Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00772/11.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/24/2012
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
AVALIAÇÃO DOS BENS
PEDIDO DE DISPENSA DA PRESTAÇÃO DA GARANTIA - PRESSUPOSTOS
Sumário:I -Se, com vista à suspensão da execução fiscal, a executada ofereceu determinados bens à penhora, requerendo, ainda, para o caso de a Administração Tributária vir a concluir pela insuficiência dos bens, a concessão da dispensa de prestação da garantia na parte restante, a anulação pela sentença recorrida do despacho reclamado na parte em que o mesmo considerou os bens inidóneos, determinando inclusivamente a avaliação das participações sociais oferecidas à penhora, torna inviável a aferição dos requisitos da concessão da dispensa da garantia sem que se proceda previamente a tal avaliação.
II - No caso, nem se pode dizer que tais requisitos se verificam (como fez a sentença), pois que, desde logo, se esbarra com o desconhecimento sobre a insuficiência dos bens, e tal insuficiência é requisito da dispensa da garantia; nem se pode dizer, pela mesma razão, que tais requisitos não se verificam (como pretende a Recorrente).
III – Não merece censura a sentença que anulou o acto reclamado, na parte em que o mesmo indeferiu a dispensa da garantia, mas errou nos termos em que o fez, concretamente decidindo pela dispensa da garantia. É que, pelas razões expostas, a anulação do acto, nessa parte, decorria de ter sido determinada à Administração a prévia avaliação dos bens e, nessa medida, somente se se verificar que os bens não perfazem a totalidade do valor fixado para a garantia a prestar se pode avançar para a análise da verificação dos requisitos da dispensa da garantia requerida.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Asociação...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1- RELATÓRIO
A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que, julgando procedente a reclamação apresentada pela Associação…, ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no âmbito do processo de execução fiscal nº 0744201101002449, anulou o despacho proferido, em 26/09/11, pelo Director de Finanças de Coimbra, nos termos do qual foi indeferido o pedido de prestação de garantia através dos bens indicados pelo executado e, bem assim, o pedido de dispensa de garantia, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, nos autos acima identificados.
2. Foi deduzida reclamação contra o despacho de indeferimento que recaiu sobre o pedido de prestação de garantia e dispensa de garantia, proferido pelo Senhor Director de Finanças de Coimbra, por delegação, em 26-09-2011, no processo de execução fiscal n° 0744201101002449, no qual a reclamante é executada, por dívidas de IVA do exercício de 2008 e respectivos juros compensatórios, no montante de 160.878,00€.
3. Decidiu a Meritíssimo(a) Juiz(a) “a quo” pela procedência total da reclamação, no entanto, quanto aos alegados créditos da reclamante sobre o Município da Figueira da Foz e as benfeitorias do Estádio Municipal José Bento Pessoa a Mma Juiz(a) considerou «... temos que nenhuma censura merece a AT quando considerou inidóneos os alegados créditos sobre o Município da Figueira da Foz e as Benfeitorias do Estádio Municipal José Bento Pessoa.».
4. A douta sentença concluiu que «Nesta conformidade, afigura-se inexistir obstáculo à dispensa de prestação de garantia na parte da dívida que não resulte garantida pelos bens e direitos oferecidos pela reclamante e que sejam susceptíveis de, para esse efeito, serem aceites pela AT.
5. Ora, não pode esta Fazenda Pública conformar-se com tal decisão, na parte que diz respeito sobre o pedido de dispensa de garantia e por consequência não concorda nem se conforma com a procedência total da reclamação.
6. E é apenas nesta parte, no que diz respeito à decisão favorável sobre a dispensa de garantia que esta Fazenda Pública não se conforma.
7. A douta sentença recorrida carece de fundamentação e até, do nosso ponto de vista, contém obscuridades e contradições entre os factos provados e a decisão proferida.
8. Dos factos dados como provados não resulta que a reclamante tenha feito prova da sua falta de responsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis.
9. Sendo que, o fundamento para a sentença recorrida para a isenção da prestação de garantia é o facto de a reclamante ter reclamado e posteriormente impugnado e desse argumento não resulta a falta de culpa na insuficiência ou inexistência de bens.
10. E por outro lado, a Mma Juiz ao ter decidido que as participações sociais em causa não podiam ter sido rejeitadas pela AT sem prévia avaliação está a reconhecer a existência daquelas participações sociais, desconhece-se é o valor das mesmas.
11. O que quer dizer que futuramente e numa situação extrema, após a avaliação dessas participações sociais pela AT e que a reclamante detém na N… SAD essa avaliação pode demonstrar a suficiência ( ou não) da garantia, podendo ocorrer a possibilidade de não sobrar parte restante para ficar dispensada da garantia!
12. Face ao disposto no art° 342, do C.Civil, e no art°.74, n°.1, da L.G.Tributária, é de concluir que é sobre a executado/reclamante, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois tratam-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
13. De resto, o texto do art°.170, n°.3, do C.P.P.Tributário, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão.
14. No processo de execução fiscal n°.0744201101002449, no âmbito do qual foi deduzida a reclamação que originou os presentes autos, de acordo com a matéria de facto provada e doutamente decidido pelo Tribunal “a quo” a executada/reclamante detém participações sociais na N… Futebol SAD, competindo à AT a avaliação daquelas garantias, o que revela manifestas possibilidades financeiras para prestar a garantia fixada, assim não se tornando necessário aquilatar da verificação dos demais requisitos da dispensa da garantia.
15. Além disso, a executada não fez prova que a eventual prestação de garantia gera a existência de uma situação de carência económica desta, de tal modo que esta deixa de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das necessidades básicas, ou seja, a executada não demonstra que será posta em causa a sua própria subsistência.
16. Não se vislumbra nos autos qualquer prova (testemunhal ou documental) de que a eventual prestação de garantia causa manifesta falta de meios económicos à executada, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da divida e de que essa insuficiência ou inexistência de bens não é a executada responsável por essa situação.
17. Concluindo-se, nesta parte, o manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, por parte do Tribunal “a quo”, quanto à verificação, em concreto, dos pressupostos para isenção de prestação de garantia, solicitada pela reclamante, ora recorrida.
18. Parece-nos, também, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a simples circunstância de a reclamante ter reagido, prontamente, quer graciosa quer contenciosamente, contra a divida em execução, constituir um forte indício da falta de responsabilidade pela sua insuficiência patrimonial.
19. Isto porque os autos até demonstram o pressuposto da responsabilidade da executada pela insuficiência de bens, de acordo com a informação prestada em acção inspectiva (fls. 261 a 274 dos autos), verificados os extractos das contas bancárias, constatou-se que, durante o ano de 2008, foram efectuados pagamentos a diversas entidades, de valor superior a um milhão de euros, sem que existam documentos de contrapartida da saída daqueles montantes.
20. Não tendo a executada apresentado qualquer prova documental de que montantes dispendidos tivessem sido uma contrapartida de algum benefício da executada, quer através do cumprimento de obrigações anteriormente assumidas, quer através de aquisição de activos por contrapartida do montante gasto.
21. O que significa que a executada/reclamante, terá sido mesmo responsável na insuficiência do seu património.
22. Em conclusão, e face às razões de facto e de direito acima expostos, a douta sentença recorrida padece de vício de omissão de pronúncia, enferma, ainda, de nulidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, violando o disposto no art°52.° da Lei Geral Tributária, ao não decidir a causa de acordo com os factos e o direito aplicável.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue improcedente a parte que diz respeito ao pedido de dispensa de garantia, como é de inteira JUSTIÇA.
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A Recorrida, Associação…, apresentou contra-alegações, cujas conclusões apresentam o seguinte teor:
A. Entende a AT que somente após a avaliação das participações de que a recorrida é titular, se poderá aferir da necessidade ou desnecessidade dispensar a recorrida de prestar garantia;
B. Assim, julgado procedente tal desiderato, deveria o Tribunal “a quo” ter-se abstido de se pronunciar sobre o pedido de dispensa de garanta, ou seja: “não se tornando necessária aquilatar da verificação dos demais requisitos da dispensa de garantia”.
C. Entenderá então a AT que o processo deveria baixar à fase administrativa para avaliação dos bens e, em caso de insuficiência de garantia (que seria certa porque a situação económico-financeira não se alterou), seria requerida a dispensa (que novamente seria indeferida);
D. Assim, caberia à recorrida apresentar nova reclamação nos termos dos disposto no artigo 276° CPPT e aí sim deveria existir decisão judicial a este propósito;
E. Olvidará a AT que a recorrida reclamou da toda a decisão de indeferimento (insuficiência das garantias prestadas e dispensa de garantia no remanescente que se apurasse não garantido para efeitos suspensivos), pelo que, sob pena de falta de pronúncia, sempre o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria julgar o pedido (o que fez e, com o devido respeito, bem).
F. Nunca a sentença de que se recorre determinou a total inexistência de bens, tanto que impõem que se avalie as acções de que a recorrida é titular!
G. Mais: determina expressamente a mesma sentença que apenas se verificará a dispensa de garantia caso se revele necessário, ou seja, caso se determine a insuficiência do valor apurado com a avaliação das participações sociais.
H. Defende ainda a AT que não se revelam provados os pressupostos de que depende a dispensa de garantia, o que não é verdade!
I. Sendo unânime o carácter alternativo dos requisitos plasmados na primeira parte do n°4 do artigo 52° da LGT, a verdade é que a AT admite um deles (falta de meios económicos revelada pela inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis).
J. Tal ocorre não só pelo facto de tal decorrer dos elementos contabilísticos juntos com a PI, como pelo facto de ter sido a própria AT quem admitiu o pagamento faseado (12 prestações - artigo 196° CPPT) do imposto que se encontra em cobrança coerciva nos autos de execução (IVA).
K. É do cabal conhecimento da AT que a recorrida não tem no seu acervo patrimonial qualquer bem imóvel ou móvel sujeito a registo há mais de 5 (cinco) anos.
L. Tal conhecimento (cuja negação só redunda numa posição de manifesta má fé), advém do necessário e indiscutível formalismo associado à compra e venda deste tipo de bens: que sempre exige a alteração cadastral ou liquidação de imposto (IMT, Imposto Selo, etc) ou até obrigações declarativas (Modelo 1 IMI, entre outros).
M. Tal conhecimento sai ainda reforçado com as várias acções inspectivas que a AT tem levado a efeito (carácter geral e externo), no âmbito das quais tem total acesso à contabilidade da Associação… (balanços, balancetes, demonstrações de resultados, IES e sobretudo mapas de imobilizado e amortizações), aferindo a inexistência de bens.
N. Por fim, dizer ainda que não tem a AT legitimidade para pré-condenar a recorrida, alegando a dissipação de património por via da realização de despesas não documentadas, raiando novamente as fronteiras da má fé, porquanto, sabe que se encontra a correr processo de impugnação judicial no TAF Coimbra, no qual se discute a legalidade da liquidação de adicional de imposto (IRC) advinda da alegada consideração de despesas não documentadas associada ao gasto da quantia (aproximada) de 1 milhão de euros.
O. Sabe a AT que o Meritíssimo Juiz” a quo”, não teria legitimidade processual para se pronunciar quanto a essa matéria, pelo que de nada relevaria a recorrida juntar aos autos os documentos que instruíram a impugnação judicial que ainda corre termos e que se espera (com seriedade) vir a ser julgada procedente - o que deverá igualmente ser relevado para efeitos da apreciação do presente recurso.
Termos em que,
Não deverá conceder-se provimento ao recurso apresentada pela AT como é de JUSTIÇA”.
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Neste Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Entende o EMMP, a propósito da requerida dispensa de prestação de garantia, que “… no alinhamento da menor exigência probatória, entendemos que os factos provados são por si suficientes para afastar a responsabilidade da Reclamante na falta ou inexistência de bens. A responsabilidade do executado é uma responsabilidade subjectiva que se deve traduzir numa conduta censurável, em termos de dissipação ou ocultação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores, e não um mero nexo de causalidade proveniente de uma conjuntura económica desfavorável, ou até mesmo de uma má gestão empresarial. E não existe, pelo menos por ora, nos autos qualquer facto que possa imputar esse juízo de censura à executada”.
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Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que a tal nada obsta.
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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Serve isto para dizer que, como claramente resulta das alegações e respectivas conclusões do recurso (cfr. conclusões 1 a 6), o mesmo mostra-se objectivamente delimitado, insurgindo-se a Recorrente contra a sentença recorrida na parte em que a mesma apreciou e decidiu quanto à requerida dispensa de prestação de garantia (“E é apenas nesta parte, no que diz respeito à decisão favorável sobre a dispensa de garantia que esta Fazenda Pública não se conforma” - cfr. conclusão 6).
Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso são as seguintes:
(i) Saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia – conclusão 22;
(ii) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento do direito ao ter considerado que estavam reunidos, in casu, os pressupostos para a dispensa da garantia, nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT – conclusões 7 a 18, 20 e 21;
(iii) Saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto, concretamente por não ter considerado que durante o ano de 2008, foram efectuados pagamentos a diversas entidades, de valor superior a um milhão de euros, sem que existam documentos de contrapartida da saída daqueles montantes, tal como resulta da informação prestada em acção inspectiva, junta a fls. 261 a 274 dos autos – conclusão 19.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
É a seguinte a matéria de facto fixada em 1ª instância:

“A) Com base nas certidões de dívida de fls. 240 a 245, foi instaurada contra a reclamante a execução fiscal n.º 0744201101002449, para cobrança coerciva das dívidas provenientes de IVA e juros compensatórios do ano de 2008, no valor de 160.878,00€.
B) Citada para a referida execução, a reclamante requereu o pagamento da dívida exequenda em prestações – fls. 248 a 251.
C) Proferido o projecto de despacho de indeferimento do requerido pagamento em prestações, por falta de demonstração das dificuldades financeiras e previsíveis consequências económicas gravosas – fls. 258 a 260 –,
D) A reclamante pronunciou-se sobre o mesmo, em sede de direito de audição, requerendo a final o pagamento da dívida em prestações e a sua dispensa de constituir garantia idónea, nos termos do Art. 52.º, n.º 4, da LGT – fls. 276 a 278.
E) Por despacho de 13-5-2011, o Diretor de Finanças de Coimbra deferiu o pedido de pagamento da dívida exequenda em 12 prestações mensais, indeferindo, porém, o pedido de dispensa de prestação de garantia – fls. 290 a 295.
F) Notificada para prestar garantia idónea e para invocar e provar os pressupostos para beneficiar da isenção da prestação de garantia – fls. 296,
G) Através do requerimento de fls. 297 a 298, a reclamante propôs à penhora os seguintes bens e direitos:
a) Crédito sobre a Câmara Municipal de Figueira da Foz, no valor de €527.164,11, expressamente previsto no Planp de Saneamento Financeiro da Câmara Municipal da Figueira da Foz;
b) 50% das benfeitorias realizadas no Estádio José Bento Pessoa, calculadas desde a data do início do Contrato de Concessão das Instalações do Estádio Municipal José Bento Pessoa;
c) Ações da titularidade da reclamante na N…– Futebol, SAD;
d) Prédio sito na freguesia de São Julião da Figueira da Foz, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5494 que, embora onerado com uma penhora, encontra-se a ser diligenciado o cancelamento do respetivo registo, por extinção do processo que lhe deu origem.
H) Sobre a dita proposta, recaiu a Informação de fls. 492 a 495, com o seguinte teor:
«1. À Associação…, no PEF 074201101002449, por despacho de 201 1/05/13, foi concedido o pagamento da dívida em 12 (doze) prestações. Até à presente data, não efectuou quaisquer pagamentos. 2. Apresenta como garantias os bens:
a) Crédito no valor de € 527.164,11, de que é titular, sobre a Câmara Municipal da Figueira da Foz;
b) 50% das benfeitorias realizadas no estádio José Bento Pessoa;
c) Acções de que a N… é titular na N…— Futebol SAD — NIPC 5…;
d) Prédio urbano da freguesia de São Julião com o artigo da matriz n° 54940
3. A requerente, e em cautela, requer que na parte considerada insuficiente, seja aceite a dispensa de garantia. 4. Da análise destas garantias cumpre informar:
a) Em processos anteriores (PEF 0744200901034383 — Apensos) a Câmara Municipal da Figueira da Foz vem esclarecer que tem um protocolo com a N…, mas que está na sua disponibilidade deliberar se quer comparticipar nessas actividades, não gerando por isso nenhum crédito a favor da N…. Refere ainda que os protocolos são acordos de mera intenção, não gerando quaisquer créditos ou direitos a favor da N…. Os apoios não podem ser desviados para outros fins, considerando que estão isentos de penhora nos termos do artigo 823° - 1 do Cód. Processo Civil (Cf. Anexo 1).
b) As benfeitorias além de não estarem devidamente identificadas, têm o valor e a utilidade no sítio onde estão, e não se podem retirar desse local e ser vendidas em separado. Aliás o próprio estádio não é propriedade da requerente, existindo um protocolo para a sua utilização (15/12/1989)
c) De acordo com os dados da certidão permanente da N... — Futebol SAD — NIPC 509454186, verifica-se que tem o capital de 1.250.000 €, representado por títulos de uma, cinco, dez, cinquenta, cem, quinhentas, mil ou dez acções, com o valor nominal de € 1,00. Existindo duas categorias de acções: A e B, sendo que as acções do tipo A são as adquiridas ou subscritas pela Associação N.... Quer no requerimento, quer nos dados da Conservatória do Registo Predial, não constam quantas acções a Associação N... tem da N... — Futebol SAD, pelo que não se sabe que valores atribuir.
d) O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n° 5494° da Freguesia de São Julião — Figueira da Foz, descrito na 1a C R Predial da Figueira, tem diversos encargos, no valor total de cerca de € 180.731,30, pelo que, a sua penhora ou a sua hipoteca, não garante o pagamento da dívida exequenda e acrescido (Cf. Anexo II).
As mesmas garantias (repetidas) foram indicadas pela Associação N..., para garantir outro processo de pagamento em prestações.
Foi notificada, em 09/08/2011, a Associação N... para efeitos de direito de audição, na formulação de decisão sobre a apreciação das garantias para efeitos de pagamentos em prestações. Dado que a audição prévia não foi assinada, foi a Associação N..., novamente notificada, em 19/08/2011, no sentido proceder à assinatura da petição. Tal falta foi superada em 25/08/2011.
No seu direito de audição a Associação N... vem referir que:
a) Tem um crédito no valor de €527.164,11 sobre o Município da Figueira da Foz, previsto no plano de saneamento financeiro da Câmara Municipal da Figueira da Foz, e que se encontra contemplado no balancete de dívidas a terceiros de 2010/06/30, documento aprovado em Assembleia Municipal extraordinária, de 2011/01/21.
b) Tem direito a 50 % das benfeitorias realizadas no Estádio José Bento Pessoa, de acordo com o protocolo celebrado com o Município da Figueira da Foz, tendo resultado de um protocolo celebrado;
c) Tem acções na N... — Futebol SAD, esclarecendo que a Associação N... tem 250.000 acções com o valor nominal de € 1,00 cada, no total de €250.000,00;
d) Indica o prédio urbano da freguesia de São Julião — Figueira da Foz, artigo 5494°
Da análise efectuada ao seu direito de audição importa referir que:
a) O Município da Figueira da Foz tem dívidas no valor de mais de 90 milhões de euros. O documento aprovado pela Assembleia contempla um plano financeiro destinado a pagar dívidas de curto prazo já vencidas. Consta um valor de “Fornecedores” — conta 221000794, no valor de € 455,00, de “Devedores e credores diversos” — conta 26841000794, com um valor de € 356.971,49 e uma conta 2684102000794 no valor de 169.737,62, tudo no total de € 527.164,11. A Associação N... não indica a que titulo existe a dívida e que documentos titulam esses créditos.
b) Notificado o Município da Figueira da Foz, vem contestar a existência de créditos, dado que, se trata de protocolos cujo objectivo é o desenvolvimento de acções de sensibilização para a prática desportiva e cedência do equipamento do Estádio Municipal José Bento Pessoa. Estes protocolos são destinados à realização de fins de utilidade pública, pelo que se contesta a existência de quaisquer créditos.
c) De acordo com o protocolo celebrado, entre a Associação N... e a Câmara Municipal da Figueira da Foz, para a cedência do Estádio Municipal José Bento Pessoa, em 02/09/2003, na sua clausula 3ª consta que: “As benfeitorias efectuadas, ou que vierem ainda a ser efectuadas ... no Estádio Municipal e na zona envolvente reverterão a favor da Câmara Municipal, sem que por elas possa ser exigida qualquer compensação.”
d) De acordo com consulta efectuada na internet, que não consta que a “N... Futebol SAD”, esteja cotada na bolsa de valores, pelo que, o valor, de 1,00€, referidos por cada acção, só após análise se poderá saber qual o seu valor real.
e) Os ónus e encargos, referentes ao artigo 5494° da freguesia de São Julião — Figueira da Foz, continuam a onerar o referido prédio.
Por tudo o exposto, e, nomeadamente pela exposição da Município da Figueira da Foz, constata-se que a “Associação N...” nada trouxe de novo ao pedido, pelo que somos de parecer que as garantias oferecidas não podem ser consideradas idóneas de forma a garantir a dívida exequenda e acrescido, pelo que se deverá indeferir o pedido
Igualmente, no que se refere ao pedido de dispensa de garantia, nada de novo a “Associação N...” trouxe ao pedido, alegando dificuldades financeiras. Não se sabe se houve a ou não intenção de dissipar património, e se essa atitude será de considerar como negligência ou dolo, sabe-se sim, é que, o que existe, é insuficiência de património para garantia da dívida.
Considerando que durante o ano de 2008, foram pagos, conforme relatório da inspecção, ordem de serviço n° 01201000704, despacho de 16/04/2010, a diversas entidades, segundo extractos bancários de contas utilizadas no âmbito da actividade da devedora, que rondaram montante acima do milhão de euros, o que configura uma dissipação do património do devedor na medida em que inexiste, somos de entendimento que não deverá ser aceite a dispensa de garantia.»
I) Consequentemente, por despacho de 26/09/2011, o Diretor de Finanças de Coimbra indeferiu, por falta de idoneidade, a prestação de garantia através dos bens indicados pela reclamante, bem como o pedido de dispensa de prestação de garantia.
J) Por escritura pública outorgada em 25/06/2010, foi constituída a “N... – Futebol, SAD” na qual a reclamante, figurando como fundadora, detém 250 mil ações da categoria A – fls. 678 a 686.
K) Por requerimento de fls. 22/09/2011, o Município da Figueira da Foz impugnou a existência de quaisquer créditos susceptíveis de serem contratual ou judicialmente exigíveis – fls. 486 a 489.
L) Sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 5494, encontram-se registadas 4 penhoras, para garantia do valor global de 332.731,32€ - fls. 531 a 533.
M) Em 2 de Setembro de 2003, a reclamante celebrou com o Município da Figueira da Foz um protocolo de cedência, à primeira, do Estádio Municipal José Bento Pessoa, nos termos do qual «as benfeitorias efectuadas ou que vierem ainda a ser efectuadas pela Associação N... no Estádio Municipal e na zona envolvente reverterão a favor da Câmara Municipal, sem que por elas possa ser exigida qualquer compensação» - fls. 666 a 668.
N) O autorizado pagamento em prestações da dívida exequenda foi declarado interrompido pela AT, por motivo de incumprimento – fls. 722.
O) Está pendente neste tribunal o processo de impugnação n.º 672/11.0BECBR, em que se discute a legalidade da dívida exequenda.
Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
*
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes”.
*
Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente:
P) Da notificação a que alude o ponto F) supra, efectuada através do ofício 2590, de 23/05/11, do Serviço de Finanças da Figueira da Foz 1, consta, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 296 dos autos):
Valor da dívida exequenda - Nº de prestações autorizadas – Valor de cada prestação – Valor da garantia
160.878,00 12 13.406,50 204.464,24
(…)
Fica também notificado para, no prazo de 15 dias, a contar da presente notificação, apresentar garantia idónea no valor supra indicado, calculada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora e custas, contados até à data do pedido acrescidos de 25% da soma daqueles valores, salvo se já tiver sido constituída.
(…)
Deverá no mesmo prazo, caso entenda que estão reunidos os pressupostos para beneficiar da isenção da prestação da garantia, invocá-los e prová-los, nos termos do nº4 do artº 52º da Lei Geral Tributária e do nº3 do artº 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Q) Em resposta à notificação efectuada através do ofício 2590, de 23/05/11, a executada, ora Recorrida, requereu, com vista à garantia da dívida, a aceitação dos bens m.i no ponto G) supra, por “com os bens/direitos elencados, salvo devido respeito por opinião contrária, logrará a Administração Tributária de garantia idónea nos presentes autos que permitam suspender os efeitos da referida execução fiscal” (cfr. fls. 297 e 298 dos autos);
R) No mesmo requerimento, pode ainda ler-se que (cfr. fls. 297 e 298 dos autos):
“Não obstante o exposto,
4. Se assim não se entender, o que só por mera cautela se admite, pois entendemos que os bens acima identificados e oferecidos à penhora são idóneos e suficientes em valor (…), então,
Mais se requer,
5. Que na restante parte que resulte considerada insuficiente, seja aceite a dispensa da garantia nos termos do nº4 do artigo 52º da LGT e artigo 170º do CPPT, por assim ser de justiça face às carências financeiras da requerente a que o período de crise económica não é estranha e ao desejo em se cumprir com as obrigações tributárias, sem prescindir do resultado da discussão da legalidade (em sede própria) que se encontra pendente”.
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2.2. O direito
Estabilizada a matéria de facto, a primeira questão a resolver é a da alegada omissão de pronúncia da sentença recorrida.
De acordo com a Recorrente, e tal como se colhe no corpo da alegação do recurso (cfr. artigo 20º), a sentença recorrida não se pronunciou “quanto à verificação, em concreto, dos pressupostos para a isenção da garantia”.
Vejamos, então.
Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença, além do mais, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 660º, nº2 do CPC (aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT), significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela”- Vide, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363 e, bem assim, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente.
De resto, o conhecimento de uma questão não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes, sendo, aliás, clara a distinção que a doutrina e a jurisprudência estabelecem a este propósito entre, “por um lado, “questões”, e, por outro, “razões” ou “argumentos”, e concluem que só a falta de apreciação das primeiras – as “questões” – integra a nulidade prevista no citado normativo (leia-se, artigo 660º, nº2 do CPC) mas já não a mera falta de discussão das razões ou argumentos invocados para concluir sobre as questões” - vide, CPC, anotado, Abílio Neto, 20ª Edição, Ediforum, pág. 925.
Ora, recuperando o caso concreto, temos que, a propósito da requerida dispensa de garantia, a Mma. Juiz pronunciou-se sobre o requisito consistente na falta de responsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens referindo que “a circunstância de a reclamante ter reagido, prontamente, quer graciosa quer contenciosamente, contra a dívida em execução, constitui um forte indício da sua convicção quanto à razão que lhe assiste, mormente no que respeita à legitimidade dos pagamentos efectuados, por terem sido destinados à sua actividade e, por decorrência lógica, da falta de responsabilidade sua pela insuficiência patrimonial”. Portanto, com acerto ou sem ele, a sentença recorrida emitiu pronúncia sobre o apontado pressuposto.
Já quanto à verificação da invocada falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida, o Tribunal a quo, entendeu que cabia à Administração Tributária, previamente, proceder à avaliação das participações sociais da N... – Futebol, SAD. De resto, tanto a sentença se pronunciou sobre tal requisito que, para apreciar a requerida dispensa da garantia, acabou por considerar que, face ao que havia determinado em relação às participações sociais da N...–Futebol, SAD, estava em causa unicamente verificar o requisito atinente à falta de responsabilidade do executado na insuficiência/inexistência de bens penhoráveis.
Portanto, também quanto a este aspecto se pode dizer que o Tribunal - bem ou mal - se pronunciou sobre o pressuposto em causa. Assim sendo, a questão não se coloca ao nível de uma eventual omissão de pronúncia.
Com efeito, saber se, no julgamento efectuado, o Tribunal errou, isto é, se podia ter decidido como decidiu quanto à verificação, em concreto, dos pressupostos, de molde a poder concluir, como fez, no sentido de “inexistir obstáculo à dispensa de prestação de garantia na parte da dívida que não resulte garantida pelos bens e direitos oferecidos pela reclamante e que sejam susceptíveis de, para esse efeito, serem aceites pela AT”, é matéria que deverá ser analisada em sede de eventual erro de julgamento e não, como pretende a Recorrente, em sede de nulidade decorrente de omissão de pronúncia.
Termos em que, se julga improcedente a apontada omissão de pronúncia da sentença recorrida – conclusão 22.
Prosseguindo a análise das questões a apreciar e a decidir no recurso, passemos à seguinte: saber se a sentença recorrida errou no julgamento do direito ao ter considerado que estavam reunidos, in casu, os pressupostos para a dispensa da garantia – conclusões 7 a 18, 20 e 21.
Como melhor se perceberá adiante, a apreciação desta questão reclama necessariamente que façamos, antes de prosseguir, um enquadramento do processo, em concreto dos termos do requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal e sobre o qual veio a recair o despacho reclamado, objecto da sentença ora recorrida.
Vejamos.
Na sequência da notificação a que aludem os pontos F) e P) da matéria de facto, a executada, ora Recorrida, dirigiu ao Serviço de Finanças um requerimento no qual expressamente pedia que:
- com vista à suspensão da execução, fossem aceites como garantia da dívida exequenda os bens/direitos que aí ofereceu à penhora, em concreto, um crédito sobre a Câmara Municipal da Figueira da Foz, 50% das benfeitorias realizadas no estádio José Bento Pessoa, acções da N... Futebol SAD e o prédio sito na freguesia de São Julião da Figueira da Foz, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5494;
- caso a Administração Tributária viesse a concluir pela insuficiência dos bens, a executada requeria, então, que lhe fosse concedida a dispensa de prestação da garantia na parte restante.
Portanto, nos termos em que tais pedidos se mostram formulados, e a menos que o primeiro pedido fosse deferido na totalidade – por os bens indicados serem considerados idóneos e suficientes para servir de garantia da dívida, fixada em € 204.464,24 – sempre a executada pretendia ver apreciado o segundo pedido – o de dispensa da garantia na parte não considerada garantida face à insuficiência dos bens.
Em resposta ao assim requerido, foi proferido o despacho reclamado, datado de 26/09/11. Tal como resulta das alíneas I) e H) da matéria de facto, o Director de Finanças indeferiu o requerido por ter considerado que, por um lado “as garantias oferecidas não podem ser consideradas idóneas de forma a garantir a dívida exequenda e acrescido e, por outro lado, por ter entendido que existiam elementos nos autos, recolhidos em sede inspectiva, que configuravam uma dissipação de património do devedor, razão pela qual foi indeferida a dispensa de garantia.
Portanto, e até aqui, temos que, na execução fiscal, a Administração Tributária, indeferindo a primeiro pedido formulado, analisou o segundo e indeferiu-o igualmente.
Ora, na p.i de reclamação, a Reclamante, mantendo a sua pretensão inicial, nos termos em que já havia sido formulada junto do órgão da execução fiscal, pediu ao Tribunal que revogasse “a decisão proferida pela AF, da qual ora se reclama, considerando-se idóneas as garantias oferecidas” e, ainda, caso assim não fosse entendido (por os bens não serem considerados idóneos ou suficientes para tal – cfr. artigo 47º da p.i), a revogação “da decisão proferida pela AF (…) deferindo a dispensa de garantia”.
Aqui chegados, vejamos a sentença objecto do presente recurso jurisdicional.
Analisando a questão da (in)idoneidade dos bens oferecidos com vista à garantia da dívida, depois de reconhecer razão à Administração Tributária para não aceitar parte dos bens oferecidos, veio a entender, acolhendo as razões avançadas pela Reclamante, que relativamente às 250.000 acções da N... Futebol SAD, de que a reclamante é titular, as mesmas careciam de ser previamente avaliadas. Em concreto, a Mma. Juiz considerou que “no que tange às participações sociais da reclamante na N... – Futebol, SAD, não andou bem a AT. Devia, como o alega a reclamante, ter procedido à avaliação das mesmas em conformidade com o ofício circulado n.º 60.078, do qual decorre que cabe à AT a avaliação dessas garantias; assim, as participações patrimoniais em causa não podiam ser rejeitadas sem prévia avaliação”.
De resto, esta mesma avaliação das acções acabou por ser determinada na sentença, o que se alcança, não apenas do trecho que ficou transcrito, mas pela interpretação da seguinte passagem constante da decisão recorrida: “afigura-se inexistir obstáculo à dispensa de prestação de garantia na parte da dívida que não resulte garantida pelos bens e direitos oferecidos pela reclamante e que sejam susceptíveis de, para esse efeito, serem aceites pela AT”.
Portanto, não há dúvidas que a sentença, no que respeita a verificar o juízo de inidoneidade formulado pela Administração relativamente às 250.000 acções da N... Futebol SAD (com o valor nominal de € 1,00 cada), oferecidas com vista à garantia da dívida, fixada em € 204.464,24, acolhendo as razões da Reclamante (relativamente ao dever que impede sobre a Administração de proceder à avaliação das participações sociais, que não, portanto, quanto a considerar, desde logo, a suficiência daqueles bens para a garantia da dívida) determinou a anulação do acto contestado na medida em que havia decidido em contrário. Ou seja, o acto reclamado, quanto ao seu primeiro segmento decisório, relativo à (in)idoneidade e (in)suficiência dos bens, foi anulado.
E, em bom rigor, tanto bastava para que, numa análise lógica e consequente, o Tribunal tivesse anulado o outro segmento decisório do acto reclamado, ou seja, a parte em que a Administração, debruçando-se sobre o segundo pedido formulado, indeferiu a dispensa da garantia.
Com efeito, a decisão no sentido de determinar a realização de prévia avaliação dos bens (250.000 acções, com o valor nominal de €1,00 cada) e, como tal, o diferimento do conhecimento quanto à sua suficiência para garantir a dívida exequenda, implicava, inelutavelmente, a anulação da parte do acto sindicado que ainda subsistia - precisamente aquela em que a Administração Tributária considerava não estarem preenchidos os requisitos para conceder a dispensa da garantia.
É que, como está bem de ver, no caso, só se colocava a questão da dispensa da garantia se, e na medida, em que fosse manifesta a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos previstos no artigo 52º, nº4 da LGT. Dito de outro modo, tal significa que a concessão da dispensa de garantia depende, em absoluto, daquilo que se venha a concluir quanto à (in)suficiência dos bens a avaliar.
Porém, já vimos que não foi este exactamente o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo. Com efeito, a Mma. Juiz entendeu que, apesar da procedência daquele primeiro pedido e da anulação do acto em conformidade, ainda assim devia analisar o segundo pedido, o da requerida dispensa de garantia. Já vimos, aliás, em que moldes o fez.
Vejamos agora o recurso jurisdicional que nos ocupa, relembrando que o mesmo vem objectivamente delimitado, insurgindo-se a Recorrente contra a sentença recorrida apenas na parte em que a mesma apreciou e decidiu quanto à requerida dispensa de prestação de garantia e, portanto, na medida em que anulou o acto contestado na parte em que o mesmo havia indeferido a dispensa da garantia. Ou seja, a decisão recorrida, quanto ao primeiro pedido (relativo à idoneidade dos bens, em concreto quanto à avaliação das participações sociais detidas pela executada na N... Futebol SAD) transitou em julgado.
Ora, tendo presente a relação de dependência que deixámos apontada entre o pedido de concessão da dispensa da garantia e a certeza quanto à insuficiência dos bens cuja avaliação foi ordenada pelo Tribunal a quo, está bom de ver que a pretensão da ora Recorrente – a revogação da sentença recorrida, com o consequente indeferimento da concessão da garantia - não pode obter provimento.
É que de uma coisa estamos certos: o acto reclamado, nos termos em que foi proferido, com os dois apontados segmentos decisórios, não pode deixar de ser anulado e isso a sentença determinou. Com feito, a sentença recorrida, anulou o acto praticado, em 26/09/11, pelo Director de Finanças de Coimbra.
Na realidade, o que se pode dizer é que a sentença recorrida esteve bem ao ter anulado (totalmente) o acto mas já não nos exactos termos e nos moldes em que o fez, concretamente concedendo a dispensa de garantia.
Concretizemos este raciocínio, recuperando parte daquilo que ficou dito anteriormente.
Anulado o acto na parte em que o mesmo considerou os bens inidóneos e determinada a avaliação das participações sociais (o que, sublinhe-se, neste recurso jurisdicional, não foi objecto de censura por parte da Recorrente que com tal se conformou), daí resulta que, logicamente, não é possível aferir dos requisitos da concessão da dispensa da garantia. Isto é, nem se pode dizer que tais requisitos se verificam (como fez a sentença), pois que, desde logo, se esbarra com o desconhecimento sobre a insuficiência dos bens, e tal insuficiência é requisito da dispensa da garantia; nem se pode dizer, pela mesma razão, que tais requisitos não se verificam (como pretende a Recorrente). Na verdade, e bem vistas as coisas, a avaliação dos bens é questão que se coloca a montante da dispensa de garantia.
Portanto, dúvidas não restam que o acto reclamado no tocante ao segmento decisório que indeferiu a dispensa da garantia, não se podia manter, devendo ser anulado (como foi), sem que tal implique que o Tribunal decida o seu contrário, isto é, dispensar a garantia.
Assim sendo, como se percebe, ao contrário daquilo que pretende a Recorrente, não cabe aqui estar a apreciar e decidir sobre se foi feita, ou não, a prova de que os requisitos para a dispensa da garantia estavam verificados, concretamente se a executada provou a sua falta de responsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis. É que o Tribunal decidiu (e tal transitou em julgado) que, antes do mais, competia à Administração avaliar as participações sociais por forma a saber-se da sua suficiência para garantir a dívida exequenda.
Quer isto dizer que, andou bem a sentença ao anular o acto, na parte em que o mesmo indeferiu a dispensa da garantia, mas errou nos termos em que o fez, concretamente decidindo pela dispensa da garantia. É que, pelas razões expostas, a anulação do acto, nessa parte, decorria de ter sido determinada à Administração a prévia avaliação dos bens e, nessa medida, somente se se verificar que os bens não perfazem a totalidade do valor fixado para a garantia a prestar se pode avançar para a análise da verificação dos requisitos da dispensa da garantia requerida.
Em suma, a decisão que indeferiu a dispensa de garantia não podia manter-se e, nessa medida, foi, e bem, anulada pelo Tribunal a quo. Tal, porém, não equivale à decisão oposta de concessão da dispensa da garantia, como foi decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra. Tal anulação prende-se, pura e simplesmente, com a consequência lógica da solução dada ao primeiro pedido e da relação de dependência que deixámos assinalada entre o pedido de concessão da dispensa da garantia e a certeza quanto à insuficiência dos bens cuja avaliação foi ordenada pelo Tribunal, o que, nos termos vistos, a sentença recorrida não enfrentou nos moldes em que o devia ter feito.
Seja como for, e por razões diversas das apontadas pela Mma. Juiz, o acto reclamado não pode deixar de ser anulado, como foi, razão suficiente para que, ainda que com apelo a diferente fundamentação, se possa confirmar o decidido quanto à anulação (total) do acto reclamado.
Daquilo que fica dito, percebe-se, pois, a desnecessidade de analisar as demais questões que vinham aqui colocadas quanto à prova da falta de responsabilidade da executada pela insuficiência ou inexistência dos bens penhoráveis.
Termos em que, improcedem todas as conclusões de recurso que vínhamos analisando.
Face ao que ficou decidido, fica igualmente prejudicada última questão que se colocava no presente recurso: saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto, concretamente por não ter considerado que durante o ano de 2008, foram efectuados pagamentos a diversas entidades, de valor superior a um milhão de euros, sem que existam documentos de contrapartida da saída daqueles montantes (conclusão 19).
3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, em manter a decisão recorrida que julgou a reclamação procedente e anulou o acto reclamado, embora com diferente fundamentação.
Custas pela Recorrente.
Porto, 24 de Maio de 2012
Ass. Catarina Almeida e Sousa
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo