Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00653/13.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CASO JULGADO FORMAL; ARTIGO 620º, Nº 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; PERITAGEM; ESCLARECIMENTOS; ACTO INÚTIL;
ARTIGO 130º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:Não viola o caso julgado formal, previsto no artigo 620º, nº 1, do Código de Processo Civil, formado por anteriores despachos que determinaram a realização de peritagem e de esclarecimentos a esta por parte do INMLCF, I.P., o despacho, recorrido, que indeferiu o pedido de esclarecimentos sobre essa perícia ao Serviço de Patologia Clínica que não interveio e nada sabe sobre o objecto de tal peritagem, antes se trata de uma decisão judicial que obsta à prática de um acto inútil, como tal vedado por lei, face ao disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:Centro Hospitalar e Universitário de (...), E.P.E. (e Outros)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A. veio interpor o presente recurso jurisdicional, do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 05.03.2018, pelo qual se decidiu na acção administrativa comum instaurada pelo Recorrente contra Centro Hospitalar e Universitário de (...), E.P.E. (e Outros), no seguinte sentido: “Requerimento de fls. 668 do processo físico: indeferido, porquanto não se vislumbra a utilidade/relevância para a boa decisão da causa da diligência ora requerida, atendendo a toda a prova pericial já realizada e aos esclarecimentos prestados, bem como à delimitação do objecto da perícia oportunamente fixado pelo Tribunal.”

Invocou, para tanto e em síntese, que o despacho recorrido deve ser revogado por ter atentado contra o caso julgado formal dos despachos datados de 07.09.2017, 20.09.2017, 03.11.2017 e de 20.12.2017 e ter sido omitido acto necessário à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, assim violando o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Fixou o despacho saneador como tema probatório "o episódio de urgência de 17 de Outubro de 2008, a A intoxicação alcoólica ou iatrogénica deferindo o pedido de prova pericial formulado pelo Autor, visando saber se a interacção da terapêutica que lhe foi administrada, incluindo necessariamente os termos da sua administração e da realização dos meios de diagnóstico e análise era passível de justificar o resultado da análise alcoolémica de 2,5g/litro de sangue.

2. Resulta dos despachos datados de 07.09.2017, 20.09.2017, 03.11.2017 e de 20.12.2017 ser relevante para a boa decisão da causa saber qual a concreta técnica de desinfecção do local da colheita de sangue que lhe foi realizada visto que tal pode influir no resultado de alcoolemia.

3. O despacho impugnado, porém, ao arrepio dos anteriores, vem afirmar que "não se vislumbra a utilidade ou relevância para a boa decisão da causa da diligência ora requerida, atendendo a toda a prova pericial já realizada e aos esclarecimentos prestados, bem como à delimitação do objecto da perícia oportunamente fixado pelo Tribunal.

4. “In casu”, da conjugação dos identificados despachos judiciais resulta inelutavelmente a consideração de tudo o requerido pelo ora Recorrente como integrando o objecto da perícia relativamente à natureza iatrogénica ou alcoólica do Autor e a interacção da terapêutica que lhe foi administrada, aí relevando, não só a medicação propriamente dita, mas também as técnicas de análise e de diagnóstico que nele foram realizadas, designadamente a concreta técnica de desinfecção do local da colheita de sangue que lhe foi realizada.

5.Os despachos judiciais datados de 07.09.2017, 20.09.2017, 03.11.2017 e de 20.12.2017 não foram objecto de recurso ou de arguição de nulidade, tendo-se formado sobre o teor dos mesmos caso julgado formal.

6. O despacho impugnado viola o anteriormente decidido quanto ao facto de a perícia sobre tal matéria ser necessária para a boa decisão da causa, bem como a ordem dada à Senhora Perita para dar resposta cabal ao sucessivamente requerido (o que nunca sucedeu).

7.Violou, assim, o despacho impugnado a norma contida no artigo 620º, n.º1, do Código de Processo Civil ex. vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

8.Da mesma forma, constando dos temas probatórios a intoxicação alcoólica ou iatrogénica do Autor e estando reconhecido nos ofícios que, conjugados, formam o relatório pericial, que a técnica de desinfecção do local da colheita de sangue para análise é inexoravelmente determinante dos resultados da análise de alcoolémia considerando o teor de folhas 309 do documento junto com o requerimento de 14.02.2018 - não pode o Tribunal vir alegar que o requerido e indeferido no despacho impugnado não é relevante para a boa decisão da causa.

9. Indeferindo o requerimento de prática de acto necessário à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, violou, assim, o Tribunal o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil, ex. vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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II –Matéria de facto.

Para a apreciação e decisão do objecto do recurso, deveremos dar como provados os seguintes factos, com base nos documentos e do processado dos autos:

1.No despacho saneador fixou-se como tema probatório, entre outros, “O episódio de urgência de 17/10/2008: a) A intoxicação alcoólica ou iatrogénica.”.

2. Foram fixados os seguintes quesitos para a prova pericial:

“2.1 A interacção da terapêutica administrada ao Autor nos dias 16 e 17 de Outubro (incluindo INEM), é passível de justificar o resultado da análise alcoolémica, de 2,5g/litro de sangue?
2.2 O estado de saúde do Autor posteriormente a 16 de Outubro de 2008, ou seja, após a aplicação da bomba infusora, pode ser considerado exclusivamente sequela devida por intoxicação por morfina)
2.3 É adequada a prescrição do infusor de 48 ml para 24 horas, tendo em conta o estado de saúde do Autor?
2.4 Tendo em atenção a evolução da história clínica conhecida pelo Autor, a indevida administração de infusor é susceptível de causar perdas de memória e cefaleias que permaneçam?”


3. Foi oficiado ao Instituto de Medicina Legal requerendo a realização de prova pericial, com resposta aos quesitos supra, remetendo cópia do processo clínico junto pelo Réu Centro Hospitalar e Universitário de (...).

4. A 16.10.2015 foi enviado o relatório do exame médico-legal realizado pelo referido Instituto ao Autor.

5. O Autor, a 26.10.2015, apresentou requerimento cm o seguinte teor:

“5.1 O Autor foi notificado de um relatório pericial, assinado pela Srª Drª S. e ainda de um ofício com a referência STQF/3034/2014, assinado em nome do Senhor Director de Serviços J..
5.2 Dos referidos documentos resulta que não foi dada resposta integral aos quesitos formulados, indicando até a Drª S. que tal aconteceu em virtude de ultrapassar os conhecimentos de especialistas em Medicina Legal «Dado que têm em vista apurar se houve violação das Leges Artis na assistência médica prestada».
5.3 Mais informou a Doutora S. que os ditos quesitos poderão ser respondidos pelo Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
5.4 Assim, o Autor requer a Vossa Excelência se digne ordenar a notificação daquele Conselho Médico-Legal para que venha completar o relatório pericial através da prestação de respostas a todos os quesitos formulados.
5.5. Por outro lado, do ofício nº STQF/3034/2014, resulta não ter sido possível ao perito responder ao quesito primeiro, em virtude de desconhecer “qual o método analítico utilizado no Serviço de Patologia Clínica dos Hospitais da Universidade de (...) para determinar a alcoolemia.
5.6 Assim, requer a Vossa Excelência se digne ordenar a notificação do Réu CHUC, EPE, para vir prestar aos autos a informação necessária à realização da perícia.
5.7 Mais requer, no que toca ao teor do ofício nº STQF/3034/2014, que sejam prestados os seguintes esclarecimentos:
5.7.1 Considerando que, o método analítico utilizado apenas atesta que no sangue foi detectado etanol ou substância similar, pretende, a montante, o Autor saber qual a concreta composição dos medicamentos administrados ao Autor e se a interacção dos seus diversos componentes e sua sujeição a processos normais de metabolismo no organismo poderão levar à libertação no sangue de etanol e em que termos.
5.7.2 Considerando que, antes da colheita de sangue, o local da mesma poderá ter sido desinfectado com álcool ou desinfectante composto por aquele, poderão os resultados atinentes à taxa de alcoolemia ser influenciados pelo contacto da agulha com o dito desinfectante?”

6. A 07.09.2017 foi proferido o seguinte despacho:

“Requerimento de fls 547 do suporte físico do processo:

A intervenção do Conselho Médico-Legal do INMLCF, I.P., nos termos requeridos pelo A. e dentro das competências deste órgão, definidas no art. 7º do DL nº 166/2012 de 31/07, extravasa o âmbito de realização da prova pericial ordenada nos presentes autos, pelo que se indefere o requerido.

Quanto à informação solicitada a respeito do método analítico utilizado pelo R. CHUC, EPE para determinar a alcoolemia, resulta do ofício nº STQF/3034/2014 que, na verdade, foi dada resposta ao primeiro quesito do objecto da perícia, apenas com a ressalva dos métodos que tenham sido utilizados por aquele R., pelo que não se revela tal informação necessária à realização/conclusão da perícia.”

Pretendendo o A. que a Sra. Perita preste esclarecimentos, determina-se a sua comparência na audiência final (art. 486º nºs 1 e 2 do CPC).

7. A 20.09.2017 foi proferido o seguinte despacho:

“ Ora, não obstante o despacho anteriormente proferido no sentido do indeferimento do peticionado pelo A. neste último requerimento, afigura-se-nos agora, melhor compulsados os autos e o teor do relatório pericial junto, que a requerida intervenção do Conselho Médico-Legal do INMLCF, I.P. se revela, de facto, necessária e essencial à adequada instrução dos autos, à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa (art. 411º do CPC), razão pela qual será de atender ao peticionado pelo A., dando-se sem efeito o determinado no despacho anterior e, bem assim, o agendamento da audiência final.

Assim, e sem prejuízo da prestação de esclarecimentos por parte da Srª Perita em sede de audiência final, em data a designar oportunamente, por ora determina-se:

- que se oficie ao Conselho Médico-Legal do INMLCF, I.P., solicitando-lhe a elaboração, no prazo de 30 (trinta) dias, de parecer ou consulta técnico-científica quanto aos quesitos a que se alude no relatório pericial e que aí não obtiveram resposta, enviando-se-lhe cópia dos referidos quesitos (de fls 469 do suporte físico do processo) e o relatório pericial (de fls 542 a 544 do suporte físico do processo) – art. 7º nº 1 alíneas a) e b) e nº 2 do DL nº 166/2012, de 31/07;

- que o R. CHUC, EPE seja notificado para vir aos autos informar no prazo de 10(dez) dias, “qual o método analítico utilizado no Serviço de Patologia Clínica dos Hospitais da Universidade de (...) para determinar a alcoolemia”,

- Conforme referido no ofício nº STQF/3034/2014, de 27.11.2014.

8. O Centro Hospitalar de (...), E.P.E. veio informar, a 27.09.2017, nos seguintes termos:

Sobre “qual o método analítico utlizado no Serviço de Patologia Clínica dos Hospitais da Universidade de (...) para determinar a alcoolemia” informa-se que é “método enzimático”.

Para o efeito, junta Manual Geral de Colheitas do Serviço de Patologia Clínica dos Hospitais da Universidade de (...), onde tal informação consta nas páginas 7 e 19.

Tendo em consideração que o manual agora junto é de 2012, importa referir que o método ali descrito já era o mesmo em 2008, aquando da colheita feita ao demandante.”

9. O Autor respondeu ao documento junto com o seguinte requerimento datado de 12.10.2017:

“9.1 Consta da página 4 do Manual Geral de Colheitas apresentado pelo supra referenciado R:
"Nas colheitas sem indicação especial a desinfecção da pele para punção deve ser realizada com álcool etílico 70%", o que constitui confissão judicial do referido facto, o que se invoca com as consequências legais probatórias dali resultantes.
9.2 Do processo clínico do A. junto pelo R. CHUC, EPE, em concreto do "Relatório completo de episódio de urgência" resulta documentado que, quando daquele episódio, foram requeridas análises ao sangue para Lactato, Potássio, Sódio, pH e gases no sangue, Proteína C reacriva e ultrassensível, C.K., L.D.H.,T.G.O., Bilirrubina directa, Bilirrubina total, G.G.T., Fosfatase alcalina, T.G.P., Proteínas Totais, Albumina, Creatinina, Glicose, Cloro, Cálcio, Potássio, Sódio, Azoto Ureico, Tempo de tromboplastina parcial activado, Tempo de protrombina, Hemograma Simples, Mioglobina, Troponina, D-Dímeros.
9.3 O pedido em causa respeita a uma típica análise de Bioquímica sem indicação especial e que, por isso, são precedidas, de acordo com o Manual referenciado, por desinfecção da pele com álcool etílico a 70%, visto que esta substância não influencia os resultados das análises em causa.
9.4 Do relatório completo acima mencionado, datado de 17.10.2008, resulta que, com base na colheita efectuada na sequência da requisição de análises de bioquímica pelo Dr. N., às Ilh25mn muitas das análises estavam ainda em execução.
9.5 Resulta do mesmo processo clínico, de documentos retirados da plataforma ClinidatsNet e com referência ao Laboratório de Urgências, um deles com as menções "UI 22410 17-10-2008 13:44 1901-2010 12:05" que, das 11h30mn às 13h44mn do dia 17.10.2008, são obtidos os restantes resultados.
9.6 Ou seja, da mesma colheita, foram sendo divulgados resultados espaçadamente num intervalo de cerca de 1h30mn.
9.7 Como se referiu, a colheita foi feita com base em requisição para análise bioquímica sem indicação especial para análise de alcoolemia e que, consequentemente, deveria ser precedida de desinfecção da pele com álcool etílico.
9.8 Sucede que, apesar de não constar da requisição do Dr. N. que deu origem à colheita de sangue (que, de acordo com o Manual, era precedida de desinfecção da papel com álcool etílico 70%), foi posteriormente realizada com base naquela análise de alcoolemia.
9.9 A referida matéria deverá forçosamente ser considerada pelos Senhores Peritos em cumprimento e em desenvolvimento do despacho de 20.09.2017 por integrar o objecto deste e por ser absolutamente decisiva para a boa decisão da causa.
9.10 Expressamente se requerendo a V.a Exc que, sem prejuízo da comparência dos Senhores Peritos na audiência final, venham desde já aqueles esclarecer se (a) as análises ao sangue para Lactato, Potássio, Sódio, pH e gases no sangue, Proteína C reacriva e ultrassensível, C.K., L.D.H., T.G.O., Bilirrubina directa, Bilirrubina total, G.G.T., Fosfatase alcalina, T.G.P., Proteínas Totais, Albumina, Creatinina, Glicose, Cloro, Cálcio, Potássio, Sódio, Azoto Ureico, Tempo de tromboplastina parcial activado, Tempo de protrombina, Hemograma Simples, Mioglobina, Troponina e D-Dímeros que foram requisitadas constituem mera análise de bioquímica, sem indicações especiais; (b) se a utilização de sangue para desinfecção da pele influencia ou não os resultados daquelas concretas análises de bioquímica requisitadas pelo Dr. N.; (c) se feita a colheita para análises sem indicação especial com desinfecção da pele com álcool etílico, a realização com base nessa amostra de análise de alcoolemia pode ou não ser fiável e precisa."

10. Foi proferido o despacho de 03.11.2017, que se reproduz:

"Tendo em conta a informação prestada pelo R. CHUC, EPE (a folhas 582 do processo físico) quanto ao método analítico utilizado no Serviço de Patologia Clínica dos Hospitais da Universidade de (...) para determinar a alcoolemia, notifique a Senhora Perita subscritora do relatório pericial junto aos autos:

- para esclarecer se, por referência à resposta apresentada através do ofício nº STQF/3034/2014, de 27.11.2014, anexo àquele relatório, a informação ora prestada pelo R. CHUC, EPE de alguma forma altera a resposta já apresentada naquele ofício ou se a mesma se mantém nos termos aí exarados;

- para prestar os esclarecimentos solicitados pelo A. no ponto 7º do requerimento de fls 547 do processo físico, ou o que quanto aos mesmos se lhe afigurar conveniente.”

11. Por ofício de 21.11.2017, com a referência SQTF-C/3086/2017, o INMLCF respondeu, emitindo o seguinte parecer:

“Pergunta: Se em função da informação prestada pelos HUC em 27/07/2017, na sequência do ofício nº STQF/3034/2014, de alguma forma se altera a resposta apresentada no aludido ofício ou se a mesma se mantém nos termos aí exarados?
Resposta: A informação recebida não altera a resposta que consta do ofício SQTF/3034/2014.

Pergunta: Considerando que, o método analítico utilizado apenas atesta que no sangue foi detectado etanol ou substância similar, pretende, a montante, o Autor saber qual a concreta composição dos medicamentos administrados ao Autor e se a interacção dos seus diversos componentes e sua sujeição a processos normais de metabolismo no organismo poderão levar à libertação no sangue de etanol e em que termos?
Resposta: Relativamente à composição (formulação) dos fármacos administrados (Naloxona; Propofol e Midazolam) não possuímos informação sobre os mesmos. Relativamente a estes fármacos o seu metabolismo não origina de forma directa ou indirecta a produção de etanol no sangue.

Sobre possíveis interacções para produção de uma alcoolemia positiva, no caso 2,5g/L, atendendo a que se prata de um método imuno-enzimático, deverá ser avaliado pelo laboratório dos HUC quais os eventuais compostos/substâncias susceptíveis de reatividade cruzada, informação que constará das referências técnicas do método, permitindo dessa forma excluir a eventualidade de se tratar de um resultado “falso positivo”.

Pergunta: Considerando que antes da colheita de sangue, o local da mesma poderá ter sido desinfectado com álcool ou desinfectante composto por aquele, poderão os resultados atinentes à taxa de alcoolemia ser influenciados pelo contacto da agulha com o dito desinfectante?
Resposta: Embora a utilização de produto desinfectante contendo álcool seja susceptível de contaminar o sangue no momento da colheita e dessa forma influenciar o resultado obtido, de acordo com a cópia do Manual Geral de Colheitas do Serviço de Patologia Clínica dos Hospitais da Universidade de (...) (pg. 7), remetida em anexo ao ofício 004775580 do Centro Hospitalar e Universitário de (...), constam procedimentos/indicações para análise com indicações especiais de colheita, que no caso da Alcoolemia refere “Não usar álcool na desinfecção da pele.”

12. O Autor, em 13.12.2017 requereu o seguinte (folhas 668 do processo físico):

“No artigo 10º de requerimento entrado em juízo em 12.10.2017, o A., sem prejuízo da comparência dos Senhores Peritos na audiência final, requereu esclarecessem aqueles se (a) as análises ao sangue para Lactato, Potássio, Sódio, pH e gases no sangue, Proteína C reacriva e ultrassensível, C.K, L.D.H., T,G.O., Bilirrubina directa, Bilirrubina total, G.G.T., Fosfatase alcalina, T.G.P., Proteínas Totais, Albumina, Creatinina, Glicose, Cloro, Cálcio, Potássio, Sódio, Azoto Ureico, Tempo de tromboplastina parcial activado, Tempo de protrombina, Hemograma Simples, Mioglobina, Troponina e D-Dímeros que foram requisitadas constituem mera análise de bioquímica, sem indicações especiais; (b) se a utilização de sangue para desinfecção da pele influencia ou não os resultados daquelas concretas análises de bioquímica requisitadas pelo Dr. N.; (c) se feita a colheita para análises sem indicação especial com desinfecção da pele com álcool etílico, a realização com base nessa amostra de análise de alcoolemia pode ou não ser fiável e precisa,

A Senhora Perita respondeu a anterior quesito, inelutavelmente interligado com aquele, em que se perguntava:

"Considerando que, antes da colheita de sangue, o local da mesma poderá ter sido desinfectado com álcool ou desinfectante composto por aquele, poderão os resultados atinentes à taxa de alcoolemia ser influenciados pelo contacto da agulha com o dito desinfectante?"

Da resposta dada pela senhora Perita parece aquela afastar a ocorrência da dita hipótese no caso concreto dos autos em virtude de se prever na Manual de Colheitas que no caso de Alcoolemia não se deve utilizar álcool na desinfecção da pele.

Sem prejuízo de o Manual em causa ser posterior à data dos factos, para se poder chegar àquela conclusão não poderia a Senhora Perita, salvo o devido respeito, fazer apreciação meramente abstracta da matéria sem recurso aos concretos elementos constantes do processo clínico do A. e dos registos hospitalares referentes à requisição de análises ao sangue.

Não foi, assim, dada resposta aos quesitos constantes do artigo 10. 0 do requerimento de 12.10.2017, importando saber, entre outros elementos, se a análise de alcoolemia foi realizada com base em colheita efectuada após requisição de mera análise de bioquímica, sem indicações especiais, ou não.

Deverá, assim, por insuficiência de resposta no que toca à concreta colheita realizada ao A.. ser dada integral resposta ao quesitado.".

13. Em 20.12.2017, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Notifique a Sra. Perita subscritora do relatório pericial junto aos autos para que esclareça (ou informe o que tiver por conveniente), em face dos elementos constantes do processo clínico do A. e dos registos hospitalares referentes a requisição de análises ao sangue, se a análise de alcoolemia ao A. foi ou não concretamente realizada com base em colheita efetuada após requisição de mera análise de bioquímica, sem indicações especiais, e se, em caso de resposta afirmativa, tal circunstância poderá ter influenciado os resultados atinentes à taxa de alcoolemia, em virtude de o local da colheita poder ter sido desinfectado com álcool ou outro desinfetante.”

14. A Senhora Perita, Drª S., por ofício de 02.01.2018, com o n.º de registo SITAF 189750, respondeu nos seguintes termos:

“Em resposta ao ofício supra citado, cumpre informar V.Ex.a que os esclarecimento solicitados são da área da patologia clínica, os quais ultrapassam os conhecimentos do perito médico-legal."

15. O ora Recorrente/Autor requereu em 30.01.2018 - Ref.190697:

"A, Autor nos autos à margem cotados, notificado da informação anexa ao ofício com a referência 004800616, vem, atento o seu teor, e por forma a que seja realizada a perícia anteriormente requerida e admitida, requerer seja o objecto da perícia apreciado por perito em Patologia Clínica a designar pelo Tribunal."

16. O Autor requereu em 14.02.2018 o seguinte:

“Uma das matérias que constitui tema de prova no presente processo é precisamente a causa da intoxicação alcoólica, entendendo o Autor que não se deve a comportamento seu mas a outras causas como, por exemplo, a desinfecção do local da colheita de sangue com álcool. Assim, o que se visava com o quesito 2 era saber se, não existisse taxa de alcoolémia de 2,5 g/L, o estado de saúde do A. posteriormente a 16/10/2018 poderia se explicado por intoxicação de morfina.

Note-se, aliás, que da ficha de observação médica nº 262978 de 17/10/2008 – constante dos autos …não resulta em sede “Sinais e sintomas” qualquer menção a cheiro a álcool, resultando de breve parecer que ora se junta da Dr.ª F., Coordenadora do Centro de Informação Antivenenos do Departamento de Emergência Médica do INEM, a atribuição «à dose excessiva de morfina o estado comatoso que determinou o internamento hospitalar» (doc. 2).

Uma vez que o Senhor Perito não responde aos quesitos 3 e 4, não consegue o Autor perceber qual o fundamento do Senhor Perito para afirmar, no introito, que houve «mau cumprimento da terapêutica» ou que se optou por «administração em 24 h (2 ml/h). Com efeito, neste último caso, resulta até do Relatório do próprio INML de 14/10/2015 relatado pela Drª S., na sua pág. 2, que se prescreveu a administração de 3 mg/h a perfundir em 48h.

A mesma informação resulta do processo clínico junto aos autos, designadamente da “HISTÓRIA CLÍNICA (RESUMO FINAL OBRIGATÓRIO), assinado por médico com o nº mecanográfico 8380, de que se junta cópia para maior facilidade de consulta, onde se escreveu «4» - Sinais objectivos principais: cateter epidural na consulta da dor no dia 16/10/2008 com 3 mg morfina para perfundir em 48 h, que terá perfundido mais rapidamente (em cerca de 24 h) – doc. 3.

Deverá, assim, com base na referida informação clínica, ser esclarecida/complementada/rectificada a resposta aos quesitos 3 e 4.

Esclarecendo-se ainda quanto a esses pontos a razão de, atento o concreto estado de saúde do A. em 16/10/2008, quando do início da consulta da dor, se ter prescrito cateter epidural na consulta da dor no dia 16/10/2008 com 3 mg morfina para perfundir em 48 h e não outra dosagem ou velocidade de administração.

E por que razão não se prescreveu nessa consulta, atento o concreto estado de saúde da dor e não comparativamente o que apresentava em 2017 – em que o seu estado poderia permitir outra velocidade de perfusão – fosse a morfina perfundida em 24 horas.
O facto de em 2007 ter sido perfundido com dose superior à de 16/10/2008 não significa que, nesta data, fosse adequado administrar morfina para ser perfundida em 24 horas.

Termos em que, com o douto suprimento, se requer a prestação de esclarecimentos pelo Senhor perito.”:

17. Em 05.03.2018, o Tribunal proferiu o despacho recorrido do seguinte teor:

“Requerimento de fls 668 do processo físico:
Indeferido, porquanto não se vislumbra a utilidade/relevância para a boa decisão da causa da diligência ora requerida; atendendo a toda a prova pericial já realizada e aos esclarecimentos prestados, bem como à delimitação do objecto da perícia oportunamente fixado pelo Tribunal.”
*
III - Enquadramento jurídico.

Invoca o Autor, ora Recorrente, que o despacho recorrido viola o caso julgado formal dos despachos judiciais datados 07.09.2017, 20.09.2017, 03.11.2017 e de 20.12.2017, que não foram objecto de recurso ou de arguição de nulidade, tendo-se formado sobre o seu teor caso julgado formal, concluindo que o despacho recorrido viola o artigo 620º, nº ,1 do Código de Processo Civil de 2013, ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002.

É certo que esses despachos fizeram caso julgado formal quanto ao neles determinado.

Mas já não se pode afirmar, como pretende o Recorrente, que o despacho recorrido viole tais casos julgados formais.

O despacho recorrido não contradiz qualquer determinação judicial ordenada nos antecedentes despachos, limita-se a considerar inútil e sem relevância jurídica o requerido a 30.01.2018 e o requerido a 14.02.2018, que têm por objecto diligências diferentes das ordenadas nos antecedentes despachos.

O Autor tentou por todos os meios conseguir saber, a partir da prova pericial, se o local do corpo onde foi extraído sangue para realizar as análises ao seu sangue foi desinfectado com álcool a 70%, mas tal não se mostrou possível pela via da prova pericial.

Assim, é de todo inútil perguntar isso ao Serviço de Patologia Clínica que nada sabe sobre o objecto da peritagem e que também não a realizou, pelo que nada pode acrescentar ao já dito anteriormente pelo INMLCF, I.P., pelo que o indeferimento não só não foi ilegal como se impunha como forma de obstar à prática de um acto inútil e, como tal, vedado por lei – artigo 130º do Código de Processo Civil.

Deferir tal diligência só iria atrasar muito mais o processo, sem sucesso à vista.

Assim, bem andou o Tribunal a quo quando indeferiu o requerido com fundamento na inutilidade e irrelevância para a boa decisão da causa das diligências requeridas.

Não merece, pois, provimento o presente recurso jurisdicional, com o fundamento da violação do caso julgado formal previsto no artigo 620º, nº 1, do Código de Processo Civil (de 2013), ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002).

Também não omitiu a 1ª Instância a prática de actos relevantes para a boa decisão da causa, com violação do disposto no artigo 411º do Código de Processo Civil, pelas mesmas razões.

Impõe-se, pois, manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

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Porto, 30.04.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco