Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01286/12.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA; TAXA DE COMPENSAÇÃO; DEVOLUÇÃO.
Sumário:1- Para que haja uma pretensão de enriquecimento sem causa importa que se verifiquem 3 requisitos: (i) que haja um enriquecimento; (ii) que o enriquecimento careça de causa justificativa; (iii) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

2- A ação baseada no enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária só podendo recorrer-se à mesma quando a lei não faculte ao empobrecido, em concreto, outros meios de reação.


3- Demonstrado que a requerente duma operação de loteamento urbano liquidou ao município uma taxa de compensação pela não cedência de espaços para o domínio público de montante superior ao devido em consequência de erro detetado em momento temporal em que já não era viável lançar mão do meio previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária para obter a revisão do respetivo ato tributário, assiste-lhe o direito a obter a devolução da quantia reclamada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

4- A impossibilidade de recurso ao mecanismo previsto no artigo 78.º da LGT pelo decurso do prazo é equiparável à inexistência da ação normalmente adequada para fazer valer o direito reclamado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:A., Lda
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I-RELATÓRIO

1.1. A., Lda, propôs ação administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Município de (...), pedindo a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de €35.659,49, a título de enriquecimento injustificado, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese, que na sequência da operação de loteamento para a constituição de 10 lotes, abrangendo os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 90, 662 e 1512, com uma área total de 5.838 m2, o Réu liquidou a taxa municipal de urbanização no valor de 146.485,34€, que a autora pagou em 29.08.2007.
Mais alegou que no respetivo Alvará de Loteamento constava uma área de não cedência ao domínio público de 506,75 m2 para espaços verdes e 862,50 m2 para equipamento, no valor de 96.352,75€, relativo a taxa de compensação pela não cedência de áreas ao domínio público.
Sucede que em função da área de construção prevista, a autora deveria ceder ao domínio público 1.128,75m2 de terreno para espaços verdes, quando cedeu uma área de 1.154,00m2, não havendo lugar a qualquer compensação antes liquidada pela não cedência de 506,75m2, apenas tendo de compensar o Réu pela não cedência de terreno para equipamentos com a área de 862,50m2.
Nessa sequência, a autora requereu ao Réu que fosse retificado o cálculo da taxa de compensação liquidada bem como a devolução do excedente pago no valor de 35.659,49.
O Réu acabou por retificar o Alvará de Loteamento mas indeferiu a devolução do excedente pago pela Autora, com fundamento em o pedido ter sido formulado fora do prazo legal da reclamação administrativa ao abrigo do artigo 78.º da LGT.
Á data em que foi detetado o erro existente na planta que viciou o Alvará de loteamento e que determinou o seu requerimento em 07.01.2011 para devolução da taxa liquidada a mais, já se tinham esgotado os prazos previstos no artigo 78.º da LGT.
A retenção de tal valor pelo Réu representa um aumento do património do Réu à custa da Autora e em resultado do seu empobrecimento, sem que exista causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, assistindo-lhe o direito a exigir do Réu a restituição do valor de €35.659,49 correspondente ao excesso da taxa de compensação compreendida na taxa municipal de urbanização com fundamento em enriquecimento sem justa causa, previsto no artigo 473.º e ss do C.Civil.
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1.1.2. Devidamente citado, o Réu defendeu-se por exceção e por impugnação.
Em sede de defesa por exceção invocou a prescrição do direito em que se fundamenta o pedido e a caducidade do direito de ação.
Por impugnação, alegou, em síntese, que o alvará de loteamento não revela qualquer lapso material, por erro de escrita, relativamente à realidade física do loteamento, estando em causa a revisão de um ato tributário que não enferma de qualquer ilegalidade, não tendo a sua revisão sido pedida pelo sujeito passivo no prazo da reclamação administrativa, tendo a sua pretensão que improceder.
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1.1.3. A Autora replicou, sustentando não se verificar a invocada prescrição uma vez que o prazo previsto no art.º 482.º do C.Civil apenas começou a correr com a retificação do alvará de loteamento em 11.11.2011. Alegou também não se verificar a caducidade do direito de ação uma vez que a sua pretensão não se suporta nas hipóteses abordadas pelo Réu, mas no facto de terem ficado inviabilizados os meios de que poderia lançar mão para obter a restituição da taxa de urbanização por via da revisão do ato de liquidação, pedindo que se julguem improcedentes as exceções da prescrição e de caducidade invocadas pelo Réu e pela procedência da ação.
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1.1.4. A 14.05.2014 o Tribunal de 1.ª instância proferiu decisão pela qual julgou oficiosamente procedente a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria para conhecer da presente ação, por considerar que a autora pretende reagir contra um ato emergente de uma relação jurídica fiscal, estando em causa o ressarcimento de um dano decorrente do exercício da função tributária, sendo competente para conhecer da ação o tribunal tributário.
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1.1.5. Inconformada com essa decisão, a Autora interpôs recurso jurisdicional para o TCAN, que por acórdão de 05 de junho de 2015 revogou a referida decisão, julgando improcedente a exceção dilatória de incompetência material do tribunal.
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1.1.6. Realizou-se audiência prévia na qual se fixaram os factos relevantes e considerados assentes pelo tribunal e pelas partes.
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1.1.7. Em 04/01/2018 foi proferida decisão que jugou a ação totalmente procedente, lendo-se na mesma:
« IV. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa comum totalmente procedente, e, em consequência, condena-se o Réu Município de (...) a pagar à Autora o montante de 35.659,49, acrescido de juros vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Custas pelo Réu Município de (...).
Fixo à presente ação o valor de € 39.659,49 ( art.º 32.º n.º1 do CPTA)
Registe e notifique»
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1.1.8. Inconformado com esta decisão, o Réu (Município de (...)) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma:
«
1ª O instituto do enriquecimento sem causa é exclusivo das relações jurídicas civilísticas, não se
aplicando às relações jurídicas tributárias.
2ª O direito tributário tem um mecanismo próprio para o contribuinte reagir contra um ato tributário já praticado, que é a revisão prevista no artigo 78º da LGT.
3ª O procedimento e processo tributário encontram-se sujeitos ao princípio da legalidade tributária, não existindo previsão legal de uma ação de enriquecimento sem causa ou sequer norma legal que preveja o uso deste instituto.
4ª A Recorrida viu indeferido por ato administrativo o pedido de devolução da taxa paga em excesso (facto provado v), não o tendo impugnado, conformando-se, assim, com o seu teor.
5ª Este ato administrativo, por ter decorrido mais de um ano da sua prática, mesmo que fosse inválido, converteu-se num ato válido, inimpugnável.
6ª O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza absolutamente excecional, funcionando como uma válvula de escape do sistema quando não existe um meio de defesa de um direito.
7ª O instituto em causa não opera quando se esgotaram os meios administrativos e contenciosos ao dispor do contribuinte, quer este os tenha ou não usado.
8ª A douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 474º do CCiv.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a ação improcedente, assim se fazendo Justiça»
*
1.1.9. A Apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e formulou as conclusões que se seguem:
«1) A decisão constante da douta Sentença recorrida veio definir entre as partes, não uma relação jurídica tributária, nomeadamente aquela que se extinguiu com o indeferimento do pedido de revisão do ato tributário- a liquidação da taxa de compensação – mas sim uma relação jurídica assente no instituto do enriquecimento sem causa, convocado para solucionar a situação de locupletamento injustificado do Recorrente que resultou de se ter tornado inaplicável, pelo decurso do tempo, o meio previsto no art.º 78.º da LGT.
2) Assim, a imposição ao Recorrente da obrigação de restituir a parte da taxa de compensação paga em excesso, após a extinção da dita relação jurídica tributária, não representa qualquer tipo de invasão do instituto do enriquecimento sem causa ao procedimento e processo tributário, pelo que não coloca em causa o princípio da legalidade tributária, nem na vertente da criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nem na tipicidade das respetivas disciplinas legais, não se gerando qualquer conflito com o preceito contido na al. e) do n.º2 do art.º 8 da LGT.
3) Concordando as partes em que, dado o motivo que viciara a liquidação e pelo decurso do tempo, se tornara inacessível o meio próprio de revisão do ato tributário, jamais seria exigível à Recorrida que reagisse contra o ato administrativo de indeferimento do pedido de revisão que apresentou, visando a sua anulação por ilegalidade como pretende o Recorrente, quando nenhum vício lhe poderá imputado àquele ato, havendo consenso sobre a adequação e solidez dos respetivos fundamentos.
4) Resulta do exposto que a Recorrida ficou sem qualquer outro meio de obter a restituição do que pagou indevidamente ao Recorrente, uma vez que a taxa paga não corresponde à situação real ( a área correta a ser compensada) que acabou por conduzir à retificação do Alvará de loteamento, e que motivou o novo cálculo da taxa pela diferença favorável à Recorrida de €35.659,49.
5) Decidiu bem, pois, a Sentença recorrida julgando não ter a Recorrida a seu favor qualquer dispositivo legal específico para obrigar o Recorrente a devolver o montante pago em excesso a título de taxa de compensação, não havendo também do lado do Recorrente causa que justifique manter-se na sua esfera jurídica aquele montante pago a mais a título de taxa de compensação, pelo que foram devidamente aplicadas as disposições dos artigos 473.º e 474.º do Código Civil.

Nestes Termos, negando provimento ao recurso e mantendo inalterada a douta Sentença recorrida, farão VV/Ex.ªs JUSTIÇA».
1.1.10.O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu parecer.
1.1.11.Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Nos presentes autos, a questão que a este tribunal cumpre ajuizar, cifra-se em saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por nela se ter julgado procedente o pedido formulado pela autora de condenação do réu a devolver o montante pago em excesso a título de taxa de compensação, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473.º e 474.º do Código Civil.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A DE FACTO

3.1. O Tribunal de 1.º instância considerou provados os seguintes factos (não objeto de sindicância por parte do Recorrente, que limitou o seu recurso à interpretação e aplicação do direito, como resulta nomeadamente da falta de qualquer referência - e cumprimento - ao ónus de impugnação previsto no art. 640.º, nº 1 do CPC):
«A) A Autora exerce, com regularidade e intuito lucrativo, a atividade de construção civil e comércio imobiliário;
B) A Autora é proprietária de um prédio composto por terreno para construção com área de 5.838 m2, sito no lugar de Barros, freguesia de (...), a confrontar do norte e sul com caminho, nascente com herdeiros de E.V.S., e poente com caminho e J.F., descrito na Conservatória sob o número 1895;
C) O referido prédio resultou da anexação dos prédios descritos na Conservatória sob os números 90 (artigo 153 da matriz rústica), 662 (artigo 1393 da matriz urbana) e 1512 (artigo 2474 da matriz urbana) da freguesia de (...);
D) A Autora adquiriu, mediante compra e venda, a M.F.R.C. e a A.A.S.L.M. e outros, e mediante permuta a A.F.M. e mulher;
E) Todos os aludidos negócios foram celebrados por escritura pública, em conformidade com a respetiva inscrição no registo predial de que a Autora é titular;
F) No exercício da sua atividade e abrangendo os prédios acabados de indicar a Autora requereu uma operação de loteamento, posteriormente titulada pelo Alvará nº 32/2007 emitido pela Câmara Municipal de (...) em 31 de Agosto de 2007, originando a constituição de 10 lotes;
G) Sendo 6 lotes destinados à construção de edifícios de habitação unifamiliar em banda e 4 lotes destinados à construção de 2 edifícios de seis pisos para habitação coletiva e garagens;
H) Relativamente ao loteamento foi liquidada a taxa no valor total de 146.485,35 euros, sendo o valor da taxa devida pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas de 48.237,95 euros e a taxa de compensação pela não cedência de áreas ao domínio público correspondeu ao valor de 96.352,75 euros, que a Autora pagou em 29/08/2007;
I) O valor pago pela Autora correspondeu às indicações constantes do alvará de loteamento e da planta que instruiu a emissão do mesmo, numa área total cedida de 3.270,50m2, distribuída da seguinte forma:
Arruamentos 1.533,50 m2;
Estacionamento 448,00 m2;
Passeios 667,00 m2;
Zonas verdes 622,00 m2;
J) A legenda da planta entregue pela Autora nos serviços do Réu continha um lapso de escrita na menção da distribuição dos metros quadrados por cada um dos itens aí referidos;
K) Na verdade, a área cedida para arruamentos, representada na planta e prevista nas obras de execução é de 1.001,50 m2 e não de 1.533,50 m2;
L) e a área cedida para zonas verdes é de 1.154,00 m2 e não de 622,00 m2;
M) Em consequência, a área total cedida de 3.270,50 m2 abrange:
Arruamentos 1.001,50 m2;
Estacionamento 448,00;
Passeios 667,00 m2;
Zonas verdes 1.154,00 m2;
N) Detetado o erro, a Autora requereu ao Réu, em 07.01.2011, a retificação correspondente do Alvará de loteamento, em conformidade com uma nova planta de síntese que anexou;
O) A qual, mantendo o mesmo elemento gráfico, apresentou os elementos descritivos, designadamente a legenda de identificação das áreas cedidas, devidamente corrigidos;
P) Requerendo em simultâneo que fosse igualmente retificado o cálculo da taxa de compensação anteriormente liquidada, e bem assim a devolução do excedente pago;
Q) Na verdade, dado que a Autora, em função da área de construção prevista, deveria ceder ao domínio público 1.128,75 m2 de terreno para espaços verdes, tendo afinal cedido uma área de 1.154,00 m2 não há lugar a qualquer compensação (antes liquidada pela não cedência de 506,75 m2);
R) A Autora apenas teria de compensar o Réu pela não cedência de terreno para equipamentos com a área de 862,50 m2.;
S) Os competentes serviços do Réu, em 24.02.2011, efetuaram a liquidação da taxa de compensação considerando a retificação das áreas parcelares do terreno cedido ao domínio público, apurando um valor a pagar de € 60.693,26 pela não cedência de terreno para equipamentos;
T) O Réu indeferiu o pedido de retificação, com fundamento com fundamento nas disposições do art. 148º do CPA, e por o erro material em causa não ter decorrido da expressão da vontade do órgão administrativo, remetendo a Autora para um procedimento de alteração do Alvará de loteamento nos termos do ofício remetido em 06.04.2011;
U) Em 19/04/2011 a Autora requereu novamente a retificação do Alvará de loteamento e a devolução do valor pago em excesso a título de compensação pela não cedência de áreas ao domínio público;
V) O Réu autorizou a retificação do alvará de loteamento em conformidade com a planta síntese já corrigida e indeferiu a devolução do excedente pago por este ter sido formulado fora do prazo legal constante do art. 78º da LGT, no dia 11/06/2011;
X) Em 11/11/2011 foi emitido título de retificação do alvará de loteamento nele constando as cedências de terrenos para zonas verdes com a área de 1.154m2 e para arruamentos com a área de 1.001,50m2;
Z) A presente ação deu entrada neste tribunal no dia 23/07/2012.
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III.B DE DIREITO
3.2. Do Erro de Julgamento Decorrente da Aplicação ao Caso do Instituto do Enriquecimento sem Causa, previsto nos artigos 473.º e 474.º do Código Civil.
3.2.1. No caso sub judice, o Tribunal de 1.ª instância julgou a ação procedente e nessa conformidade condenou o Apelante a restituir à Apelada o montante correspondente à liquidação a mais da taxa de compensação com fundamento no enriquecimento sem causa.
3.2.2. Foi a seguinte a decisão proferida pela 1.ª instância: « (…)O tributo em questão denominado de “taxa de compensação pela não cedência de áreas ao domínio público” foi liquidado pela Câmara Municipal de (...) na sequência do pedido de licenciamento de construção de vários edifícios para habitação, garagens, comércio e serviços no prédio em causa e supra identificado.
Resulta dos factos assentes que o Réu retificou o alvará de loteamento no que diz respeito às áreas que foram cedidas ao domínio público resultando desta retificação que a Autora não cedeu ao domínio público uma área inferior àquela que constava inicialmente do alvará e pela qual pagou a devida taxa.
Consta ainda que o Réu não devolveu a quantia paga a mais pela Autora, pelo que se conclui que o Réu acabou por ficar com mais terreno para o domínio público e recebeu um valor a título de taxa de compensação calculado como se tivesse ficado com menos terreno.
A Constituição da República Portuguesa nos termos do disposto no nº 4 do art. 238º e 241º atribui poderes tributários às autarquias locais, e encontra-se legalmente legitimada a cobrança, pelos municípios, de taxas pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, ao abrigo do artigo 1º nº 1 e 11º da Lei nº 1/87, de 06.01.
Assim, no âmbito do seu poder regulamentar e das suas competências municipais o Município de (...) aprovou o Regulamento das taxas urbanísticas.
Como tem sido entendimento jurisprudencial, a diferença específica entre taxa e imposto decorre da existência ou não de vínculo sinalagmático. O que significa que a taxa terá de apresentar, utilizando as palavras do Ac. do Tribunal Constitucional nº 654/93, de 4.11, “o preço” do serviço ou da prestação de um serviço ou actividade públicas ou de uma utilidade de que o tributado beneficiará.
(…) Desta forma, constatamos que o tributo em causa constitui a contrapartida devida ao Município pela não cedência de espaço ao domínio público e assim, este será calculado de acordo com a área não cedida. Se afinal a área cedida foi maior o cálculo tem que ser novamente efetuado e se, eventualmente, houve um pagamento maior do que o devido o valor a mais tem que ser devolvido, sob pena de haver um enriquecimento injustificado do domínio público.
Ora, após estes considerandos, tendo em atenção que a Autora cedeu mais terreno do aquele a que correspondia o valor pago, só se pode concluir que efetivamente no caso em análise não existe correspetividade jurídica entre o valor da taxa paga pela Autora e a prestação da Câmara, pois esta nada prestou porque nada tem para prestar e, por isso, não existe correspetividade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da atividade prestadora desenvolvida pela entidade pública.
A Autora vem pedir a devolução do montante pago a título de taxa de compensação recorrendo ao instituto do enriquecimento sem causa.
Dispõe o art. 473º do CC, a propósito do enriquecimento sem causa, sob a epígrafe “ Princípio geral” que:
“ 1 – Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2 – A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
O enriquecimento consiste na aquisição de um benefício de carácter patrimonial, podendo revestir a forma de aumento de ativo ou diminuição do passivo, em particular a poupança de despesas. O requisito à custa de outrem significa que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem empobreceu, isto é, “ a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondentemente suportado pelo outro.” – Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, p. 488.
Para que esta hipótese se verifique é necessário afastar qualquer outra fonte de obrigações, face ao disposto no art. 474º do CC que determina que “ Não há restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”
No caso concreto, não tem a Autora a seu favor qualquer dipositivo legal específico que crie o dever do Réu lhe devolver o montante pago a título de taxa de compensação e, conforme supra referido, no caso concreto, não tem também o Réu causa que justifique que se mantenha na sua esfera jurídica o montante pago pela Autora a título de taxa de compensação.
Sendo que houve, efetivamente, um enriquecimento ilícito do Réu à custa do empobrecimento da Autora, pelo que, é fundado o pedido de pagamento do valor da taxa de compensação com base no enriquecimento sem causa».
3.3.3. O Apelante discorda da decisão proferida pela 1.ª instância, sustentando nas conclusões da apelação, que o instituto do enriquecimento sem causa é exclusivo das relações jurídicas civilísticas, não se aplicando às relações jurídicas tributárias, que têm o mecanismo próprio da revisão prevista no art.º 78.º da LGT, para o contribuinte reagir contra um ato tributário já praticado, não existindo previsão legal de uma ação de enriquecimento sem causa ou sequer norma legal que preveja o uso deste instituto no domínio das relações tributárias.
Ademais, sustenta que a Apelada viu indeferido por ato administrativo o pedido de devolução da taxa paga em excesso e não tendo impugnado essa decisão, conformou-se com o seu teor, razão pela qual a mesma se converteu num ato válido, inimpugnável.
Termina enfatizando que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza absolutamente excecional, funcionando como uma válvula de escape do sistema quando não existe um meio de defesa de um direito, pelo que o mesmo não opera quando se esgotaram os meios administrativos e contenciosos ao dispor do contribuinte, quer este os tenha ou não usado, tendo a decisão recorrida violado o disposto no artigo 474º do Código Civil.
3.3.4. Considerando o recorte da situação jurídica em apreciação e os fundamentos em que o Tribunal de 1.ª instância se estribou para julgar procedente a ação intentada pela Apelada, bem como o regime legal do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473.º e 474.º do Código Civil (C.C.), prefigura-se-nos, desde já, que não assistirá razão à Apelante nos argumentos que arremessa contra a decisão in crisis.
Vejamos.
3.3.5. Prescreve o art. 473º do C.C. que «aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou» (n.º 1), tendo a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, de modo especial por objeto «o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou» (n.º 2).
Deste modo, para que haja uma pretensão de enriquecimento (uma obrigação em que é devedor o enriquecido, e credor aquele que suporta o enriquecimento), importa que se verifiquem três requisitos, a saber:

(i) que haja um enriquecimento - o qual «consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do ativo patrimonial (...); outras, numa diminuição do passivo (...); outras; ainda, na poupança de despesas (...)» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol.. I, 4ª edição Revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, p. 454);
O enriquecimento representa, assim, uma vantagem ou benefício, de carácter patrimonial e suscetível de avaliação pecuniária, produzido na esfera jurídica da pessoa obrigada à restituição e traduz-se numa melhoria da sua situação patrimonial, «encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objetivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efetiva (real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)» (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, págs. 492 e 493).
Este enriquecimento poderá ter a sua origem num negócio jurídico, num ato jurídico não negocial, ou mesmo num simples ato material.

(ii) que o enriquecimento careça de causa justificativa - ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
O conceito de causa do enriquecimento não se encontra legalmente definido, variando necessariamente consoante a natureza jurídica do ato que lhe deu origem (sem prejuízo do critério de orientação facultado pelo n.º 2 do art. 473.º do CC, onde se lê que a «obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou»).
Logo, saber se um enriquecimento carece de causa justificativa é «um puro problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correta ordenação jurídica dos bens. Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa.
(...) Com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento (cfr. o acórdão do S.T.J., de 14 de Janeiro de 1972, no B.M.J., nº 213, p. 214 e segs.)» Cfr.Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol.. I, 4ª edição Revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, págs. 454 a 456;.


(iii) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição - «a correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outro» Cfr.Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem.
Precise-se porém, e naquilo «que tem sido entendido como uma ampliação ao 3º requisito acima enunciado, a obrigação de restituir pressupõe ainda que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga ao direito à restituição, por forma a não dever haver de permeio, entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro qualquer ato jurídico – carácter imediato da deslocação patrimonial.
Porém, tal exigência não deverá assumir um carácter absoluto, por forma a deixar-se ao julgador campo de manobra suficiente de modo a poder aferir se a mesma aplicada a uma situação em concreto se mostra excessiva e evitar, nesse caso, que ela conduza a uma solução que choque com o comum sentimento de justiça» Cfr. Ac. do TRC, de 02.11.2010, Isaías Pádua, Processo n.º 1867/08.0TBVIS.C1, com extensa citação de doutrina e jurisprudência pertinentes à discussão deste último entendimento.

Compreende-se, por isso, que se afirme que, como base ou pressuposto de todo o enriquecimento sem causa existe sempre uma deslocação patrimonial (que se define como o ato por virtude do qual se aumenta o património de alguém à custa de outrem, seja qual for a forma por que o aumento se opera); e que só haverá obrigação de restituir se a deslocação patrimonial carecer de fundamento, quer ela provenha de uma prestação efetuada para cumprimento de uma obrigação que não existe (ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu), quer do cumprimento de uma obrigação cuja fonte se mostre viciada, quer de uma intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios ou de actos de outra natureza praticados pelo devedor ou de terceiro (conforme Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 2ª edição, Almedina, pág. 350 e segs.).

Sublinha-se, ainda que, face ao disposto no art. 342º, nº 1 do CC, é sobre o autor (alegadamente empobrecido) que impende o ónus de alegação e prova dos factos concretos que integrem cada um dos referidos requisitos do instituto em causa.
Concretamente no que tange à «falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento», a mesma «terá de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente (…). A mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar também que efetivamente a causa falta» (Ac. do STJ, de 24.03.2017, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1) No mesmo sentido, Ac. da RC, de 09.01.2018, Luís Cravo, Processo n.º , onde se lê que a «falta originária ou subsequente da causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito, pelo que, a simples prova da obtenção de uma vantagem patrimonial não pode servir de fundamento para pedir a sua restituição, cabendo antes ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento, mesmo em caso de dúvida, cujo incumprimento se resolve em seu desfavor.»
Ainda Ac. do STJ, de 12.07.2018, Sousa Lameira, Processo nº 779/15.5T8PTM.E1.S1, onde se lê que, tendo «sido alegado pelos autores um empréstimo feito ao réu (ou seja, um contrato de mútuo) e defendendo-se o réu dizendo que a quantia peticionada era a contrapartida de serviços prestados aos autores, não se provando o contrato de mútuo, não pode o juiz, na sentença, condenar com base no enriquecimento sem causa, dado que a ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem de ser alegada e provada pelo requerente da restituição do enriquecimento (arts. 342.º, n.º 1, 473.º e 474.º do CC) e a causa de pedir da acção não é o enriquecimento sem causa, mas o alegado contrato de mútuo»..
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3.3.6. Prescreve-se ainda no art. 474º do CC, que não haverá «lugar à restituição, por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento».
Logo, a ação baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se à mesma quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação. Compreende-se, por isso, que se afirme que «se a situação de facto preenche os pressupostos do enriquecimento sem causa e de mais outro instituto, o disposto no artigo 474º do Código Civil, impede, nestes casos, o recurso às normas do enriquecimento sem causa» Cfr.Leite de Campos, A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, Almedina, 2003, pág. 326).
Dito de outro modo, «sempre que exista uma ação normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) que possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas diretamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação, é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex: em hipóteses de responsabilidade civil)» Cfr.Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 329.
Assim, «se as regras da invalidade ou da resolução dos contratos resolvem a deslocação patrimonial decorrente do negócio, não há que recorrer ao enriquecimento sem causa», o mesmo sucedendo «se o regime da responsabilidade civil sanar os efeitos da deslocação» patrimonial (Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações Apontamentos, AAFDL, 2ª edição, 2004, pág. 69) No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª edição, onde a págs. 459 e 460 defendem que, «relativamente aos exemplos apontados (ação de declaração de nulidade, de anulação, de indemnização, etc.), (…) o instituto do enriquecimento sem causa não será aplicável, por maioria de razão, se o enriquecimento puder ser destruído mediante simples ação (contratual) destinada a exigir o cumprimento do contrato ou por meio da ação de reivindicação». .
Por isso, mais genericamente se afirma que a aplicação do instituto «é naturalmente excluída sempre que exista uma pretensão fundada num negócio jurídico», já que os «negócios constituem» precisamente causas justificativas da aquisição»; e «a liquidação do negócio jurídico fundada na invalidade ou na resolução, embora tenha por base a ineficácia retroativa do vínculo continua a ter por fonte o próprio negócio jurídico» (Luís Menezes de Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Social, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1996, págs. 948-949).
Diz-se, por isso, que «a subsidiariedade exprime (…) muita da desconfiança existente face ao enriquecimento sem causa que se continua a configurar como um fator potencialmente subversivo do direito positivo vigente», sendo «também frequentemente apresentada como um meio de assegurar que o enriquecimento sem causa não se converta num mecanismo de fraude à lei». Cfr.Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Universidade Católica Portuguesa, 1998, pág. 416.

Contudo, discute-se se no art.º 474.º do CC a lei pretende excluir o recurso ao enriquecimento sem causa sempre que exista, em abstrato, esse outro remédio Neste sentido, Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil citado, págs. 946-947, onde se lê que a «letra da lei parece inclinar-se para a primeira solução, uma vez que se refere à hipótese de a lei facultar esse outro meio e não à sua possibilidade concreta de exercício, que muitas vezes é prejudicada pela inércia do titular do direito».
Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Processo n.º 169/13.4TCGMR.G2.S1, onde se lê que «sempre que outro meio judicial for suficiente para restabelecer o equilíbrio da situação não haverá lugar, por não verificada a subsidiariedade, à ação de enriquecimento sem causa, sob pena de ela ser admitida em praticamente todas as hipóteses de pedido condenatório, como verdadeira panaceia para decisões judiciais transitadas em julgado (e eventualmente, injustas ou apenas incompreendidas) ou até para eventuais negligências das partes na condução das respetivas posições jurídicas no processo»., ou se, pelo contrário, apenas o excluirá quando existir a possibilidade concreta do seu efetivo exercício
Neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 329, onde se lê que à «inexistência da ação normalmente adequada equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal (prescrição, caducidade), ou de não poder sê-lo utilmente por razões de facto (“maxime” a insolvência do devedor). Também neste caso deverá o interessado recorrer à pretensão de enriquecimento».
Ainda Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa citado, págs. 421 e 422, onde se lê que a subsidiariedade referida «deve ser entendida (…) sem exagero, apenas subsistindo uma situação que justifica a invocação da subsidiariedade quando o outro mecanismo permite atingir idêntico resultado e até, eventualmente, quando não se revela mais oneroso para o agente, Só nesta hipótese é que exige genuíno concurso de pretensões e o enriquecimento sem causa deve ceder o primado a outras instituições, mormente a responsabilidade civil e a acção de reivindicação»., mas ainda assim sem que nesta última hipótese se contenha a propositura de uma nova ação (com tal fundamento), face ao mero insucesso do meio de tutela específico primeiro utilizado, por falta de idónea alegação ou do insucesso da prova produzida Neste sentido, Ac. da RC, de 17.09.2013, Teles Pereira, Processo n.º 64/09.1TBTMR.C1, onde se lê que, no caso da «invocação de ter existido um mútuo sem que se tenha logrado prová-lo, a acção improcede, sendo descabido determinar a restituição do que foi prestado aos alegados mutuários com base no suposto enriquecimento sem causa destes»..
À luz da mais recente e avalizada jurisprudência, dir-se-á que «o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa não pode ser entendido de forma absoluta, mas também não pode ir ao ponto de permitir lançar mão daquele instituto perante o mero insucesso do meio de tutela específico utilizado, sob pena de se fazer letra morta do artigo 474.º do CC.
Propendemos antes para a uma interpretação na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma meramente genérica».
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3.3.7. Conforme resulta do probatório, em consequência da operação de loteamento que a Apelada promoveu junto dos serviços do Apelante, foi-lhe liquidada a respetiva taxa municipal de urbanização no valor de € 146.485,35, valor esse onde se incluía o montante de € 96.353,75 relativos à taxa de compensação pela não cedência de áreas ao domínio público, que a Apelada pagou no dia 29 de agosto de 2007. Nessa sequência, em 31.08.2007, foi emitido o Alvará n.º 32/2007, onde constava uma área de não cedência de áreas ao domínio público de 506,75m2 para espaços vedes e 862,50m2 para equipamento (no valor de € 96.353,75)- vide alínea F) e H) do probatório.

O valor pago pela Autora correspondeu às indicações constantes do alvará de loteamento e da planta que instruiu a emissão do mesmo, numa área total cedida de 3.270,50m2, distribuída da seguinte forma: (i) Arruamentos 1.533,50 m2; (ii) Estacionamento 448,00 m2; (iii) Passeios 667,00 m2; (iv) Zonas verdes 622,00 m2 –vide alínea I) do probatório.
Sucede que, a legenda da planta entregue pela Apelada nos serviços do Apelante no âmbito do processo de licenciamento da operação urbanística de loteamento que culminou na emissão do Alvará de Loteamento n.º 32/2007, de 31.08, continha um lapso de escrita na menção da distribuição dos metros quadrados por cada um dos itens aí referidos- vide alínea J) do probatório.
Na verdade, a área cedida para arruamentos, representada na planta e prevista nas obras de execução é de 1.001,50 m2 e não de 1.533,50 m2 e a área cedida para zonas verdes é de 1.154,00 m2 e não de 622,00 m2, pelo que, em consequência, a área total cedida de 3.270,50 m2 abrange: (i)Arruamentos 1.001,50 m2; (ii) Estacionamento 448,00; (iii) Passeios 667,00 m2; (iv) Zonas verdes 1.154,00 m2- vide alíneas K), L) e M) do probatório.
3.3.8.O referido erro, uma vez detetado, levou a Apelada a requerer ao Réu, em 07.01.2011, a retificação correspondente do Alvará de loteamento, em conformidade com a nova planta de síntese que anexou, a qual, mantendo o mesmo elemento gráfico, apresentou os elementos descritivos, designadamente a legenda de identificação das áreas cedidas, devidamente corrigidos, tendo a Apelada, requerido, em simultâneo que fosse igualmente retificado o cálculo da taxa de compensação anteriormente liquidada, e bem assim a devolução do excedente pago- vide alíneas N), O) e P) do probatório.
Sucede que, não obstante em 24.02.2011, os serviços do Réu/Apelante terem efetuado a liquidação da taxa de compensação considerando a retificação das áreas parcelares do terreno cedido ao domínio público, apurando um valor a pagar de € 60.693,26 pela não cedência de terreno para equipamentos, o Apelante indeferiu o pedido de retificação do Alvará de Loteamento, com fundamento nas disposições do art. 148º do CPA, e por o erro material em causa não ter decorrido da expressão da vontade do órgão administrativo, remetendo a Autora para um procedimento de alteração do Alvará de loteamento nos termos do ofício remetido em 06.04.2011- vide alíneas S) e T) do probatório.
3.3.9.Por essa razão, a Apelada, em 19/04/2011, requereu novamente a retificação do Alvará de loteamento e a devolução do valor pago em excesso a título de compensação pela não cedência de áreas ao domínio público, acabando o Apelante, a 11/06/2011, por autorizar a retificação do alvará de loteamento em conformidade com a planta síntese já corrigida mas indeferindo a devolução do excedente pago com fundamento em o mesmo ter sido formulado fora do prazo legal constante do art.º 78º da LGT, tendo a 11/11/2011 sido emitido título de retificação do alvará de loteamento nele constando as cedências de terrenos para zonas verdes com a área de 1.154m2 e para arruamentos com a área de 1.001,50m2- vide alíneas U), V) e X) do probatório. 3.3.10.Decorre deste recorte factual, que a Apelada, em função da área de construção prevista, deveria ter cedido apenas ao domínio público uma área de 1.128,75 m2 de terreno para espaços verdes, mas acabou por ceder uma área de 1.154,00 m2, pelo que, nessa conformidade, não havia lugar a qualquer compensação (antes liquidada pela não cedência de 506,75 m2), apenas tendo de compensar o Réu/Apelante pela não cedência de terreno para equipamentos com a área de 862,50 m2., razão pela qual, detetado o referido erro, e corrigida situação, com a consequente retificação do Alvará de Loteamento, é inegável que o Apelante tem na sua posse um montante correspondente à diferença a mais paga pela Apelada.
Sucede que, atendendo ao decurso do tempo entre a liquidação inicial da taxa devida pela não cedência de terreno e o momento em foi detetado o erro que viciou aquela liquidação, a Apelada, perante a recusa do Apelante em devolver o montante a mais da taxa que lhe fora liquidada, já não podia lançar mão do meio próprio de revisão do ato tributário, que tem de ser exercido no prazo de três anos a contar do ato de liquidação. Por outro lado, também não era exigível à Apelada, como a própria sustenta, que reagisse contra o ato administrativo de indeferimento do pedido de revisão que apresentou, visando a sua anulação por ilegalidade como pretende o Apelado, conquanto nenhum vício poderia ser imputado àquele ato, havendo consenso sobre a adequação e solidez dos respetivos fundamentos.
Ante o exposto, é cristalino que a Apelada ficou sem qualquer outro meio de obter a restituição do que pagou indevidamente ao Apelante.
A taxa que foi paga não corresponde à situação real (a área correta a ser compensada), o que acabou por conduzir à retificação do Alvará de loteamento, dando lugar ao novo cálculo da taxa pela diferença favorável à Recorrida de €35.659,49.
Perante a verificação da situação de facto apurada, em que se constata a existência de uma situação de locupletamento injustificado do Apelante, em virtude de se ter tornado inaplicável, pelo decurso do tempo, o meio previsto no art.º 78.º da LGT, bem andou o Tribunal a quo ao determinar a devolução da quantia reclamada, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, não traduzindo a condenação do Apelante a restituir a parte da taxa de compensação paga em excesso pela Apelada, após a extinção da dita relação jurídica tributária, nenhuma invasão do instituto do enriquecimento sem causa ao procedimento e processo tributário, pelo que não coloca em causa o princípio da legalidade tributária, nem na vertente da criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nem na tipicidade das respetivas disciplinas legais, não se gerando qualquer conflito com o preceito contido na al. e) do n.º2 do art.º 8 da LGT, com bem conclui a Apelada nas suas conclusões de recurso
Conforme refere Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 329, à «inexistência da ação normalmente adequada equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal (prescrição, caducidade), ou de não poder sê-lo utilmente por razões de facto (“maxime” a insolvência do devedor). Também neste caso deverá o interessado recorrer à pretensão de enriquecimento».
Também Júlio Manuel Vieira Gomes, in “O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa citado, págs. 421 e 422, sustenta que a subsidiariedade referida «deve ser entendida (…) sem exagero, apenas subsistindo uma situação que justifica a invocação da subsidiariedade quando o outro mecanismo permite atingir idêntico resultado e até, eventualmente, quando não se revela mais oneroso para o agente, Só nesta hipótese é que exige genuíno concurso de pretensões e o enriquecimento sem causa deve ceder o primado a outras instituições, mormente a responsabilidade civil e a acção de reivindicação».
No caso em juízo, a Apelada não tinha à sua disposição outro meio judicial para restabelecer o equilíbrio da situação, não havendo concorrência de meios legais, mas sim subsidiariedade dos mesmos.
Termos em que improcedem todos os fundamentos da presente apelação, impondo-se julgar a mesma improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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IV-DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela Apelante e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas da apelação pela Apelante - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Registe e notifique.
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Porto, 31 de janeiro de 2020.


Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro