Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02264/14.3BEBRG-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADOS
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:A penhora é um ato lesivo dos direitos do executado é impugnável estando sujeita a notificação, nos termos do n.º3 do art.º 268.º e n.º 1 do art.º 20.º ambos da Constituição da República Portuguesa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:T..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, Ministério das Finança, na pessoa da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a execução de julgados instaurados por T..., S.A e condenou a executada (AT) no pagamento à autora da quantia peticionada no montante de € 22 580,33.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as conclusões que se reproduzem:
“(…)I - A sentença que, no presente processo, se pretende executar, determinou, apenas, a invalidade dos actos subsequentes à penhora (nunca da própria penhora).
II - Pois apenas faltou a notificação do executado fiscal (inibindo o seu direito de defesa), não havendo qualquer vício que afectasse a validade da própria penhora (pelo menos nunca foi assim argumentado, nem assim decidido).
III - A execução de julgados, ao arrepio da decisão que a antecede, decidiu de forma diferente, determinando a nulidade da própria penhora, mas sem sequer indicar qual o vício que contende com a sua validade.
IV - Mais, a execução de julgados, em violação clara e inconstitucional do princípio do contraditório, imputa à contestação leituras que não estão consentidas (afirmou-se, ali, exactamente o seu contrário), voltando a evocar uma nulidade da penhora’ que nunca foi assumida anteriormente.
V - E partindo desse errado pressuposto, decidiu o tribunal que é devida a devolução do valor penhorado.
VI - A falta de notificação é, apenas, uma questão de eficácia do acto, nunca de validade.
VII - Pelo que nem sequer é necessária quando o administrado manifesta total conhecimento do acto, pois a notificação não é um fim, mas um meio de levar ao conhecimento determinado acto ao seu destinatário (evidentemente inútil quando este manifesta, de forma expressa, todo o conhecimento necessário)
VIII - Ainda que, numa leitura bastante formalista, se entenda ser devida a notificação nesses casos, ela pode ser feita a todo o tempo, desde que ainda útil (ou seja, dentro do prazo de prescrição, no caso presente, que ainda não foi ultrapassado).
IX - Logo, nunca poderia o tribunal, no presente processo, determinar mais do que a emissão da notificação (e já numa leitura muito formal, considerando que o acto já é, obviamente, conhecido pelo seu destinatário).
Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a sentença, ora recorrida, ser revogada, devendo ser julgado improcedente o pedido de devolução do valor penhorado, assim se fazendo a costumada justiça. . (…)”

A Recorrida contra-alegou não tendo formulado conclusões pugnou pela manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no qual considerou que a sentença deveria ser mantida e negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, uma vez que nada a tal obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (cf. art.º 635.º, n.º 4, do CPC), as questões que importam conhecer são as de saber se (i) se recurso pode ser atribuído efeito devolutivo e (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento direito e de facto ao ter condenado a Recorrente ao pagamento à Recorrida da quantia de € 22 580,33, uma vez que não foi decidida a ilegalidade do ato de penhora.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)A) No dia 16/07/2015 foi proferida sentença, nos autos principais de Reclamação de actos do órgão de execução fiscal [2348201401016709 e aps.] que seguiram termos neste Tribunal sob o n.º 2264/14BEBRG, com o seguinte segmento decisório:
“Pelo exposto, julgo procedente a presente reclamação, declarando nulo o acto de aplicação do crédito penhorado, no montante de € 22.580,33, no pagamento da dívida exequenda em cobrança no PEF identificado na al. A. dos factos provados.”;
B) Do probatório da sentença mencionada em A., consta nas als. a) e b) que:
A) Contra a ora Reclamante foi instaurado e corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo o processo de execução fiscal nº 2348201401016709 e apensos;
B) Em 29.04.2014, no âmbito da referida execução, foi efectuada via SIPE – Sistema Informático de Penhoras Electrónicas, com o nº 234820140000055367, o pedido de penhora de créditos à empresa TRANSPORTES…, LD.ª,, NIF- 5…– cfr. doc. de fls. 178;
C) No dia 23/07/2015, a AT foi notificada da sentença mencionada em A.;
D) Da sentença mencionada em A. não foi interposto recurso;
E) A sentença mencionada em A. transitou em julgado no dia 02/08/2015, cf. arts. 278.º, n.º 6 e 280.º do CPPT;
F) No dia 26/06/2015 a aqui autora requereu ao SF competente a devolução da quantia de € 22.580,33 (vinte e dois mil quinhentos e oitenta euros e trinta e três cêntimos) por considerar indevidamente penhorada; [doc. n.º 4 junto com a PI];
G) Até à data da apresentação da presente acção de execução de julgados, nenhum montante do peticionado foi devolvido à autora pela AT. (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A primeira questão que importa conhecer é saber se ao presente recurso deve ser fixado efeito meramente devolutivo.
A Recorrida em requerimento autónomo, requereu que fosse atribuído ao presente recurso efeito meramente devolutivo e não suspensivo, uma vez que se encontrava em situação económica de insuficiência o que poderá, no seu entender, gerar a declaração de insolvência.
O n.º 3 do art.º 143.º do CPTA preceitua que “Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumadas ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos e ou privados, por ela prosseguidos, o recorrente, no requerimento de interposição de recurso pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.” (destacado nosso).
Pese embora os argumentos da Recorrida sejam de modo a criar a convicção que face à situação económica de insuficiência poderá originar uma situação de facto consumada de produção de prejuízos de difícil reparação, o n.º 3 do art.º 143.º do CPTA prevê expressamente que é a recorrente e não a recorrida, que pode solicitar a alteração do efeito do recurso.
A alteração do efeito do recurso permite a execução “provisória” da sentença o que no caso em apreço não faz sentido, uma vez que a Recorrente não se conforma com o decidido e a lhe ser dado razão é um ato inútil, o que é reforçado pelo caracter urgente que foi atribuído os presentes autos.
Pelo exposto, e nos termos do n.º 1 do art.º 143.º do CPTA tendo o recurso sido interposto pela Autoridade Tributária, tem efeito suspensivo pelo que se indefere a pretensão da Recorrida.


4.2. A questão principal dos autos é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento direito e de facto ao ter condenado a Recorrente ao pagamento à Recorrida da quantia de € 22 580,33, uma vez que não foi decidida a ilegalidade do ato de penhora.
Vejamos:
Consta da sentença de reclamação de atos do órgão de decisão proferida pelo TAF em 16.07.2015 que “Aqui chegados é possível concluir, por um lado, que não é necessária a prévia emissão de um mandado de penhora, podendo e devendo o funcionário proceder à penhora logo que constate ter terminado o prazo posterior à citação sem ter sido efectuado o pagamento e, por outro, que a penhora, como acto lesivo dos direitos do executado e contenciosamente impugnável está sujeito a notificação.

Tal notificação impõe-se também no caso da penhora de créditos, em que a notificação do devedor (através da qual se efectiva a penhora) não invalida a obrigação de notificar a realização da penhora ao executado (neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Ob. Cit., vol. III, p. 621). Ora, in casu, como decorre do probatório, foi efectuada a aplicação do crédito penhorado no pagamento da dívida exequenda, sem que, previamente, a executada, ora Reclamante, fosse notificada da realização da penhora.

Nos termos do artigo 195º, nº 1 do CPC, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (…)”
E no segmento decisório decidiu que “Julgo procedente a reclamação, declarando nulo o ato de aplicação de crédito penhorado, no montante de € 22 580,33, no pagamento da dívida exequenda em cobrança no PEF identificado na Al.A. dos factos provados”
A sentença de execução de julgados decidiu que “(…) Como refere a Digna Magistrada do MP, junto deste Tribunal, que tendo sido, por decisão judicial que ora se executa, declarado nulo o acto de penhora, impunha-se que a demandada repusesse a situação existente antes da existência do acto nulo, o que não pode deixar de significar restituir à então executada o crédito que detinha livre do ónus da penhora.

O que a requerida fez, incumprindo a decisão judicial foi manter cativo o referido crédito sem deter sobre ter qualquer título válido, já que a penhora foi declarada nula.

A requerida AT tem mecanismos legais para garantir o eventuais créditos que detenha sobre a exequente como por ex. a compensação, não podendo eximir-se a, sem qualquer base legal, não cumprir uma sentença, consubstanciando o seu comportamento um atentado do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.

Por concordarmos com a douta posição vinda de transpor e por nos parecerem desnecessárias outras considerações, a presente execução deverá ser julgada procedente, por provada, com a consequente devolução da quantia peticionada.(…)
E no segmento decisório decidiu que .”Julgo procedente, por provada, a presente execução de julgados, e consequentemente condeno a executada no pagamento à autora da quantia peticionada no montante de € € 22 580,33,(…).
E desde já se diga que a Recorrente tem razão, na medida em que o entendimento tido na sentença recorrida incorre em erro de julgamento, nos pressupostos de facto, ao decidir com base na nulidade do ato de penhora.
Como refere a Recorrente, e alegou na contestação, a sentença da Reclamação dos atos do órgão de execução fiscal, nunca imputou qualquer vício que contendesse com a validade da penhora, limitou-se a apontar que tal ato não foi notificado a executada, e assim não lhe tendo sido consentido o direito de defesa.
A sentença decidiu anular o ato de aplicação de crédito penhorado, no montante de € 22 580,33, no pagamento da dívida exequenda em cobrança no PEF identificado na Al.A. dos factos provados.
A pretensão da recorrida de devolução da € 22 580,33, não é viável, na medida em que a ato de penhora não foi anulado.
Analisada a petição da execução de julgados, a Recorrida pugna pela reconstituição da situação que existiria se o ato de aplicação de crédito penhorado não tivesse sido praticado, o que no seu entender passava pela devolução da quantia penhorada.
Mas não tem razão a Recorrida, uma vez que a execução de sentença passa pela anulação do(s) ato(s) de aplicação de crédito penhorado e pela notificação do ato de penhora à executada, para esta por exercer os seu direitos de defesa.
E não se diga como refere a Recorrente, que a notificação deixa de ser necessária quando o seu putativo destinatário demonstra já conhecer todo o seu conteúdo.
Como é sabido a penhora é um ato lesivo dos direitos do executado e impugnável estando sujeita a notificação.
E como refere JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT, Anotado e Comentado, vol. IV, 6.ª ed., pag 270 “(…) Esta regra de obrigatoriedade de notificação de todos os actos que afectem as partes num processo é corolário do princípio da boa-fé e da cooperação que deve ser observado nas relações entre todos os intervenientes processuais na generalidade dos processos (arts. 226º e 226º-A do CPC), que impõe, seguramente, que as partes tenham conhecimento de todos os actos que as possam prejudicar e em que possam exercer direitos a fim de poderem providenciar para defesa dos seus interesses, em sintonia com a imposição constitucional de notificação dos actos administrativos, que se estabelece no nº 3 do artigo 268º da CRP que, pelas mesmas razões, será aplicável a actos praticados em processos judiciais, em que vigora um princípio geral de proibição da indefesa (art. 20º, nº 1 da CRP)”.
Sendo efectuada a notificação do ato da penhora dos créditos, a Recorrida pode, ou não, exercer os seus direitos de defesa, plasmados entre outros, no art.º 278º n.º3 do CPPT, nomeadamente sobre a :a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida.
Destarte, a penhora é um ato lesivo dos direitos do executado é impugnável estando sujeita a notificação, nos termos do n.3 do art.º 268.º e n.º1 do art.º 20.º ambos da Constituição da República Portuguesa.
Nesta conformidade, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, na medida em que a pretensão da Recorrente deveria ter sido considerada improcedente.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões:
A penhora é um ato lesivo dos direitos do executado é impugnável estando sujeita a notificação, nos termos do n.º3 do art.º 268.º e n.º 1 do art.º 20.º ambos da Constituição da República Portuguesa.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a decisão judicial recorrida e julgar improcedente a execução de julgados.
Custas pela Recorrida, sem prejuízo da isenção prevista no artigo 4.º alínea u) do Regulamento de Custas Processuais, uma vez que se encontra sujeita a processo Especial de Revitalização.
Porto, 26 de abril de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Travassos Bento