Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01147/06.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/29/2012
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:RECTIFICAÇÃO DE ACTOS ADMINISTRATIVOS
REVOGAÇÃO/ SUBSTITUIÇÃO
IMPUGNABILIDADE DA AVALIAÇÃO DE PRÉDIO URBANO
Sumário:I - A rectificação de actos administrativos é figura reservada para “a hipótese de na expressão da vontade administrativa, normalmente por escrito, serem cometidos erros materiais (enganos de nomes, de números, de qualidades, de localização, etc) que não afectem a validade do acto mas apenas a sua correcção formal”. Daquilo que se trata é, pois, de um acto válido mas que, em resultado de um engano de quem o redigiu, padece de alguma incorrecção.
II - A rectificação pressupõe a manutenção do acto rectificado, já que se limita a corrigir lapsos manifestos de cálculo e de escrita. A intenção que a motiva “é apenas e tão só, a clarificação do acto praticado ou a correcção de um evidente erro de cálculo ou de escrita e não a sua modificação ou alteração substancial”.
III - Os actos administrativos, de harmonia com o disposto no artigo 138º do CPA, podem ser revogados, quer por iniciativa dos órgãos competentes, quer mediante reclamação ou recurso administrativo, revogação essa que, nos termos do artigo 141º do CPA, pode ter como fundamento a invalidade do acto.
IV- Estando em causa a avaliação de um prédio, a revogação operada resultou de se estabelecer uma nova disciplina para a situação em apreciação. Tal situação configura a chamada revogação por substituição (147º do CPA), já que o novo acto (aquele que foi impugnado e que fixou o valor patrimonial em € 1.013,300,00) encerra uma nova regulamentação da mesma situação concreta (com a ponderação de um diferente pressuposto de facto e, consequentemente, de outro quadro legal), incompatível com a regulamentação do acto inicial, destruindo, assim, com eficácia “ex tunc” os efeitos jurídicos do acto inicialmente praticado.
V – Configurando o novo acto uma 1ª avaliação do prédio, a sua impugnação estava dependente do prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão previstos no procedimento de avaliação, concretamente da 2ª avaliação, nos termos dispostos no artigo 77º do CIMI.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:A..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
A… Lda., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, ao abrigo do disposto no artigo 77º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e no artigo 134º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o acto de avaliação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488 da Freguesia de Oliveira de Azeméis, através do qual foi fixado o valor patrimonial tributário de € 1.013.300,00, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
“A) A Recorrente interpôs a impugnação judicial de que cuja Sentença ora se recorre, decorrente de uma segunda avaliação efectuada pela Administração Fiscal a um prédio por si alienado a 22 de Julho de 2005, nos termos de escritura pública de compra e venda junta ao seu requerimento inicial como doc. nº 8, pelo facto de não ter sido aplicada a alínea d) do artigo 100 do CIMI.
B) Com a aplicação da mencionada alínea d) do artigo 10° do CIMI o valor patrimonial tributário do imóvel deveria ser reduzido de €: 1.013.300,00 para €; 810.640,00, conforme decorre de simulação igualmente junta ao requerimento inicial.
C) Porém, a 08.11.2007 a Recorrente toma conhecimento de que a notificação recepcionada a 25.04.2006, decorrente do seu pedido de 2a avaliação, o qual havia dado entrada no Serviço de Finanças competente a 02.12.2005, seria resultado de uma "correcção" da primeira avaliação, o que é por este Serviço de Finanças confessado a 27 de Maio de 2008.
D) Face à ausência de qualquer notificação prévia, a Recorrente ao ser notificada de uma nova avaliação, praticamente cinco meses após ter requerido a 2ª avaliação, teve que entender de que o único meio de contra ela reagir seria através da impugnação judicial, o que fez.
E) A partir do momento em que deu entrada o 2º pedido de avaliação que originou a presente impugnação, o Serviço de Finanças estava impedido de proceder a qualquer rectificação oficiosa da 1ª avaliação, sem que para tanto notificasse formalmente a Recorrente.
F) O Meritíssimo Juiz "a quo" justifica tal "rectificação" invocando para tanto o artigo 148º do CPA o que a Recorrente não pode, de forma alguma aceitar dado não estarmos no presente caso perante um manifesto erro de cálculo ou material na expressão da vontade do órgão administrativo.
G) Como é referido no sumário ao Ac. do STA de 28.05.2003 in www.dgsi.pt.proc.no 0132/03. "É generalizadamente admitida a possibilidade de correcção de lapsos materiais relativamente a quaisquer actos jurídicos, ao abrigo do disposto nos artigos 249º e 295º do Código Civil, mas apenas são de considerar como lapsos de escrita os que são ostensivos, que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo contexto e que respeitem à expressão material da vontade e não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade. "
H) É evidente que o alegado lapso INFLUENCIOU a formação da vontade da Administração Fiscal, pelo que não é rectificável através do artigo 148º do CPA cuja matriz se encontra bem expressa nos invocados artigos 2490 e 2950 do Código Civil.
I) Também não se aceita que a Administração Fiscal no presente caso tenha revogado o acto em causa de acordo com o artigo 138° do CPA, uma vez que o contribuinte de NADA foi notificado, conforme o impõe o artigo 144º do mesmo Código.
J) A Administração Fiscal utiliza a palavra "CORRECÇÃO", a qual não assenta em qualquer fundamento legal.
K) Tem a Recorrente por certo que a actuação da Administração Fiscal na presente lide violou frontalmente os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses do cidadão, da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da colaboração da Administração com os particulares e da participação, todos bem plasmados nos artigos 3° a 8º do CP A, mormente o princípio da boa fé constante do artigo 6° A do mesmo Diploma.
L) O próprio Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal "a quo", no seu Douto Parecer entende que o acto de "correcção" em apreciação é "inexistente" ou caso assim se não entenda é nulo ao abrigo dos artigos 133º nºs 1 e 2 als. a), c), d) e) e 134º nºs 1 a 3 do CP A, entendimento este que a Recorrente aplaude e subscreve.
M) Face a tudo quanto foi supra exposto, tem forçosamente de se concluir que a notificação enviada pela Administração Fiscal à Recorrente terá de ser entendida como 2a avaliação, pelo simples facto do acto de correcção de valores por esta efectuada ser nulo e assim, ser a impugnação judicial interposta pela Recorrente julgada procedente por provada, com as demais consequências legais.
N) Caso assim se não entenda, ser a Administração Fiscal compelida a efectuar a 2a avaliação, conforme a Recorrente atempadamente requereu, sendo a Entidade Recorrida condenada a pagar a totalidade das custas e demais encargos suportados pela Recorrente.
O) O Meritíssimo Juiz "a quo" violou, na Douta Sentença ora recorrida, o disposto nos artigos 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 138° e 148° do CPA.
Pelo que V. Exas. ao concederem provimento ao presente recurso, revogando a Douta Sentença ora recorrida, estarão a aplicar a conveniente e adequada JUSTIÇA!!!!!”
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Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, nos termos que constam do parecer de fls. 139 e 140 dos autos.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, cujo teor se reproduz:
“Resultam dos autos os seguintes factos, suficientes para conhecimento do mérito, factos que resultam da matéria alegada e não contestada, da prova documental junta aos autos, designadamente de fls. 10 a 24, 37 a 40, 56 a 64 dos autos, fls. 4 e 5 do processo apenso, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514º Código de Processo Civil.
1. Dá-se por reproduzido o teor do documento de fls. 4/5 do processo apenso.
2. Dá-se por reproduzido o teor do documento de fls. 10 dos autos, que consubstancia o ofício nº 1581954, datado de 1/11/2005, recepcionado pela impugnante.
3. A impugnante, por requerimento apresentado em 2/12/2005 na 1ª Repartição de Finanças de Oliveira de Azeméis, requereu ao Chefe daquele Serviço de Finanças, “segunda avaliação ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o nº 3488º da freguesia de Oliveira de Azeméis” com fundamento em por lapso ter sido indicada a afectação de serviços ao prédio, “quando na realidade se trata de um edifício destinado a indústria”, ter sido “vendido em estado devoluto sem possuir redes interiores de electricidade, telecomunicações, gás, esgotos e de água”, com licença de utilização emitida em 1993, mas “a construção data de 1978”, tendo nomeado “para a reavaliação o Sr. C…”.
