Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00253/22.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:08/31/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA,
ÓNUS DA PROVA,
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cfr. artigo 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cfr. artigo 342.º do CC, artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 170.º, n.º 1, do CPPT).
II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia.
III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT.*
* Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:AA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Processo Urgente- Reclamação 8ª espécie - Recursos Jurisdicionais em Processos Urgentes
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
AA, contribuinte fiscal n.º ..., melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 09/06/2022, que julgou improcedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, proferido pela Direcção de Finanças de ...., datado de 05/04/2022, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...73, peticionando a anulação do referido despacho com todas as consequências legais.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1) A questão que, neste âmbito, importa dirimir, relaciona-se com o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, requerido pela ora recorrente, no âmbito dos presentes autos.
2) Ora, tal como é consabido, o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e, um terceiro, de verificação cumulativa.
3) Alternativamente, importa provar que:
- a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou,
- a manifesta falta de meios económicos; a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;
Cumulativamente, cumpre demonstrar:
- a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (artigo 52.º, nº4 da LGT);
4) Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.
5) Por outro lado, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Reclamantes.
6) Ora, não tendo a Administração Tributária alegado e demonstrado, como era seu ónus, o intuito doloso, estão verificados os requisitos para a dispensa de prestação de garantia (52.º, nº4 da LGT e 170.º, nº3 do CPPT).
7) Neste tipo de procedimentos, impõe-se à Autoridade Tributária uma atuação mais proactiva, mormente no que respeita à determinação da situação patrimonial concreta do interessado, quando são alegados no pedido apresentado junto do órgão de execução fiscal os factos constitutivos do direito à isenção de prestação de garantia, tal como sucedeu “in casu”, pois optando a AT por indeferir logo o pedido, não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, e que, no fundo, constituem pedras angulares do procedimento administrativo.
8) Ora, no caso vertente, a ora recorrente alegou, sem síntese, que tem de suportar várias despesas correntes mensais; a saber:
- €350,00 em renda de casa;
- €118.63 em serviços de comunicação;
- €18,14 e €32,57 em energia;
- €15,55 em água.
9) Certo é que, as despesas correntes e fixas mensais ascendem ao valor de €534,89; portanto, quase o valor de um salário mínimo nacional, pelo que, salvo o devido respeito, não se compreende o segmento da decisão aqui em crise quando expressamente refere que “Mesmo atendendo à circunstância de esse montante, em abstrato, não assumir uma dimensão manifestamente exagerada face às despesas correntes normais de qualquer cidadão.”
10) Desta decisão, ressalvada a devida vénia e o respeito por melhor entendimento, dissente a ora recorrente, a qual considera, que as despesas por si suportadas assumem, ao invés do decidido, uma dimensão manifestamente exagerada face às despesas normais de qualquer cidadão, desde logo, porque o cômputo do seu valor ascende quase ao montante de um salário mínimo nacional; a saber €705,00.
11) Com efeito, subtraindo as despesas correntes normais, suportadas pela recorrente, facilmente percebemos que apenas restam 170 euros para atingir o salário mínimo nacional.
12) E, a verdade é que, em tais montantes, não foram consideradas despesas com a alimentação, com o combustível necessário para que a recorrente se possa deslocar para o seu local de trabalho, bem assim outras despesas que possam surgir de modo inesperado.
13) Sucede, porém, que a ora recorrente enfrenta uma fase da vida em que dispõe de escassos recursos económicos, sendo com extrema dificuldade que faz face às despesas que enfrenta diariamente, situação deficitária substancialmente agravada nos últimos tempos, fruto da situação excecional por todos vivida resultante da pandemia COVID19, que reduziu substancialmente os rendimentos da população em geral de que o ora recorrente não é exceção.
14) A este fator acresce a inflação dos preços gerada pela guerra, na qual toda a Europa está a pagar um preço elevado.
15) A inflação é, por estes dias, mais acentuada no que toca aos preços energéticos, levando a que os preços dos combustíveis fósseis (como o gás) tenham disparado nas últimas semanas e alcançado os níveis mais altos da última década devido aos receios de redução na oferta provocada pela invasão russa da Ucrânia.
16) E, mesmo que a guerra terminasse amanhã, serão precisos anos para que a economia se recupere; e quanto mais a guerra continuar, maiores serão os danos, maior será o potencial para viciosas interações e ciclos adversos, e mais profundas serão as consequências.
17) Consequentemente, a recorrente, no seu requerimento, alega e reitera a manifesta falta de meios económicos suficientes que lhe permitam prestar a garantia exigida por lei, sem que com isso coloque em causa a sua subsistência, o que implicaria um prejuízo irreparável no seu sustento.
18) Não obstante estar a canalizar todos os esforços económicos para cumprir pontualmente as suas obrigações,
19) Facto é que, a ora recorrente não dispõe de meios económicos para prestar a referida garantia, pelo que, vê-se totalmente impossibilitada de prestar a garantia exigida por lei para suspender os presentes autos.
20) E, mesmo por remota hipótese, que apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, pudesse prestar tal garantia, sempre tal implicaria um desmesurado e incomportável sacrifício.
21) Destarte, com o devido respeito por diversa opinião, o douto Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, devido a incorreta valoração dos elementos constantes dos autos, violando o disposto nos artigos 52.º n.º 4 da LGT, e 170.º, n.º 3 do CPPT.
22) O “thema decidendum¸ segundo o, aliás, douto entendimento do Tribunal a quo, consiste em saber se se verifica, no presente caso, o preenchimento dos requisitos de que o artigo 52.º, n.º 4 da LGT faz depender a concessão de dispensa de prestação de garantia.
23) Dispõe o normativo vindo de enunciar que: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”
24) No caso em análise nos autos, a ora recorrente apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia, alegando o prejuízo irreparável na prestação de garantia bancária e a insuficiência de meios económicos.
25) Não sendo controvertida a insuficiência patrimonial e não havendo indícios, nem sequer alegação, de atuação dolosa da Reclamante/aqui recorrente, haverão de ter-se como cumpridos os requisitos exigidos pelo artigo 52º n.º 4 da LGT, para que a AT, a requerimento da executada, a isente da prestação de garantia, por manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, e porque não existem fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
26) Em termos de ónus probatório, cumpre relevar que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, in casu a Recorrida, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.
27) Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa da ora recorrente.
28) Pois, a ratio legis coaduna-se com a circunstância de não se justificar a isenção de prestação de garantia quando o/a executado/a tenha previamente sonegado ou dissipado os bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que tenha colocado dolosamente a sua situação em manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia.
29) Note-se que, com a nova redação do n.º 4, do art.º 52.º, da LGT, o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado.
30) A Recorrida, no seu requerimento de pedido de dispensa de prestação de garantia, alega, entre o mais, a manifesta insuficiência de meios económicos revelada pela ausência de bens suscetíveis de penhora, apelando, para o efeito, para a consulta oficiosa das bases de dados da Administração Tributária.
31) De todo o modo, a Administração Tributária no seu despacho de indeferimento não refuta a alegada manifesta insuficiência económica, não juntando qualquer elemento/ documento probatório constante nas bases de dados da Administração Tributária que ateste, inequivocamente, a existência de ativos penhoráveis.
32) É certo que o ónus probatório impende sobre a Recorrente, mas a verdade é que tais elementos se encontram na posse da Recorrida (AT), constituindo um poder/dever da mesma aquilatar da existência de ativos penhoráveis.
33) Embora invoque o lucro tributável apurado pela Reclamante/recorrente, a Fazenda Pública não junta aos autos a declaração Modelo 3 de IRS que identifica e em que assente a sua premissa.
34) Acresce que, resulta do ponto 26 do Despacho que indeferiu a pretensão da recorrente o que infra se transcreve:
“26. Acresce que, por pesquisa ao património da executada, verificou-se haver a existência de bens imóveis da sua propriedade (…) no valor tributável global de .869,30 e um bem móvel sujeito a registo (veículo automóvel), dos quais se desconhecem os ónus e encargos que sobre eles impendem.” 35) Com efeito, sendo expressamente convocada a análise das Bases de Dados da Administração Tributária, competiria à mesma, caso equacionasse insusceptibilidade fidedigna de aferição de tais elementos e ao abrigo, desde logo, do inquisitório de notificar a ora recorrente para esse efeito, prestando os esclarecimentos que reputasse convenientes, ou mesmo juntar os elementos que entendia em falta.
36) Pois, a verdade é que, compulsado o teor do despacho de indeferimento expresso do pedido de dispensa de prestação de garantia não se aquilata, de todo, qualquer alegação no sentido da existência de acervo patrimonial muito menos de qualquer alusão a uma impossibilidade de quantificação do valor de bens.
37) Além disso, nada foi alegado quanto a um, eventual, intuito doloso, cujo ónus se circunscreve na esfera da Administração Tributária, independentemente da bondade ou da valia que aquilate da instrução dos autos.
38) Aliás, tal conclusão é reforçada pelo próprio deferimento do plano de pagamento prestacional e pelos pressupostos subjacentes à sua atribuição plasmados no artigo 196.º do CPPT – cfr. despacho constante do documento n.º ...96 do SITAF.
39) Note-se que, à executada/recorrente, apenas se pode exigir que alegue e prove os requisitos da dispensa, e não que preveja e infirme antecipadamente os argumentos ou factos que vão ser invocados pela Administração para negar a dispensa, divergentes dos factos por si alegados - conforme expressamente se doutrina no Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 638/18, de 22-05-2019.
40) No concernente à insusceptibilidade de restrição probatória sob pena de inconstitucionalidade e existência de situação excecional e devidamente justificada, vide, designadamente, Aresto do STA proferido no processo nº 01298/12, de 19-12-2012 e mais recentemente o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0825/18.0, de 24-07-2019, ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.
41) Ademais, in casu, a defesa de posição contrária subverteria a tutela jurisdicional efetiva, e colocaria em crise a igualdade de armas, esvaziando de conteúdo útil a adoção do expediente processual consignado no artigo 276.º do CPPT.
42) Acresce que, não se pode descurar que os despachos de indeferimento de pedido de dispensa de prestação de garantia não são precedidos de audição prévia, porquanto o inquisitório e a colaboração têm/devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance.
43) Não obstante toda a argumentação até então expendida, cumpre ainda referir o seguinte:
Atente-se no disposto no n.º4 do art.º 170º do CPPT que dispõe expressamente o seguinte: “4. O pedido de dispensa de garantia será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação.” (sublinhado e negrito nosso)
44) Ora, resulta da factualidade dada por provada que, no dia 21/03/2022, a ora recorrente, apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de ...., a requerer a dispensa de prestação de garantia.
45) Sendo certo que, em 05/04/2022, a Direção de Finanças de .... indeferiu o pedido formulado pela Reclamante, aqui recorrente.
46) Com efeito, tendo em conta que a recorrente, apresentou requerimento de dispensa da prestação de garantia, dentro do prazo legal; a saber, em 21/03/2022, deveria o órgão competente, ter-se pronunciado, igualmente, dentro do prazo estabelecido por lei, neste caso, no prazo de 10 dias após a apresentação do requerimento.
47) Pois, a ora recorrente, apenas teve conhecimento da decisão de indeferimento do requerimento apresentado para dispensa de prestação de garantia, no dia 05/04/2022, portanto, já após decorrido o prazo legalmente previsto de dez dias para que o órgão de execução fiscal proferisse a decisão, pelo que, precludiu o prazo legal previsto para que a AT se pudesse pronunciar sobre o requerimento que lhe foi presente.
48) Posto isto, a Administração Fiscal, ao agir da forma como agiu, atuou em manifesto desrespeito pelo princípio da legalidade, visto que estava e está obrigada a cumprir os prazos que a lei estabelece.
49) Pois, se o contribuinte tem o ónus/encargo de dar cumprimento aos prazos a que, por lei, se encontra sujeito; sob pena de ver rejeitado a pretensão que pretende fazer valer, também, por outro lado, e na esteira do princípio da igualdade, ínsito na Constituição da República, a Administração Tributária, de igual modo, se encontra vinculada a dar resposta à pretensão dos contribuintes pois, seja qual for a decisão tem, obrigatoriamente de se pronunciar nesse âmbito, dentro do prazo que lhe é legalmente concedido; sob pena de causar prejuízos na esfera jurídico-fiscal do contribuinte e violar o princípio de igualdade das partes.
50) Acresce que, determina ainda o art.º 266º da Constituição da República que os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
51) Deste modo, impõe-se que decisões como estas não sejam ratificadas pelos tribunais, na medida em que colidem com a correta aplicação do direito e boa administração da justiça.
52) Pois, num Estado de Direito, como é o nosso, impõe-se que esteja sempre presente a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses dos contribuintes, sendo que, para o efeito, o legislador português instituiu um conjunto de princípios fundamentais e meios de defesa nas diversas fases do procedimento e processo tributário.
53) Nomeadamente através de normas e princípios destinados a prevenir e evitar ações ou omissões praticadas por parte da Administração Fiscal, suscetíveis de lesar os direitos e interesses legítimos dos contribuintes/administrados.
***
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a sentença proferida em sede de 1ª Instância, julgando-se pela procedência da Reclamação apresentada, tudo com as demais consequências legais daí decorrentes.
Assim se fazendo a sempre douta, sã e elementar Justiça!”
****
A Recorrida não contra-alegou.
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
****
Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao manter o acto reclamado de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto:
“I. FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1) No dia 21/03/2022 a Reclamante apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de .... a requerer a dispensa de prestação de garantia no processo de execução fiscal n.º ...73 com a consequente suspensão do mesmo (conforme requerimento constante das páginas 1 e seguintes do documento n.º 004836294 do SITAF; a data de apresentação do requerimento consta do ponto 5 da informação prestada pela Direção de Finanças de .... constante da página 2 do documento n.º 004836295 do SITAF);
2) No dia 05/04/2022 a Direção de Finanças de .... indeferiu o pedido formulado pela Reclamante (conforme despacho constante da página 1 do documento n.º 004836296 do SITAF);
3) No mês de abril de 2022 a Reclamante suportou as seguintes despesas: € 350,00 em renda de casa; € 118,63 em serviços de comunicação; € 18,14 e € 32,57 em energia e € 15,55 em água (conforme extrato de conta bancária constante de páginas 14 a 18 do documento n.º 004836293 do SITAF);
4) A Reclamante tem três imóveis rústicos, um imóvel urbano e um veículo automóvel em seu nome; no ano de 2019 teve rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de € 45.391,83 (dos quais € 28.930,77 se refere a anos anteriores), rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 29.307,29 e rendimentos da categoria B do dependente no valor de € 568,40; no ano de 2020 teve rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de € 16.512,58 e rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 29.723,18; no ano de 2021, obteve rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 31.577,47 e rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no montante de € 16.512,58 (conforme referido nos pontos 26, 27 e 28 da informação prestada pela Direção de Finanças de ...., constante das páginas 4 e 5 do documento n.º 004836295 do SITAF, não impugnado pela Reclamante);
5) O valor para efeitos de prestação de garantia no processo de execução fiscal referido no ponto 1 é de € 11.427,82 (conforme referido no ponto 8 da informação prestada pela Direção de Finanças de ...., constante da página 2 do documento n.º 004836295 do SITAF, não impugnado pela Reclamante);
II. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem outros factos, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.
III. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A convicção do tribunal baseou-se nos articulados e nos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada ponto.”
***
Para melhor compreensão do teor do acto reclamado, transcreve-se a informação contendo a motivação do respectivo acto de indeferimento mencionado no ponto 2) do probatório:
“INFORMAÇÃO
Para efeitos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia, o Serviço de Finanças de .... enviou, através da comunicação GPS n.º ...225, o requerimento apresentado pela executada AA, NIF ..., solicitando a dispensa de prestação de garantia na sequência de plano prestacional deferido.
I – DA LEGITIMIDADE
1. O requerimento foi apresentado e assinado pela executada, pelo que se encontra provido de legitimidade, nos termos do artigo 65.º da LGT e do n.º 1 do artigo 9.º do CPPT.
II – DOS FACTOS
2. Nos termos do n.º 3 do art.º 198.º do CPPT, caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objeto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, notificando-se o requerente desse facto e de que, caso pretenda a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, deve ser constituída ou prestada garantia idónea nos termos do artigo seguinte ou, em alternativa, obter a autorização para a sua dispensa.
3. O n.º 7 do art.º 199.º do CPPT refere que as garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efetuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excecionais.
4. O plano prestacional obteve despacho de deferimento em 2022/02/10 e a executada foi notificada em 2022/02/15.
5. No presente caso, o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado em 2022/03/21, para além do prazo estabelecido no n.º 7 do artigo 199º do CPPT e não é invocado na petição qualquer fundamento de dispensa superveniente ao termo do prazo previsto naquele normativo, que permita a ampliação do prazo, pelo que o pedido é intempestivo.
6. Não obstante, tendo em conta toda a jurisprudência que versa sobre esta matéria (vide, por exemplo, o acórdão n.º 0282/16 de 06-04-2016 do STA), deve a presente petição ser apreciada.
7. A dívida nos presentes autos cifra-se em € 10.193,41;
8. O valor para efeitos de garantia, calculado nos termos do n.º 6 do art.º 199.º do CPPT, cifra-se em € 11.427,82;
9. A executada AA, NIF ..., em 2016/05/20 iniciou a actividade de FORMADORES com o CAE 8011, estando enquadrada no regime de isenção nos termos do art.º 53 do CIVA e para efeitos de IRS no regime simplificado.
10. O pedido de dispensa de garantia em análise foi efetuado no âmbito do PEF n.º ...73, instaurado contra a executada;
11. Para efeitos de análise e decisão do pedido formulado, o Serviço de Finanças de .... enviou o pedido elaborado pela executada a esta Direção de Finanças, para efeitos de decisão sobre o pedido de dispensa de garantia, atenta a competência definida no n.º 3 do art.º 150.º e art.º 197.º, por remissão do n.º 9 do art.º 199.º, todos do CPPT;
III – DO PEDIDO
12. No requerimento em análise na presente informação, a executada solicita a dispensa de prestação de garantia, alegando que:
a. dispõe de escassos recursos económicos, sendo com extrema dificuldade que faz face às despesas que enfrenta mensalmente, nomeadamente:
i. 350,00€ com renda de casa;
ii. 142,00€ com serviço de telefonia (...);
iii. Entre 60,00€ a 70,00€ com serviço de eletricidade;
iv. 17,00€ com serviço de água;
v. 44,00€ com o aquecimento a gás;
vi. 60,00€ com Custas do Tribunal;
vii. 30,00€ com o serviço de gás canalizado;
viii. 9,00€ com a Ordem dos ....
b. A existência de inúmeros processos de execução fiscal;
c. A situação excecional resultante da pandemia Covid 19, agravado com a situação existente no território da Ucrânia, que reduziu substancialmente os rendimentos obtidos por todos em geral;
d. A escalada generalizada dos preços dos bens de primeira necessidade, pelo que é manifesto que o ora requerente não dispõe de meios económicos suficientes que lhe permitam prestar a garantia exigida por lei;
e. A prestação de tal garantia iria causar-lhe um prejuízo irreparável, uma vez que a sua insuficiência de meios económicos não advém de qualquer conduta dolosa praticada pela ora requerente;
f. A requerente tem feito esforços para cumprir pontualmente as suas obrigações económicas;
g. Por último, requer a dispensa de prestação de garantia nos termos do art.º 170º do CPPT e 52º, n.º 4 da LGT, com a consequente suspensão do processo de execução à margem referenciado.
IV – ANÁLISE DO PEDIDO
13. A Direção de Finanças de .... é o Órgão de Execução fiscal competente para a sua apreciação, conforme estipulado no n.º 9 do art.º 199.º e do n.º 1 do art.º 197.º do CPPT, conjugado com o artigo 150.º do mesmo normativo;
14. O procedimento de isenção de prestação de garantia, está previsto no n.º 4 do art.º 52.º da LGT, norma em que se consagra a possibilidade da Administração Tributária, a requerimento da executada, poder dispensá-la da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou existindo manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deva a atuação dolosa da executada;
15. Desta forma, para ser deferido o pedido de dispensa de prestação de garantia depende da verificação de, pelo menos, um dos seguintes pressupostos:
a. Que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável à executada ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos;
b. Que haja uma situação de inexistência de bens ou a sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido;
16. Verificando-se um destes pressupostos, é imperativa a inexistência de fortes indícios de atuação dolosa da executada, responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.
17. O ónus da prova da verificação destes factos recai sobre a executada, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, conjugado com art.º 342.º do Código Civil, pelo que o requerimento de pedido de Informação dispensa de garantia deve vir acompanhado de todos os elementos necessários para a sua apreciação e competente decisão, como aliás se encontra definido no n.º 3 do art.º 170.º e 199.º do CPPT.
18. Face ao disposto no artigo 342.º do Código Civil e no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, é de concluir que é sobre a executada, que pretende a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respetivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido;
19. Também o texto do art.º 170.º do CPPT, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que, quando a garantia possa ser dispensada, deve a executada requerê-lo (n.º 1 do art.º 170.º do CPPT), fundamentando-o de facto e de direito e instruindo-o com a prova documental necessária (n.º 3 do art.º 170.º do CPPT);
20. A executada remeteu, à apreciação do órgão de execução fiscal, o requerimento alegando que dispõe de escassos recursos económicos, sendo com extrema dificuldade que faz face às despesas que enfrenta mensalmente sem que lograsse juntar os documentos comprovativos das suas alegações;
21. Invocando a executada a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis suscetíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art.º 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos suscetíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art.º 342.º do CC, art.º 77.º, n.º 1, da LGT e art.º 170.º, n.º 1, do CPPT).
22. De resto, nos termos do n.º 3 do art.º 170º do CPPT, o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os fatos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pela executada, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão.
23. Pelo que não pode a executada desincumbir-se desse ónus.
24. Sendo que nesta circunstância, a análise do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efetuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar à executada.
25. A executada apenas faz referência às despesas mensais que suporta, sem fazer qualquer referência aos seus rendimentos e bens.
26. Acresce que, por pesquisa ao património da executada, verificou-se haver a existência de bens imóveis da sua propriedade (3 artigos rústicos e 1 artigo urbano) no valor patrimonial tributável global de € 2.869,30 e um bem móvel sujeito a registo (veículo automóvel), dos quais se desconhecem os ónus e encargos que sobre eles impendem;
27. Da consulta às declarações Modelo 3 de IRS entregues pela executada, verifica-se que a executada obteve os seguintes rendimentos:
a. no ano de 2019, rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de €45.391,83, (dos quais € 28.930,77 se refere a anos anteriores), rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 29.307,29 e rendimentos da categoria B do dependente no valor de € 568,40;
b. no ano de 2020, rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de €16.512,58 e rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de €29.723,18;
28. Da consulta à Declaração Mensal de Remunerações do ano de 2021, consta que a executada obteve rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 31.577,47 e rendimentos categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no montante de € 16.512,58.
29. Também por consulta à Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2020 entregue pela executada e para efeitos de reembolso por transferência bancária, foi indicado o Número de Identificação Bancária de uma conta na Banco 1... da qual a executada é titular, não tendo feito prova do saldo bancário.
30. Das despesas que a executada alega ter, da consulta aos sistemas informáticos da AT apenas se podem confirmar os valores despendidos com a renda da casa e para a Ordem dos ....
31. Da consulta efetuada à aplicação SEFWEB, verifica-se que contra a executada se encontram instaurados 7 (sete) Processos de Execução Fiscal por falta de pagamento do Imposto Único de Circulação e respetivas coimas referente ao veículo ..-LM-.., dos anos de 2014, 2015 e 2016.
32. A executada alega ainda que a prestação de tal garantia iria causar-lhe um prejuízo irreparável, no entanto, a executada não demostrou ter diligenciado no sentido de demonstrar que a obtenção de qualquer garantia idónea para garantir o pagamento da dívida e do acrescido ou que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia e o real impacto que essa garantia teria na sua situação económica.
33. Quanto ao ónus da prova, interpretando o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributaria, conjugado com o artigo 342.º do Código Civil, recai sobre quem invoque os factos, no caso sobre o executado, pelo que deste modo a petição deverá estar devidamente fundamentada, tanto de facto como de direito, acompanhada das respetivas provas documentais necessárias à sua apreciação, ou seja, com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa (art.º 170.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
VI - CONCLUSÃO
A concessão da isenção de prestação de garantia nos casos em que exista manifesta falta de meios económicos, está prevista no n.º 4 do art.º 52.º da Lei Geral Tributária (LGT), desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deva a atuação dolosa do executado.
A executada apenas remeteu à apreciação do órgão de execução fiscal, o requerimento sem qualquer meio de prova documental, alegando, apenas e só, que com extrema dificuldade que faz face às despesas que enfrenta mensalmente e que a prestação de tal garantia iria causar-lhe um prejuízo irreparável.
Sendo estas as rigorosas condições a observar para efeitos de concessão de dispensa de prestação de garantia, parece-nos que o presente pedido não poderá ser atendido tendo em conta a falta de prova documental e quanto à comprovação inerente ao pressuposto da irresponsabilidade da atuação ou da respetiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens.
À consideração superior.”

2. O Direito
A Recorrente interpôs o presente recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a reclamação da decisão proferida pelo órgão de execução fiscal de indeferimento do requerimento de dispensa de prestação de garantia no montante de €11.427,82.
Portanto, essa decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu manteve na ordem jurídica o acto de indeferimento do órgão de execução fiscal, por falta de alegação e prova, pela reclamante ora Recorrente, de que não dispõe de meios económicos para prestar a garantia em causa [tendo considerado que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) infirmou tal pressuposto], limitando-se a alegar que essa prestação lhe implicaria um prejuízo irreparável e que isso podia colocar em causa a sua subsistência, sem, contudo, concretizar a situação que alegou.
A Recorrente dissente do assim decidido, invocando que a AT deveria ter adoptado uma actuação mais proactiva na determinação da situação patrimonial concreta da interessada, pois não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório. Alega que a AT, no seu despacho de indeferimento, não refuta a alegada manifesta insuficiência económica, não juntando qualquer elemento/documento probatório constante nas bases de dados da AT que ateste, inequivocamente, a existência de activos penhoráveis. Por outro lado, insiste na alegação de que enfrenta uma fase da vida em que dispõe de escassos recursos económicos, contextualizando-a no âmbito da pandemia COVID 19 e da guerra na Ucrânia. Em suma, reitera a manifesta falta de meios económicos suficientes que lhe permitam prestar a garantia exigida por lei, sem que com isso coloque em causa a sua subsistência, o que implicaria um prejuízo irreparável no seu sustento. Por último, invoca a violação do disposto no artigo 170.º, n.º 4 do CPPT, na medida em que a AT não terá decidido dentro do prazo estabelecido por lei, neste caso, no prazo de 10 dias após a apresentação do requerimento de dispensa de prestação de garantia.
Para julgar improcedente a reclamação, o tribunal recorrido considerou que «(…) Nos presentes autos, a Direção de Finanças de .... indeferiu o pedido formulado pela Reclamante de dispensa de prestação de garantia no processo de execução fiscal em causa nestes autos, tendo a mesma alegado que não dispõe de qualquer forma ou meios para prestar essa garantia, dado que isso podia colocar em causa a sua subsistência, o que lhe implicaria um prejuízo irreparável.
Vejamos.
Quanto aos requisitos previstos legalmente para a dispensa de prestação de garantia, o artigo 52º, n.º 4 da LGT prescreve que “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”, especificando o artigo 170º, n.º 3 do CPPT que “O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”.
Face a estas normas, convêm desde já pôr em evidência que, de acordo com as regras de repartição do ónus de prova circunstancialmente pertinentes (artigo 342º, n.º 1 do Código Civil e artigo 74º, n.º 1 da LGT), é sobre a Reclamante “que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido” (de acordo com o acórdão proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 0327/08, de 17/12/2008, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, quanto ao requisito da falta de meios económicos, o que ressalta dos autos é que a Reclamante se limita a alegar que não dispõe de meios económicos para prestar a garantia exigida por lei sem, contudo, especificar – de modo concreto e factual - qual a sua efetiva situação patrimonial.
De facto, a Reclamante apenas logrou provar nestes autos, que em abril de 2022 suportou despesas com renda de casa, energia, água e serviços de comunicação no montante total de € 534,89.
Mesmo não atendendo à circunstância de esse montante, em abstrato, não assumir uma dimensão manifestamente exagerada face às despesas correntes normais de qualquer cidadão, a Reclamante não alegou nem, consequentemente, provou, os rendimentos que aufere nem o património que dispõe.
E apenas com essa prova dos rendimentos e património de que a Reclamante aufere e é titular seria possível aferir da falta de meios económicos para suportar a garantia em causa nestes autos.
Acresce que, além de não se poder afirmar que a Reclamante logrou provar o requisito da manifesta falta de meios económicos para prestar garantia a fim de suspender o processo de execução fiscal que lhe foi instaurado, igualmente há que ter em conta que os elementos analisados e recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira são de molde a indiciar essa possibilidade, face ao montante em causa: recorde-se que a garantia a prestar seria para garantir um montante de € 11.427,82.
De facto, a Autoridade Tributária e Aduaneira provou nestes autos que a Reclamante é proprietária de três imóveis rústicos, de um imóvel urbano e de um veículo automóvel; que no ano de 2019 teve rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de € 45.391,83 (dos quais € 28.930,77 se refere a anos anteriores), rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 29.307,29 e rendimentos da categoria B do dependente no valor de € 568,40; que no ano de 2020 teve rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de € 16.512,58 e rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 29.723,18; que no ano de 2021, obteve rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 31.577,47 e rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no montante de € 16.512,58.
Deste modo, face à ausência de alegação e prova da Reclamante e à prova efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o Tribunal dá como assente que a Reclamante não provou que não dispõe de meios económicos para prestar a garantia em causa nestes autos.
Quanto ao requisito da prestação da garantia provocar um prejuízo irreparável à Reclamante, igualmente a mesma limita-se a alegar que essa prestação lhe implicaria um prejuízo irreparável e que isso podia colocar em causa a sua subsistência, sem, contudo, concretizar a situação que alegou.
Ora, “impunha-se, pois, que a reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia, o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez” (conforme põe em evidência o Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 00077/14.1BEVIS, de 27/06/2014, disponível em www.dgsi.pt).
Pelo que, igualmente falece a prova do prejuízo irreparável por parte da Reclamante.
***
Deste modo – e prejudicadas demais questões e considerações – o Tribunal julga que a Reclamante não logrou provar os requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia e que a decisão da Direção de Finanças de .... que lhe indeferiu o requerimento de dispensa de prestação de garantia no processo de execução fiscal n.º ...73 foi legal, devendo a presente reclamação ser julgada improcedente. (…)»
Antes de mais, urge acentuar que do preceito normativo constante do artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT) resulta que a competência para conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia é da Administração Tributária. O tribunal não pode praticar actos que são da competência da Administração Tributária, como resulta do disposto nesse n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Não pode, por isso, o tribunal conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, pelo que apenas lhe compete apreciar a legalidade da decisão, neste âmbito, proferida pela Administração Tributária (aqui se encontra a principal razão para a reprodução supra do acto sindicado). Compete-lhe apenas aferir da legalidade/ilegalidade das decisões proferidas pela administração, verificando da ofensa/não ofensa dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa, e, anular/não anular o acto reclamado, sem qualquer possibilidade legal de, em substituição da Administração Tributária, definir se a Recorrente fica ou não dispensada de prestar garantia – cfr. Acórdão do STA, de 15/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0918/14.
Portanto, a apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação.
O pedido foi indeferido com a fundamentação que consta da informação transcrita supra, que foi apropriada pela Direcção de Finanças de ..... Ou seja, foi indeferido com o fundamento de que à Recorrente, que pretendia ser dispensada da prestação de garantia por manifesta falta de meios económicos, cumpria alegar e provar os factos constitutivos do respectivo direito, como resulta do disposto no artigo 342.º do Código Civil (CC), do artigo 74.º, n.º 1, da LGT e do artigo 170.º do CPPT, sendo que a mesma não logrou a demonstração da inexistência ou insuficiência de bens, requerida pelo n.º 4 do artigo 52.º da LGT, tanto mais que omitiu ter um veículo automóvel, três imóveis inscritos em matriz rústica e um imóvel em artigo urbano, sobre os quais poderiam, eventualmente, ser constituídas garantias, bem como rendimentos de categoria A e B e uma pensão de sobrevivência.
A Recorrente sustenta, agora, nesta sede recursiva, em síntese, que a decisão que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia é ilegal, por violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material que recaem sobre a AT. A seu ver, estes princípios impunham que o órgão da execução fiscal, previamente à decisão, tivesse averiguado a real e verdadeira situação patrimonial da Recorrente, na medida em que tem acesso a esses elementos, através das suas bases de dados. Ao invés, alega a Recorrente que a AT optou por indeferir logo o pedido, não tendo sido dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, tanto mais que, porque os despachos de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia não são precedidos de audição prévia, o princípio do inquisitório e o dever de colaboração devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance. A Recorrente não olvida que o ónus probatório impende sobre si, mas realça que tais elementos se encontram na posse da Recorrida (AT), constituindo um poder/dever da mesma aquilatar da existência de activos penhoráveis – cfr., além das restantes, a conclusão 32 das alegações do recurso.
Não obstante este reconhecimento, de que recai sobre o executado o ónus de demonstrar a falta de meios económicos invocada como fundamento do pedido de dispensa de prestação da garantia, a Recorrente alega que o princípio do inquisitório impunha ao órgão da execução fiscal a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, como suporte da decisão a proferir.
A questão que se coloca consiste, pois, em saber se a sentença padece do invocado erro de julgamento por violação do disposto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT, no artigo 342.º do CC, e no n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, na apreciação que fez da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.
A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no artigo 148.º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º do CPPT. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respectivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos artigos 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal, como já havíamos salientado supra.
O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da actuação da Administração no âmbito desse pedido (cfr. artigos 151.º, n.º 1, e 276.º do CPPT).
Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo [Com interesse sobre a questão e dando conta da melhor jurisprudência, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 11 ao artigo 52.º, págs. 428/429]. Esse procedimento da iniciativa do executado (cfr. artigo n.º 4 do artigo 52.º da LGT, que diz «a requerimento do executado» e o artigo 170.º do CPPT, que diz «deve o executado requerer») é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cfr. n.º 3 do artigo 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cfr. artigo 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cfr. n.º 3 do artigo 170.º do CPPT). Deverá também o requerente mencionar o número de identificação fiscal (cfr. n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de Janeiro) e ainda, no caso de o procedimento respeitar a um processo de execução fiscal, indicar o número desse processo – cfr. Acórdão do STA, de 04/11/2020, proferido no âmbito do processo n.º 289/20.9BEALM.
In casu, a Recorrente pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, alegando, em síntese, a inexistência de bens que possa oferecer em garantia. Não apresentou quaisquer documentos comprovativos sustentadores da sua alegação, mas requereu ao serviço de finanças a averiguação da situação contributiva jurídico/fiscal da contribuinte, através da consulta das suas liquidações de IRS dos últimos cinco anos, solicitando, ainda, a consulta da situação predial da contribuinte, como se pode ler no seu requerimento de dispensa de prestação de garantia.
Nesta conformidade, a reclamante invocou no seu requerimento que se vê totalmente impossibilitada de prestar a garantia exigida por lei, de modo a suspender o processo executivo contra si instaurado. A requerente invocou, também, não dispor de meios económicos suficientes que lhe permitam prestar a garantia exigida por lei, afirmando que a AT poderá atestar tal através da consulta aos seus dados fiscais, o que requereu, nomeadamente, a inexistência de qualquer activo patrimonial de que seja proprietária. Alertou, ainda que a prestação da garantia fosse possível, iria causar-lhe um prejuízo patrimonial, na medida em que colocaria em causa a sua subsistência. Para tanto, aludiu apenas aos escassos recursos económicos de que dispõe, atentas as despesas mensais que elencou e ao contexto excepcional da pandemia COVID 19, agravado pela situação existente na Ucrânia, assistindo-se a uma escalada generalizada dos preços dos bens de primeira necessidade.
A AT indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia com o fundamento de que a executada, contrariamente ao que alegou, possuía bens que podiam servir o desígnio da prestação de garantia, designadamente uma viatura automóvel e quatro bens imóveis (três artigos rústicos e um artigo urbano), que podiam ser dados em garantia, tendo, ainda, averiguado a existência de rendimentos (das categorias A e B) e pensão de sobrevivência, conforme consta da decisão reclamada.
A AT afirma nessa decisão, por pesquisa ao património da executada, ter verificado a existência de bens imóveis da sua propriedade (3 artigos rústicos e 1 artigo urbano) no valor patrimonial tributável global de € 2.869,30 e um bem móvel sujeito a registo (veículo automóvel), dos quais desconhece os ónus e encargos que sobre eles impendem. Mas, não foi a falta destes elementos que determinou o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia; foi, tão-só, a falta de prova da inexistência de bens reveladora da invocada manifesta falta de meios económicos. Por outro lado, quanto à alegação de que a prestação de garantia iria causar à Recorrente um prejuízo irreparável, a AT alerta que a executada não diligenciou no sentido de demonstrar a tentativa de obtenção de qualquer garantia idónea para garantir o pagamento da dívida e do acrescido ou que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia e o real impacto que essa garantia teria na sua situação económica.
É nossa convicção que impor à AT que, em sede do procedimento de dispensa de prestação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar a existência ou não de bens, e o seu valor, que a executada não se propôs oferecer em garantia e de cuja existência nem sequer lhe deu conta, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do executado que, em ordem à suspensão da execução fiscal, pretenda ser dispensado da prestação de garantia mediante a invocação de falta de condições económicas para a prestar.
Note-se ainda que o procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cfr. artigo 52.º, n.º 4, da LGT e artigo 170.º, n.º 1, do CPPT), não podendo, sem mais, aplicar-se-lhe as regras do procedimento tributário de liquidação, tanto mais que não é possível estabelecer paralelismo entre ambos: enquanto naquele está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há-de ter como excepcional em sede de execução fiscal – a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal – e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido (cfr. artigo 56.º da LGT), neste estamos perante um procedimento tributário que pode ser iniciado oficiosamente (cf. art. 57.º, n.ºs 1 e 7, da LGT) e em que a AT não vê a sua decisão limitada senão pela prossecução do interesse público e pelos princípios enunciados no artigo 54.º da LGT; enquanto naquele o interessado pretende obter um efeito constitutivo de direitos, neste o efeito será a declaração (concretização) de uma obrigação tributária – cfr., neste sentido, o citado Acórdão do STA, de 04/11/2020, proferido no âmbito do processo n.º 289/20.9BEALM.
A Recorrente alega, também, que a AT, ao seu despacho de indeferimento, não juntou qualquer elemento/documento probatório constante nas suas bases de dados que ateste, inequivocamente, a existência de activos penhoráveis. Porém, a verdade é que a AT anuiu na consulta às suas bases de dados, conforme solicitado pela reclamante no seu pedido, face à ausência de qualquer documento comprovativo junto pela Recorrente com o seu requerimento. Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu do seu ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou verificar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia nas suas bases de dados. Manifestamente, era a Recorrente que deveria ter ido mais longe na alegação e demonstração da sua falta de condições para prestar garantia.
Recordamos que a aqui Recorrente insiste na alegação de que enfrenta uma fase da vida em que dispõe de escassos recursos económicos, contextualizando-a no âmbito da pandemia COVID 19 e da guerra na Ucrânia. Em suma, reitera a manifesta falta de meios económicos suficientes que lhe permitam prestar a garantia exigida por lei, sem que com isso coloque em causa a sua subsistência, o que implicaria um prejuízo irreparável no seu sustento. Contudo, como bem nota a sentença recorrida, a Recorrente ficou-se por generalidades/conclusões, sem invocar qualquer facto simples subsumível à sua real situação económico-financeira ou às concretas repercussões que a prestação de garantia teria na sua subsistência.
Salientamos que a matéria vertida no ponto 4) do probatório não se mostra impugnada pela Recorrente - no ano de 2019 teve rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de € 45.391,83 (dos quais € 28.930,77 se refere a anos anteriores), rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 29.307,29 e rendimentos da categoria B do dependente no valor de € 568,40; no ano de 2020 teve rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no valor de € 16.512,58 e rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 29.723,18; no ano de 2021, obteve rendimentos da categoria A - trabalho dependente no valor de € 31.577,47 e rendimentos da categoria H provenientes de pensão de sobrevivência no montante de € 16.512,58 – nem se vislumbra que as despesas consideradas provadas no ponto 3) da decisão da matéria de facto possam ter o impacto negativo no rendimento remanescente, com a dimensão que a Recorrente pretenderia transmitir neste recurso.
Nestes termos, face ao disposto no artigo 342.º, do Código Civil, e no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. De resto, o texto do artigo 170.º, n.º 3, do CPPT, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão. A fundamentação do acto em crise vai precisamente no sentido de a Recorrente não se ter desincumbido do seu ónus, o que, como vimos, corresponde à realidade, pelo que o acto reclamado deverá ser mantido, conforme julgou o tribunal recorrido.
Por último, a Recorrente invoca a violação do disposto no artigo 170.º, n.º 4 do CPPT, na medida em que a AT não terá decidido dentro do prazo estabelecido por lei, neste caso, no prazo de 10 dias após a apresentação do requerimento de dispensa de prestação de garantia.
Face ao artigo 170.º, n.º 1, do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser apresentado no prazo de quinze dias, tendo como termo inicial a data da apresentação de meio gracioso ou judicial tendente à discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda, meio este que funciona como pressuposto do próprio pedido, como se retira do teor literal da norma (cfr. artigo 169.º, ex vi artigo 170.º, n.º 1, ambos do CPPT). Mais nos diz o artigo 170.º, n.º 4, do CPPT que o mesmo pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser decidido pela Administração Fiscal no prazo de 10 dias após a sua apresentação. Contudo, trata-se de prazo de eventual formação de indeferimento tácito, o qual pode sustentar uma reclamação a deduzir ao abrigo do artigo 276.º e seguintes do CPPT – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 13/09/2018, proferido no âmbito do processo n.º 636/18.3BELRS.
Nestes termos, não vislumbramos que a ultrapassagem de tal prazo de 10 dias para a AT decidir possa ser fundamento de invalidade de acto expresso praticado (como ocorreu in casu), dando, somente, lugar à abertura da via contenciosa de impugnação de um acto tácito desfavorável ao contribuinte.
Pelo exposto, urge negar provimento ao recurso, mantendo na ordem jurídica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.
*
Conclusões/Sumário
I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cfr. artigo 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cfr. artigo 342.º do CC, artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 170.º, n.º 1, do CPPT).
II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia.
III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT.
*
IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 31 de Agosto de 2022
Ana Patrocínio
Cristina da Nova
Antero Salvador