Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01369/12.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/12/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
NULIDADE DA SENTENÇA;
VERBA 2.24 DA TABELA IVA; TAXA REDUZIDA;
Sumário:
I. O dever de fundamentação da sentença abrange realidades distintas (mas conexas) que incluem a fixação dos factos provados e não provados, a respectiva fundamentação de direito e a explicitação das razões pelas quais o julgador considerou provado determinado facto.

II. Apenas a falta absoluta de análise critica da prova e de fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a que decorre de uma análise medíocre, mas ainda assim inteligível, a qual a ocorrer se insere no âmbito do erro de julgamento de direito assacado.

III. Tendo o TJUE emitido pronúncia sobre aplicação da taxa reduzida de IVA à prestação de serviços de remodelação e reparação de elevadores (redação da atual verba 2.27, que, à data dos factos, correspondia à verba 2.24) contrariando o entendimento da AT (Oficio Circulado nº 30036, de 04.04.2001) a respeito da (não) aplicação da taxa reduzida de IVA àqueles serviços, mais esclarece que a aplicação da taxa reduzida não se deverá estender aos serviços de manutenção destes equipamentos, na medida em que esta prerrogativa apenas deve ser considerada para serviços de carácter ocasional, e não prestados de forma regular e contínua, como acontece com os serviços prestados no âmbito de contratos de manutenção.

IV. É ilegal a liquidação, alicerçada exclusivamente no fundamento, que aplica a taxa normal e não a taxa reduzida IVA a todos os serviços, sem estabelecer qualquer circunscrição entre o tratar-se de prestações de serviço de reparações e/ou manutenções de ascensores de carácter regular versus carácter ocasional.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por «X, S.A.» (Recorrida), contra as liquidações adicionais de IVA, relativas aos anos de 2008 a 2011, e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 463.711,91, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial, anulando os atos de liquidação adicional de IVA, dos anos de 2008 a 2011 (até 2011/07), bem como das liquidações dos respetivos juros compensatórios.
B. Os atos tributários controvertidos resultaram de uma ação inspetiva levada a efeito entre 11/10/2011 e 11/01/2012, cujo motivo foi a aplicação pelo sujeito passivo da taxa reduzida às prestações de serviços de reparação e manutenção de elevadores (verba 2.27 Lista I CIVA).
C. Na sequência do recurso interposto pela FP da primeira decisão proferida sobre esta mesma impugnação, ordenou o STA a suspensão dos autos, nos termos da parte final do artº 272º, nº 1 do CPC, até que fosse proferida decisão pelo TJUE, em processo respeitante a questão idêntica (processo nº 815/12.7BEPRT).
D. Conforme consta da douta sentença em análise, “[p]or acórdão de 05.05.2022, o TJUE decidiu o seguinte: «O anexo IV, ponto 2, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que os serviços de reparação e renovação de elevadores de imóveis afetos à habitação, excluindo os serviços de manutenção desses elevadores, são abrangidos pelo conceito de ‘reparação e renovação em residências particulares’, na aceção desta disposição»”.
E. Nesse sentido, decidiu o STA, no processo nº 1369/12.0BEPRT, por acórdão de 2022/09/07, “conceder provimento ao recurso” interposto pela FP, “revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para a ampliação da matéria de facto, a aplicação do direito em conformidade com as orientações antes determinadas e o conhecimento das restantes questões que foram consideradas prejudicadas”.
F. Para tal, entendeu o STA que “[a] sentença recorrida considerou que os elevadores são parte integrante dos edifícios e que, por essa razão, a taxa reduzida de IVA há-de aplicar-se aos serviços de reparação e manutenção realizados ao abrigo de um contrato de empreitada e sempre que a taxa abranja apenas a mão-de-obra”. § “Com esta interpretação, a decisão recorrida afastou-se da interpretação da verba 2.24 do CIVA fixada pela AT no ofício-circular n.º 30036, de 4 de Abril”.
G. Continuando que, “[o] problema foi enquadrado pelo STA no processo n.º 0815/12.7BEPRT como um problema de interpretação normativa da verba 2.2.4 do CIVA (...) em conformidade com ponto 2 do anexo IV da Directiva IVA, ou seja, com a possibilidade de os Estados aplicarem taxas reduzidas do imposto nos termos do artigo 106.º da Directiva IVA a «obras de reparação e renovação em residências particulares» (...). Nessa medida, optou por um reenvio prejudicial”, sendo que,
H. “[n]o acórdão que entretanto proferiu naquele processo (que no processo europeu assumiu o n.º C-218/21), o TJUE esclarece (...) [e]m suma: (...) que no âmbito normativo da taxa reduzida de IVA apenas podem estar incluídos serviços ocasionais de renovação e reparação de elevadores em prédios habitacionais (ou na percentagem correspondente dos mesmos em prédios mistos) e que aquela taxa reduzida nunca se pode aplicar a serviços de manutenção regular”.
I. Continuando que, “[e]m segundo lugar, o TJUE encarrega o STA de averiguar se mesmo no que respeita a serviços ocasionais de renovação e reparação de elevadores em prédios habitacionais, os mesmos se devem considerar excluídos do âmbito de aplicação daquela taxa reduzida por decisão do legislador nacional, i. e., por tal corresponder a um caso de aplicação selectiva da taxa reduzida com respeito pelo princípio da neutralidade. Ora, em relação a esta segunda questão, cabe concluir (...), que não estamos perante um caso de aplicação selectiva. (...) É que (...) a limpeza e a manutenção, por não terem um carácter ocasional, não integrariam, por natureza, o âmbito de aplicação da taxa reduzida, tal como nela igualmente se não integram os serviços de manutenção de elevadores”.
J. Concluiu o STA, “[e]m suma, e porque a matéria de facto assente não esclarece cabalmente se os ditos serviços de reparação e manutenção de elevadores que estão na origem dos actos de liquidação adicional tinham natureza ocasional (... taxa reduzida) ou regular (... taxa normal), impõe-se revogar a sentença e ordenar a baixa dos autos para que a matéria de facto seja complementada e o direito aplicado em conformidade com a orientação aqui determinada”.
K. Após baixa dos autos à 1ª instância e no seguimento de tal decisão, ordenou o Tribunal a quo a notificação da FP, para juntar aos autos “os documentos constantes do procedimento inspectivo, que serviram de suporte às conclusões constantes do relatório de inspecção tributária”, sendo que, uma vez juntos os elementos solicitados, foi proferida a sentença ora em crise, que considerou como assente, tão só, a factualidade elencada nos pontos 1. a 3. dos “Factos Provados”.
L. Para a fixação da matéria dada como provada a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo “baseou-se nos documentos constantes dos autos, bem como do processo administrativo”, considerando que as partes se limitaram a “esgrimir argumentos jurídicos”, não alegando factos relevantes suscetíveis de prova e decidindo, a final, pela procedência dos autos, ordenando a anulação das “liquidações de IVA e de juros compensatórios impugnadas”.
M. Considerou a douta sentença sob escrutínio que, “[a]nalisando o relatório de inspecção (...), vemos que os serviços de inspecção detectaram que a impugnante aplicava a taxa reduzida, relativamente a mão-de-obra, em todas as prestações de serviços de reparação e remodelação de elevadores, o que considerou contrário à lei por entender que a referida taxa não tinha aplicação nos serviços relativos a partes integrantes dos imóveis, como é o caso dos ascensores, pelo que corrigiram a taxa de IVA, passando a aplicar a taxa normal, em todas as facturas emitidas pela impugnante”.
N. Concluiu o Tribunal a quo que os SIT, “nas correcções efectuadas, não distinguiram as facturas referentes a reparações regulares daquelas relativas a reparações e remodelações ocasionais, como resulta do entendimento do TJUE” e que, “[a]nalisando os quadros relativos aos anos de 2008 a 2011, verifica-se que a AT agrupou as facturas relativas a “reparações” e “remodelações”, do Porto, Lisboa e Algarve e corrigiu a taxa, passando a tributar os serviços de mão-de-obra à taxa normal, sem cuidar de distinguir que tipo de reparações ou remodelações estava em causa: se regulares ou ocasionais. Nem, tão-pouco, distinguiu as prestações de serviços efectuadas em prédios habitacionais daquelas efectuadas em prédios destinados a outros fins, procedendo à repartição proporcional, como também refere o TJUE no acórdão citado”.
O. Continuou a sentença em análise que, “[n]a verdade, a AT classificou as prestações de serviços em «reparações» e «remodelações» e, se podemos considerar que as remodelações terão carácter ocasional, beneficiando da taxa reduzida, nada se sabe quanto às reparações, pois estas poderão consistir em meros serviços de manutenção regular ou, ao invés, traduzir verdadeiros serviços de restauro que também cumprem os critérios para a aplicação da taxa reduzida. Importaria que a AT tivesse procedido a uma discriminação mais fina, com recurso, não só à análise das facturas, mas também dos contratos subjacentes, orçamentos e propostas, os quais não constam do processo de evidência de trabalho”.
P. Considerou, ainda, a sentença sob recurso, que “a impugnante, na petição inicial, igualmente não alega quais as facturas que, obedecendo aos critérios avançados pelo TJUE, deveriam ser mantidas e quais as que deveriam ser objecto de correcção”. § “Aliás, nem tal questão foi abordada pelas partes, que se limitaram a apontar argumentos jurídicos, no sentido da interpretação por si preconizada quanto à aplicação da verba 2.24 a serviços prestados em elevadores”.
Q. Para concluir que, “[d]este modo, não constam do relatório de inspecção, nem foram alegados factos susceptíveis de permitir aferir quais as facturas que titulam prestações de serviços que cumprem os critérios mencionados no acórdão do TJUE” pelo que, “verificando-se a ausência de factos, no relatório de inspecção, que permitam averiguar quais as operações que podem ser tributadas à taxa reduzida e que tal ónus competia à AT, pois a ela cabia discriminar (e provar) quais as prestações de serviços efectuadas em edifícios habitacionais, com carácter ocasional, terá de proceder a pretensão da impugnante”.
R. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a FP, sendo outro o seu entendimento, como se argumentará e concluirá.
S. Importa relevar que o procedimento inspetivo que deu origem às correções ora em crise, remonta ao ano de 2012, sendo que o Acórdão do TJUE, proferido no processo C-218/21, no âmbito de reenvio prejudicial, data de 05/05/2022, tendo a nova interpretação do ponto 2, do anexo IV, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, a que se refere a verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA, consubstancia questão nova, que não se encontrava definida aquando da concretização das correções em causa nos autos.
T. Conforme consta do ponto 45 do Acórdão do TJUE, “embora em última análise incumba ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar o direito nacional e (...), nada no texto da (...) verba 2.24 da lista I anexa ao Código do IVA, parece indicar que o legislador português tenha procedido dessa forma, uma vez que a posição da Administração Fiscal assenta, ao invés, na interpretação restritiva preconizada nas instruções internas”.
U. Porque não resulta do probatório se os serviços de reparação e manutenção de elevadores em crise tinham natureza ocasional ou regular impôs-se a ampliação da matéria de facto, quer tendo por base os elementos tidos nos autos, quer com recurso à produção de prova adicional, porquanto o STA entendeu que “a matéria de facto assente não esclarece cabalmente se os ditos serviços de reparação e manutenção de elevadores que estão na origem dos actos de liquidação adicional tinham natureza ocasional (...) ou regular”, considerando que a matéria de facto deveria ser complementada “e o direito aplicado em conformidade com a orientação aqui determinada”.
V. Após baixa dos autos à 1ª instância, ordenou o Tribunal a quo a notificação da FP, para juntar aos autos “os documentos constantes do procedimento inspectivo, que serviram de suporte às conclusões constantes do relatório de inspecção tributária”, os quais, apesar de juntos não foram sequer referidos pelo Tribunal a quo, nem este procedeu à ampliação da matéria de facto, limitando-se, essencialmente, a citar, no probatório, parte do relatório de inspeção, da qual constam quatro quadros, dos quais resultam agrupados por ano e por conta (distinguindo os valores relativos a “reparações”, dos relativos a “remodelações”), os totais das respetivas prestações de serviço.
W. Os valores assim agrupados (por ano e conta) resultam dos elementos juntos aos autos pela FP – onde se encontram discriminados, por data e contas –, designadamente, contratos, faturas, extratos de conta e balancetes relativos às correções ora em crise, dos quais resulta, no entender da FP, a regularidade (na grande maior parte, mensal) das prestações de serviços de reparação e remodelação de elevadores, às quais foi aplicada, pela AT, a taxa normal de IVA.
X. Não procedeu, pois, o Tribunal a quo, a qualquer análise critica dos elementos solicitados à FP e juntos aos autos, nem levou ao probatório factos (provados ou não provados) que deles resultam e que importam à boa decisão da causa, não tendo, também, solicitado a produção de prova adicional.
Y. Ao julgador exige-se, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.
Z. É certo que o princípio da livre apreciação das provas ou da prova livre impõe ao juiz exercer sobre todas as provas produzidas a sua atividade crítica e mover-se, na sua apreciação, com inteira liberdade e sem outros limites que não sejam os que lhe são impostos pela sua convicção íntima ou pelo seu próprio juízo, mas exige-se, porém, que o juiz deixe consignada nos autos a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que decidiu daquela forma e não de outra (artºs 607º, nºs 3 e 4 do CPC) e que seja convincente nessa motivação.
AA. O juiz tem o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada – cfr. artºs 123º, nº 2, do CPPT.
BB. apesar de solicitar mais elementos, o Tribunal a quo não só não a considerou, como não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, não tendo respeitado o disposto no artº 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e nos artºs 154º e 607º, nºs 3 e 4 do CPC, bem como o artº 123º, nº 2 do CPPT, resultando, de todo, inviabilizada a compreensão dos motivos da decisão, ou seja, das razões que, do ponto de vista do Tribunal, foram decisivas para se decidir como decidiu.
CC. Os destinatários da decisão têm o direito de conhecer os fundamentos de facto e os fundamentos de direito que estiveram na base da decisão, sendo nessa fundamentação que deve ser encontrada a sua legitimação, sob pena de nulidade da mesma, porquanto com total ausência de fundamentação, como é o caso, não pode a FP sindicar tal decisão, por falta de um dos pressupostos necessários, não sendo possível aferir se, no caso em apreço, foi bem ou mal aplicado o direito correspondente.
DD. E, in casu, entende a FP que, se devidamente analisadas as provas reunidas, cuja análise se considera imprescindível para a boa decisão da causa, prevaleceria uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal.
EE. Face ao que vem exposto e conforme já se constatou, entende a FP, com o respeito devido por melhor opinião, que padece a decisão recorrida de nulidade, por falta de exame crítico das provas, o que implica a sua total falta de fundamentação, por violação do disposto nos artºs 154º e 607º, nº 4, do CPC e 123º, nº 2 do CPPT, nos termos do disposto na al. b), do nº 1, do artº 615º do CPC.
FF. Acrece que, conforme resulta do disposto no artº 114º do CPPT, o processo judicial tributário é regulado pelo princípio do inquisitório, o que determina que o Tribunal esteja onerado com a obrigação legal de ordenar a realização de provas adicionais, no caso de existirem dúvidas quanto às várias soluções plausíveis.
GG. A atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade dos factos compete também ao Tribunal, que deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, devendo o Tribunal, no processo tributário, primar pela descoberta da verdade material e não apenas formal, impendendo sobre o juiz o poder-dever de realizar todas a diligências que se afigurem necessárias para a descoberta da verdade material, não se limitando às provas que as partes apresentarem, sendo que, in casu, essa necessidade resulta, em primeira mão, da decisão do STA, que ordenou a baixa dos autos à 1ª instância para que fosse proferida nova sentença, uma vez complementada a matéria de facto.
HH. Porém, com o devido respeito por melhor opinião, tal desiderato não foi, de todo, concretizado pela alteração (em relação à primeira sentença proferida) à factualidade dada como provada, a qual não satisfaz os objetivos visados pelo Tribunal Superior, quando decidiu revogar a sentença recorrida.
II. Em suma, entende a FP, que não só o Tribunal a quo não deu cumprimento ao determinado no acórdão do STA, de 2022/09/07, no que se refere à necessidade de ampliação da matéria de facto, como os elementos tidos nos autos permitem dar como assente que às prestações de serviço em causa, dada a sua regularidade, não será de aplicar a taxa reduzida de IVA.
JJ. Os invocados elementos correspondem, como vimos, designadamente, a contratos, faturas, extratos de conta e balancetes relativos às correções ora em crise, de cujo teor resulta a frequência regular das referidas prestações de serviço.
KK. Pelo que, considera a FP que deverá ser aditado à matéria dada como provada o seguinte facto, suportado por documentos tidos nos autos e não considerado pelo Tribunal a quo, que aqui se requer:
“(...)
4. No âmbito da ação inspetiva realizada, foram recolhidos elementos, dos quais constam contratos, faturas, extratos de conta e balancetes, nos quais se encontram discriminados, por ano e conta (distinguindo os valores relativos a «reparações», dos relativos a «remodelações»), os valores totais constantes dos quadros citados no ponto 2 supra – cfr. documentos do processo SITAF, com os nºs 008310144, 008314258 e 008354679 (pág.s 327 a 560 e 565)”.
LL. Padece, pois a douta sentença em análise, ainda, de erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento de direito, porquanto não foi levada ao probatório toda a matéria de facto tida nos autos e que se mostra relevante para a boa decisão da causa, a qual, devidamente valorada e em conjunto com a restante prova produzida e constante dos autos, conduziria a uma decisão final diferente da proferida – por violação dos nºs 3 a 5 do artº 607º do CPC.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser considerada nula a douta sentença recorrida, com as legais consequências ou,
Caso assim não se entenda, sem prescindir nem conceder,
Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por erro de julgamento, com as legais consequências.»
1.2. A Recorrida, notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«1. Insurge-se a impugnada, ora, recorrente contra a douta sentença de fls... dos autos que julgou procedente a impugnação e, em conformidade, anulou as liquidações de IVA e de juros compensatórios objeto da impugnação;
2. Pretende a recorrente a anulação e revogação da sentença em crise com fundamento na nulidade prevista nos arts. 125º, nº 1 do CPPT e art. 615.º, al. b) do CPCivil e em erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito, respectivamente;
3. Não tem razão a recorrente, sendo infundado de facto e de Direito, processual e material, o seu inconformismo e pretensão!
–DA ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA – (art. 615.º, nº 1, al. b) do CPC e art. 125º, nº 1 do CPPT)–
4. É thema decidendum no presente recurso a apreciação da questão da nulidade da sentença a quo, sob invocação de que “b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (art. 615.º, nº 1, al. b) do CPCivil e “ art. 125º, nº 1 do CPPT);
5. Invoca a recorrente por fundamento da invocada nulidade e desacerto da sentença em crise, a falta de consideração da prova produzida e ausência de fundamentação de facto e de direito, que inviabiliza a compreensão dos motivos da decisão, ou seja, as razões que levaram o tribunal a quo a decidir como decidiu;
6. Salvo melhor opinião, resulta da alegação da recorrente um inconformismo, sem razão, relativamente à decisão proferida, mas não, a alegada falta de compreensão dos motivos da mesma decisão!
7. Os excertos da sentença a quo transcritos nas alegações de recurso, mormente, os pontos L), M), N) a Q) das conclusões das mesmas, mostram à saciedade as razões que fundam o aresto em crise a que a recorrida, aliás, na íntegra, adere e que a recorrente bem compreendeu e nos quais baseia o seu inconformismo;
8. Diga-se que, “... as nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito...”, e “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.” (Ac. STJ de 03-03-2021 in www.dgsi.pt);
9. As razões de facto vêm na sentença a quo fundamentadas de modo claro, indubitável e discriminado que, assim, mostram da correção do juízo de valor sobre a matéria de facto, como se lê: “A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes dos autos, bem como do processo administrativo, conforme se referiu ao longo do rol dos factos provados. Quanto aos factos não provados, constatou-se que nem na petição inicial nem na contestação, foram alegados factos relevantes suscetíveis de prova. Com efeito, as partes limitaram-se a esgrimir argumentos jurídicos quanto á aplicação da verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA, sem que fossem alegados factos que carecessem de prova, pelo que se considerou inexistir factos não provados.”;
10. Ora, no caso sub judicie a recorrente não aponta qualquer facto ou elemento capaz de integrar a falta de fundamentação ou obscuridade/ininteligibilidade intrínseca que pretende seja assacada à sentença em, crise;
11. Corretamente vem julgada a matéria de direito e que assim, releva na justa decisão da questão de mérito, como se lê na sentença a quo: “Deste modo, não constam do relatório de inspecção, nem foram alegados factos susceptíveis de permitir aferir quais as faturas que titulam prestações de serviços que cumprem os critérios mencionados no acórdão do TJUE. Ora, dispõe o art. 13º, nº 1 do CPPT que “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.
Como refere Joaquim Freitas da Rocha (Lições de Procedimento e Processo Tributário, 6a edição, p. 273), a propósito do princípio do inquisitório, “Contudo, tal possibilidade há-de ser temperada com algumas fronteiras: o juiz não pode, designadamente, investigar factos não alegados pelas partes e, muito menos, servir-se deles na decisão final (a não ser que sejam factos de conhecimento oficioso – cfr. art. 13º nº 1 in fine do CPPT e 99º nº 1 da LGT), dizendo-se que vale a este propósito um princípio de correspondência entre a pronúncia e a pretensão: aquela há-de ter uma referência, ainda que tão só virtual ou implícita, a esta última. De resto, o princípio em análise «reporta-se à prova e não à sua alegação», não podendo, por essa razão, consistir num meio para suprir insuficiências verificadas na alegação dos factos e na invocação das questões”.
12. O argumentatório da recorrente revela-se ser tão só, reitere-se, a manifestação de um inconformismo infundado, incapaz de sustentar os elementos de falta de fundamentação que a lei impõe para o efeito inquinatório da sentença por vício de nulidade, quando consubstanciada na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, prevista no art. 125º do CPPT e 615º, nº 1, al. b) do CPC, e, por isso, não se verifica a invocada nulidade, por falta de fundamentação, ou outra;
13. Reitera-se, ora, os fundamentos plasmados na douta sentença sub judicie, aos quais a recorrida adere na íntegra;
14. Não viola a sentença sub judicie o disposto nos artigos 154º e 607º, nº 4 do CPCivil e artigo 123º, nº 2 do CPPT;
15. Improcede a nulidade invocada, para os devidos efeitos legais!
–DO ALEGADO ERRO DE JULGAMENTO – (art. 607º, nºs 3 a 5 do CPCivil)–
16. É, também, no que a este aspeto concerne um inconformismo sem razão, o da recorrente!
17. No julgamento da matéria de facto e de direito, a sentença a quo respeitou os elementos essenciais integrativos da causa de pedir, não lhe sendo exigível ou lícito que supra a falta de alegação que consubstancia aquela e em que se funda ou deriva a decisão da recorrente, atempadamente, objecto de impugnação, como, aliás, se defende e decide no Ac. STJ de 03-03-2021 in www.dgsi.pt, onde pode ler-se: Há “o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual –nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma– ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma”;
18. Impõe-se, por coerente e boa, a conclusão na sentença sub judicie!
19. E na senda da sentença sub judicie se dirá que: “Importaria que a AT tivesse procedido a uma discriminação mais fina, com recurso, não só à análise das facturas, mas também dos contratos subjacentes, orçamentos e propostas, os quais não constam do processo de evidência do trabalho” e, ainda que a AT, aqui recorrente, “... nas correções efetuadas, não distinguiram as faturas referentes a reparações regulares daquelas relativas a reparações e remodelações ocasionais, como resulta do entendimento do TJUE”;
Ainda,
20. Nos termos do nº 1, do art. 74º, da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, in casu e como bem se diz na sentença em crise à AT, aqui recorrente que, não logrou provar, pois que a ela cabia alegar, discriminar quais as prestações de serviços efetuadas em edifícios habitacionais, com carácter ocasional;
21. A sentença a quo cumpriu o determinado no Acórdão do STA de 2022-09-07, pois que a ampliação da matéria de facto limita-se aos factos alegados, ónus que competia à AT, Recorrente e, que esta não cumpriu;
22. A AT, ora, recorrente limitou-se a juntar aos autos um extensíssimo rol de faturas, sem a necessária discriminação e complementaridade da matéria de facto;
23. Ora e “Como explica A. Abrantes Geraldes a propósito do recurso de revista e do referido artigo 729º, nº 3 do CPC – in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª edição, revista e actualizada, Almedina, pág, 457 – “Verificada a necessidade de ser ampliada a matéria de facto por forma a permitir a correcta aplicação do direito, o Supremo determina a remessa dos autos à Relação para que nesta (ou, por determinação desta, na 1ª instância), se apreciem os factos que tendo sido oportunamente alegados, não foram objecto de decisão positiva ou negativa.” (Ac. TCAN de 30-04-2013, in www.direitoemdia.pt);
24. Não viola a sentença sub judicie o artigo 607º, nºs 3 a 5 do CPCivil;
25. A Recorrida adere, reitere-se, na íntegra, à tese e argumentação plasmada na douta sentença sub recurso pugnando, ora, pela sua manutenção, nos precisos termos em que vem proferida, por se mostrar correta a apreciação da prova e adequada a aplicação do Direito!
NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V.Exa., doutamente, suprirá, deve negar-se provimento ao presente recurso e, em consequência deverá ser mantida a douta sentença recorrida nos precisos termos em que vem proferido.
Assim decidindo, farão V.Exas. serena
JUSTIÇA!»
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 628 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, no qual conclui:
«(...)
Assim, verificando-se a ausência de factos, no RIT, que permitam averiguar quais as operações que podem ser tributadas à taxa reduzida e que tal ónus competia à AT, pois a ela cabia discriminar (e provar) quais as prestações de serviços efetuadas em edifícios habitacionais, com carácter ocasional, terá de proceder a pretensão da impugnante/recorrida.
Pese embora, os doutos argumentos utilizados pela AT, estas questões jurídicas por si suscitadas nas suas conclusões de recurso, já tinham sido esgrimidas em sede de 1ª instancia, as quais foram escalpelizadas pela Meritíssima Juiz de Direito a quo na sua douta sentença recorrida, com proficiência, fazendo uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteada pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Na verdade, a Meritíssima Juiz de Direito a quo inventariou e analisou as disposições que convocou para a solução do caso vertente, fazendo-o com cristalina clareza, acerto e proficiência, razão pela qual merece a nossa total adesão.
Acresce que, as considerações interpretativas aí vertidas são quanto a nós, inteiramente válidas, pertinentes e resultam da mais sã e fidedigna hermenêutica jurídica, sendo, ademais, as que decorrem dos ensinamentos dos mais insignes autores.
Uma vez que as questões suscitadas no presente recurso já se encontram analisadas perfunctoriamente:
1º – na douta sentença recorrida (cf. fls. 567 e ss. do SITAF); e
2º – no douto despacho judicial de pronúncia que apreciou e refutou a esgrimida nulidade de sentença (cf. fls. 620 e ss. do SITAF), a cujas fundamentações integralmente aderimos por não vislumbrarmos razões válidas para delas divergir.
III – Conclusões
Em conclusão, s.m.o., somos do parecer que:
– O recurso da AT merece ser considerado totalmente improcedente, por não se verificarem os vícios por si apontados e consequentemente deve a sentença a quo ser mantida integralmente na Ordem Jurídica; e
– Em face do decaimento total, com custas processuais a cargo da Recorrente, AT. (cf. artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” artigo 281º, do CPPT, e artigos 6º, nº 2 e 7º, nº 2, do Regulamento de Custas Processuais e Tabela I – B anexa).»
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: (i) Se a sentença recorrida enferma de nulidade de sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto que levaram à decisão, em violação do artigo 615º, nº 1, al. b) do CPC; e, (ii) se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na matéria de facto por valoração errada da prova produzida, e subsequente erro de julgamento de direito, porquanto não foi levada ao probatório toda a matéria de facto tida nos autos e que se mostra relevante para a boa decisão da causa, em violação do disposto no artigo 670º, nº 3 a 5 do CPC.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação:
«1. Pela ordem de serviço nº OI.........208, foi determinada a realização de inspecção tributária à impugnante, de âmbito parcial, visando IVA dos exercícios de 2008 a 2011 (cfr. relatório de inspecção, junto ao PA).
2. Na sequência da inspecção tributária referida em 1., foi elaborado relatório de inspecção tributária, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, de que se destaca (cfr. relatório de inspecção, junto ao PA):
“(...)
3) Actividade desenvolvida
O sujeito passivo está registado para o exercício da actividade de Fabricação de ascensores, monta-cargas e passadeiras rolantes, CAE 28221, prestando também serviços de reparação e manutenção de elevadores. (...)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(...)
No âmbito da acção inspectiva (...) detectou-se que o sujeito passivo apresentava uma situação tributária irregular por estar a aplicar a taxa reduzida aos serviços por si prestados relativos à remodelação e reparação de elevadores e que, segundo a Administração Fiscal, não têm esse enquadramento, devendo ser-lhes aplicada a taxa normal.
(...)
No caso em apreço, o sujeito passivo factura todos os materiais incorporados à taxa normal, sujeitando à taxa reduzida apenas a mão-de-obra. Verificou-se, também, que relativamente às restantes instruções contidas nestes Ofícios Circulados referidos, o sujeito não apresentou nenhuma situação que fosse contrária a essas instruções.
Deste modo, constatou-se ter sido erradamente aplicada a taxa reduzida sobre o valor de mão-de-obra facturado nos serviços de reparação e manutenção de elevadores, ao qual deveria ter sido aplicada a taxa normal, resultando em IVA não liquidado nos montantes abaixo indicados.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(...). ”
3. Na sequência da referida inspecção tributária, foram emitidas as liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas.
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos constantes dos autos, bem como do processo administrativo, conforme se referiu ao longo do rol de factos provados.
Quanto aos factos não provados, constatou-se que, nem na petição inicial nem na contestação, foram alegados factos relevantes susceptíveis de prova. Com efeito, as partes limitaram-se a esgrimir argumentos jurídicos quanto à aplicação da verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA, sem que fossem alegados factos que carecessem de prova, pelo que se considerou inexistirem factos não provados.»
2.1.2. Aditamento à matéria de facto:
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, e de modo a permitir assimilação que decorre do RIT dos documentos juntos no âmbito da inspecção pelo sujeito passivo, em complemento do destacado em sede do item 2. da matéria de facto como provada, adita-se ao probatório o seguinte facto que resulta provado com base nos documentos ínsitos nos autos, designadamente o RIT, junto ao PA:
4. Consta ainda do Relatório de Inspecção tributária em sede de:
“(...)
6) DESCRIÇÃO DILIGÊNCIAS EFECTUADAS
No âmbito da ordem de serviço OI.........208, verificou-se que o sujeito passivo «X, S.A.», (...), exerce a actividade de “fabrico de ascensores, monta cargas, escadas e passadeiras rolantes”, CAE 28221, declarando em sede de IVA um elevado volume de negócios tributados à taxa reduzida.
Constatou-se que o volume de negócios referido, ributado à taxa rduzida, respeita a prestações de serviços de reparações de elevadores, localizados em imóveis afectos à habitação, enquadrados pelo sujeito passivo, na previsão da verba 2.27 da lista I anexa ao Código do IVA (CIVA).
Foi efectuada visita às instalações do sujeito passivo e solicitados os seguintes elementos:
- Extractos contabilísticos das contas de IVA à taxa reduzida e das contas de prestações de serviços à taxa reduzida (72311, 72321, 72411, 72421, 72511 e 72521) de cada um dos anos em causa;
- Cópia em ficheiro informático de todas as facturas emitidas em 2008, 2009, 2009, 2009 e 2011 incluídas nestas contas;
- Fotocópia da primeira e última factura de cada mês de 2008, 2009, 2010 e 2011;
Da análise aos referidos elementos, e conforme indicação do próprio sujeito passivo, todas as facturas incluídas nas referidas contas de prestações de serviços à taxa reduzida respeitam a serviços prestados pelo sujeito passivo relativos a reparações e remodelações de elevadores aos quais foi aplicada a taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.27 da lista anexa ao CIVA a qual, na opinião do sujeito passivo, abrange esse tipo de serviços.
Face ao exposto enão havendo concordância do sujeto passivo com os argumentos da Administração Fiscal, que excluem este tipo de serviços do âmbito da aplicação da referida verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA entendendo dever aplicar-se a taxa normal, procede-se à correcção dos montantes declarados em sede de IVA com os fundamentos que se indicam a seguir.
(...)”

2.2. De direito
2.2.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Entende, a Recorrente Fazenda Pública que a decisão sob apreciação padece de nulidade, por não especificação dos fundamentos de facto que levaram à decisão em violação do artigo 615º, nº 1, al. b) do CPC. Para tanto, ao longo das suas trinta oito (38) Conclusões exalta que “Não procedeu, pois, o Tribunal a quo, a qualquer análise critica dos elementos solicitados à FP e juntos aos autos, nem levou ao probatório factos (provados ou não provados) que deles resultam e que importam à boa decisão da causa, não tendo, também, solicitado a produção de prova adicional.”, prosseguindo com alusão expressa aos elementos juntos aos autos por si que “... o Tribunal a quo não só não a considerou, como não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, não tendo respeitado o disposto no artº 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e nos artºs 154º e 607º, nºs 3 e 4 do CPC, bem como o artº 123º, nº 2 do CPPT, resultando, de todo, inviabilizada a compreensão dos motivos da decisão, ou seja, das razões que, do ponto de vista do Tribunal, foram decisivas para se decidir como decidiu.” rematando de que “... padece a decisão recorrida de nulidade, por falta de exame crítico das provas, o que implica a sua total falta de fundamentação, por violação do disposto nos artºs 154º e 607º, nº 4, do CPC e 123º, nº 2 do CPPT, nos termos do disposto na al. b), do nº 1, do artº 615º do CPC.” (vide conclusões V. a EE, das alegações de recurso).
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 123º, nº 2 do CPPT, o juiz deve, na sentença discriminar a matéria de facto provada da não provada.
Temos que, no processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125º, nº1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; e acórdãos do STA de 24.02.2011, in rec.871/10; de 13.10.2010, in rec.218/10).
E, a exigência de fundamentação das decisões judiciais encontra previsão no artigo 154º do CPC, constituindo, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». É, aliás, nesse contexto, que o artigo 125.º do CPPT e o análogo artigo 615.º, nº 1, al. b), do CPC, estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao Juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada.
Como se deixou plasmado no acórdão proferido pelo STA em 29.05.2002, no âmbito do Rec. n.º 228/02, citando Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139.), «…uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, “tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior”; carecendo este “também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso».
Tem sido, entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, que a falta de fundamentação prevista no preceito é a falta absoluta, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente, medíocre ou errada, quer a nível factual, quer jurídico. «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º» – Alberto dos Reis, in obra citada, vol. V, pág. 140.
Em suma, tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Volvendo ao ataque perfilhado pela Recorrente, o mesmo alinha-se contra a fixação da matéria de facto, assente quer na vertente, omissão de factos, quer na vertente de erro da apreciação critica da prova. A primeira, erro por omissão será objecto de análise própria em sede de erro de julgamento de facto, quanto à segunda a mesma insere-se no âmbito da falta de fundamentação aludida.
O dever de fundamentação da sentença abrange realidades distintas (mas conexas) que incluem a fixação dos factos provados e não provados, a respectiva fundamentação de direito, mas também a explicitação das razões pelas quais o julgador considerou provado determinado facto. Ou seja, inclui a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do jugador sobre a prova.
Esta parte da fundamentação tem sido designada por motivação da decisão de facto, ou seja, explicitar os «motivos» que estiveram subjacentes à decisão de dar como provado determinado facto provado ou não provado. É a esta parte da fundamentação que cumpre atentar no presente recurso.
O juiz, no âmbito do exame crítico da prova que lhe está imposto, deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348).
E, no caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros.
O exame crítico da prova não precisa de ser exaustivo. Nem se conhecem fórmulas seguras para a sua explicitação que necessariamente variará em função, designadamente, do maior ou menor poder de síntese do julgador e da sua capacidade para articular os depoimentos e restantes meios de prova, retirando deles o que de relevante e essencial levou à sua convicção.
Como salienta Miguel Teixeira de Sousa, (ob. cit pág. 348), “(...) a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”.
Em suma, ciente do dever de fundamentação e os objectivos que a mesma visa alcançar, o julgador deve empenhar-se na sua explicitação e lograr ser convincente, na exacta medida das exigências que a prova e os factos o imponham.
E, como já referimos, o não cumprimento do dever de fundamentação só ocorre quando falta em absoluto a motivação devida ou quando se utilizem fórmulas sem consistência e completamente vazias de conteúdo que não permitem conhecer as razões pelas quais o julgador considerou provado determinados factos.
In casu, do ponto de vista dos fundamentos de facto, foram elencados os factos provados e explanada a motivação subjacente a esse julgamento de facto, a qual decorre em exclusivo de prova documental, mediante a menção expressa dos documentos de suporte, constantes dos autos e do processo administrativo, a que acresce a motivação, transcrita no ponto 2.1.1., do seguinte teor sobre os factos não provados «(...) constatou-se que, nem na petição inicial nem na contestação, foram alegados factos relevantes susceptíveis de prova. Com efeito, as partes limitaram-se a esgrimir argumentos jurídicos quanto à aplicação da verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA, sem que fossem alegados factos que carecessem de prova, pelo que se considerou inexistirem factos não provados.»
Efectivamente, no caso da matéria de facto provada, junto a cada facto, o Tribunal a quo indicou o meio de prova que fundou a sua convicção, identificando os concretos documentos, em termos aceitáveis e perceptíveis.
Da mesma forma, o discurso jurídico fundamentador configura-se adequado à interpretação do itinerário cognoscitivo do julgador, o qual se afere ao longo do seu discurso fundamentador quando alude ao ónus da prova.
Se o Tribunal a quo aceitou os argumentos contidos no RIT, o qual deu por reproduzido, e não retirou ilacções dos documentos constantes do processo administrativo, nos termos por si exposto, tal não se configura como nulidade da sentença, mas, eventualmente, como erro de julgamento.
Mais se diga, que nos revemos no teor do douto despacho de sustentação proferido pela Meritíssima Juiz a quo, de fls. 620 e ss. do SITAF, circunscrita à nulidade de sentença, que passamos a transcrever:
«(...) Como se discorre na sentença, nos termos do art. 13º, nº 1, in fine do CPPT, não se pode investigar factos não alegados pelas partes, sob pena de violação do princípio do dispositivo, inexistindo, na p.i., factos alegados e relevantes quanto à natureza das prestações de serviços nos elevadores.
Por outro lado, e mais importante, o relatório de inspecção não distinguiu o tipo de prestações de serviços, se regulares se ocasionais, nem identificou os prédios onde foram prestados (a fim de se determinar se eram destinados a habitação ou a outros fins), em violação do art. 74º, nº 1 da LGT, pois não provou os factos constitutivos do seu (alegado) direito a tributar e a efectuar as liquidações impugnadas.
Tudo isto se diz na sentença.
Acresce que não compete ao Tribunal substituir-se à AT na realização da inspecção tributária (art. 63º, da LGT), sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
Também se diz na sentença: “Importaria que a AT tivesse procedido a uma discriminação mais fina, com recurso, não só à análise das facturas, mas também dos contratos subjacentes, orçamentos e propostas, os quais não constam do processo de evidência de trabalho.” (pág 13 da sentença).
E na pág. 6: “Quanto aos factos não provados, constatou-se que, nem na petição inicial nem na contestação, foram alegados factos relevantes susceptíveis de prova.
Com efeito, as partes limitaram-se a esgrimir argumentos jurídicos quanto à aplicação da verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA, sem que fossem alegados factos que carecessem de prova, pelo que se considerou inexistirem factos não provados.”
Assim, pronunciou-se o Tribunal quanto aos factos pertinentes para a decisão da causa, bem como sobre os elementos probatórios juntos pela FP.
Afigura-se-nos, pois, que a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, encontrando-se fundamentada de facto e de direito, com correcta interpretação e aplicação dos factos e do direito, pelo que a mantenho.»
Em face de tudo o que deixámos exposto, concluímos que o Tribunal a quo não preteriu o dever de examinar criticamente a prova, nem omitiu o dever de fundamentação, pelo que a sentença não enferma de nulidade nos termos dos artigos 125º, n.º 1 do CPPT e 615º, n. º1, alínea b) do CPC.
2.2.2. Da insuficiência da matéria de facto e subsequente erro de julgamento de direito
Considera, a Recorrente que a matéria de facto padece de insuficiência de fixação de factos, e consequentemente errónea aplicação do direito, argumentando que a sentença recorrida devia ter feito constar em sede de matéria de facto provada, suportado pelos documentos por si juntos e não considerados pelo Tribunal a quo, assente no seguinte facto a aditar, por si assim discriminado:
“4. No âmbito da ação inspetiva realizada, foram recolhidos elementos, dos quais constam contratos, faturas, extratos de conta e balancetes, nos quais se encontram discriminados, por ano e conta (distinguindo os valores relativos a «reparações», dos relativos a «remodelações»), os valores totais constantes dos quadros citados no ponto 2 supra – cf. documentos do processo SITAF, com os nºs 008310144, 008314258 e 008354679 (p. 327 a 560 e 565).”.
Vejamos.
Quanto ao probatório, antes de mais sublinhamos que o Tribunal a quo deu o RIT integralmente por reproduzido (item 2. da matéria de facto dada como provada), o que, ainda que possa, em determinados casos, ser questionado enquanto técnica jurídica mais adequada, permite ao destinatário perceber que o Tribunal teve em conta todo o teor do RIT, documento onde radica a fundamentação da administração tributária (AT) para emitir as liquidações adicionas colocadas em causa, nomeadamente os documentos que o integram e aos quais aquela fundamentação se refira expressamente.
Efectivamente, e conforme discorre do RIT, mais concretamente do segmento aditado nesta sede sob o item 4., no âmbito da acção inspectiva o Recorrido em pleno respeito pelo dever de colaboração que lhe estava adstrito, entregou aos Serviços de Inspeção todos os elementos que lhe haviam sido solicitados (facturas e balancetes respeitantes às prestações de serviço à taxa reduzida), elementos estes que a Recorrente juntou a solicitação do Tribunal a quo, e dos quais aclama uma apreciação que de todo não discorre do RIT e, como tal, dos pressupostos e fundamentação das correcções impugnadas.
O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto. E, como discorre da prova disponibilizada pelo sujeito passivo e apreciada pelos Serviços de Inspecção, nenhuma dúvida aquela revelou sobre a situação factual para tomar a decisão de proceder às correcções, assente tão só numa tomada de posição distinta da espelhada pela contabilidade e elementos fornecidos de que à prestação de serviços prestados era aplicável a taxa reduzida a que alude a verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA.
Mais se diga, que em momento algum a AT expressa a falta de elementos, limitando-se assumir que os mesmos se referem exclusivamente à mão de obra prestada, reconhecendo a expressividade e correcção dos elementos fornecidos pelo sujeito passivo, por outras palavras, em momento algum escalpeliza ou equaciona uma eventual distinção de tratamento entre reparações e manutenções, limitando-se a retratar o contexto da entrada em vigor das taxas reduzidas de IVA no enquadramento da legislação Comunitária, com incidência para a interpretação a aplicar decorrente do entendimento vertido no oficio circulado (OFCD 30036) de que os serviços de reparação e manutenção de elevadores e escadas rolantes não tem enquadramento na verba 2.24 (actual verba 2.27) da Lista I Anexa ao CIVA, tendo como tal ser sujeitos a liquidação de IVA à taxa normal.
Isto é, a Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se, assente no entendimento então sufragado (como se depreende da afirmação contida na conclusão S. “Importa relevar que o procedimento inspetivo que deu origem às correções ora em crise, remonta ao ano de 2012, sendo que o Acórdão do TJUE, proferido no processo C-218/21, no âmbito de reenvio prejudicial, data de 05/05/2022, tendo a nova interpretação do ponto 2, do anexo IV, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, a que se refere a verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA, consubstancia questão nova, que não se encontrava definida aquando da concretização das correções em causa nos autos.”) a aplicar a taxa normal a todas as prestações de serviço às quais o recorrido aplicara a taxa reduzida de 5% e 6%, dependendo do ano a que respeitam, sem apurar, ou separar o trigo do joio, pelo que falece a sua pretensão de ser o Tribunal a suprir a sua inércia da prova e diferenciação de características próprias das prestações de serviços que permitiriam afastar as mesmas do enquadramento na então verba 2.24, da Lista I Anexa ao CIVA, a saber, apurar quais as prestações de serviço que revestem carácter ocasional e quais as que revestem caracter regular, sendo que só as primeiras beneficiariam da taxa reduzida.
Vejamos.
Na sequência do recurso interposto pela Fazenda Pública da primeira decisão proferida no âmbito do processo n.º 815/12.7BEPRT, respeitante a questão idêntica, envolvendo o mesmo sujeito passivo referente a outros períodos temporais de IVA, suscitou o STA o reenvio de questão prejudicial junto do TJUE, sendo que por Acórdão do tribunal de Justiça (sexta secção) de 05.05.2022, no processo C-218/21, foi decidido que: «O anexo IV, ponto 2, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que os serviços de reparação e renovação de elevadores de imóveis afetos à habitação, excluindo os serviços de manutenção desses elevadores, são abrangidos pelo conceito de ‘reparação e renovação em residências particulares’, na aceção desta disposição».
Na interpretação dada pelo TJUE, temos que a taxa reduzida de IVA, prevista na verba 2.24, tem aplicação:
– Nas prestações de serviços de renovação e reparação que visam o restauro e a recuperação de um objeto danificado;
– Em imóveis afetos à habitação, incluindo os elevadores (as instalações partilhadas, como é o caso dos elevadores, são abrangidas pela expressão “residências particulares”, na aceção do anexo IV, ponto 2 da Diretiva IVA);
– Nos edifícios utilizados para fins mistos (habitacionais e não habitacionais) deve proceder-se a uma repartição proporcional;
– Apenas estão incluídos serviços ocasionais de renovação e reparação de elevadores, não se aplicando a serviços de manutenção regular.
Na sequência do acórdão proferido pelo TJUE, citado, o STA (em recurso intentado de decisão prolatada em 1ª instância), nos presentes autos, entendeu que: “Em suma, e porque a matéria de facto assente não esclarece cabalmente se os ditos serviços de reparação e manutenção de elevadores que estão na origem dos actos de liquidação adicional tinham natureza ocasional (e como tal deveriam estar sujeitos à taxa reduzida) ou regular (caso em que corresponderiam a operações de manutenção e teriam de estar submetidos à taxa normal), impõe-se revogar a sentença e ordenar a baixa dos autos para que a matéria de facto seja complementada e o direito aplicado em conformidade com a orientação aqui determinada.”.
Instruídos os autos, com os elementos adicionais solicitados à AT, foi proferida a decisão ora sob recurso.
Como bem disso dá nota o Ex.mo. Procurador Geral Adjuntos no seu parecer, analisado o RIT, onde constam os pressupostos das correções efetuadas pela AT, “(...) vemos que os serviços de inspeção detetaram que a impugnante/recorrida aplicava a taxa reduzida, relativamente a mão-de-obra, em todas as prestações de serviços de reparação e remodelação de elevadores, o que considerou contrário à lei por entender que a referida taxa não tinha aplicação nos serviços relativos a partes integrantes dos imóveis, como é o caso dos ascensores, pelo que corrigiram a taxa de IVA, passando a aplicar a taxa normal, em todas as faturas emitidas pela impugnante/recorrida./ Porém, nas correções efetuadas, não distinguiram as faturas referentes a reparações regulares daquelas relativas a reparações e remodelações ocasionais, como resulta do entendimento do TJUE.
E, como vertido na sentença sob recurso, “Na verdade, a AT classificou as prestações de serviços em “reparações” e “remodelações” e, se podemos considerar que as remodelações terão carácter ocasional, beneficiando da taxa reduzida, nada se sabe quanto às reparações, pois estas poderão consistir em meros serviços de manutenção regular ou, ao invés, traduzir verdadeiros serviços de restauro que também cumprem os critérios para a aplicação da taxa reduzida. Importaria que a AT tivesse procedido a uma discriminação mais fina, com recurso, não só à análise das facturas, mas também dos contratos subjacentes, orçamentos e propostas, os quais não constam do processo de evidência de trabalho.”.
Ora, nos termos do artigo 13º, nº 1, in fine do CPPT, não se pode investigar factos não alegados pelas partes, sob pena de violação do princípio do dispositivo, inexistindo, na p.i., factos alegados e relevantes quanto à natureza das prestações de serviços nos elevadores e tendo sido evidenciada a factualidade em que assentaram as correcções, nada mais se impunha ao Tribunal a quo relevar em termos factuais, contrariamente ao pugnado pela Recorrente.
De acordo com o dispositivo citado, incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 99.º da LGT preceitua que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.
Ambos os normativos acabados de aludir consagram o princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste no poder do juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade. O tribunal deve, assim, realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, não podendo, no entanto, substituir-se às partes, realizando ele a prova que as partes tinham de produzir.
Assim, os artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT não descaracterizam, nem invalidam o princípio base do processo tributário do impulso processual, quer do contribuinte/sujeito passivo, quer da Fazenda Pública, nomeadamente quanto à prova dos factos que pretendam que o tribunal reconheça.
Tal princípio tem por finalidade superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.
Ora, a AT, ora, recorrente limitou-se a juntar aos autos um extensíssimo rol de facturas, sem a necessária discriminação e complementaridade da matéria de facto, mais relevando o teor do RIT, como já se expôs, as mesmas não foram ali consideradas atentas as características e especificidades dos serviços prestados, mas tão só o facto de essas mesmas facturas terem tido tratamento na contabilidade da Recorrida à taxa reduzida, tendo as mesmas relevado a par da contabilidade como um todo.
Razão pela qual nos revemos na decisão sob recurso, ancorada na seguinte fundamentação:
«Analisando o relatório de inspecção, onde constam os pressupostos das correcções efectuadas pela AT, vemos que os serviços de inspecção detectaram que a impugnante aplicava a taxa reduzida, relativamente a mão-de-obra, em todas as prestações de serviços de reparação e remodelação de elevadores, o que considerou contrário à lei por entender que a referida taxa não tinha aplicação nos serviços relativos a partes integrantes dos imóveis, como é o caso dos ascensores, pelo que corrigiram a taxa de IVA, passando a aplicar a taxa normal, em todas as facturas emitidas pela impugnante.
É o que decorre do relatório de inspecção (cfr. factos provados), onde se referiu: “Deste modo, constatou-se ter sido erradamente aplicada a taxa reduzida sobre o valor de mão-de-obra facturado nos serviços de reparação e manutenção de elevadores, ao qual deveria ter sido aplicada a taxa normal, resultando em IVA não liquidado nos montantes abaixo indicados”.
Porém, nas correcções efectuadas, não distinguiram as facturas referentes a reparações regulares daquelas relativas a reparações e remodelações ocasionais, como resulta do entendimento do TJUE.
Analisando os quadros relativos aos anos de 2008 a 2011, verifica-se que a AT agrupou as facturas relativas a “reparações” e “remodelações”, do Porto, Lisboa e Algarve e corrigiu a taxa, passando a tributar os serviços de mão-de-obra à taxa normal, sem cuidar de distinguir que tipo de reparações ou remodelações estava em causa: se regulares ou ocasionais. Nem, tão-pouco, distinguiu as prestações de serviços efectuadas em prédios habitacionais daquelas efectuadas em prédios destinados a outros fins, procedendo à repartição proporcional, como também refere o TJUE no acórdão citado.
Na verdade, a AT classificou as prestações de serviços em “reparações” e “remodelações” e, se podemos considerar que as remodelações terão carácter ocasional, beneficiando da taxa reduzida, nada se sabe quanto às reparações, pois estas poderão consistir em meros serviços de manutenção regular ou, ao invés, traduzir verdadeiros serviços de restauro que também cumprem os critérios para a aplicação da taxa reduzida. Importaria que a AT tivesse procedido a uma discriminação mais fina, com recurso, não só à análise das facturas, mas também dos contratos subjacentes, orçamentos e propostas, os quais não constam do processo de evidência de trabalho.
Ocorre que a impugnante, na petição inicial, igualmente não alega quais as facturas que, obedecendo aos critérios avançados pelo TJUE, deveriam ser mantidas e quais as que deveriam ser objecto de correcção.
Aliás, nem tal questão foi abordada pelas partes, que se limitaram a apontar argumentos jurídicos, no sentido da interpretação por si preconizada quanto à aplicação da verba 2.24 a serviços prestados em elevadores: a impugnante alegou que a tese dos ofícios-circulados não pode ter acolhimento por se tratar de serviços prestados em habitação, incluindo-se os elevadores, sendo esta a melhor interpretação; por seu turno, a Fazenda Pública sustentou a tese contrária, defendendo o entendimento constante dos ofícios-circulados.
Deste modo, não constam do relatório de inspecção, nem foram alegados factos susceptíveis de permitir aferir quais as facturas que titulam prestações de serviços que cumprem os critérios mencionados no acórdão do TJUE.
Ora, dispõe o art. 13º, nº 1 do CPPT que “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.
Como refere Joaquim Freitas da Rocha (Lições de Procedimento e Processo Tributário, 6ª edição, p. 273), a propósito do princípio do inquisitório, “Contudo, tal possibilidade há-de ser temperada com algumas fronteiras: o juiz não pode, designadamente, investigar factos não alegados pelas partes e, muito menos, servir-se deles na decisão final (a não ser que sejam factos de conhecimento oficioso – cfr. art. 13º nº 1 in fine do CPPT e 99º nº 1 da LGT), dizendo-se que vale a este propósito um princípio de correspondência entre a pronúncia e a pretensão: aquela há-de ter uma referência, ainda que tão só virtual ou implícita, a esta última.
De resto, o princípio em análise «reporta-se à prova e não à sua alegação», não podendo, por essa razão, consistir num meio para suprir insuficiências verificadas na alegação dos factos e na invocação das questões”.
Nos termos do nº 1, do art. 74º, da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Assim, verificando-se a ausência de factos, no relatório de inspecção, que permitam averiguar quais as operações que podem ser tributadas à taxa reduzida e que tal ónus competia à AT, pois a ela cabia discriminar (e provar) quais as prestações de serviços efectuadas em edifícios habitacionais, com carácter ocasional, terá de proceder a pretensão da impugnante.» (fim de transcrição)
É que, lido e relido, o relatório de inspecção que é a base fundamentadora das liquidações adicionais impugnadas, daí se retira que jamais a AT invocou, para fundamentar as correcções efectuadas o tratar-se de prestações de serviço de reparações e/ou manutenções de ascensores de carácter regular versus carácter ocasional.
Razão pela qual, falecem in totum as pretensões da Recorrente de imputar ao julgador a obrigação de aferir na universalidade das facturas e das prestações de serviço que delas emanam de “reparações” e “manutenções” de ascensores, do seu carácter ocasional ou regular, para a posteriori aplicar as instruções que exalam do Acórdão do TJUE citado e subsequente acórdão do STA.
E assim sendo, a sentença não nos merece qualquer censura.

2.2.3. Da dispensa do remanescente
Uma nota final e ex oficio relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.
Com efeito, no Arresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.
No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos da tabela I.A., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, nomeadamente a aplicação à situação concreta do Acórdão do TJUE citado – encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se, ex oficio a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
2.3. Conclusões
I. O dever de fundamentação da sentença abrange realidades distintas (mas conexas) que incluem a fixação dos factos provados e não provados, a respectiva fundamentação de direito e a explicitação das razões pelas quais o julgador considerou provado determinado facto.

II. Apenas a falta absoluta de análise critica da prova e de fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a que decorre de uma análise medíocre, mas ainda assim inteligível, a qual a ocorrer se insere no âmbito do erro de julgamento de direito assacado.

III. Tendo o TJUE emitido pronúncia sobre aplicação da taxa reduzida de IVA à prestação de serviços de remodelação e reparação de elevadores (redação da atual verba 2.27, que, à data dos factos, correspondia à verba 2.24) contrariando o entendimento da AT (Oficio Circulado nº 30036, de 04.04.2001) a respeito da (não) aplicação da taxa reduzida de IVA àqueles serviços, mais esclarece que a aplicação da taxa reduzida não se deverá estender aos serviços de manutenção destes equipamentos, na medida em que esta prerrogativa apenas deve ser considerada para serviços de carácter ocasional, e não prestados de forma regular e contínua, como acontece com os serviços prestados no âmbito de contratos de manutenção.

IV. É ilegal a liquidação, alicerçada exclusivamente no fundamento, que aplica a taxa normal e não a taxa reduzida IVA a todos os serviços, sem estabelecer qualquer circunscrição entre o tratar-se de prestações de serviço de reparações e/ou manutenções de ascensores de carácter regular versus carácter ocasional.
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, levando-se em consideração a dispensa da Taxa de remanescente na parte em que excede os € 275.000,00
Porto, 12 de setembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Margarida Reis
José António Coelho