4. Dá-se por reproduzido o teor do documento de fls. 12 dos autos, que consubstancia o ofício nº 2272103, datado de 25/4/2006, recepcionado pela impugnante.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito”.
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Ao abrigo do disposto no artigo 712° do CPC, por a entendermos pertinente para a decisão a proferir, adita-se, ainda, a seguinte matéria de facto resultante da análise dos documentos juntos autos:
5 - Por escritura pública celebrada em 22 de Julho de 2005, a Ar Puro declarou vender à Besleasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., e esta declarou comprar, pelo preço de € 775.000,00, o prédio urbano composto por edifício de cave, rés-do-chão, primeiro andar e águas furtadas, destinado a indústria de calçado, sito na Zona Industrial de Lações, freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o número 36 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3488, com o valor patrimonial tributário de € 384.633,03 – cfr. fls. 4 e 5 do P.A, a que se reporta o ponto 1 dos factos assentes na sentença recorrida;
6 – Através do ofício nº 1581954, de 01/11/05, do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis -1, foi a Recorrente notificada do resultado da avaliação efectuada ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488, na qual se apurou o valor patrimonial tributário de € 1.548.090,00 - cfr. fls. 10 dos autos, a que se reporta o ponto 2 dos factos assentes na sentença recorrida;
7 – De tal ofício nº 1581954 consta, além do mais o seguinte:
(…)
Fica V. Exa. notificado (a) de que, em resultado da avaliação efectuada ao (à) PRÉDIO TOTAL SEM ANDARES OU DIVISÕES SUSCEPTÍVEIS DE UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488 da freguesia 011309 OLIVEIRA DE AZEMÉIS, foi atribuído o valor abaixo descrito, apurado nos termos do artigo 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).



8 – No mesmo ofício nº 1581954 pode ainda ler-se o seguinte:
“(…)
No caso de não concordar com os referidos valores, poderá, querendo, requerer segunda avaliação, nos termos do artigo 76º do CIMI, no prazo de 30 dias a contar da notificação, a qual se considera efectuada no dia em que for assinado o respectivo aviso de recepção. Requerendo 2ª avaliação, deverá mencionar o nome, residência, telefone e número de contribuinte do representante por si nomeado (pode ser o próprio) para intervir na comissão de avaliação, que será constituída nos termos daquele artigo, ficando as despesas da avaliação a seu cargo se o valor contestado se mantiver”
9 – Através do ofício nº 2272103, de 25/04/06, do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis -1, foi a Recorrente notificada do resultado da avaliação efectuada ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488, na qual se apurou o valor patrimonial tributário de € 1.013.300,00 - cfr. fls. 12 dos autos, a que se reporta o ponto 4 dos factos assentes na sentença recorrida;
10 – De tal ofício nº 2272103 consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
Fica V. Exa. notificado (a) de que, em resultado da avaliação efectuada ao (à) PRÉDIO TOTAL SEM ANDARES OU DIVISÕES SUSCEPTÍVEIS DE UTILIZAÇÃO INDEPENDENTE, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488 da freguesia 011309 OLIVEIRA DE AZEMÉIS, foi atribuído o valor abaixo descrito, apurado nos termos do artigo 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

11 – No mesmo ofício nº 2272103 pode ainda ler-se o seguinte:
“(…)
No caso de não concordar com os referidos valores, poderá, querendo, requerer segunda avaliação, nos termos do artigo 76º do CIMI, no prazo de 30 dias a contar da notificação, a qual se considera efectuada no dia em que for assinado o respectivo aviso de recepção. Requerendo 2ª avaliação, deverá mencionar o nome, residência, telefone e número de contribuinte do representante por si nomeado (pode ser o próprio) para intervir na comissão de avaliação, que será constituída nos termos daquele artigo, ficando as despesas da avaliação a seu cargo se o valor contestado se mantiver”.
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2.2. O direito
Estabilizada a matéria de facto, nos termos expostos, passemos à análise do direito.
De acordo com as conclusões das alegações de recurso, temos que a questão que, desde já, se coloca é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na medida em que considerou que o acto impugnado configura a 1ª avaliação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488 da Freguesia de Oliveira de Azeméis e que, nessa medida, a sua impugnação estava dependente de prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão previstos no procedimento de avaliação, concretamente da 2ª avaliação, nos termos dispostos no artigo 77º do CIMI.
Com efeito, insurge-se a Recorrente contra o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro por defender que, contrariamente ao que aí foi entendido, o acto de avaliação impugnado, notificado através do ofício 2272103, e que fixou um valor patrimonial tributário de € 1.013.300,00, não configura uma 1ª avaliação do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo 3488 da freguesia de Oliveira de Azeméis mas, antes, o resultado da 2ª avaliação, oportunamente requerida.
Discorda, pois, a Recorrente do entendimento plasmado na decisão recorrida segundo o qual a avaliação sindicada resultou de uma “mera rectificação efectuada ao abrigo do disposto no artigo 148º do Código de Procedimento Administrativo, mediante correcção automática, de forma informática, de lapso a que a Administração Tributária foi induzida pelas declarações prestadas pela impugnante que declarou erradamente que o prédio estava afectado a serviços (Cfr. Ac. STA de 2/7/2003, Processo nº 02051/02). Na verdade, a notificação em causa reporta-se ao resultado da uma primeira avaliação, rectificados os lapsos apontados pela impugnante, e não ao resultado de uma segunda avaliação, como alegado. Efectivamente, a segunda avaliação obedece aos requisitos legais acima mencionados, e tem de emanar de uma comissão composta por dois peritos designados pelo director de finanças e pelo sujeito passivo, que, nunca tiveram qualquer intervenção, nem, por qualquer forma, contribuíram para os resultados alcançados pela Administração Tributária, plasmados no documento de fls. 12”.
Em suma, e contrariamente ao decidido, entende a Recorrente que o acto impugnado configura efectivamente uma 2ª avaliação, impugnável ao abrigo do disposto nos artigos 77º do CIMI e 134º do CPPT.
Vejamos.
Como resulta da sentença que parcialmente se deixou transcrita, daí se retira que o Mmo. Juiz a quo qualificou a avaliação comunicada através do ofício 2272103, de 25/04/06, que fixou o valor patrimonial em € 1.013.300,00, como uma 1ª avaliação do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de Oliveira de Azeméis sob o artigo 3488, resultante de uma rectificação, efectuada ao abrigo do artigo 148º do CPA.
Assim sendo, importa, antes do mais, caracterizar, ainda que brevemente, o conceito de rectificação de actos administrativos para emitirmos um juízo seguro quanto ao acerto, ou desacerto, da qualificação jurídica efectuada pelo Mmo. Juiz a quo.
Nos termos do nº 1 do artigo 148º do CPA, os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto. Por seu turno, de acordo com o nº 2 de tal disposição legal, a rectificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, tem efeitos retroactivos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do acto rectificado.
Da formulação legal enunciada resulta claramente que a rectificação é figura reservada para “a hipótese de na expressão da vontade administrativa, normalmente por escrito, serem cometidos erros materiais (enganos de nomes, de números, de qualidades, de localização, etc) que não afectem a validade do acto mas apenas a sua correcção formal Vide, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina. Coimbra, 10ª Edição, 7ª Reimpressão, pág. 561.. Daquilo que se trata é, pois, de um acto válido mas que, em resultado de um engano de quem o redigiu, padece de alguma incorrecção.
Como tem sido entendido, os erros de cálculo são erros aritméticos ou de contagem; os erros materiais ou de escrita ocorrem quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diferente daquela que se pretendia escrever ou representar. Em qualquer caso, importa que se trate de erros manifestos, ou seja, “aqueles que são revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que ela é feita (art. 249º do Código Civil) e que são detectáveis por um qualquer destinatário (normal) do acto. (…) O carácter manifesto destes erros revela-se não só na sua evidência, mas também (…) pelo facto de a discrepância ser perceptível no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que é feita…” Vide, Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª Edição, págs. 696 e 697.
Por seu turno, a rectificação pressupõe a manutenção do acto rectificado, já que se limita a corrigir lapsos manifestos de cálculo e de escrita. A intenção que a motiva “é apenas e tão só, a clarificação do acto praticado ou a correcção de um evidente erro de cálculo ou de escrita e não a sua modificação ou alteração substancial” – neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 13/10/04 (proc. 046440).
Ora, feita esta breve caracterização da rectificação dos actos administrativos, fácil é concluir que, no caso concreto, tal figura não tem aplicação.
Com efeito, através da avaliação que fixou o valor patrimonial tributário em € 1.013,300,00 a Administração Tributária operou uma modificação substancial do acto inicialmente emitido, pois que procedeu à avaliação do bem com base num pressuposto de facto diferente daquele que, por erro, havia considerado inicialmente. Ou seja, num primeiro momento, a Administração Tributária avaliou o bem como se de um imóvel destinado a serviços se tratasse e, nessa medida, o valor patrimonial tributário foi fixado em € 1.548.090,00. Detectado o erro cometido, uma vez que o imóvel se destinava, isso sim, ao exercício da indústria, a Administração Tributária tratou de corrigi-lo (fazendo assentar a avaliação em pressupostos de facto correctos e coincidentes com o declarado), o que, consequentemente, originou um novo valor patrimonial tributário de € 1.013,300,00.
Isto mesmo está patente na comparação entre a demonstração da avaliação a que correspondeu o valor patrimonial tributário de € 1.548.090,00 e a demonstração da avaliação de que resultou o valor de € 1.013,300,00. Com efeito, se atentarmos em ambas as demonstrações percebemos, de imediato, que aquilo que as diferencia são o valores relativos aos coeficientes de afectação e de localização que passaram de 1,10 para 0,60 e de 0,75 para 0,90, respectivamente. Ou seja, daquilo que se trata é de alterações decorrentes da consideração, nesta última avaliação, do bem avaliado como sendo destinado a indústria e não a serviços. Com efeito, como decorre do disposto nos artigos 41º e 42º, nº 2 do CIMI, os coeficientes de afectação e de localização divergem em função da utilização dada ao prédio (no caso, serviços/ indústria).
Portanto, ao contrário daquilo que sucederia de estivéssemos na presença de uma mera rectificação, em que o acto rectificado manteria o seu conteúdo (e os seus efeitos), o acto de avaliação comunicado através do ofício 2272103, que fixou o valor patrimonial do bem imóvel em € 1.013,300,00, operou uma verdadeira alteração substancial do acto inicialmente praticado, modificando o seu conteúdo.
Assim, e como já havíamos deixado aflorado, a conclusão que importa, desde já, retirar, para a análise que nos propomos, é que o acto de avaliação que fixou o valor patrimonial tributário do artigo matricial 3488, e que foi objecto de impugnação, não é o resultado da rectificação de qualquer erro (manifesto) de cálculo ou material cometido no acto de avaliação que, em 01/11/05, fixou o valor do dito prédio em € 1.548.090,00.
Na verdade, a avaliação operada em último lugar, objecto de impugnação judicial, que fixou o valor patrimonial em € 1.013,300,00, resultou de uma correcção de um erro que só poderia ser efectuada através da revogação do acto que fixou o valor patrimonial em € 1.548.090,00 e com fundamento na sua invalidade. Com efeito, a consideração de um pressuposto de facto errado – tipo de utilização do prédio como destinada a serviços e não a indústria – levou à errada consideração dos coeficientes de afectação e de localização legalmente previstos.
Estamos, pois, perante uma revogação fundada em invalidade (que não em inoportunidade ou inconveniência), cuja função é a de “destruir os efeitos de uma anterior decisão administrativa inválida (rectius, anulável), sendo tal invalidade a causa determinante do acto de revogação anulatória”. Vide, Mário Esteves de Oliveira e outros, obra citada, pág. 667.
Os actos administrativos, de harmonia com o disposto no artigo 138º do CPA, podem ser revogados, quer por iniciativa dos órgãos competentes, quer mediante reclamação ou recurso administrativo, revogação essa que, nos termos do artigo 141º do CPA, pode ter como fundamento a invalidade do acto.
Isto significa, como se escreveu no já citado acórdão do Pleno da Secção de CA, do STA, de 13/10/04, que “por via de regra, a Administração não está impedida de - por sua própria iniciativa ou impulsionada por reclamação ou recurso hierárquico - revogar um acto administrativo sempre que verifique que o mesmo é inválido e que esta invalidade impõe ou, pelo menos, aconselha a sua revogação. E não se compreenderia que pudesse ser de outra forma tanto mais quanto é certo que a actividade administrativa está sujeita ao princípio da legalidade e o respeito por este princípio pressupõe a remoção da ordem jurídica dos actos que com aquela se não conformem”.
No caso, com a prática de um novo acto de avaliação, a Administração Tributária não se limitou a uma actuação meramente eliminatória do acto inicial do ordenamento jurídico.
Na verdade, no caso, a revogação operada resultou de se estabelecer uma nova disciplina para a situação em apreciação Cfr. Mário Esteves de Oliveira e outros, obra citada, pág. 695.
. Operou-se, pois, a chamada revogação por substituição (147º do CPA), já que o novo acto (aquele que foi impugnado e que fixou o valor patrimonial em € 1.013,300,00) encerra, sem dúvida, uma nova regulamentação da mesma situação concreta (com a ponderação de um diferente pressuposto de facto e, consequentemente, de outro quadro legal), incompatível com a regulamentação do acto inicial, destruindo, assim, com eficácia “ex tunc” os efeitos jurídicos do acto inicialmente praticado.
Isto mesmo, aliás, resulta evidente dos termos em que a notificação do novo acto foi efectuada.
Como resulta da matéria de facto assente, do teor do ofício 2272103, de 25/04/06, consta, desde logo, a expressa menção ao apuramento do valor patrimonial tributário nos termos do artigo 38º e seguintes do CIMI, o que não pode deixar de significar a avaliação inicial da competência do Chefe do Serviço de Finanças, pois é destas avaliações que trata o capítulo VI do CIMI, no qual se incluem essas mesmas regras sobre a determinação do valor patrimonial tributário - artigos 38º e seguintes do CIMI.
Por outro lado, a notificação efectuada através do ofício nº 2272103, de 25/04/06, é clara ao referir que No caso de não concordar com os referidos valores, poderá, querendo, requerer segunda avaliação, nos termos do artigo 76º do CIMI, no prazo de 30 dias a contar da notificação, a qual se considera efectuada no dia em que for assinado o respectivo aviso de recepção”. Esta comunicação, assim expressa, não permite margem para dúvidas: o valor apurado é o resultante de uma 1ª avaliação, podendo, em caso de discordância, ser requerida 2ª avaliação, nos termos e no prazo ali comunicados.
Por isso, aliás, por ter sido expressa, no ofício 2272103, a indicação da possibilidade e prazo para requerer uma 2ª avaliação, é que não pode proceder a alegação da Recorrente quando defende que, por ter requerido uma 2ª avaliação (após a notificação da avaliação comunicada através do ofício 1581954, de 01/11/05), só poderia entender a avaliação que fixou o valor em € 1.013,300,00 como resultante desse tal pedido.
Pelo que ficou já dito se percebe que o Tribunal não acompanha a Recorrente quando esta defende que, por estar pendente um pedido de 2ª avaliação, a Administração estava impedida de corrigir qualquer erro.
E nem se diga que a revogação de um acto inválido tinha que ser expressa, como a Recorrente parece defender. É que, quanto à forma dos actos revogatórios, dir-se-á que, como sucedeu no caso, que a revogação pode ser tácita, ou seja, decorrente da prática de um acto administrativo de conteúdo diferente de outro anterior, referido, porém, à mesma situação concreta. Por outras palavras, estamos perante um acto que não indica (nem contém) um conteúdo revogatório expresso mas produz, para a mesma situação concreta, efeitos incompatíveis com os do acto anterior, de modo que não podem ambos subsistir na ordem jurídica. Como refere Mário Esteves de Oliveira Vide, obra citada, pág. 689., a propósito da revogação tácita, a mesma é possível “nos casos em que é patente o órgão administrativo ter tido em conta a existência do acto revogando, embora a sua decisão não seja reportada àquele mas à situação sobre que ele versou”. No caso, é patente que tal se verifica, pois, como se disse, foi perante a constatação do erro inicial e para o corrigir que a Administração actuou nos termos vistos, substituindo a avaliação inicial por outra 1ª avaliação corrigida, dela notificando o Recorrente.
Portanto, e retirando a conclusão daquilo que foi dito, a avaliação que fixou o valor do prédio em € 1.013,300,00 é, ainda, o resultado de uma 1ª avaliação. Dito de outro modo, esta avaliação que, nos termos expostos, alterou a avaliação inicial é o resultado de uma actividade revogatória por substituição, e não, como pretende a Recorrente, o resultado de uma 2ª avaliação.
Com efeito, para que de uma 2ª avaliação se tratasse, necessário era que a mesma fosse o resultado de uma comissão composta, além do mais, pelo sujeito passivo ou seu representante, o que, como bem assinala a sentença, e não é posto em causa pela Recorrente, nunca teve lugar.
No caso, assinale-se, a prática do novo acto de avaliação, em 25/04/06, teve lugar bem antes do termo do prazo indicado para a conclusão do processo de 2ª avaliação, o qual, nos termos previstos no artigo 134º do CIMI, deve ser de 180 dias, sem prejuízo de ser excedido se tal se justificar.
Ora, assim sendo, tratando-se a avaliação em causa de uma 1ª avaliação, como sucede, a sua impugnação estava dependente de prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão previstos no procedimento de avaliação, concretamente da 2ª avaliação, nos termos dispostos no artigo 77º do CIMI. Com efeito, dispõe tal preceito, no nº1, que “do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, em concreto nos termos do artigo 134º, nº1 do CPPT.
Quer isto dizer, pois, que, sem prejuízo de aqui não acompanharmos integralmente a fundamentação da sentença recorrida, nos termos já expostos a propósito da rectificação dos actos administrativos, nada há a apontar à mesma quanto ao sentido da decisão, isto é, quanto ao entendimento que a avaliação comunicada através do ofício 2272103, de 25/04/06, sendo a 1ª avaliação do prédio, não era susceptível de impugnação judicial directa e que se impunha que tal impugnação tivesse sido precedida de 2ª avaliação, a qual nunca teve lugar.
Improcedem, pelas razões referidas, as conclusões da alegação de recurso respeitantes a esta primeira questão analisada.
A Recorrente, na conclusão K) refere, ainda, que a actuação da Administração Fiscal na presente lide violou frontalmente os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses do cidadão, da igualdade e da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé, da colaboração da Administração com os particulares e da participação, todos bem plasmados nos artigos 3° a 8º do CPA, mormente o princípio da boa fé constante do artigo 6° A do mesmo Diploma.
Como resulta do confronto da leitura da p.i e das alegações e conclusões do presente recurso jurisdicional, a alegada violação dos apontados princípios surge, aqui, invocada pela primeira vez, o que se percebe, pois que a p.i foi apresentada pela Recorrente na convicção (errada, já vimos) de que estaria a sindicar o resultado de uma 2ª avaliação. Portanto, nessa medida, percebe-se que, só com a prolação da sentença recorrida e atento o seu sentido decisório, se tenha tornado necessário ao Recorrente invocar a violação de tais princípios.
Sucede, porém, que, nem nas alegações, nem nas respectivas conclusões de recurso, a Recorrente concretiza minimamente em que é que a violação de tais princípios se traduziu, pois que se limita a enunciá-los, a indicar o preceito legal do CPA que os acolhe e, no caso do princípio da boa-fé, a transcrever o teor do artigo 6º-A do CPA.
Portanto, tal invocação, desacompanhada de qualquer concretização, por mínima que seja, impossibilita, de todo em todo, que o Tribunal se debruce sobre a mesma, a fim de concluir pelo acerto ou desacerto da mesma. Razão bastante para que improceda a conclusão K).
3 - DECISÃO
Termos em que, improcedendo todas as conclusões das alegações da Recorrente, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida pelos fundamentos expostos.
Custas pela Recorrente.
Porto, 29 de Fevereiro de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves