Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02204/13.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ATO VINCULADO – APROVEITAMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO
Sumário:I- A nomeação operada ao abrigo do disposto no artigo 46º, nº. 2 do Decreto-Lei 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº. 137/2012, de 02 de julho, configura um ato de natureza vinculada.

II- No quadro em apreço, não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante a eventual vício de forma, por falta de fundamentação e preterição de audiência prévia de interessados.

III- Os princípios gerais da atividade administrativa, enquanto ordenadores da atividade administrativa e a suas hipotéticas ofensas, só relevam no âmbito do controlo jurisdicional da atividade discricionária da Administração, sendo, por isso, insuscetíveis de violação no domínio da atuação vinculada da Administração.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICÍPIO DE (...)
Recorrido 1:SINDICATO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
MUNICÍPIO DE (...), com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra si intentada pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE, também com os sinais dos autos, que declarou “(…) a nulidade da decisão consubstanciada na Ordem de serviço n.° 3/2013, de 30 de abril de 2013, da autoria do Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), que foi formada em conformidade com decisão da Vereadora da Câmara Municipal de (...), datada de 10 de abril de 2013, devendo os Réus, consequentemente, concertar atuação no sentido de repor a situação de facto e de direito que envolve a representada do Autor, existente à data de 30 de abril de 2013 (….)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
1ª Sendo um ato administrativo estritamente vinculado, a Ordem de Serviço N°3/2013, nunca poderia sofrer de vício de violação de lei por violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé;
2ª Assim como nunca poderia sofrer do vício de forma, por falta de fundamentação;
3ª Tal como nunca poderia sofrer de vício de procedimento, por falta de audiência prévia da interessada;
4ª A imputar a essa ordem de serviço esses três vícios e ao declará-la nula a douta sentença objeto do presente recurso incorreu em erro de julgamento;
5ª Assim como incorreu em erro de julgamento ao considerar, sem qualquer fundamento, que esse ato corporiza uma sanção disciplinar;
6ª E incorreu em novo erro de julgamento ao condenar os Réus a colocarem a representada do Autor na situação de facto e de direito que ela tinha em 30 de abril de 2013, em manifesto desrespeito pelo preceituado no n°2 do artigo 46° do Decreto-Lei n°75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012;
7ª Tendo incorrido ainda num outro erro de julgamento ao condenar o MUNICÍPIO DE (...) a repor M. na situação profissional em que ela se encontrava em 10 de abril de 2013, quando a competência para operar essa reposição seria (se ela fosse legalmente possível) sempre e exclusivamente do Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), por força da alínea d) do n°4 do artigo 20° do Decreto-Lei n°75/2008, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012.
(…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no artigo 146º, nº 1 do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a determinar se se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro[s] de julgamento da matéria de direito, designadamente, por ofensa do disposto no n°2 do artigo 46° do Decreto-Lei n°75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012, bem como na alínea d) do n°4 do artigo 20° do Decreto-Lei n°75/2008, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°137/2012.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado [positivo, negativo e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte:
“(…)
1- Por despacho datado de 18 de abril de 2008 do Diretor Geral dos Recursos Humanos e da Educação, precedendo concurso público, a representada do Autor foi nomeada definitivamente na categoria de assistente de administração escolar principal da carreira de assistente de administração escolar do quadro distrital de vinculação do Porto do pessoal não docente - Cfr. fls. 1 do Processo Administrativo;
2 - No âmbito do contrato n.° 204/2009, celebrado entre o Ministério da Educação e a Câmara Municipal de (...) em 16 de setembro de 2008, e publicado no DR 2.a série, n.° 142, de 24 de julho de 2009, entre o mais, foi disciplinada a transferência de pessoal não docente para o MUNICÍPIO DE (...), que em junho de 2008 se encontrava em exercício de funções nos estabelecimentos de educação e ensino do Município, de entre o qual a representada do Autor, cuja relação se encontra sob o Anexo I a esse Contrato - Cfr. fls. 2 e 3 do Processo Administrativo;
3 - Nos termos do Anexo I a esse Contrato, a representada do Autor tinha vínculo com o Ministério da Educação, estava integrada na carreira de Assistente de Administração Escolar, detendo a categoria de Chefe dos Serviços de Administração Escolar em regime de substituição, no escalão 1, índice 370, exercendo funções na EB 2,3 de (...) - Cfr. fls. 2 e 3 do Processo Administrativo;
4 - Por oficio datado de 04 de janeiro de 2011, da Vereadora da Câmara Municipal de (...), dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), foi solicitado, que em virtude de a representada do Autor ter terminado no dia 31 de dezembro de 2010 a mobilidade interna como Chefe de serviços de administração escolar, que fosse informada do seu posicionamento remuneratório - Cfr. fls. 4 e 10 verso do Processo Administrativo;
5 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 02 de março de 2011, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de (...), que se identificou como sendo assistente técnica a exercer funções nos serviços administrativos do Agrupamento de Escolas de (...), e referindo que em fevereiro de 2011 a Câmara Municipal deu por findo a sua mobilidade inter categorias, requereu transferência para a escola - Cfr. fls. 6 do Processo Administrativo;
6 - Nessa sequência, por mensagem de correio eletrónico datada de 27 de abril de 2011, dirigido à Câmara Municipal, o Diretor do Agrupamento, R., indicou a representada do Autor, Assistente técnica, para o exercício das funções de Chefe dos Serviços de Administração Escolar do Agrupamento, e que a nomeação devia ter efeitos desde 01 de janeiro de 2011, por existirem documentos pendentes que também deveriam ser assinados por essa responsável - Cfr. fls. 8 do Processo Administrativo;
7 - Por ofício datado de 27 de abril de 2011, da Vereadora da Câmara Municipal de (...), dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), foi-lhe comunicado que por seu despacho datado de 27 de abril de 2011, tinha sido aceite a proposta para que a representada do Autor exercesse as funções de Chefe de serviços de Administração Escolar, sem valorização remuneratória, até ulterior decisão - Cfr. fls. 9 do Processo Administrativo;
8 - Na sequência dessa nomeação da representada do Autor, de 27 de abril de 2011, a mesma participou na primeira reunião do Conselho Administrativo do Agrupamento vertical de Escolas de (...) que se lhe seguiu, em 25 de maio de 2011 - Cfr. fls. 16 e 16-verso do Processo Administrativo;
9 - Por mensagem de correio eletrónico datada de 27 de março de 2013, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de (...), o Diretor do Agrupamento, R., invocando uma conversa por si tida com a Vereadora C., e ainda as suas competências, propôs para o exercício de Coordenadora Técnica, a Assistente Técnica H., e que em consequência, a representada do Autor, deixasse de exercer essas mesmas funções a partir da data que o mesmo [Presidente da Câmara] viesse a estipular - Cfr. fls. 20 do Processo Administrativo;
10 - Entre o Diretor do Agrupamento, R., e o Coordenador Técnico do Departamento de Administração e Finanças da Câmara Municipal de (...), foram trocadas mensagens de correio eletrónico, em 09 e 11 de abril de 2013, de onde se extrai, que este informou aquele que, por despacho datado de 10 de abril de 2013, da Vereadora C. foi aceite a proposta apresentada, de que a Assistente Técnica H. passe a exercer as funções de Coordenadora Técnica a partir de 02 de maio de 2013 - Cfr. fls. 21 do Processo Administrativo;
11 - No dia 30 de abril de 2013, o Diretor do Agrupamento, R., invocando um despacho prévio da Vereadora C., datado de 10 de abril de 2013, emitiu a Ordem de serviço n.° 3/2013, pela qual, em suma, a Assistente Técnica H., passava a exercer as funções de Coordenadora Técnica dos Serviços Administrativos do Agrupamento de Escolas de (...), e a partir dessa mesma data, a representada do Autor, passava a exercer as funções daquela [H.] - Cfr. fls. 23 do Processo Administrativo;
12 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 30 de abril de 2013, dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), foi-lhe pedido que a informasse, por escrito, do que lhe tinha dito verbalmente, no sentido da cessação das funções de Coordenadora Técnica a partir de 02 de maio de 2013, assim como da fundamentação para ser retirada das funções de Coordenadora Técnica, na sequência do que o referido Diretor lhe remeteu ofício levando em anexo cópia da ordem de serviço n.° 3/2013 - Cfr. fls. 22, 23 e 24 do Processo Administrativo;
13 - No dia 20 de maio de 2013, o Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), remeteu ofício à Vereadora da Câmara Municipal de (...), versando o modo e termos da comunicação verbal efetuada em 30 de abril de 2013 à representada do Autor em torno da sua cessação de funções - Cfr. fls. 25 e 25 verso do Processo Administrativo;
14 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 17 de julho de 2013, dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), foi-lhe pedida a emissão de fotocópia do despacho datado de 10 de abril de 2013 referido na Ordem de serviço n.° 3/2013, tendo-lhe o mesmo remetido o documento constante da Petição inicial como doc. n.° 6, fl. 2- Cfr. fls. 26 do Processo Administrativo;
15 - Por requerimento da representada do Autor, datado de 23 de julho de 2013, dirigido ao Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), foi-lhe pedida a emissão de fotocópia do documento enviado à Autarquia com a proposta da sua substituição de funções de Coordenadora Técnica, tendo-lhe sido remetido o documento constante da Petição inicial como doc. n.° 8 - Cfr. docs. n.°s 7 e 8 juntos com a petição inicial;
16 - A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal em 15 de setembro de 2013 - Cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
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Fundamentação:
Os factos dados como assentes supra, tiveram por base os documentos constantes dos autos, assim como do Processo Administrativo junto aos autos pelo Ministério da Educação, e/ou que não resultaram controvertidos.
Dão-se aqui por integralmente enunciados, os documentos enunciados nos factos dados como provados supra.
Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado, ou não provado.
(…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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O Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, aqui Recorrido, intentou a presente ação com vista à obtenção à declaração judicial de ilegalidade, por nulidade ou anulabilidade, da decisão consubstanciada na Ordem de Serviço nº. 03/2013, de 30 de abril de 2013, da autoria do Diretor do Agrupamento de Escolas de (...), que fez cessar as função da Representada do Autor [doravante R.A.] de Coordenador Técnica, nomeando em sua substituição H..
Alegou, para tanto, que o ato impugnado enferma de ilegalidade formal e substancial, que elencou devidamente.
O T.A.F. do Porto julgou, como sabemos, esta ação procedente, na esteira do que declarou a nulidade da nulidade da decisão consubstanciada na apontada Ordem de Serviço n.° 3/2013, com a imposição aos Réus da concertação de atuação “(…) no sentido de repor a situação de facto e de direito que envolve a representada do Autor, existente à data de 30 de abril de 2013 (….)”.
Perlustrando a fundamentação de direito vertida na decisão judicial recorrida, logo se constata que o T.A.F. do Porto fundou o juízo de procedência da presente ação no entendimento de que a Ordem de Serviço de 03/2013 enferma do vício de (i) violação de lei, por ofensa dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé; e, bem assim do (ii) vício de forma, por (ii.1) preterição de audiência prévia e (ii.2) falta de fundamentação.
O Recorrente insurge-se contra assim decidido, imputando-lhe em erros de julgamento da matéria de direito, já que entende que o ato impugnado configura um ato vinculado, sendo, por isso, insuscetível de violar os princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé, para além de não carecer de fundamentação formal expressa e audiência prévia de interessados, não se mostrando, nessa medida, integrado pelos vícios de forma, por falta de fundamentação e de preterição de audiência de interessados.
Vejamos.
Antes de mais, refira-se que, salvo o devido respeito, o Recorrente labora em manifesto equívoco quanto à invocada desnecessidade de fundamentação expressa do ato impugnado.
Na verdade, a motivação aduzida não afasta o Recorrente da obrigação legal de fundamentar o ato administrativo impugnado, desde logo, por não se subsumir a mesma aos casos previstos de desnecessidade de fundamentação a que alude no nº. 2 do artigo 124º do CPA, na versão anterior ao Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02.10.
Acresce que a necessidade de fundamentação do ato impugnável é igualmente atingível pelo facto de se tratar de uma decisão que extingue a nomeação da RA de Coordenador Técnica conferida à RA, sendo, por isso, subsumível no disposto na alínea a) do nº.1 do artigo 124º do CPA.
Não colhe, portanto, a desnecessidade de fundamentação formal do ato impugnado.
De igual modo, não colhe a desnecessidade de cumprimento da formalidade de audiência prévia de interessados com fundamento na natureza estritamente vinculada do ato impugnado, pois que esta motivação não integra nenhum dos casos de inexistência e dispensa da formalidade prévia de interessados prevista no artigo 103º do C.P.A.
Naturalmente, pode negar-se eficácia invalidante a estes vícios com base no princípio do aproveitamento do ato administrativo sempre que se possa afirmar-se, com segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa.
Na verdade, e como a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem reiteradamente decidido, “o princípio do aproveitamento do ato administrativo, negando a eficácia invalidante do vício constatado, só poderá valer em casos de atividade vinculada da administração e apenas quando se possa afirmar, com inteira segurança, que o novo ato a praticar pela Administração, em execução de julgado anulatório, teria forçosamente o conteúdo decisório idêntico ao do ato anulado” [cfr. por todos, os acórdãos do Pleno de 16.06.2005, Proc.° n.° 1.204/03, e de 15.10.99, Proc.° n.° 21.488].
Assim, para se entendesse ser aplicável em situações como a dos autos o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, teria o Tribunal de concluir com toda a segurança que o cumprimento da formalidade que se preteriu em nada alteraria o sentido da decisão censurada nos presentes autos.
Em tais circunstâncias, o mais que pode aceitar-se é que o Tribunal deixe de proferir a anulação contenciosa se lhe for exibida prova [cujo ónus compete ao Réu] de que a violação cometida não teve qualquer espécie de influência no resultado decisório, que seria sempre o mesmo se os vícios procedimentais detetados não tivessem ocorrido.
No caso dos autos, essa demonstração - que entronca com os fundamentos invocados pelo Recorrente no âmbito do erro de julgamento de direito em análise – foi operada com base no facto do ato impugnado assumir natureza estritamente vinculada.
Neste domínio, saliente-se que a lei não regula sempre do mesmo modo os atos a praticar pela Administração Pública, isto porque, se por vezes a regulamentação legal da atividade administrativa é precisa, outras vezes mostra-se imprecisa, não associando à situação jurídica por si definida uma única consequência jurídica, habilitando a administração a determinar essa consequência.
Com esta diferenciação referimo-nos à distinção entre ato vinculado e ato discricionário.
Entende-se que a "discricionariedade" se define como "uma liberdade de decisão que a lei confere à Administração, a fim de que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha de entre várias soluções possíveis aquela que lhe parecer mais adequada ao interesse público", ou, de forma mais sucinta, a “discricionariedade” será a liberdade conferida à Administração de decidir no quadro das limitações fixadas por lei.” [cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo do Norte de 6.06.2007, rec. 00643/01].
Reportando-nos ao caso sub júdice, temos que o Recorrente invoca que, face ao disposto no nº. 2 do artigo 46º da Lei nº. 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº. 137/2002, de 02 de julho, a R.A. tinha que ser substituída no exercício das funções de chefiar tais serviços administrativos.
Ora, é o seguinte o teor do citado artigo 46º da Lei nº. 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº. 137/2012, de 02 de julho:
“(…)
Os serviços administrativos são unidades orgânicas flexíveis com o nível de secção chefiadas por trabalhador detentor da categoria de coordenador técnico da carreira geral de assistente técnico, sem prejuízo da carreira subsistente de chefe de serviços de administração escolar, nos termos do Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de julho, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho.
(…)”
A leitura do preceito de lei ordinária que se vem de transcrever revela-nos que os serviços administrativos são chefiados por (i) trabalhador de categoria de coordenador técnico da carreira geral de assistente técnico ou por (ii) trabalhador da carreira subsistente de chefe de serviços de administração escolar.
No quadro em apreço, resulta cristalino que a Administração não goza de qualquer margem concreta de liberdade na prática do ato, atendendo à especificidade das funções de chefia dos serviços administrativos.
De facto, por força da alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº. 137/2002, de 02 de julho, ao artigo 46º, nº. 2 da Lei nº. 75/2008, de 22 de abril, o Réu apenas podia nomear funcionários para chefiar os serviços administrativos que integrassem a categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico ou a carreira de chefe de serviços de administração escolar.
Pelo que, não detendo a R.A. a categoria ou a carreira exigidas por lei, estava o Réu estava obrigado/vinculado a nomear outro trabalhador.
É o que, a nosso ver, decorre do princípio ou, melhor, da regra superior da legalidade administrativa consagrada na Constituição e no C.P.A.
Neste enquadramento, é para nós insofismável que o ato impugnado configura, efectivamente, um ato de natureza vinculada.
Donde se conclui que a eventual repetição do ato levaria à prolação da ato de teor idêntico, o que, manifestamente, constituiria um ato inútil, já que a realidade material sempre permaneceria inalterada.
E se assim é, então não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato impugnado nos autos com base no evidenciado vício de forma, por falta de fundamentação e preterição de audiência prévia de interessados.
Pelo que não se pode deixar de concluir que não andou bem o MMº Juiz a quo julgar de forma diversa.
Idêntica conclusão é atingível no que tange à patenteada violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé.
Na verdade, para se para se reconhecer a relevância invalidante dos princípios gerais da atividade administrativa, terá primeiro de conceder-se que o respetivo tipo legal deixa à Administração alguma margem de discricionariedade de decisão, pois só quando assim sucede é que eles podem constituir fonte autónoma de ilegalidade.
De contrário, se a atividade da Administração se move dentro dos estreitos limites da vinculação legal, sem possibilidade de escolha entre vários comportamentos ou soluções decisórias, então não será em função dos mesmos princípios, mas do respeito pelos pressupostos legais, que o ato administrativo se conformará com a legalidade.
Ora, conforme emerge grandemente do supra exposto, ao fazer cessar as funções de Coordenadora Técnica por parte da RA e nomear em sua substituição outra funcionária, a Administração limitou-se a exercer os poderes vinculados que resultam do disposto no artigo 46º da Lei nº. 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº. 137/2012, de 02 de julho.
Assim, na exata medida em que o ato contenciosamente impugnado exerceu, no tocante à determinação per si, poderes estritamente vinculados, imediatamente se conclui que não poderia tal ato ofender os princípios em análise, já que estes, enquanto ordenadores da atividade administrativa e a suas hipotéticas ofensas, só relevam no âmbito do controlo jurisdicional da atividade discricionária da Administração [neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de junho de 2008, proferido no processo n.º 01038/07 e do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 12 de fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 11465/14, ambos acessíveis em www.dgsi.pt; e, na doutrina, ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, volume I, página 324, e SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, páginas 254 e 447].
Pelo que o ato impugnado não violou tais princípios, como defende a alegação do Recorrente, que se mostra, assim, também nesta parte, totalmente procedente.
Consequentemente, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogada a decisão judicial recorrida e julgada improcedente a presente ação.
Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, revogar a decisão judicial recorrida e julgar a presente ação improcedente.
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Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção de custas com que litiga o Recorrente.
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Porto, 30 de outubro de 2020


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro