízo para o interesse público invocado da resolução fundamentada, entendemos ser merecedora de censura a sentença recorrida, que, ao invés de colocar sobre escrutínio a eventual existência de erro ou inexistência nas razões invocadas na resolução fundamentada, optou por um critério de maior exigência e pretendeu sindicar o mérito, a conveniência e a oportunidade das razões da resolução fundamentada, o que configura manifesta violação do princípio da separação e interdependência de poderes, estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.

XVIII. Conforme se ensina, entre outros, no douto ac. TCAS de 10-07-2014 (P. nº 11202/14), disponível in site dgsi.pt, que acompanhamos, “não sendo evidente, manifesto, que as razões invocadas na resolução fundamentada estão erradas ou inexistem, não deve o Tribunal considerá-las improcedentes.”

XIX. As razões invocadas in casu existem, são sérias e relevantes, não tendo sido negadas, sequer, pela Requerente, que apenas as tentou desvalorizar.

XX. Estamos perante um centro hospitalar do SNS, Sistema Nacional de Saúde que se encontra sujeito a uma enorme pressão, e perante uma especialidade – a anestesiologia – que, como é notório, é indispensável no apoio a outras especialidades, ao Serviço de Urgência e a todas as cirurgias.

XXI. O preenchimento da vaga de assistente Graduado Sénior no serviço é muito importante em termos de formação e desenvolvimento profissional dos outros médicos da especialidade, bem como para prosseguir com projectos mobilizadores de desenvolvimento técnico-científico, institucional, de qualidade ou de inovação (único meio de ser feito progresso em termos de científicos no meio hospitalar).

XXII. A sentença incorreu em erro de julgamento ao apreciar a situação como se se tratasse de um normalíssimo concurso para contratação de um médico para o Hospital, para o Serviço de Anestesiologia, quando o que se trata é de capacitar um médico que já é do serviço, com as funções específicas de um assistente graduado sénior, não verificando que o que foi realçado como muito importante, não é uma mera «invocação genérica e conclusiva», mas antes a concretização das funções mais relevantes do assistente graduado sénior para o Serviço, de entre as que integram o conteúdo funcional da categoria previsto no artigo 13º do DL nº 176/2009 de 4 de agosto.

XXIII. A sobrevivência do nosso SNS não se pode compadecer com quaisquer atrasos e adiamentos de tudo quanto possa significar uma melhoria do mesmo.

XXIV. Face às razões alegadas na resolução fundamentada, sempre o Tribunal a quo deveria, além do mais, ter concluído estar suficientemente demonstrado pelo Recorrido que o diferimento da execução é gravemente prejudicial para o interesse público.

XXV. É manifesto que muito mal andou o Tribunal a quo ao julgar procedente o incidente de ineficácia, posto que, por um lado, os actos identificados nos pontos 4 a 9 do probatório da sentença não respeitam à execução do acto suspendendo – a deliberação do CA de 02.12.2022 – e não se alicerçam na resolução fundamentada, e, por outro lado, ainda que o fossem, sempre o Tribunal recorrido, atenta a existência, seriedade e relevância das razões invocadas na resolução fundamentada, deveria ter julgado improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.

XXVI. A sentença recorrida violou, entre outros, o n.º 1 do artigo 3.º e os n.º s 1 e 3 do artigo 128.º, todos do CPTA.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença que julgou procedente o incidente, com as legais consequências.
A Requerente juntou contra-alegações e concluiu:

1- A providência cautelar, intentada a 02/02/2023, surge como preliminar de ação administrativa destinada a impugnação de AA e condenação ao ato legalmente devido no âmbito da qual é requerida declaração da legalidade da deliberação da aqui requerida em 2/12/2022 no que respeita à anulação do procedimento concursal com vista à nomeação de assistente graduado sénior da carreira especial médica de Anestesiologia, e cuja suspensão se veio requerer no âmbito da presente providência, bem como impedir a início de novo procedimento e/ou a respetivo prosseguimento
2- Após a apresentação do requerimento inicial de providência cautelar a recorrida tomou conhecimento – e apenas nesse momento - que foi publicado o aviso n.° 2570-A/2023 do Diário da República, DR n° 26/2023, 1° Suplemento, Série II de 2023- 02-06) relativo ao início de um novo procedimento concursal comum para o mesmo fim do anteriormente anulado
3- Este novo concurso tinha se iniciado ao abrigo de uma prévia deliberação da recorrente de 22/12/2022, e cuja “existência “, apenas por essa via, veio ao conhecimento da aqui recorrida, facto que mais adiante merecerá devida análise, pois,
4- Sendo esta a circunstância que, de modo ardiloso, surge explorada pela recorrente para inverter o sentido da sentença agora em crise, e desse modo impedir a paralisação da suspensão de um procedimento concursal
5- Ignorando, todavia, que o novo procedimento concursal já tinha sido anunciado e deliberado em 2/12/2022
Na verdade,
6- requerer se na providência a proibição de iniciar um procedimento concursal novo, enquanto não vier a ser decidida e transitada em julgado os autos principais
7- Sucede que, é este novo procedimento, que permitiu ao contrainteressado voltar a concorrer e sem surpresas viesse a ocupar o primeiro lugar da lista dos concorrentes
8- Pelo que fica evidente, que caso seja admitida a respetiva prossecução fica impedida a utilidade da decisão a proferir não somente no processo principal, mas sobretudo no âmbito dos presentes atos.
9- o recurso da sentença alicerça-se em 2 pressupostos distintos, que se enunciam sucintamente,
iii. Os atos cuja execução foi declarada indevida não dizem respeito à execução do ato suspendendo no entendimento (errado) da recorrente a saber, deliberação de 02 dezembro de 2022), e nem se alicerçam na resolução fundamentada (pontos II a XIV das conclusões)
iv. Suficiência da fundamentação da resolução fundamentada emitida pela recorrente (pontos XV a XXIV das conclusões)
Vejamos então
10- a aqui recorrida apresentou requerimento inicial de providência cautelar de suspensão de eficácia de ato no dia 02/02/2023, tendo o Tribunal a quo expedido ofício de citação para a Entidade requerida no dia 6/02/2023, data em que foi publicado o aviso n.° 2570-A/2023 do Diário da República, DR n° 26/2023, 1° Suplemento, Série II de 2023- 02-06) relativo ao início de um novo procedimento concursal comum com vista ao recrutamento de pessoal médico, para um lugar na categoria de Assistente Graduado Sénior
Pelo que,
11- apenas naquela data (06/02/2023), a recorrida tomou conhecimento da deliberação relativa ao (re)início do procedimento concursal pelo que, naturalmente, por desconhecimento, não poderia, a deliberação de 22/12/2022 ter sido identificada pela autora, direta e expressamente
12- motivo pelo qual submeteu requerimento de fls. 429 ( no pp dia 06/02 )dos autos no qual esclareceu a interpretação a conceder ao pedido formulado a nível cautelar , e posteriormente , por cautela de patrocínio requereu a ampliação do pedido no âmbito dos autos principais, de modo a assente que a anulação judicial deve incidir sobre ambos deliberações , sob pena de se tratar de um manifesto absurdo jurídico
13- Mas ainda que se entendesse diversamente o certo é que a deliberação de 22/12/2022 apenas poderia ocorrer, lógica e sequencialmente, após a anulação de um concurso previamente desenvolvido para o mesmo fim, sob pena, aliás, de não existirem pressupostos legais para promover distinto procedimento, nomeadamente despacho do membro do governo
Pelo que,
14- Fica, pois, demonstrado, que a deliberação de 02/12/2022 é pressuposto e condição da deliberação de 22/12/2022
quando muito
15- A “nova deliberação“seria enquadrável, autonomamente, num ato de execução do ato administrativo suspendendo, e por isso considerada em si mesma, indevida;
Acresce que,
16- a deliberação de 2/12/2022 não se restringe a anular o procedimento concursal que a Autora pretende ver retomado nos autos principais, e cuja anulação surge eivada de ilegalidades Na verdade, a recorrente delibera igualmente nessa data, o início do novo procedimento “em breve “, alias, com “novo júri” - fls 45 sitaf
17- Eis, por conseguinte, que se verificam os pressupostos lógicos e necessários para enquadrar os atos de execução posteriores à deliberação de 2/12/2022 como ineficazes – e muito bem!
18- E não se diga- conforme parece defender a recorrente- que os atos declarados ineficazes resultam da deliberação de 22/12/2022, uma vez que tal como acima exposto, esta deliberação apenas concretiza a abertura de um novo procedimento, e já previsto expressamente na deliberação de 2/12/2022.
Sem prescindir,
19- Consentir no argumento da recorrida – o que não se concede – permitiria encontrar “a fórmula” para suprimir ou afastar os efeitos que decorrem da interposição de uma providência cautelar subvertendo a lógica de um sistema judicial erigido, também, sob o início da tutela judicial efetiva.
Senão vejamos,
20- Bastaria que a Entidade requerida passasse a emitir atos administrativos separadamente - ainda direta e funcionalmente relacionados - mas em momentos distintos, E dos quais o(s) interessados paulatinamente tomavam conhecimento
21- por esta via impedidos de “englobar” numa ação judicial intentada com vista a repor a legalidade afetada,
no limite,
22- Impondo a apresentação de providências cautelares tantas quantas necessário para abranger, direta e individualmente, deliberações distintas ainda que relacionadas ou relacionáveis, conforme parece defender a recorrente
23- o que resulta juridicamente inaceitável.
Acresce que,
24- A 23 de fevereiro de 2023 a entidade requerida apresentou resolução fundamentada alegando o interesse Público na prossecução do concurso iniciado a 6/02/2023, o que faz de modo vago, genérica conclusiva e, por isso, insuficiente para o respetivo deferimento;
Ora,
25- não basta que o Réu/requerido se limite à invocação de que a suspensão execução do concurso seria prejudicial prosseguimento do interesse público, como fez !
26- Na resolução fundamentada em presença não foram elencadas e explicitadas devidamente de forma clara, sucinta, contextual as razões da necessidade imperiosa em prosseguir com a execução do concurso em causa;
27- As motivações elencadas - a capacidade formativa e manifestação de interesse no concurso por profissionais do hospital- estribam se em considerações abstratas vagas, genéricas que não permitem extrair ou inferir qualquer prejuízo pelo facto da presente providência cautelar pretender impedir o prosseguimento do concurso atual atendendo à suspensão da deliberação do Conselho de administração que se requereu e de todos os atos que resultem prejudiciais para assegurar o desfecho da ação principal.
28- Nem tão pouco demonstrou que não existe alternativa para o “desenvolvimento profissional contínuo dos médicos ao seu serviço”, tendo aliás ficado demonstrado que existe uma comissão que permite efetivamente assegurar essa preocupação sem necessidade de nomeação urgente de um assistente graduado sénior em Anestesiologia, o que o concurso em curso visa alcançar
Sucede que,
29- Para a legalidade e validade da emissão duma “resolução fundamentada” impunha-se que a recorrida, autora da resolução, tivesse enunciado as razões ou motivos integradores do preenchimento, em concreto, do grave prejuízo para o interesse público a ponto de não poder sustar-se tal execução até à prolação da decisão judicial cautelar, o que não sucedeu
30- Ficou bem patente que a recorrente, fundamenta-a apenas e tão só com uma série de generalidades e meros raciocínios conclusivos, em violação do disposto nos artigos 152.º e 153.º do Código de procedimento Administrativo e 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade,
31- a “resolução fundamentada” tinha de estar – e não está! - Verdadeiramente fundamentada, uma vez que teria de radicar na explicitação e motivação concreta e circunstanciada das razões pelas quais a execução do ato suspendendo seria urgente sob pena de o seu diferimento ser “gravemente prejudicial para o interesse público” , e ainda assim , teria de merecer ponderação efetiva e em concreto, isto é, havia que ponderar se existiam outros meios de atenuação do prejuízo para o interesse público a não ser mediante a prossecução da execução do ato suspendendo enquanto único modo de evitar o grave prejuízo.
32- falecendo estes pressupostos, fica o tribunal impedido de exercer o adequado controlo jurisdicional relativamente a este ato, o que fica assim prejudicado.
33- Por isso, não podia o tribunal a quo, também por este motivo, deixar de decidir como decidiu.

Termos em que
não deverá ser concedido provimento ao recurso apresentado mantendo-se a sentença que julgou procedente o incidente com as demais consequências legais aplicáveis.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. Em 2.02.2023, a Requerente apresentou o requerimento inicial de providência cautelar de suspensão de eficácia de ato. – cfr. fls. 1 do processo eletrónico no SITAF (doravante autos), para o qual, na falta de indicação diversa, se consideram efetuadas, todas as subsequentes referências constantes da presente decisão.

2. Em 6.02.2023 foi expedido ofício de citação para a Entidade Requerida. – cfr. fls. 436 dos autos.

3. Em 23.02.2023, a Entidade Requerida apresentou resolução fundamentada, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 453 dos autos.

4. No âmbito do procedimento concursal publicitado através do Aviso n.º 2570­A/2023, do Diário da República, 2.ª Série, n.º 2, de 6.02.2023, a Entidade Requerida remeteu à Requerente, em 6.04.2023, comunicação eletrónica com deliberação do júri sobre a admissão de candidatos, datada 21.03.2023 e com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. docs. ... e ... junto com o requerimento de fls. 2728 dos autos.

5. Em 10.05.2023, o júri do concurso adotou deliberação, remetida à Requerente através de comunicação eletrónica de 11.05.2023, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. docs. n.ºs ... e ... junto com o requerimento de fls. 2728 dos autos.

6. Em 18.05.2023, o júri do concurso adotou deliberação com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. doc. ... junto com o requerimento de fls. 2728 dos autos.

7. Em 19.05.2023, o júri do concurso adotou deliberação com o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. doc. ... junto com o requerimento de fls. 2728 dos autos.

8. Tal deliberação foi, em 25.05.2023, remetida à Requerente, pela Entidade Requerida, através de comunicação eletrónica com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. doc. ... junto com o requerimento de fls. 2728 dos autos.

9. Em 29.06.2023, foi adotada, pelo júri do concurso, a seguinte deliberação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. doc. de fls. 2777 dos autos junto com o requerimento que o antecede.
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que, julgando procedente o incidente de declaração de ineficácia de actos, declarou ineficazes os actos de execução identificados nos pontos 4 a 9 do probatório, praticados pela Entidade Requerida, aqui recorrente.
Na óptica do Recorrente o Tribunal recorrido andou mal, porquanto, ao contrário do que se afirma na sentença, esses actos, que a decisão em crise julgou ineficazes, não se encontram abrangidos pela providência cautelar.
E também não se encontram abrangidos pela acção de impugnação. Tratam-se de actos de execução de uma deliberação distinta daquela que é impugnada e de que é requerida a suspensão de eficácia na presente providência; concretamente da deliberação de 22-12-2022 que determinou a abertura do novo concurso, e que constitui um novo e distinto acto administrativo, o qual teria de ser impugnado autonomamente.
Cremos que lhe assiste razão.
Com efeito, apesar de a sentença referir que a Requerente pretendeu impedir, através da presente providência cautelar, este novo concurso, o facto – inequívoco – é que isso não resulta do seu petitório inicial.
No requerimento cautelar apresentado em 02.02.2023 a Requerente termina peticionando:
“A. suspensão da deliberação do conselho de administração datada de 2 de dezembro de 2022 e
B. impossibilidade em dar início a um novo procedimento concursal”
Em 06.02.2023, na sequência da deliberação do Conselho de Administração do Recorrente de 22.12.2022 e antes de ser citado nestes autos de providência cautelar, foi publicado o Aviso n.º 2570-A/2023 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 26, de 6 de fevereiro. No seguimento dessa publicação, consciente de que havia nova deliberação e de que se encontrava já aberto um outro procedimento concursal, veio a Recorrida submeter o requerimento de fls. 429 dos autos, no qual atribui nova interpretação ao pedido formulado em B. no requerimento cautelar, concluindo que o mesmo “[d]eve ser entendido no âmbito do pedido apresentado a impossibilidade de a requerida dar seguimento ao concurso publicado mediante anúncio 2570/-A/2023 de 6 de fevereiro”.
Ora, como alegado, a proibição de executar o acto administrativo, estabelecida no n.º 1 do artigo 128º do CPTA, apenas opera automaticamente, por efeito da citação, em relação ao acto de que é peticionada a suspensão no requerimento cautelar. E esse consiste in casu, exclusiva e tão-somente, na deliberação do Conselho de Administração do Recorrente de 02.12.2022.
A isso acresce o facto de o requerimento de fls. 429 dos autos, no qual o Tribunal a quo se ancora na decisão em crise, não ter merecido o acordo do Requerido que, em 9.º da Oposição, manifestou que devia ser indeferido; como tal, aguarda ainda despacho sobre a sua admissão e não podia ter sido considerado como fundamento para a decisão do incidente.
De todo o modo, tendo o Recorrente recebido a citação nestes autos de procedimento cautelar, e vindo a mesma instruída, além do mais, com o requerimento de fls. 429, entendeu, por razões de cautela e segurança, emitir resolução fundamentada, nos termos do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, junta aos autos em 23.02.2023, nela reconhecendo que o diferimento da execução do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 2570-A/2023 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 26, de 6 de fevereiro, seria gravemente prejudicial para o interesse público e determinando o prosseguimento da sua execução.
E foi perante este quadro, ciente de que apenas a deliberação de 02.12.2022 consistia nestes autos acto suspendendo e sempre acautelado pela resolução fundamentada, que o Recorrente prosseguiu com a execução do novel acto administrativo de 22.12.2022 e tramitou o procedimento concursal publicitado através do Aviso n.º 2570-A/2023, do Diário da República, 2.ª Série, n.º 2, de 6.02.2023. Praticando actos, como sejam os identificados nos pontos 4 a 9 do probatório da decisão recorrida, não ao abrigo da resolução fundamentada, mas também por ela salvaguardado, pois que, não é demais reiterar, esses actos de execução são exclusivamente referentes à deliberação de 22.12.2022, e não do acto suspendendo de 02.12.2022.
Sublinhe-se que estes autos de providência cautelar surgem como preliminar (e na dependência) de acção administrativa destinada a impugnação e condenação ao ato legalmente devido.
Nessa acção administrativa, que se encontra pendente na ... do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro sob o n.º 133/23.5BEAVR, instaurada em 07.03.2023 - quando a Recorrida conhecia já a existência da deliberação de 22.12.2022 e a abertura de outro procedimento -, foram formulados os seguintes pedidos:
“a) DECLARAR NULA OU ANULÁVEL A DELIBERAÇÃO PROFERIDA A 02/12/2022 DA RÉ. NO QUE SE REFERE À Anulação DO Procedimento concursal comum para preenchimento de um posto de trabalho na categoria de Assistente Graduado Sénior da carreira especial médica de Anestesiologia iniciado pelo Aviso n.º 23287- A/2022 do Diário da República, 2ª série – nº 235
b) Condenar a Ré ao
c) prosseguindo o procedimento em causa e à homologação do relatório final emitido pelo júri do procedimento
d) nomear Autora assistente graduada Sénior da carreira especial médica de Anestesiologia com efeitos desde agosto de 2022
e) Condenar a R. no pagamento de indemnização nunca inferior à diferença que seria devida entre o vencimento base e aquele que auferia enquanto assistente graduada sénior, e que deixou de receber e pelo tempo que decorrerá desde agosto de 2022 ate à efetiva nomeação, bem como os respetivos proporcionais de férias e subsídio de natal, tudo a liquidar em sede de execução de sentença e ainda, cumulativamente
f) Condenar a R. na reparação de danos morais sofridos em valor nunca inferior a 30.000, 00 €
g) Condenar a R. no pagamento de custas e honorários de defensor,
h) Tudo com juros devidos à taxa legal em vigor”.
É, pois, apodítico que a totalidade dos pedidos formulados nos autos de acção administrativa – instaurada, repita-se, quando a Recorrida conhecia já a existência da deliberação de 22.12.2022 e a abertura de outro procedimento – são exclusivamente relativos à deliberação do CA do Recorrente de 02.12.2022, que anulou o procedimento concursal, publicada pelo Aviso (extrato) n.º 23287-A/2022 no Diário da República, 2.ª Série, de 7 de dezembro de 2022.
Sendo assim inexorável que é essa deliberação de 02.12.2022, e apenas essa, que constitui o acto administrativo impugnado.
Refira-se, ademais, que apesar de nesses autos de acção administrativa ter sido requerida a ampliação do pedido, a mesma ainda não foi, sequer, objecto de contraditório. Ampliação essa que, além não estar aceite, nunca poderá deixar de ser apreciada levando em consideração, entre outros, os seguintes elementos fácticos:
(1) apenas foi requerida pela Recorrida em 25.07.2023, o que vale por dizer que o foi em momento posterior ao da dedução do incidente de declaração de ineficácia que a sentença em crise julgou procedente, apresentado em 13.06.2023;
(2) o pedido de ampliação foi submetido mais de cinco meses volvidos sobre o momento em que a Recorrida tomou conhecimento da existência do acto administrativo de 22.12.2023 e da abertura do concurso; e
(3) foi-o depois de a Recorrida ter participado activamente no concurso publicitado através do Aviso n.º 2570-A/2023, do Diário da República, 2.ª Série, n.º 2, de 6.02.2023, apresentando candidatura em 24.02.2023 e submetendo-se a todos os seus trâmites.
Em qualquer caso, sempre se terá de concluir que, quer reportando ao momento da dedução do incidente de ineficácia de atos, apresentado em 13.06.2023 - requerimento de fls. 2749 e seguintes -, quer reportando ao momento de prolação da sentença recorrida, proferida em 31.07.2023, apenas o acto administrativo de 02.12.2022 constitui acto suspendendo nestes autos e acto impugnado na acção administrativa.
Há, por isso, dois princípios em que a sentença não atentou: por um lado, o princípio da auto-responsabilização das partes, de onde decorre que não tendo impugnado nem na PI da providência, nem na PI dos autos principais a deliberação de abertura do novo concurso, não pode decidir-se como se a parte o tivesse feito; por outro lado, o princípio tempus regis actum, de onde decorre que a sentença não pode se alicerçar sobre algo que não existe ainda nos autos e, aliás, se desconhece se vai ocorrer; apenas podendo ter em consideração «quod est in acta» - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.
Soçobra, pois, a afirmação em que se ancorou o Tribunal recorrido, a fls. 15 da sentença, para considerar verificado o primeiro pressuposto do incidente em análise.
Não se verificando o mesmo, deveria ter sido indeferido o incidente.
Por outro lado, ainda, e quanto à verificação do pressuposto do preenchimento do grave prejuízo para o interesse público invocado da resolução fundamentada, entendemos ser merecedora de censura a sentença recorrida, que considerou que impendia sobre a Entidade Requerida, para efeitos de sustentação da prossecução da execução, o ónus de alegar e contextualizar, de forma concretizada e cabal, a imprescindibilidade e inadiabilidade da contratação desse profissional, o que não logrou fazer, tendo-se atido a uma fundamentação genérica e conclusiva, forçosamente insuficiente para o que se exigia para a pretendida paralisação da suspensão.
Neste conspecto, sufragamos o entendimento vertido no Acórdão do TCAS de 10-07-2014 (P. nº 11202/14), disponível in site dgsi.pt, que reza assim:
“O julgamento de improcedência das razões em que se funda a resolução fundamentada, indicado no artigo 128º, n.º 3, do CPTA, é um julgamento que apela a um critério de evidência.
Ao apreciar as indicadas razões não pode o Tribunal invadir a margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público. Naquele juízo apenas pode o Tribunal apreciar situações de erro manifesto, ostensivo, evidente, quer por inexistir uma situação de urgência, quer por não haver o indicado interesse público que se diz querer acautelar, ou por a imediata suspensão da execução não ser gravemente prejudicial a tal interesse. Mas não pode o Tribunal esmiuçar as razões invocadas, escrutinando da sua conveniência, maior ou menor importância ou razoabilidade, mais ou menos forte proveito ou gravidade, substituindo-se à Administração na valoração do interesse público a proteger, sob pena de se ferir inelutavelmente o princípio da separação de poderes. O juízo a fazer, como acima se disse, é apenas um juízo de evidência ou certeza quanto ao erro. Não é um juízo de valoração ou de ponderação relativamente às razões invocadas. Basta que as razões sejam invocadas e provadas pelo Recorrido, que a realidade as não desminta, para se deverem ter por verificadas, sem ter o Tribunal que ponderar se essas razões se devem ponderar como o faz o Recorrido, ou antes como pretende que o sejam o Recorrente.
Dito de outro modo, não sendo evidente, manifesto, que as razões invocadas na resolução fundamentada estão erradas ou inexistem, não deve o Tribunal considerá-las improcedentes.”
Entendimento diverso adoptou o Tribunal a quo que, como já se viu, ao invés de colocar sobre escrutínio a eventual existência de erro ou inexistência nas razões invocadas na resolução fundamentada, optou por um critério de maior exigência ao considerar que impendia sobre o Recorrente “o ónus de alegar e contextualizar, de forma concretizada e cabal, a imprescindibilidade e inadiabilidade da contratação desse profissional”. Pretendendo, deste modo, sindicar o mérito, a conveniência e a oportunidade das razões da resolução fundamentada, o que configura manifesta violação do princípio da separação e interdependência de poderes, estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.
No caso, as razões invocadas não foram negadas, sequer, pela Requerente, que apenas as tentou desvalorizar (entrando, portanto, no “escrutínio da sua conveniência, maior ou menor importância ou razoabilidade, mais ou menos forte proveito ou gravidade”.
A sentença incorreu em erro de julgamento ao apreciar a situação como se se tratasse de um normalíssimo concurso para contratação de um médico para o Hospital, para o Serviço de Anestesiologia, quando o que se trata é de capacitar um médico que já é do serviço, com as funções específicas de um assistente graduado sénior, não verificando que o que foi realçado como muito importante, não é uma mera «invocação genérica e conclusiva», mas antes a concretização das funções mais relevantes do assistente graduado sénior para o Serviço, de entre as que integram o conteúdo funcional da categoria previsto no artigo 13º do DL nº 176/2009 de 4 de agosto.
Ora, a sobrevivência do nosso SNS não se pode compadecer com quaisquer atrasos e adiamentos de tudo quanto possa significar uma melhoria do mesmo.
Assim, face às razões ali alegadas cremos que o Tribunal deveria ter concluído estar suficientemente demonstrado pelo Recorrido que o diferimento da execução é gravemente prejudicial para o interesse público.
Neste sentido, cita-se ainda o Ac. do STA n.º 637/10, de 25.08.2010, no qual se referiu nomeadamente o seguinte:
“Resta agora conhecer do incidente tipificado no art. 128° do CPTA.
(...)
A «ratio» deste mecanismo é facilmente apreensível: toda a suspensão da eficácia de um acto administrativo lesa de imediato o interesse público que ele prossegue (ao contrário do que o requerente alvitra, negligenciando até que há um valor inerente à execução célere dos actos); mas a «resolução fundamentada» só é justificável quando a referida lesão for grave. Ora, as «razões» demonstrativas dessa gravidade hão de constar da «resolução»; e, ao invés, esta não deverá operar os seus efeitos típicos se as «razões» absolutamente faltarem, forem irreais ou não se concatenarem logicamente à conclusão afirmativa do grave prejuízo para o interesse público» (in www.dgsi.pt, cfr., ainda, entre outros os Acs. do TCAS n.º 9232/12, de 07.02.3013, deste TCAN n.º 244/08.7BEVIS-A, de 25.09.2008, n.º 01312/05.2BEBRG-C, de 04.10.2007, 01205/07.9BEVIS-A, de 14.02.2008, na mesma base de dados).”
Tal como sumariou o Acórdão do TCAS acima citado:
“I –
II –
III –
IV- O julgamento de improcedência das razões em que se funda a resolução fundamentada, indicado no artigo 128º, n.º 3, do CPTA, é um julgamento que apela a um critério de evidência.
V - Naquele juízo apenas pode o Tribunal apreciar situações de erro manifesto, ostensivo, evidente, quer por inexistir uma situação de urgência,
quer por não haver o indicado interesse público que se diz querer acautelar, ou por a imediata suspensão da execução não ser gravemente prejudicial a tal interesse.
VI – Se as razões invocadas são sérias e relevantes, deve improceder o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.”
Assim, mal andou o Tribunal a quo ao julgar procedente o incidente de ineficácia, posto que, por um lado, os actos identificados nos pontos 4 a 9 do probatório da sentença não respeitam à execução do acto suspendendo – a deliberação do CA de 02.12.2022 – e não se alicerçam na resolução fundamentada, e, por outro lado, ainda que o fossem, sempre o Tribunal recorrido, atentas as razões invocadas na resolução fundamentada, deveria ter julgado improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.
Destarte, a sentença recorrida violou, entre outros, o n.º 1 do artigo 3.º e os n.ºs 1 e 3 do artigo 128.º, do CPTA.
Em suma,
-Os presentes autos respeitam a um incidente de ineficácia de atos de execução indevida, que se encontra previsto no n.º 4 do artigo 128.º do CPTA;
-Prevê este artigo, sob a epígrafe ´proibição de executar o ato administrativo’, o seguinte:
“1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.”
-Resulta claramente da lei que o foco do presente incidente, previsto nos n.ºs 3 a 6 do citado artigo, centra-se no(s) ato(s) de execução indevida e não numa (suposta) impugnação da resolução fundamentada. Sem que se olvide que, no âmbito do incidente, cabe ao Tribunal apreciar as razões em que se fundamenta a resolução e, julgando-as improcedentes, cumpre considerar indevida a execução;
-Nas palavras de Mário Aroso de Almeida (Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 438), “o juiz procede, no âmbito do incidente, à apreciação incidental da resolução fundamentada emitida, em ordem a pronunciar-se sobre os atos de execução praticados (…) Mesmo que seja emitida uma resolução fundamentada manifestamente infundada, o interessado, tem, pois, de aguardar pacientemente que ela seja objeto de execução (…) para poder reagir”;
-Por se tratar, antes do mais, de uma pronúncia sobre os atos de execução, o incidente apenas pode ser suscitado após a prática dos mesmos, que devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação;

-No sentido propugnado se tem orientado reiteradamente a jurisprudência do STA, vejam-se os acórdãos de 28/10/1998, proc. n.º 44007, de 24/02/2000, proc. n.º 45366, de 24/09/2009, proc. n.º 0821/09, de 09/07/2014, proc. n.º 0561/14, de 25/09/2014, proc. n.º 0799/14, e de 06/11/2014, proc. n.º 0858/14; Como se salienta no aresto do STA de 24/09/2009, “[a] circunstância de a Administração emitir uma resolução fundamentada nos termos do art. 128º, n.º 1, do CPTA não possibilita, «ipso facto», a dedução do incidente que a acometa; e compreende-se que assim seja, pois o que fere os interesses do requerente da suspensão não é a mera presença dessa pronúncia administrativa, mas os actos de execução que porventura se lhe sigam. Aliás, é óbvio que importa distinguir o pedido incidental dos seus fundamentos: à luz do art. 128º, o único alvo a atacar pelo requerente da suspensão consiste em «actos de execução»; já os fundamentos desse ataque consistem numa «execução indevida» – e «indevida» porque os actos não foram precedidos de uma resolução qualquer ou, tendo-o embora sido, porque ela não foi capazmente fundamentada.”
-O incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida é processado nos autos da providência cautelar de suspensão de eficácia, podendo ser deduzido pelo interessado na manutenção do efeito suspensivo automático, que ocorre com o recebimento do duplicado do requerimento cautelar pela autoridade administrativa, contra esta entidade requerida, antes ou depois da decisão cautelar, desde que até ao respectivo trânsito em julgado (v. o disposto no artigo 128º do CPTA);
-É unânime a jurisprudência e a doutrina, que aponta que o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida não tem como finalidade a impugnação com vista à declaração de invalidade da resolução à luz das ilegalidades assacadas à mesma, como sucede no contexto de pretensão formulada numa acção administrativa especial; daí que no âmbito da Resolução Fundamentada, apenas se vise a declaração de ineficácia dos actos de execução e nunca extinguir da ordem jurídica esses mesmos actos, em virtude da sua eventual anulação judicial;
-Com efeito, do artº 128º do CPTA [Proibição de executar o acto administrativo] apenas resulta, que (i) requerida a suspensão de eficácia de um acto, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento inicial, não pode iniciar ou prosseguir a execução, a menos que, mediante Resolução Fundamentada, reconheça no prazo legal [15 dias] que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, (2) devendo de seguida aquela mesma autoridade ….impedir, com urgência que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem no prosseguimento dos actos, excepto se houver emitido Resolução Fundamentada; o interessado pode ainda requerer junto do tribunal, onde corra a suspensão de eficácia, até ao trânsito em julgado da decisão, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida (4); considera-se indevida a execução quando falte a Resolução prevista no nº 1, ou o tribunal julgue improcedentes os motivos/razões em que aquela se fundamenta (3);
-Ou seja, o que subjaz a esta norma, é sempre o facto do diferimento constituir grave prejuízo para o interesse público e tem subjacente, dar resposta a situações de especial urgência, sendo que, com a proibição de execução do acto suspendendo decorrente da propositura da acção cautelar tem-se em vista assegurar a manutenção do efeito útil à própria tutela cautelar de molde a evitar que quando o julgador tome posição sobre aquele litígio essa sua decisão ainda faça sentido ou tenha utilidade à luz dos direitos e interesses que o requerente queria ver acautelados;

-Acresce que, em todo o procedimento cautelar de suspensão judicial de eficácia de um qualquer acto administrativo existe, em princípio, um conflito de interesses, dado que, por um lado, temos a Administração que tem por obrigação nos termos legais, a realização do interesse público, pretendendo a eficácia imediata dos seus actos bem como assegurar a manutenção daquela eficácia; por outro lado, temos o requerente cautelar que se opõe à eficácia imediata do acto em virtude da perigosidade que a mesma representa ou pode representar em termos de consequências para os seus interesses, sendo que este conflito de interesses tanto pode ser bilateral como pode emergir com uma configuração trilateral por referência a interesses de contra-interessados que saem afectados com a suspensão da eficácia do acto;
-Fruto da lei, a Administração, através da “Resolução Fundamentada”, terá obrigatoriamente de indicar as razões que, em seu entender, pugnam no sentido da existência de situação de urgência grave no prosseguimento da execução do acto administrativo suspendendo, decisão essa que, sem envolver qualquer violação do princípio da separação de poderes, é passível de ser sindicada contenciosamente pelos tribunais nos termos constitucional e legalmente previstos no âmbito deste incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida com fundamento quer no facto dos actos de execução não estarem baseados na “Resolução Fundamentada” (total ausência desta ou estarem fora da sua abrangência ou cobertura), quer no facto dos motivos aduzidos naquela “Resolução” não constituírem fundamentos legais ou legítimos compreendidos no previsto nº 1 do art. 128º do CPTA - Acórdão do STA de 09/2/2023 no proc. 0676/22.8BELSB-S1;

-O juiz cautelar deve, pois, “proceder à fiscalização da resolução emitida, para o efeito de avaliar se esta, no plano formal, se encontra fundamentada e se, no plano material, se baseia em razões procedentes”, sendo que, no caso do juiz cautelar concluir pela improcedência dos fundamentos elencados na resolução emitida pela autoridade administrativa, deve ser emitida declaração judicial de ineficácia de tais atos de execução, por serem indevidos, declaração essa “sustentada num juízo de improcedência das razões em que se baseou a resolução fundamentada”, e a que corresponde um efeito inibitório, “que impede a autoridade requerida de continuar a dar execução ao ato ao abrigo da referida resolução, sob pena de violação do caso julgado” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, julho de 2018, Almedina, pp. 1027 e 1028);
-In casu, repete-se, face ao que se deixou dito, a sentença proferida, ao julgar procedente o incidente de ineficácia, - posto que, por um lado, os actos identificados nos pontos 4 a 9 do probatório da sentença não respeitam à execução do acto suspendendo – a deliberação do CA de 02.12.2022 – e não se alicerçam na resolução fundamentada, e, por outro lado, ainda que o fossem, sempre o Tribunal recorrido, atenta a existência e relevância das razões invocadas na resolução fundamentada, deveria ter julgado improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida -, violou o n.º 1 do artigo 3.º e os n.ºs 1 e 3 do artigo 128.º, ambos do CPTA.
Procedem, assim, as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e julga-se improcedente o presente incidente, com todas as legais consequências.
Custas pela Requerente/Recorrida.
Notifique e DN.

Porto, 17/11/2023

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho (em substituição)
Rogério Martins