Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00370/22.0BEAVR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTO;
DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DOS ACTOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA;
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Requerente Dr. AA e Requerido o Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, ambos neles melhor identificados, foi proferido, pelo TAF de Aveiro, Despacho que, julgando procedente o incidente, declarou a ineficácia do ato que determinou a suspensão da inscrição do Requerente.
É este o seu discurso fundamentador:
Convocando, desde já, o quadro legal e as interpretações jurisprudenciais relevantes.
Dispõe o artigo 128º do CPTA, sob a epígrafe «[p]roibição de executar o ato administrativo», nos seus nºs 1 a 4, que:
«1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida».
A propósito deste preceito, e no que de mais relevante se apresenta para o caso concreto, tem a jurisprudência se pronunciado no sentido de que:
(i) por se tratar, antes de mais, de uma pronúncia sobre os atos de execução, o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida apenas pode ser suscitado após a prática dos mesmos, os quais devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação [cf., entre outros, o Acórdão do TCAS de 10-12-2019, proferido no processo nº 539/19.4BELSB-S1];
(ii) apenas a edição de atos de execução posteriores à apresentação da resolução fundamentada permite lançar mão do vertente incidente de declaração de ineficácia de tais atos, não podendo ter-se por indevida a execução se os atos [de execução], cuja declaração de ineficácia é pretendida, forem praticados antes do recebimento pela autoridade administrativa do duplicado do requerimento inicial do processo cautelar [cf., nomeadamente, os Acórdãos do TCAS de 16-04-2020 e 30-03-2017, proferidos nos processos nº 1154/18.5BELSB-S1 e 964/16.2BESNT];
(iii) a execução do ato suspendendo não ocorre somente através da edição de atos administrativos, podendo também suceder através da prática de atos materiais, desde que inequivocamente reveladores da concretização de uma efetiva operatividade do ato suspendendo [cf. do TCAS de 16-04-2020, proferido no processo nº 1154/18.5BELSB-S1];
(iii) deve, contudo, a expressão «execução do ato», constante do nº 2, ser tomada em sentido restrito ou próprio, de execução do ato administrativo em si mesmo, feita pela Administração para prossecução de um interesse público, não sendo todos os atos consequentes, necessariamente, atos de execução [cf. o Acórdão do TCAN de 11-01-2019, proferido no processo nº 02031/18.5BEPRT-S1];
(iv) a utilização da resolução fundamentada constitui um mecanismo, por natureza, excecional, devendo o juiz administrativo usar de especial exigência na fiscalização dos
fundamentos em que se sustenta a resolução emitida [cf., nomeadamente, o Acórdão do TCAS de 16-04-2020, proferido no processo nº 1154/18.513ELS13-S1];
(v) o tribunal, no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos atos de execução praticados ao abrigo da resolução fundamentada, deve verificar se aquela resolução existe e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução, que é a regra geral, seria gravemente prejudicial, e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial, para o interesse público [cf., entre outros, o Acórdão do STA de 06-11-2014, proferido no âmbito do processo nº 0858/14];
(vi) toda a suspensão da eficácia de ato administrativo prejudica, por definição, o interesse público que ele prossegue já que a paralisação provisória dos efeitos do ato afeta inevitavelmente, ao menos ratione temporais, os resultados a que ele se inclina; todavia, a emissão da resolução fundamentada por parte da Administração constitui o exercício duma prerrogativa que apenas faz sentido ser utilizada na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência [cf., a título de exemplo, o já citado Acórdão do STA de 06-11-2014, proferido no âmbito do processo nº 0858/14].
Revertendo ao caso dos autos, e atentando no teor dos requerimentos apresentados pelo Requerente, constata-se, sem mais, que o mesmo pretende obter a declaração de ineficácia do despacho de 11-07-2022 «e dos correspetivos despachos materiais instrumentais de tal despacho visando a respetiva execução efetiva»; e, ainda, «dos atos de execução indevida de 22­04-2022, bem como os demais despachos e atos instrumentais que conduziram à inativação do Requerente desde 03-05-2022 até 28-06-2022» [cf. fls. 1682 e 1791 do sitaf].
Cumpre, pois, e desde logo, referir que se revela destituída de qualquer fundamento a alegação da Requerida no sentido de que o Requerente não peticionara a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida [cf. fls. 1748/1757 e 1804/1819 do sitaf] [não sendo, por isso, de determinar, tal como por si requerido, que os requerimentos apresentados pelo Requerente sejam dados como não escritos e os documentos por si apresentados devolvidos].
No entanto, constata-se que o Requerente peticiona, nomeadamente, a declaração de ineficácia «dos atos de execução indevida de 22-04-2022, bem como os demais despachos e atos instrumentais que conduziram à inativação do Requerente desde 03-05-2022 até 28-06-2022», atos esses que se mostram anteriores ao recebimento pela Requerida do duplicado do requerimento inicial do processo cautelar [cf. alínea D) dos factos provados].
Ora, como se disse supra, apenas a edição de atos de execução posteriores à apresentação da resolução fundamentada permite lançar mão do vertente incidente de declaração de ineficácia de tais atos, não podendo ter-se por indevida a execução se os atos de execução, cuja declaração de ineficácia é pretendida, forem praticados antes do recebimento pela entidade requerida do duplicado do requerimento inicial do processo cautelar.
De facto, a entidade requerida só fica impedida de iniciar ou prosseguir na execução após a citação, não se podendo declarar a ineficácia de atos de execução praticados antes desse momento.
Tal não é, todavia, o que sucede em relação ao pedido de declaração de ineficácia do despacho de 11-07-2022 «e dos correspetivos despachos materiais instrumentais de tal despacho visando a respetiva execução efetiva».
Independentemente da questão de saber se o bloqueio às plataformas Citius e Sitaf, bem como ao certificado digital Multicert [e, eventualmente, aos pagamentos para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores] se tratam de atos materiais ou de atos consequentes, o que é certo é que, na decorrência do despacho de 11-07-2022 foi ao Requerente suspensa sua inscrição na Requerida, com as demais consequências daí, para si, advenientes [cf. alíneas H) e I) dos factos assentes].
Ora, tal suspensão configura, sem margem para dúvidas, um ato de execução do ato suspendendo [ato que determinou a suspensão administrativa do Requerente – cf. alínea a) dos factos assentes].
Impõe-se, pois, dar resposta, neste momento, à questão de saber se tal ato, como alegado pelo Requerente, configura um ato de execução indevida.
Devendo, para tanto, e nesse sentido, o tribunal verificar se aquela resolução existe e se está fundamentada no sentido de demonstrar que o diferimento da execução, que é a regra geral, seria gravemente prejudicial, e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial para o interesse público, tendo sempre presente que a utilização da resolução fundamentada constitui um mecanismo, por natureza, excecional, devendo o juiz administrativo usar de especial exigência na fiscalização dos fundamentos em que se sustenta a resolução emitida.
No caso, a resolução fundamentada existe. Resta, por isso, averiguar se está fundamentada no sentido de demonstrar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial, e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial para o interesse público.
Na fundamentação da sua resolução alegou, em síntese, a Requerida que: (i) a materialidade que se apurou no processo disciplinar revela infrações que são consideradas graves e muito graves, situando-se a ilicitude em nível de grande intensidade e a culpa em patamar elevado; (ii) estar-se-ia a abrir um precedente que seria gravemente prejudicial para o interesse público, designadamente por se permitir o diferimento do cumprimento das regras legais referentes ao cumprimento de sanções disciplinares; (iii) constitui sua obrigação a salvaguarda do seu prestígio e bom nome, assim como da dignidade e prestígio profissional de todos os advogados que condignamente exercem a profissão; (iv) conduta do Requerente afeta de forma grave e manifesta os interesses públicos que a ordem visa atingir, nomeadamente que todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados pautem as suas condutas por referência a comportamentos éticos e nobres para com clientes, colegas, a própria Ordem dos Advogados e a sociedade em geral.
Ora, atentando nos fundamentos elencados na resolução apresentada pela Requerida, não se consegue, de modo algum, vislumbrar em que medida é que diferimento da execução do ato suspendendo prejudica gravemente o interesse público
Tais fundamentos, em nosso entendimento, não possuem a necessária relevância em termos de demonstrar uma afetação grave e/ou irreparável do interesse público em presença.
Demonstrando, apenas, e na verdade, que o diferimento da execução do ato suspendendo se revela prejudicial e não gravemente prejudicial para este.
Veja-se que em causa está o diferimento da execução do ato suspendendo [ato que determinou a suspensão administrativa do Requerente] apenas até à decisão final do presente processo cautelar.
Sendo que, como se referiu no enquadramento feito supra, toda a suspensão da eficácia de ato administrativo prejudica, por definição, o interesse público que ele prossegue já que a paralisação provisória dos efeitos do ato afeta inevitavelmente, ao menos ratione temporais, os resultados a que ele se inclina. Todavia, a emissão da resolução fundamentada por parte da Requerida constitui o exercício duma prerrogativa que apenas faz sentido ser utilizada na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência.
Ora, não está em causa, de todo, uma situação de especial urgência, não se antevendo como é que o diferimento da execução do ato em causa ao permitir o diferimento do cumprimento das regras legais referentes ao cumprimento de sanções disciplinares possa afetar gravemente o interesse público [«tanto mais que, por vezes, é o próprio interesse público que pode conduzir à suspensão [da execução do ato] de molde a evitar a consolidação de situações irreversíveis, a lesão de liberdades públicas ou direitos fundamentais do requerente» - cf. Acórdão do STA de 06-11-2014,
proferido no processo nº 0858/14].
É, pois, forçoso concluir que o ato de execução promanado pela Requerida se mostra indevido, devendo, consequentemente, ser declarado ineficaz, em conformidade com o prescrito no artigo 128º, nºs 3 e 4 do CPTA.
Sentido em que adiante se decidirá.

Deste vem interposto recurso.

Alegando, o Requerido formulou as seguintes conclusões:
1. O DESPACHO RECORRIDO FAZ ERRADA INTERPRETAÇÃO DOS FACTOS E CONSEQUENTEMENTE ERRADA SUBSUNÇÃO DA LEI E DO DIREITO, VIOLANDO O DISPOSTO NO ARTIGO 128.º, N.ºS 1, 3 E 4 DO CPTA.

2. A ORDEM DOS ADVOGADOS, CITADA DO REQUERIMENTO CAUTELAR APRESENTOU OPOSIÇÃO E, BEM ASSIM, NOS TERMOS DO ARTIGO 128.º, N.º 1, IN FINE, RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA A RECONHECER QUE O DIFERIMENTO DA EXECUÇÃO SERIA GRAVEMENTE PREJUDICIAL PARA O INTERESSE PÚBLICO.

3. COM A PROVIDÊNCIA CAUTELAR REQUERIDA O REQUERENTE, AQUI RECORRIDO, PRETENDE E PASSE-SE A REDUNDÂNCIA A SUSPENSÃO DA SUSPENSÃO DA SUA INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS ADVOGADOS, CONFORME RESULTA DA NOTIFICAÇÃO DE 15/11/2021 E RESPECTIVAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E MATERIAIS, QUE LHE FORAM COMUNICADAS E QUE CONDUZIRAM EM CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 138.º, AL. B) DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA) NA REDACÇÃO APLICÁVEL DA LEI N.º 15/2005, DE 16 DE JANEIRO (CORRESPONDENTE AO ACTUAL ARTIGO 143.º, AL. B) DO EOA NA REDACÇÃO DA LEI N.º 145/2015, DE 09 DE SETEMBRO), E DO ARTIGO 10.º, N.º 1 DO REGULAMENTO DISCIPLINAR.

4. O IMPEDIMENTO NA PROSSECUÇÃO DA SUSPENSÃO DO RECORRIDO CESSOU COM A APRESENTAÇÃO, EM 21/07/2022 DA RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA NOS TERMOS DA PARTE FINAL DO N.º 1 DO ARTIGO 128.º DO CPTA DO QUAL DECORRE QUE A ENTIDADE ADMINISTRATIVA PODE PROSSEGUIR A EXECUÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO SUSPENDENDO MEDIANTE REMESSA AO TRIBUNAL DE RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA NA PENDÊNCIA DO PROCESSO CAUTELAR, RECONHECER QUE O DIFERIMENTO DA EXECUÇÃO SERIA GRAVEMENTE PREJUDICIAL PARA O INTERESSE PÚBLICO.”.


5. TENDO APRESENTADO A RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA EM 21/07/2022 A ORDEM DOS ADVOGADOS, RECORRENTE, PODIA, COMO FEZ, EXECUTAR A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO REQUERENTE/RECORRIDO.

6. O BLOQUEIO DO ACESSO ÀS PLATAFORMAS SUPRA REFERIDAS E BEM ASSIM AO CERTIFICADO MULTICERT VISAM, JUSTAMENTE, IMPEDIR QUE O ADVOGADO SUSPENSO CONTINUE A PRATICAR ACTOS DE ADVOCACIA, SOB PENA DE INCORRER EM INFRACÇÃO DISCIPLINAR, BEM COMO, INFRACÇÃO CRIMINAL.

7. TAIS ACTOS NÃO SÃO ACTOS AUTÓNOMOS E INDEPENDENTES, NÃO SENDO ACTOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA, OS MESMOS RESULTAM DA DIRECTA E CONSEQUENTEMENTE DA RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA APRESENTADA QUE OPERA OPE LEGIS E POSSIBILITOU A RECORRENTE A PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO DO ACTO, ISTO É, A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 128.º, N.º 1 IN FINE DO CPTA.

8. A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO REQUERENTE NA ORDEM DOS ADVOGADOS/RECORRENTE NÃO OCORREU COM O DESPACHO DATADO DE 11/07/2022 CONFORME REFERIDO NO DESPACHO RECORRIDO.

9. RESULTA DOS AUTOS, A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO REQUERENTE/RECORRIDO NA ORDEM DOS ADVOGADOS/RECORRENTE FOI DETERMINADA ATRAVÉS DO ACTO DATADO DE 15/11/2021, O QUAL FICOU SUSPENSO ATENTA A CITAÇÃO EM 22/06/2022 DA PRESENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR.

10. O ACTO DATADO DE 15/11/2021 DEIXOU DE ESTAR SUSPENSO COM A RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA APRESENTADA EM 06/07/2022 QUE OPEROU OPE LEGIS E PERMITIU QUE A AQUI RECORRENTE PROSSEGUISSE A EXECUÇÃO DO MESMO, ISTO É: A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO REQUERENTE NA RECORRENTE ORDEM DOS ADVOGADOS.

11. AO CONTRÁRIO DO QUE SE AFIRMA NO DESPACHO RECORRIDO, O DESPACHO DO CONSELHO DE DEONTOLOGIA DE COIMBRA DE 11/07/2022 NÃO SUSPENDEU A INSCRIÇÃO DO RECORRIDO NA ORDEM DOS ADVOGADOS.

12. O DESPACHO DATADO DE 11/07/2022 VISOU DAR CONHECIMENTO AO RECORRIDO DA EMISSÃO E REMESSA AO TRIBUNAL DA RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA E CONSEQUÊNCIAS DAÍ RESULTANTES, ISTO É: PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO DO ACTO, E SUA CONSEQUÊNCIA IMEDIATA E DIRECTA: A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO REQUERENTE NA ORDEM DOS ADVOGADOS.

13. O DESPACHO DATADO DE 11/07/2022 E BEM ASSIM OS BLOQUEIOS ÀS PLATAFORMAS SITAF E CITIUS, AO CERTIFICADO DIGITAL MULTICERT NÃO CONFIGURAM ACTOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA.

14. TAIS ACTOS CONFIGURAM A CONCRETIZAÇÃO DA PROSSECUÇÃO DA EXECUÇÃO DO ACTO SUSPENDENDO OPERADA PELA RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA E QUE CORRESPONDE À SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO REQUERENTE/RECORRIDO, COM TODOS OS EFEITOS DAÍ RESULTANTES, MORMENTE, OS REFERIDOS BLOQUEIOS ÀS PLATAFORMAS E CERTIFICADO MULTICERT PARA QUE O MESMO NÃO PRATICASSE ACTOS DE ADVOGADO.

15. A RECORRENTE DEMONSTROU NA RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA QUE O DIFERIMENTO DA EXECUÇÃO DO ACTO SERIA GRAVEMENTE PREJUDICIAL PARA O INTERESSE PÚBLICO CUMPRINDO O INCISO FINAL DO N.º 1 DO ARTIGO 128.º DO CPTA, AO CONTRÁRIO DO QUE FOI DECIDIDO NO DESPACHO RECORRIDO.

16. PESE EMBORA SEJAM GRAVOSAS AS CONSEQUÊNCIAS DA EXECUÇÃO DO ACTO SUSPENDENDO COM A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO RECORRIDO/ADVOGADO, O CERTO É QUE AS CONDUTAS DO MESMO, DESIGNADAMENTE, I8NCUMPRIMENTO DA SANÇÃO DISCIPLINAR TRANSITADA EM JULGADOS, SÃO IRREDUTIVELMENTE INCOMPATÍVEIS COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E COM A POSSIBILIDADE, AINDA QUE EVENTUAL, DE FUTURO EXERCÍCIO DO MESMO.

17. A SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO SUSPENDENDO É, POR SI, SUSCEPTÍVEL DE ACARRETAR PREJUÍZOS PARA OS INTERESSES QUE A ORDEM VISA DEFENDER, NOMEADAMENTE AFASTAR A POSSIBILIDADE DE O REQUERENTE EXERCER ADVOCACIA, DANDO UMA IMAGEM DE INTRANSIGÊNCIA QUANTO A COMPORTAMENTOS INCOMPATÍVEIS COM A PROFISSÃO DE ADVOGADO.

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o suprimento, deverá ser concedido provimento ao Recurso, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo
Justiça!
O Requerente/Recorrido juntou contra-alegações e concluiu:
1.ª - Apesar do apelo impactante decorrente do uso apenas de maiúsculas por parte da Recorrente OAP., na formulação das suas conclusões, aqui em crise, é fora de dúvida que a Mui Douta Sentença que a Ré intenta pôr em crise, é uma decisão modelarmente justa, muito bem escrita, objetiva, sintética e rigorosa, que muito honra e dignifica a Magistratura Portuguesa.


2.a - Motivos mais que suficientes, porque que não merece qualquer reparo, nem muito menos qualquer réstia de censura.

3.a - Sendo por isso justa merecedora de solene e modelar confirmação, com improvimento integral do recurso apresentado pela ROAP neste Mui Douto Tribunal Central Administrativo Norte, o que desde já se requer.

4.ª - Estranhamente inconformada, veio a ROAP., interpor recurso, desgarradamente e em desespero de injusta causa.

5.ª - Pois sabia e sabe obviamente e sem direito a invocar ignorância, que não lhe assiste nenhuma razão para o fazer,

6.ª - ademais com despudorado e premeditado recurso malicioso à impostura do princípio ao fim da peça, com intenção lucrativa, intentando por caminhos ínvios, a ressuscitação da sanção disciplinar de multa, que sabe ter fabricado abusiva e viciosamente,

7.ª - e que sabe já há muito prescrita, rectius caduca (art.° 298.°, n.° 2, segmento inicial, do C. Civil), nos termos do art.° 193.° al. b) ex vi art.° 126.º do EOA),

8.ª - conforme aliás já se decidiu neste TCA Norte, no Mui Douto Ac. TCA Norte de 09-04-2021 Processo 00638/15.1BEPRT, 1.ª Secção - Contencioso Administrativo, Relator Ex.mo Senhor Desembargador Dr. ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS -,

9.ª - estando assim há muito juridicamente "defunta" (por inércia pré-ordenada da ROAP, que premeditadamente optou por não "o/a" dar à execução, nos termos do art.° 81.° do Regulamento Disciplinar n.° 42/2002, ou nos termos dos art.°s 174.° e 181.° do atual EOA -, o "título" (???...)/ ou a "sanção disciplinar de multa" por abusivamente fabricado/a, inobstante saber-se materialmente incompetente para tal usurpação do poder conferido em exclusivo à CACAAI/CAAJ.

10.ª - Pelo que não tem qualquer tipo nem réstia de "interesse público" (???...), sequer sério, que pudesse invocar.

11.ª - Isto porque, como dos autos resulta à evidência, e brevitatis causae aqui se dá por integrado, apesar de desmascarada pelo Requerente, a ROAP., não teve pejo nem escrúpulos, de intentar tapar o sol com a sua peneira, tendo até tido o arrojo de negar a prática dos atos de execução indevida por si mesma perpetrados, designadamente pelo e a partir e mando da Sr.' presidente do CDCOA.

12.ª - intentando fazer valer astuciosa e ardilosamente uma tese eticamente indigente - pois o recurso à desonestidade, à improbidade, à falta de retidão, à deslealdade, à descortesia e inverdade está-lhes expressamente proibido (nos termos art.° 88.°, n.° 2 do EOA),- que sabia sem direito a ignorar ser absolutamente destituída de sentido e carecida de todo e qualquer suporte legal.

13.ª - Acresce que sendo a Recorrente a OAP, os seus legais e voluntários representantes sabem sem direito a invocarem ignorância, quer além das obrigações prescritas no art.° 3.° do EOA, de:

"a) Defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça."

- Obrigação esta que a OAP e os seus representantes, violaram de forma ostensiva, pois nem respeitaram o dever de intervenção agressiva mínima e proporcionada, a que se acham vinculados (nos termos do art.° 2.°, 18.° e 32.°, n.° 1 da CRP, e 3.°, 4.0, 5.°, 7.°, 8.°, 9.'411°, e 11.° do CPA), consubstanciado num processo executivo para pagamento da quantia certa da injusta multa, para malevolamente abusarem do poder tendo em vista a consecução do desígnio de ofenderem de forma injustificada e desproporcionada o direito à dignidade humana do Recorrido aferido pelo direito-dever ao exercício da atividade profissional de advogado, livremente escolhida e aceite para garantia do seu sustento e dos que de si dependem e a quem deve alimentos, honorários e direitos laborais, direito este incluído nos princípios e normas do Estado de Direito Democrático, nem respeitou as garantias constitucionais convencionais e legais a que se acha vinculada relativamente ao Recorrido, tendo-lhe infligido além do mais o opróbrio da desprocedimentada "pena de suspensão", com "preterição total do procedimento legalmente prescrito" (art.° 161.°, a° 2 al. 1) do CPA) efetivamente entre 22­04-2022 e 28-07-2022 (2 meses e 6 dias, ou 67 dias) e ainda entre 14-07-2022 e 18-10-2022 (3 meses e 4 dias, ou 96 dias), num total de 5 meses e 10 dias, ou 163 dias... tudo a pretexto vil, dum alegado "título" (???...) viciosamente fabricado, que malevolamente não quiseram dar à execução e que deixaram morrer/ prescrever rectius caducar, há já muito tempo!...

"b) assegurar o acesso ao direito nos termos da Constituição."

- Mas denegou-o, premeditadamente, ilícita, inconvencional e inconstitucionalmente ao aqui Recorrido...

"d) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado, promovendo (...) o respeito pelos valores e princípios deontológicos."

- Do que, no caso vertente, fez letra morta, arvorando-se até ao "voluntarismo" gratuito de usurpar os poderes funcionais disciplinares da CACAAI/CAAJ, com intenção lucrativa, e de destruir o lugar do Recorrido no meio advocatício, perda das respetivas posições profissionais nos mais diversos tribunais, destruição das relações familiares, profissionais e sociais, com privação da liberdade de advogar, sob pena de incorrer na comissão de crime!... (art° 361.°, n.° 1 al. a) e b) e 2 do C. Penal), intentando e conseguindo incompetentemente forjar e fabricar um "título"(???...) para intentar extorquir com desproporcionada violência 5.500,00€ ao aqui Recorrido, que entretanto deixou prescrever, rectius caducar (art.° 193.° al. b) da LTFP ex vi art.° 126.° do EOA), porque como sentencia proverbialmente o nosso povo: "O que torto nasce, tarde ou nunca se endireita!"...

"e) Representar a profissão de advogado e defender os interesses, direitos, prerrogativas e imunidades dos seus membros, denunciando perante as instâncias nacionais e internacionais os atos que atentem contra aqueles"

- Do que também fez letra morta, descredibilizando-se ao ser ela própria OAP a perpetrar os actos que atentam contra os seus membros e que o Legislador a incumbiu apenas de denunciar, mas nunca de perpetrar!...

"f) Reforçar a solidariedade entre os advogados."

- Desígnio este que no caso vertente frustrou integralmente, dedicando-se ao fratricídio gratuito, espúrio e a modos que premeditadamente obsecassivos...
“g) Exercer, em exclusivo, o poder disciplinar sobre os advogados (...)"

- O que exorbitou ilicitamente usurpando o poder disciplinar, que sabia legalmente atribuído, em exclusivo, à CACCAI/CAAJ, violando o princípio " ne bis in idem" ....

“h) Promover o acesso ao conhecimento e aplicação do direito."

- Mas como os autos demonstram à saciedade, o que promove é o acesso ao avesso do conhecimento e aplicação do direito...

"i) Contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica e aperfeiçoamento da elaboração do Direito."

- Mas como disse a voz e a pena autorizada e com conhecimento de causa, do Bastonário Dr. BB: no caso vertente e da parte da ROAP: "O mecanismo de realização do direito e de aplicação da justiça acabou reduzido a um mero jogo de astúcias, manhas e artimanhas processuais." Cfr. Dr. AMILCAR DE MELO, in "Da advocacia" 2.'ªEdição, Librum Editora, pág. 297.

14.ª - Impende sobre si ROAP, a obrigação expressa de "Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade" (art.° 100.°, n.° 1, al. b) do EOA); "Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa" (art.° 100.0, n.° 1, al. c) do EOA); tendo até legislado a previsão "Da Diligência Compositória" (rio art.° 5.° do RD. 668-A/2015);

15.ª - impedendo ainda sobre si ROAP., a obrigação de solidariedade profissional que lhes impõe o concurso efetivo para uma "relação de confiança e cooperação (...) de forma a evitar litígios inúteis, conciliando, tanto quanto possível, os interesses da profissão com os da justiça e ou daqueles que a procuram." (art.° 111.° do EOA)

16.a - Estando-lhes especialmente vedado, à OAP., enviar ou fazer enviar aos juízes (...) quaisquer memoriais ou, por qualquer forma, recorrer a meios desleais de defesa dos interesses das partes (art.° 108.°, n.° 2 do EOA), e de que este recurso é mais um lamentável exemplo.

17.ª - Estando expressamente vinculados OAP e seus representantes, a procederem com a maior correção e urbanidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal, alusão deprimente ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma (art.° 112.°, n.° 1, al. d) do EOA); devendo "Atuar com a maior lealdade, procurando não obter vantagens ilegítimas ou indevidas para a sua cliente" OAP (art.° 112.°, n.° 1, al. d) do EOA)
18.a - Tendo até a R. OAP, tido o arrimo de constranger assim premeditada e desniveladamente, o Douto Tribunal a quo, a ter de ordenar mais uma notificação para que documentasse tais atos ilícitos por si perpetrados, o que só veio a fazer quando já não podia negar o óbvio, e mesmo assim, de forma retardada, premeditadamente incooperante (art.° 7.0, n.° 1 e 8.° do CPC) e premeditadamente incompleta,

19.ª - Pois a Recorrente OAP., não teve pejo nem escrúpulos de imposturar o Douto Tribunal a quo, com a alegação de que não saberia se a CPAS teria suspendido os pagamentos devidos pelo Requerente, quando até foi ela própria Ré Ordem dos Advogados quem lhe deu causa e providenciou junto da CPAS tal suspensão de pagamentos como legitimamente se infere do DOC....- Oficio da CPAS -, que se anexa e aqui se dá por integrado.

20.ª - Tudo isto para poder arrastar com especial perversidade e censurabilidade, por mais tempo, os danos que quis e conseguiu assim infligir de forma ilicitamente acrescida ao Requerente aqui Recorrido, deprocedimentada e desproporcionadamente, que na presente data já se traduzem num total de 5 meses e 10 dias, ou 163 dias de abuso premeditadamente obsecassivo do poder para satisfazer uma fixação persecutória para mero gáudio pessoal gratuito, contra o aqui Recorrido, o que não pode ser tolerado, porque merece e até reclama a mais solene e modelar censura que efetivamente se requer, condenando-se a Recorrente e a sua Mandatária como litigantes de má-fé, em multa e condigna indemnização ao Recorrente a fixar em execução de sentença, por se desconhecer por ora, até onde a Recorrente ainda pretende continuar e intentará conseguir vilipendiar, vexar, achincalhar e humilhar este seu membro, abusando dos poderes de que está investida, e a que acaba de atribuir, indiciadamente em injurioso "ato de contrição" e pelo correio, a medalha e o certificado dos 35 anos de inscrição regular na Recorrente!... (DOC.'s 2, 3 e 4), em violação premeditada do art.° 23.° do RMOA...

21.ª - Daí que, o legislador ande atualmente muito preocupado com este "estado da [des]arte" e ande já na Assembleia da República a providenciar, e justamente muito bem (!!!), a alteração da Lei das Ordens Profissionais, com alterações nas composições dos conselhos de deontologia das Ordens Profissionais - Projeto de Lei n.° 108/XV/1.ª (PS).

22.ª - Efetivamente sabe a Recorrente OAP, que nunca curou de notificar o aqui Recorrido, de forma minimamente fundamentada, muito menos expressa e acessível, apesar de saber que a tal se acha obrigada (nos termos do art.° 268.°, n.° 3 da CRP e 3.°,4.°, 7.º, 8.°, 9.°, 10.° e 12.° do CPA.)

23.ª - A "peça" que a Recorrente OAP ardilosamente e com inconfessável mas indisfarsável dolo de dano apelidou como se fosse uma "resolução [insubstanciada e por isso impropriamente dita de] fundamentada", não passa disto mesmo, i. é, um mero simulacro ou camuflagem para prossecução de desígnios que se sabem abusivos, ilícitos e que mesmo assim se persiste em querer continuar a perpetrar...não por mero automatismo direito e imediato da "resolução [insubstanciada e por isso impropriamente dita de] fundamentada", mas por controlo direto e remoto mas sempre efetivo da Sr.' Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados.

24.ª - Na página 6 da minuta das suas alegações a ROAP refere-se reiteradamente a uma alegada "Resolução Fundamentada em 21/07/2022", o que, dada a reiteração, indicia claramente, e parece-nos que bem, que a minuta de recurso ora em crise verdadeiramente se destina a outro processo que não este!...

25.ª - Em todo o caso não é com meros rótulos, ou títulos, ainda que secundados com palavras meramente conclusivas com vocação impactante (a fazer lembrar a vocação o poliuretano, com muito aparato, mas absolutamente vazio por dentro), que se elaboram resoluções fundamentadas dignas de crédito em juízo.

26.ª - Contrariamente à "poeira" ou "espuma" premeditada e malevolamente agitada pela ROAP, com dolo de engano, e como é bom de ver, o ato que ficou suspenso não foi nenhum de 15-11-2021, mas os de 22-04-2022 por força do Douto Despacho Judicial que em 07-06-2022 admitiu a Providência Cautelar, e o subsequente de 11-07-2022, atos estes perpetrados pela Sr.' Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, sendo a Douta Decisão Judicial de 07-10-2022 que declarou este último nulo e ineficaz, o objeto nuclear deste recurso.

27.ª - Ante o que vai dito e concluído, se requer o improvimento do infundamentado, imposturado, prolixo e contraditório recurso da Recorrente OAP, confirmando-se a Mui Douta Decisão recorrida, e condenando-se a ROAP e respetiva Mandatária como litigantes de má-fé, em multa a fixar solene e modelarmente por este Venerando Tribunal, e condigna indemnização a fixar em execução de sentença por se desconhecer por ora até onde pretende e conseguirão ir os desmandos da má fé da ROA e da sua Mandatária, por assim ser de Lei e de Inteira

JUSTIÇA!

A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
A este respondeu o Recorrido nos termos que aqui se dão por reproduzidos.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Por despacho de 22-04-2022, e face ao incumprimento pelo ora Requerente da pena de multa em que foi condenado, foi determinada, pela Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, a suspensão administrativa daquele – cf. fls. 695/verso do processo administrativo;
B) Por despacho de 07-06-2022, foi admitido liminarmente o requerimento inicial dos presentes autos e determinada a citação da Ordem dos Advogados para deduzir oposição, com advertência quanto ao disposto no artigo 128º, nº 1 do CPTA – cf. 596 do sitaf;
D) Em 22-06-2022, foi consumada a citação da Ordem dos Advogados determinada pelo despacho aludido no ponto anterior – cf. fls. 560 do processo administrativo;
E) Por despacho de 24-06-2022, na sequência da citação da Requerida no âmbito do presente processo cautelar, foi determinada, pela Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, a suspensão da pena de suspensão administrativa aplicada ao Requerente – cf. fls. 723/verso do processo administrativo;
G) Em 06-07-2022, a Requerida juntou aos autos resolução fundamentada – cf. fls. 605 a 613 do sitaf;
H) Em 11-07-2022, na sequência da apresentação da resolução fundamentada referida na alínea que antecede, foi, pela Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, proferido despacho a determinar a execução da suspensão administrativa aplicada ao Requerente, até cumprimento da pena disciplinar de multa que lhe fora aplicada – cf. fls. 1793 do sitaf;
I) Como decorrência do despacho aludido na alínea anterior, foi ao Requerente suspensa a sua inscrição na Requerida, com as demais consequências daí, para si, advenientes – cf. fls. 1887 e 1888 do sitaf.
X
É objecto de recurso a decisão acima transcrita.
No âmbito dos presentes autos cautelares que seguem termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro sob o n.º 370/22.... pretende o Senhor Advogado Dr. AA a suspensão da notificação de 15/11/2021 e respectivas consequências legais e materiais, que lhe foram comunicadas e que conduziram em cumprimento do disposto no artigo 138.º, al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) na redacção aplicável da Lei n.º 15/2005, de 16 de janeiro (correspondente ao actual artigo 143.º, al. b) do EOA na redacção da Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro), e do artigo 10.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar, à suspensão da sua inscrição na sequência do mesmo não ter procedido ao pagamento, no prazo de três meses, da sanção disciplinar de multa no valor de 5.500,00€ (cinco mil e quinhentos euros) em que foi condenado por violação dos artigos 83.º, n.ºs 1 e 2, 85, n.º 2, al. a) e 86.º, al. a) do Estatuto da Ordem dos Advogados na redacção aplicável, no âmbito do Processo Disciplinar n.º ...08... do Conselho de Deontologia de Coimbra, conforme Acórdão do Conselho Superior datado de 15/11/2013, proferido no Processo de Recurso n.º 275/2010-CS/R, transitado em julgado em 11/11/2021.
A Ordem dos Advogados, citada do Requerimento Cautelar apresentou Oposição e, bem assim, nos termos do artigo 128.º, n.º 1, in fine, Resolução Fundamentada a reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
De facto, e com relevo para o presente recurso no despacho recorrido deu-se por provada, entre outra, a seguinte factualidade:
“[..]
G) Em 06-07-2022, a Requerida juntou aos autos resolução fundamentada - cf. fls. 605 a 613 do sitaf;
H) Em 11-07-2022, na sequência da apresentação da resolução fundamentada referida na alínea que antecede, foi, pela Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, proferido despacho a determinar a execução da suspensão administrativa aplicada ao Requerente, até cumprimento da pena disciplinar de multa que lhe fora aplicada - cf. fls. 1793 do sitaf;
I) Como decorrência do despacho aludido na alínea anterior, foi ao Requerente suspensa a sua inscrição na Requerida, com as demais consequências daí, para si, advenientes - cf. fls. 1887 e 1888 do sitaf.”.
Notificado da Resolução Fundamentada o Requerente da Providência Cautelar apresentou, em 21/07/2022 requerimento tendo peticionado que seja “(..) declarada a ineptidão, a nulidade e a ineficácia da “Resolução Fundamentada”, atenta a absoluta falta de factos em que uma tal peça pudesse fundamentar-se, ademais de forma contraditória nos seus termos, e até por recurso ostensivo à falsidade ideológica - porque sem os revelar, se pretende a integração de putativos factos que se sabe serem falsos e ou/inexistentes, pressurosamente ocultados, mas que deveriam ser havidos como relevantes, para servirem de suporte às meras conclusões ademais inconstitucionais, sucessivamente aduzidas, intentando conseguir gerar a aparência perante este …Tribunal de uma realidade supostamente factual, que se sabe, sem direito a invocar ignorância que é substancialmente diferente e mesmo contrária da existente, e desse modo pondo em causa a credibilidade do documento que corporiza a resolução alegada de fundamentada -, como supra se demonstrou e aqui se dá por integrado, e consequentemente sejam julgadas improcedentes as alegadas mas insubstanciadas “razões” do argumentário de tal peça, que se requer seja julgada integralmente improcedente, requerendo-se igualmente que seja declarada a ineficácia dos atos de execução indevida.”.
Para o presente Recurso é relevante o argumento apresentado pela aqui Recorrente no Requerimento de fls. 1885 a 1889 do SITAF onde se pode ler o seguinte: “(...) encontrando-se o Requerente com a sua inscrição suspensa, o mesmo não poderá praticar atos de advogado enquanto perdurar a suspensão; e que o bloqueio às plataformas Citius e Sitaf, bem como ao certificado digital Multicert, não configuram operações materiais, mas meras consequências imediatas e diretas de ter sido apresentada a Resolução Fundamentada, estando tais bloqueios inseridos no despacho de 11-07-2022 do Conselho de Deontologia de Coimbra; sendo que, quanto aos pagamentos à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, embora pareça resultar do respetivo Regulamento que não terão sido bloqueados, não dispõe da informação solicitada.”.
No despacho ora em crise, o Tribunal entendeu o seguinte: “Independentemente da questão de saber se o bloqueio às plataformas Citius e Sitaf, bem como ao certificado digital Multicert [e, eventualmente, aos pagamentos para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores] se tratam de atos materiais ou de atos consequentes, o que é certo é que, na decorrência do despacho de 11-07-2022 foi ao Requerente suspensa sua inscrição na Requerida, com as demais consequências daí, para si, advenientes [cf. alíneas H) e I) dos factos assentes].
Ora, tal suspensão configura, sem margem para dúvidas, um ato de execução do ato suspendendo [ato que determinou a suspensão administrativa do Requerente - cfr. Alínea a) do probatório].”.
Como alegado, é justamente nesta passagem do Despacho que reside a errada interpretação factual e consequente errada aplicação da lei e do direito ao caso sub judice, em especial, por violação do disposto no artigo 128.º n.ºs 1, 3 e 4 do CPTA.
Vejamos, pois:
Com a Providência Cautelar requerida o Requerente, aqui Recorrido, pretende - e passe-se a redundância - a suspensão da suspensão da sua inscrição na Ordem dos Advogados, conforme resulta da notificação de 15/11/2021 e respectivas consequências legais e materiais, que lhe foram comunicadas e que conduziram em cumprimento do disposto no artigo 138.º, al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) na redacção aplicável da Lei n.º 15/2005, de 16 de janeiro (correspondente ao actual artigo 143.º, al. b) do EOA na redacção da Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro), e do artigo 10.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar.
Portanto, na sequência da citação da providência cautelar, a Recorrente Ordem dos Advogados ficou impedida, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, de “iniciar ou prosseguir a execução” do acto cuja suspensão foi requerida pelo Requerente. Ou seja, a Ordem dos Advogados ficou impedida de prosseguir com a suspensão da inscrição do Requerente como Advogado. Tendo praticado os actos necessários para que a suspensão não continuasse, designadamente com o acesso pelo Recorrido às plataformas CITIUS, SITAF e certificado MULTICERT.
No entanto, tal impedimento na prossecução da suspensão do Recorrido cessou com a apresentação, em ...22 Resolução Fundamentada nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA do qual decorre que a entidade administrativa pode prosseguir a execução do acto administrativo suspendendo mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, a reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
Tendo apresentado a Resolução Fundamentada em 21/07/2022 a Ordem dos Advogados/Recorrente, podia, como fez, executar a suspensão da inscrição do Requerente.
E, como podia a Recorrente proceder à continuação da execução daquela suspensão da inscrição (o acto) sem proceder ao bloqueio às plataformas Citius e Sitaf, bem como ao certificado Digital Multicert!? Interroga-se, e bem, a Recorrente.
Com efeito, conforme resulta do artigo 130.º, n.º 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro a suspensão do advogado “consiste no afastamento total do exercício da advocacia durante o cumprimento da sanção.”.

Ora, o bloqueio do acesso às plataformas referidas e bem assim ao certificado Multicert visam, justamente, impedir que o Advogado suspenso continue a praticar actos de advocacia, sob pena de incorrer em infracção disciplinar, bem como, infracção criminal. Isto é, tais actos não são actos autónomos e independentes; os mesmos resultam da directa e consequentemente da Resolução Fundamentada apresentada que opera ope legis e possibilitou à Recorrente o prosseguimento da execução do acto, isto é, a suspensão da inscrição ao abrigo do disposto no artigo 128.º, n.º 1 in fine do CPTA. Pelo que, tais actos configuram efeitos da Resolução Fundamentada apresentada pela Recorrente, não configurando actos de execução indevida nos termos do artigo 128.º, n.º 4 do CPTA.
No que concerne ao Despacho datado de 11/07/2022 referenciado no Despacho recorrido, o mesmo também não configura acto de execução indevida.
Refere-se no Despacho em crise que “na decorrência do despacho de 11-07-2022 foi ao Requerente suspensa sua inscrição na Requerida, com as demais consequências daí, para si, advenientes [cf. alíneas H) e I) dos factos assentes].”.
Porém, a suspensão da inscrição do Requerente na Ordem dos Advogados/Recorrente não ocorreu com o Despacho datado de 11/07/2022.
Com efeito, conforme resulta dos autos, a suspensão da inscrição do Requerente/Recorrido na Ordem dos Advogados/Recorrente foi determinada através do acto datado de 15/11/2021, o qual ficou suspenso atenta a citação em 22/06/2022 da presente providência cautelar.
E, o acto datado de 15/11/2021 deixou de estar suspenso com a Resolução Fundamentada apresentada em 06/07/2022 que operou ope legis e permitiu que a aqui recorrente prosseguisse a execução do mesmo, ou seja: a suspensão da inscrição do Requerente na Recorrente Ordem dos Advogados.
Assim, ao contrário do que se afirma no Despacho recorrido, o Despacho do Conselho de Deontologia de Coimbra não suspendeu a inscrição do Recorrido na Ordem dos Advogados. O Despacho datado de 11/07/2022 visou dar conhecimento ao Recorrido da emissão e remessa ao Tribunal da Resolução Fundamentada e consequências daí resultantes, isto é: prosseguimento da execução do acto, e sua consequência imediata e directa: a suspensão da inscrição do Requerente na Ordem dos Advogados.
Com efeito, pode ler-se no Despacho datado de 11/07/2022 o seguinte: “Na sequência do envio do articulado de Resolução Fundamentada apresentada no âmbito da Providência Cautelar que corre termos sob o n.º 370/22.... no TAF de Aveiro, em que é Requerente o Dr. AA, vimos comunicar a execução da suspensão administrativa aplicada ao referido advogado até cumprimento da pena disciplinar de multa que lhe foi aplicada.”. Ou seja, o Despacho referido teve como desiderato notificar o Requerente/Recorrido da Providência Cautelar de que a Ordem dos Advogados iria, na sequência da Resolução Fundamentada, proceder à prossecução do acto de suspensão da inscrição que é, justamente, o acto suspendendo da providência cautelar.
Na verdade, o aludido despacho nem precisava juridicamente de ter sido prolatado pelo Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, porquanto, a Resolução Fundamentada opera ope legis, sem necessidade de qualquer comunicação/notificação.
Portanto, o Despacho datado de 11/07/2022 e bem assim os bloqueios às plataformas SITAF e CITIUS, ao certificado digital Multicert não configuram actos de execução indevida. Tais actos configuram a concretização da prossecução da execução do acto suspendendo operada pela Resolução Fundamentada e que corresponde à suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados do Requerente/Recorrido, com todos os efeitos daí resultantes, mormente, os referidos bloqueios às plataformas e certificado Multicert para que o mesmo não praticasse actos de advogado.
Portanto, nem o Despacho datado de 11/07/2022, nem os demais actos de bloqueio às plataformas e certificado Multicert configuram actos de execução indevida, tendo o Despacho em apreço feito errada interpretação factual e consequentemente errada aplicação da lei e do direito, violando o disposto no artigo 128.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPTA.
Destarte, inexistindo actos de execução indevida, não podia ter apreciado os fundamentos da Resolução fundamentada, porquanto, tais actos são inexistentes e apenas poderia ser objecto de decisão por parte do Tribunal, caso os mesmos se verificassem, que como se viu não se verificam, tendo sido violadas as disposições conjugadas dos n.ºs 1, in fine, 3 e 4 do artigo 128.º do CPTA.
Mas, mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que sempre o incidente teria de ser julgado improcedente, porquanto, a aqui recorrente demonstrou que o diferimento da execução do acto era gravemente prejudicial para o interesse público.
De facto, a Recorrente na Resolução Fundamentada apresentada indicou as razões que militam no sentido da existência de situação de urgência grave no prosseguimento da execução do acto administrativo suspendendo, tendo cumprido o dever de fundamentar que o diferimento da execução do mesmo seria gravemente prejudicial para o interesse público.
Com efeito, na Resolução Fundamentada a Recorrente deduziu os seguintes fundamentos: “O processo disciplinar, no caso concreto, teve a sua origem em participação apresentada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena recebida em 11/09/2008 pelo Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, que culminou com o Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados datado de 15 de novembro de 2013 através do qual o Senhor Advogado Requerente foi condenado na pena de multa de 5.500,00€ (cinco mil e quinhentos euros).
O Senhor Advogado Requerente inconformado com a referida decisão impugnou-a judicialmente, tendo sido proferida decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro a julgar a acção totalmente improcedente;
Inconformado, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte que por Acórdão datado de 12 de abril de 2019 negou total provimento ao recurso.
Após recorreu o Senhor Advogado Requerente para o Supremo Tribunal Administrativo, cuja decisão de 27 de setembro de 2019 não admitiu o recurso.
Assim, a decisão do processo disciplinar transitou em 11/11/2021. Sendo certo que o Senhor Advogado Requerente apenas pretende impedir a suspensão administrativa aplicada, por não cumprimento da pena de multa no valor de 5.500,00€ (cinco mil e quinhentos euros) em que foi condenado no âmbito do processo disciplinar supra identificado e que opera automática e imediatamente conforme demonstrado supra.
Sucede que, a materialidade que se apurou no processo disciplinar revela infrações que são consideradas graves e muito graves, situando-se a ilicitude em nível de grande intensidade e a culpa em patamar elevado.
Assim, o diferimento da execução do acto que decidiu, no estrito cumprimento da lei, suspender a inscrição do Senhor Advogado Requerente, na sequência do não cumprimento da pena de multa que lhe foi aplicada mediante decisão já transitada em 11/11/2021 é extremamente grave para o interesse público, tanto mais, que emerge da acção disciplinar que lhe foi movida nos termos dos artigos 109.º e seguintes do EOA/2005 aplicável ao caso.
E, tanto assim é que a eventual proibição de prosseguir a efetiva execução do ato suspendendo implicaria a proibição do cumprimento da lei e do direito aplicáveis através da suspensão da inscrição do Senhor Advogado pelo incumprimento da pena disciplinar que lhe foi aplicada, permitindo-se abrir um precedente que seria gravemente prejudicial para o interesse público, designadamente, por se permitir o diferimento do cumprimento das regras legais referentes ao cumprimento das sanções disciplinares.
Na realidade, o exercício do poder disciplinar, nas mais diversas associações, grupos ou instituições que integram a sociedade, tem como finalidade assegurar a coesão do grupo, o seu prestígio, a confiança, de forma a potenciar a realização dos fins que cada associação visa prosseguir.
Ao Advogado(a), enquanto servidor da Lei e da Justiça, exige-se uma responsabilidade acrescida no que toca à conformidade das suas condutas com a Lei e com as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, impondo-se-lhe, deste modo, um comportamento profissional e cívico exemplar, tanto mais que nos termos do artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa este é um elemento essencial à administração da justiça, estando obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas (cfr. artigo 85.º do EOA/2005 aplicável).
Ora, o Senhor Advogado Requerente violou os deveres para com a comunidade em geral, tendo sido condenado em pena de multa no valor de 5.500,00€ (cinco mil e quinhentos euros) não tendo exercido a advocacia pugnando pelo seu dever de integridade enquanto elemento essencial à administração da justiça, não tendo tido e/ou demonstrado um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres deontológicos consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.
Da conduta do Senhor Advogado Requerente ressalta que a sua conduta é contrária aos deveres de honestidade, probidade, rectidão, lealdade, sinceridade, colocando em causa não só o seu bom nome e reputação, mas sobretudo e especialmente, o bom nome, honra e reputação de toda a classe de advogados, que resulta intensificada pelo facto de o mesmo não pretender cumprir a sanção disciplinar aplicada e transitada em julgado.”.
Do exposto resulta, como alegado, que a Ordem dos Advogados fundamentou que o diferimento da execução do acto de suspensão da inscrição do Recorrido seria gravemente prejudicial para o interesse público, cumprindo o inciso final do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, ao contrário do que resulta do Despacho Recorrido.
Em suma,
-Os presentes autos respeitam a um incidente de ineficácia de atos de execução indevida, que se encontra previsto no n.º 4 do artigo 128.º do CPTA;
-Prevê este artigo, sob a epígrafe ´proibição de executar o ato administrativo’, o seguinte:
“1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.”
-Resulta claramente da lei que o foco do presente incidente, previsto nos n.ºs 3 a 6 do citado artigo, centra-se no(s) ato(s) de execução indevida e não numa (suposta) impugnação da resolução fundamentada. Sem que se olvide que, no âmbito do incidente, cabe ao Tribunal apreciar as razões em que se fundamenta a resolução e, julgando-as improcedentes, cumpre considerar indevida a execução;
-Nas palavras de Mário Aroso de Almeida (Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 438), “o juiz procede, no âmbito do incidente, à apreciação incidental da resolução fundamentada emitida, em ordem a pronunciar-se sobre os atos de execução praticados (…) Mesmo que seja emitida uma resolução fundamentada manifestamente infundada, o interessado, tem, pois, de aguardar pacientemente que ela seja objeto de execução (…) para poder reagir”;
-Por se tratar, antes do mais, de uma pronúncia sobre os atos de execução, o incidente apenas pode ser suscitado após a prática dos mesmos, que devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação;

-No sentido propugnado se tem orientado reiteradamente a jurisprudência do STA, vejam-se os acórdãos de 28/10/1998, proc. n.º 44007, de 24/02/2000, proc. n.º 45366, de 24/09/2009, proc. n.º 0821/09, de 09/07/2014, proc. n.º 0561/14, de 25/09/2014, proc. n.º 0799/14, e de 06/11/2014, proc. n.º 0858/14; Como se salienta no citado aresto do STA de 24/09/2009, “[a] circunstância de a Administração emitir uma resolução fundamentada nos termos do art. 128º, n.º 1, do CPTA não possibilita, «ipso facto», a dedução do incidente que a acometa; e compreende-se que assim seja, pois o que fere os interesses do requerente da suspensão não é a mera presença dessa pronúncia administrativa, mas os actos de execução que porventura se lhe sigam. Aliás, é óbvio que importa distinguir o pedido incidental dos seus fundamentos: à luz do art. 128º, o único alvo a atacar pelo requerente da suspensão consiste em «actos de execução»; já os fundamentos desse ataque consistem numa «execução indevida» – e «indevida» porque os actos não foram precedidos de uma resolução qualquer ou, tendo-o embora sido, porque ela não foi capazmente fundamentada.”
-O incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida é processado nos autos da providência cautelar de suspensão de eficácia, podendo ser deduzido pelo interessado na manutenção do efeito suspensivo automático, que ocorre com o recebimento do duplicado do requerimento cautelar pela autoridade administrativa, contra esta entidade requerida, antes ou depois da decisão cautelar, desde que até ao respectivo trânsito em julgado (v. o disposto no artigo 128º do CPTA);
-É unânime a jurisprudência e a doutrina, que aponta que o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida não tem como finalidade a impugnação com vista à declaração de invalidade da resolução à luz das ilegalidades assacadas à mesma, como sucede no contexto de pretensão formulada numa acção administrativa especial; daí que no âmbito da Resolução Fundamentada, apenas se vise a declaração de ineficácia dos actos de execução e nunca extinguir da ordem jurídica esses mesmos actos, em virtude da sua eventual anulação judicial;
-Com efeito, do artº 128º do CPTA [Proibição de executar o acto administrativo] apenas resulta, que (i) requerida a suspensão de eficácia de um acto, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento inicial, não pode iniciar ou prosseguir a execução, a menos que, mediante Resolução Fundamentada, reconheça no prazo legal [15 dias] que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público, (2) devendo de seguida aquela mesma autoridade ….impedir, com urgência que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem no prosseguimento dos actos, excepto se houver emitido Resolução Fundamentada; o interessado pode ainda requerer junto do tribunal, onde corra a suspensão de eficácia, até ao trânsito em julgado da decisão, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida (4); considera-se indevida a execução quando falte a Resolução prevista no nº 1, ou o tribunal julgue improcedentes os motivos/razões em que aquela se fundamenta (3);
-Ou seja, o que subjaz a esta norma, é sempre o facto do diferimento constituir grave prejuízo para o interesse público e tem subjacente, dar resposta a situações de especial urgência, sendo que, com a proibição de execução do acto suspendendo decorrente da propositura da acção cautelar tem-se em vista assegurar a manutenção do efeito útil à própria tutela cautelar de molde a evitar que quando o julgador tome posição sobre aquele litígio essa sua decisão ainda faça sentido ou tenha utilidade à luz dos direitos e interesses que o requerente queria ver acautelados;

-Acresce que, em todo o procedimento cautelar de suspensão judicial de eficácia de um qualquer acto administrativo existe, em princípio, um conflito de interesses, dado que, por um lado, temos a Administração que tem por obrigação nos termos legais, a realização do interesse público, pretendendo a eficácia imediata dos seus actos bem como assegurar a manutenção daquela eficácia; por outro lado, temos o requerente cautelar que se opõe à eficácia imediata do acto em virtude da perigosidade que a mesma representa ou pode representar em termos de consequências para os seus interesses, sendo que este conflito de interesses tanto pode ser bilateral como pode emergir com uma configuração trilateral por referência a interesses de contra-interessados que saem afectados com a suspensão da eficácia do acto;
-Fruto da lei, a Administração, através da “Resolução Fundamentada”, terá obrigatoriamente de indicar as razões que, em seu entender, pugnam no sentido da existência de situação de urgência grave no prosseguimento da execução do acto administrativo suspendendo, decisão essa que, sem envolver qualquer violação do princípio da separação de poderes, é passível de ser sindicada contenciosamente pelos tribunais nos termos constitucional e legalmente previstos no âmbito deste incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida com fundamento quer no facto dos actos de execução não estarem baseados na “Resolução Fundamentada” (total ausência desta ou estarem fora da sua abrangência ou cobertura), quer no facto dos motivos aduzidos naquela “Resolução” não constituírem fundamentos legais ou legítimos compreendidos no previsto nº 1 do art. 128º do CPTA - Acórdão do STA de 09/2/2023 no proc. 0676/22.8BELSB-S1;

-O juiz cautelar deve, pois, “proceder à fiscalização da resolução emitida, para o efeito de avaliar se esta, no plano formal, se encontra fundamentada e se, no plano material, se baseia em razões procedentes”, sendo que, no caso do juiz cautelar concluir pela improcedência dos fundamentos elencados na resolução emitida pela autoridade administrativa, deve ser emitida declaração judicial de ineficácia de tais atos de execução, por serem indevidos, declaração essa “sustentada num juízo de improcedência das razões em que se baseou a resolução fundamentada”, e a que corresponde um efeito inibitório, “que impede a autoridade requerida de continuar a dar execução ao ato ao abrigo da referida resolução, sob pena de violação do caso julgado” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, julho de 2018, Almedina, pp. 1027 e 1028);
-In casu, o Requerente do presente incidente interpôs uma providência cautelar pedindo a suspensão da eficácia da decisão que lhe foi notificada através do ofício n.° ...03..., datado de 15/11/2021, que determinou a suspensão do exercício da advocacia, uma vez que não fez prova do pagamento da multa de 5.500,00€, no prazo que lhe foi concedido para o efeito ( 3 meses), que lhe foi aplicada em sede de sanção disciplinar, por violação dos artigos 83.°, n.°s 1 e 2, 85º, n.° 2, al. a) e 86.°, al. a) do Estatuto da Ordem dos Advogados na redacção aplicável, no âmbito do Processo Disciplinar n.° ...08... do Conselho de Deontologia de Coimbra;
-A sanção suprarreferida foi impugnada judicialmente tendo a mesma sido mantida pelas diversas instâncias, nomeadamente pelo Acórdão datado de 12/04/2009, no âmbito do Proc. n° 676/14.1 BEAVR., tendo transitado em julgado;
-Na sequência da interposição da referida providencia cautelar, a ora recorrente proferiu resolução fundamentada, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, de onde se extrai:
a) As normas estatutárias da Ordem dos Advogados referentes à execução e incumprimento das sanções disciplinares proferidas no âmbito dos processos disciplinares, configuram normas de carácter imperativo preceptivo e portanto de aplicação necessária, direta, automática e imediata.
b) As infrações praticadas pelo requerente foram consideradas graves e muito graves.
c) A suspensão do cumprimento da pena disciplinar é grave, e permite abrir um precedente gravemente prejudicial para o interesse público, na medida em que permite adiar o cumprimento de uma decisão disciplinar, o que põe em causa a coesão do grupo, o seu prestígio, a confiança, de forma a potenciar a realização dos fins que cada associação visa prosseguir.
d) Põe em causa o prestígio e o bom nome da Ordem dos Advogados, bem como da dignidade e do prestigio profissional de todos os Advogados que condignamente exercem a profissão.
e) Põe igualmente em causa os valores da sociedade em geral.
f) Conclui a Resolução Fundamentada, que o diferimento da execução do ato prejudica gravemente o interesse público;
-E, efetivamente, assim é;
-Note-se, que se o Requerente pretende por cobro à suspensão do exercício da advocacia, basta-lhe para tanto pagar a multa em que foi condenado em sede disciplinar, cuja sanção foi, como se disse, confirmada pelas diversas instâncias judiciais;
-O que o Requerente pretende é não cumprir a sanção disciplinar, a que está obrigado, por força de sentença judicial;
-E, como bem refere a Ordem dos Advogados, não tendo o Requerente procedido voluntariamente ao pagamento da multa, em que foi condenado, estava a Ordem dos Advogados obrigada a retirar, em termos estatutários, as devidas consequências normativas do EOA, sendo que nesta parte tal actuação era vinculada;
-Como sustentado pela Senhora PGA, num Estado de Direito Democrático, a utilização de expedientes processuais, com vista a incumprir uma pena, neste caso disciplinar, é só por si censurável, e demonstra a não interiorização por parte do sancionado, da gravidade da sua conduta;
-O Tribunal a quo, ao suspender a eficácia da execução da pena, põe em causa não só a honorabilidade da Ordem dos Advogados, como cria uma percepção pública de impunidade dos infratores, criando desconfiança genérica relativamente a todos os advogados, nomeadamente aqueles que atuam na esfera pública, honrando o seu estatuto e os princípios éticos que estão subjacentes ao exercício da profissão;
-Contrariamente ao decido no despacho recorrido os fundamentos elencados na resolução apresentada pela Requerida atestam que o diferimento da execução do ato suspendendo prejudica gravemente o interesse público;
-Como tal os atos de execução não se mostram indevidos;
-Ademais o protelar sucessivo da execução da decisão disciplinar pode originar a prescrição da sanção, pelo mero decurso do tempo, cuja justeza, reitera-se, foi apreciada pelas diversas instâncias judiciais;
-O despacho recorrido, padece, pois, de erro de subsunção dos factos ao direito, e violou o disposto nos artigos 128º e 129º do CPTA, tanto mais que o Requerente, reitera-se, pode pôr termo à suspensão do exercício da profissão pagando a multa em que foi condenado;
-Por assim se decidir carece de fundamento o pedido de condenação em litigância de má fé;
-Como é sabido, a litigância de má fé traduz-se no exercício de forma abusiva de direitos processuais;
-Dispõe o art.º 542º, n.º 1, do CPC que, “tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”. Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”;
-Assim, para não caírem no âmbito de aplicação do normativo acima transcrito e nas correlativas sanções, as partes deverão litigar com a devida correcção, ou seja, no respeito dos princípios da boa-fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos no art.º 8º do CPTA e nos artºs 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto que constitui o objecto do litígio;
-Para que possa falar-se de litigância de má-fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que a actuação de alguma das partes desrespeitou o Tribunal ou a Parte que lhe é contrária no processo;
-Daí que a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má-fé, deve estar viciada por dolo ou negligência grave, não abrangendo, assim, situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência;
-No caso dos autos, entende-se que a conduta da Recorrente não é passível de ser enquadrada em nenhuma das alíneas do n.º 2 do art.º 542º do CPC, pois que a mesma resulta do normal exercício do direito de acção que lhe assiste e dos argumentos para esse efeito expendidos;
I - A má fé substancial verifica-se quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º, do CPC, enquanto a má fé instrumental se encontra prevista nas als. c) e d) do mesmo artigo;
II - Em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.
III - A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito - Acórdão do STJ de 12/11/2020 no proc. 279/17.9T8MNC-A.G1.S1.
DECISÃO
Termos em se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e julga-se improcedente o presente incidente, com todas as legais consequências.
Custas pelo Requerente/Recorrido.
Notifique e DN.
Porto, 10/03/2023
Fernanda Brandão
Conceição Silvestre
Isabel Costa