Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01165/23.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE DELIBERAÇÃO DE CÂMARA MUNICIPAL;
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMODATO;
IMPROCEDÊNCIA DA PROVIDÊNCIA POR NÃO VERIFICAÇÃO DOS RESPECTIVOS PRESSUPOSTOS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
[SCom01...], Associação, portadora do NIPC n.º ..., com sede na Rua ..., ... ... – ..., e [SCom02...], UNIPESSOAL, LDA, pessoa colectiva portadora do NIPC n.º ..., com sede na referida Rua ..., ... ... – ..., instauraram processo cautelar contra o Município ....
Pediram a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal ... datada de 09.05.2023 no sentido da resolução sancionatória do contrato de comodato celebrado com o [SCom01...] em 19.05.2005, com os fundamentos elencados no relatório de vistoria e nos termos consignados nas alíneas a) e c) da cláusula terceira do contrato, bem como da tomada imediata de posse administrativa do Campo de Tiro de ..., tendo sido designado, para o efeito, o dia 16.05.2023.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvido do pedido o Requerido.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, os Requerentes formularam as seguintes conclusões:

1. Para aferir da existência do fumus boni iuris, requisito que considerou não preenchido e levou ao indeferimento da providência cautelar requerida, o Tribunal a quo analisou os vícios apontados pelos Requerentes/Recorrentes à deliberação suspendenda:
i) a violação do direito de audiência prévia;
ii) a inexistência de processo, a falta de cooperação procedimental, a violação do princípio da boa-fé, a falta de notificação do início do procedimento;
iii) o erro nos pressupostos de facto que determinaram a resolução do contrato de comodato.

2. Na sentença recorrida foi reproduzido no probatório o relatório de vistoria e, apesar de todo o seu conteúdo ter sido impugnado pelos Requerentes, que ponto por ponto, contraditaram o que nele constava, aduzindo factos demonstrativos da realidade bem diferente da que nele consta, ou contextualizando-os, retirando-lhes a carga “negativa” aparente, o Tribunal a quo, limitou-se a dar como provados apenas os factos relativamente aos quais havia acordo, considerando irrelevantes todos os demais alegados pelos Requerentes que contrariavam o relatório de vistoria ou os contextualizavam.

3. O Tribunal a quo errou esse julgamento porquanto os demais factos alegados pelos Requerentes/Recorrentes, e controvertidos (porque estão em oposição com os que constam do Relatório de Vistoria) são manifestamente relevantes para a decisão a proferir e conduzem indiscutivelmente para decisão oposta à que foi adotada na sentença recorrida.

4. E mesmo relativamente aos factos em que há acordo, e que assim foram levados ao probatório, foram alegados outros pelos Requerentes/Recorrentes que os contextualizam e permitem concluir de forma diferente do Tribunal a quo.

5. O Tribunal a quo não fundamentou porque é que tais factos, que não são conclusivos, nem direito, não são relevantes para a decisão, limitando-se a afirmar que “não se provaram indiciariamente quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.”

6. Ficando os Requerentes/Recorrentes sem saber porque é que o Tribunal a quo assim entendeu.

7. Designadamente se entendeu que os factos eram relevantes, mas não estavam provados indiciariamente,

8. Ou se, os demais factos alegados pelos Requerentes/Recorrentes eram simplesmente irrelevantes.

9. É certo que no âmbito dos processos cautelares, o dever de fundamentação das decisões judiciais tem de adequar-se às caraterísticas de celeridade e perfunctoriedade.

10. Contudo, tal celeridade e perfuntoriedade não pode significar omissão ou insuficiência da fundamentação, que não permite a apreensão dos motivos pelos quais o Tribunal entendeu tal factualidade irrelevante.

11. Nem tal celeridade e perfuntoriedade justifica que o Tribunal tenha de decidir apenas com a matéria relativamente à que há acordo entre as partes, como aconteceu, desobrigando-o de produzir a prova indicada pelos Requerentes relativamente à matéria controvertida.

12. Os Requerentes aduziram factualidade respeitante ao periculum in mora, que o Tribunal a quo também julgou, erradamente, irrelevante.

13. O Tribunal a quo deveria ter efetuado o julgamento, realizando os atos instrutórios requeridos (inquirição de testemunhas) relativamente aos factos alegados pelos Requerentes/Recorrentes, e ponderando os documentos juntos, factos que ficaram reproduzidos no ponto I das Alegações de recurso, para onde se remete.

14. O Tribunal a quo, para além de não ter fundamentado o julgamento da matéria de facto não provada, errou o julgamento ao não ter considerado como relevantes e/ou provados os factos referidos no ponto I das alegações de Recurso.

15. Entendeu o Tribunal a quo que no caso está a resolução unilateral do contrato de comodato celebrado entre o 1.º Requerente/Recorrente e o Município Requerido, e que assim não eram aplicáveis as regras do artigo 121.º do CPA, uma vez que «a resolução do contrato de comodato por parte da entidade requerida consubstancia uma mera declaração negocial, e não um ato administrativo» e que «Para além disso resulta da cláusula terceira do contrato de comodato que o mesmo pode ser resolvido a todo o tempo e sem dependência de aviso prévio nos casos em que esteja em causa, nomeadamente, incumprimento de obrigações constantes do mesmo...».

16. O Tribunal a quo não teve em conta o facto de a deliberação suspendenda conter, como aliás reconhece a Requerida na sua Oposição (artigo 12.º) duas decisões, distintas, autónomas:
- a primeira, a de “resolver sancionatóriamente o Contrato de Comodato...”;
- a segunda, a de “tomar de imediato posse administrativa do Campo de Tiro de ..., para o que se designa desde já o próximo dia 16 do corrente mês de maio, pelas 10.00 horas...».

17. Ora, O Tribunal a quo decidiu como se o Município requerido tivesse unicamente resolvido o contrato de comodato, em deliberação de Câmara, sem a prática de qualquer outro ato preparatório dessa deliberação e estivesse em causa nesta providência cautelar tão-só a suspensão da deliberação de resolver o contrato do comodato. O que não corresponde à realidade.

18. Como resulta da matéria de facto provada (factos provados A, O, P, Q,) a deliberação impugnada culminou um procedimento que foi iniciado com “base numa alegada denúncia por parte da [SCom03...]” (facto provado O), que deu lugar a um despacho da presidência n.º 5/GR/2023 que determinou a vistoria ao Campo ... (facto provado O), na execução da qual foi efetuada uma visita ao local (facto provado P), tendo sido elaborado um relatório de vistoria (facto provado Q), que sustentou a deliberação.

19. Assim, como defendido no Requerimento Inicial (artigos 45.º a 76.º), as decisões (duas) foram adotadas num âmbito de um procedimento administrativo (artigo 1.º do CPA), que correu sem que tivesse sido dado conhecimento aos Requerentes, e sem que os Requerentes tivessem sido ouvidos antes da prolação das (duas) decisões finais.

20. Assim tendo sido violado o direito de audição prévia previsto no artigo 121.º do CPA.

21. O Tribunal a quo errou o julgamento ao entender que não havia lugar à audiência prévia.

22. É que mesmo que se entendesse que a resolução do contrato não está sujeita à audiência prévia, sempre estaria, sem margem para qualquer dúvida, a decisão de tomada imediata de posse administrativa do Campo de Tiro, que é uma decisão diferente e autónoma daquela, e está para além do contrato do comodato.

23. É que a decisão de tomada de posse administrativa de imediato, sem ter sido precedida de qualquer ato administrativo anterior, prévio, (apenas contemporâneo da decisão de resolver o contrato de comodato), proferida sem que antes os Requeridos tivessem conhecimento da resolução do contrato, e sem que tivesse sido fixado, pelo Município, um prazo para a entrega voluntária do Campo ..., como seria de boa-fé, culmina um procedimento administrativo que teve início, como se referiu, com a denúncia por parte da [SCom03...], seguido do despacho da presidência n.º 5/GR/2023, e da vistoria ao Campo ... realizada em 02/02/2023 (factos provados O e P).

24. De cujo relatório os Requerentes/Recorrentes não tiveram, antes da decisão, conhecimento, o que nem sequer é contestado pelo Requerido, não tendo a decisão final sido precedida de audiência prévia de ambos os Requerentes – artigo 121.º do CPA.

25. Audiência Prévia do primeiro Requerente, uma vez que desenvolve a sua atividade no Campo de Tiro em razão do contrato de comodato;

26. Audiência Prévia do segundo Requerido, porque não sendo parte naquele contrato de comodato, tem as suas instalações no Campo de Tiro, aí exercendo a sua atividade a convite do Clube, desde 2012, com o conhecimento e autorização expressa, e sobretudo, reconhecimento por parte do Município Requerido – do então Presidente da Câmara Municipal e dos vários executivos Municipais, em especial do atual Presidente da Câmara e de todo o Executivo Municipal, como foi alegado nos artigos 14.º e 15.º do Requerimento Inicial, tendo o Tribunal a quo entendido que tal factualidade era irrelevante para a decisão, julgamento que também errou, em face da manifesta relevância da factualidade para a decisão da causa.

27. E por isso, só com muita má-fé o Município pode dizer que a tomada de posse administrativa tinha unicamente por objeto o Campo de Tiro.

28. E só com uma visão muito limitada, deficiente, da factualidade em causa, devidamente alegada, se pode dizer que estamos apenas perante uma resolução de um contrato de comodato e que tudo se resume, a meras declarações negociais.

29. O que fica demonstrado por toda a factualidade desconsiderada, ou considerada irrelevante pelo Tribunal a quo, como acima dissemos.

30. Como melhor à frente se demonstrará, estamos perante um procedimento administrativo, o qual incluiu a resolução do contrato de comodato, mas não se esgota nele, uma vez que, sem mais, foi decidida uma posse administrativa do Campo ....

31. E, ainda que tivesse valia a tese defendida pelo Tribunal a quo, relativamente à resolução do contrato, sempre haveria que ouvir, independentemente daquela, os interessados relativamente à tomada de posse administrativa,

32. A qual nem sequer se encontra fundamentada de direito, como se pode ver da deliberação impugnada, assim como do próprio auto de tomada de posse administrativa, desconhecendo os Requerentes/Recorrentes a previsão legal para a atuação do Município.

33. O Tribunal a quo errou o seu julgamento ao entender em sentido contrário, isto é que não havia lugar à audiência prévia,

34. Assim como errou o julgamento, como começamos por dizer, ao considerar a factualidade alegada pelos Requerentes respeitante à instalação e exercício da atividade do segundo Requerente/Recorrente no Campo de Tiro, ao conhecimento e autorização do Município para o efeito, de acordo com a factualidade alegada (acima transcrita) e que o Tribunal a quo julgou irrelevante (!), como referido no ponto I das Alegações, e que impunha a sua audição prévia.

35. A sentença recorrida decidiu a arguida violação do direito de audição prévia apenas considerando a primeira das decisões que compõe, a deliberação impugnada, nada tendo dito quanto à decisão da posse administrativa do Campo de Tiro.

36. A sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia uma vez que não se pronuncia sobre a violação do direto de audição prévia relativamente à decisão de tomada de posse administrativa imediata (segunda decisão tomada na deliberação suspendenda) – artigo 95.º do CPTA e artigo 615.º n.º 1 d) do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA.

37. Entendeu o Tribunal a quo que o segundo Requerente, porque não é parte no contrato de comodato (celebrado entre o primeiro Requerente e o Município Requerido), não pode “arrogar-se” a qualquer direito, em face da deliberação suspendenda, designadamente, não pode arguir a inexistência de procedimento administrativo, a falta de cooperação e a violação do princípio da boa-fé.

38. Também quanto a este ponto errou o Tribunal a quo o seu julgamento.

39. Erro que resulta do facto de o Tribunal a quo olhar para a deliberação suspendenda e apenas atender (como aconteceu com a primeira questão) à primeira decisão nela contida, de resolução do contrato de comodato.

40. Ora, como atrás se referiu a deliberação suspendenda é constituída por duas decisões, e a segunda, a tomada de posse administrativa do Campo de Tiro diz também respeito ao segundo Requerente/Recorrente (não só ao primeiro), afeta-o diretamente, causa-lhe prejuízos, encerra-lhe a atividade, e por isso tem legitimidade nesta providência (o que não foi contestado pelo Requerido, nem o Tribunal a quo o questionou).

41. É que, independentemente do contrato do comodato, o certo é que: - O segundo Requerente pelo menos desde março de 2013 está instalado no Campo de Tiro de ... (facto provado G).
- pelo menos desde novembro de 2013 que o Requerido tem conhecimento de que o segundo Requerente tem instalações no Campo de Tiro de ... (facto provado H).

42. Destes factos, que o Tribunal a quo entendeu relevantes, resulta que o Requerido ao deliberar a tomada de posse do Campo de Tiro de ..., também está a deliberar a tomada de posse das instalações do segundo Requerente, que se situam dentro do Campo de Tiro.

43. Do que estava bem ciente (até porque a existência dessas instalações está invocada no relatório da vistoria).

44. A deliberação de tomada de posse administrativa tem dois destinatários distintos, abrange não só o Campo de Tiro de ..., como as instalações do segundo Requerente, que naquele estão integradas.

45. Mas o Município ignorou o segundo Requerente, não o ouvindo previamente, nem o notificando da deliberação suspendenda, que o afeta diretamente.

46. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, ao decidir não assistir ao segundo Requerente qualquer direito procedimental, tão-só, porque não é parte no contrato de comodato.

47. Também neste ponto se mostra relevante o erro de julgamento quanto à matéria de facto considerada irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que toda a matéria alegada no requerimento inicial respeitante à instalação do segundo Requerente/Recorrente no Campo de Tiro, aos benefícios da sua atividade decorrentes, por um lado, para o prestígio do Campo de Tiro e para a singularidade que o diferencia dos demais, tornando-o mais procurado, e por outro, para o próprio Município, e ainda, respeitante a todo o conhecimento, autorização e reconhecimento pelo Município, ao longo dos tempos, da atividade desenvolvida nas instalações do Campo de Tiro pelo segundo Requerente, que lhes dá o direito de invocar a violação do principio da boa-fé, por o Município vir agora adotar um comportamento contrário ao que sempre adotou, violando a confiança criada, abruptamente, sem lhes dar antes qualquer conhecimento, e que lhes leva a invocar a falta de cooperação e da audiência prévia, assim como a inexistência de qualquer notificação, ou procedimento, e sobre tudo da boa-fé.

48. O Tribunal a quo neste ponto começa por transcrever o relatório da vistoria para depois afirmar que “embora o 1.º requerente tenha comunicado ao requerido, em 12.02.2020, a sua situação financeira em virtude da supressão da modalidade de tiro ao voo, não foi alegado – muito menos provado – que o complexo se encontra primaria e efetivamente afecto a mesmo e ao desenvolvimento da sua actividade associativa.” Continua a sentença recorrida: “De resto, no que a este ponto respeita, os requerentes nada mais alegaram, não tendo posto em causa a demais factualidade constante do relatório para sustentar a referida incompatibilidade”.

49. Mas não tem razão o Tribunal a quo, que não teve em conta toda a factualidade alegada Requerentes, conforme referimos no ponto I, designadamente, nos artigos 1.º a 44.º 104.º 105.º 108.º 109.º 110.º 111.º 112.º 113.º 114.º 115.º 116.º 117.º 118.º 119.º 120.º 121.º 124.º125.º 126.º 127.º 128.º 130.º 131.º 133.º 134.º 138.º 140.º 141.º 142.º 143.º 144.º 145.º 146.º 147.º 149.º 150.º 152.º 153.º 154.º 155.º 156.º 157.º 158.º 159.º 160.º 161.º 162.º 163.º 164.º 165.º 166.º 167.º 168.º.

50. TODA ESTA FACTUALIDADE, que no ponto I das Alegações transcrevemos, foi considerada irrelevante pelo Tribunal a quo, ao referir no julgamento da matéria de facto “Não se provaram indiciariamente quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa”, e que traduzem que o Campo de Tiro sempre foi usado para o destino o seu destino associativo, e não para qualquer outro.

51. A afirmação que o Tribunal a quo queria que os Requerentes fizessem que “o complexo se encontra primaria e efetivamente afecto a mesmo e ao desenvolvimento da sua actividade associativa” seria tão-só conclusiva, e não teria qualquer valor.

52. Os Requerentes/Recorrentes fizeram-no de um outro modo, começaram por impugnar/repudiar todo o conteúdo do Relatório da Vistoria (onde está dito o contrário), e depois, como se impunha, indicaram os factos dos quais resulta inequivocamente, que «o complexo se encontra primaria e efetivamente afecto a mesmo e ao desenvolvimento da sua actividade associativa».

53. Daí que não se compreenda em absoluto, a afirmação do Tribunal a quo de que sobre a matéria os Requerentes “nada mais alegaram, não tendo posto em causa a demais factualidade constante do relatório para sustentar a referida incompatibilidade”!!!

54. A sentença recorrida padece, assim de manifesto erro de julgamento quando diz que os Requerentes/Recorrentes não contradisseram a factualidade do relatório de Vistoria (aí sim, conclusiva).

55. Considerou o Tribunal a quo que a utilização pelos militares das instalações do Clube de Tiro para treino, de tiro (facto provado M) não tem previsão legal, por um lado porque o objeto social não consta “o desenvolvimento de actividades tendentes à valorização profissional ou tirocínio da GNR”, por outro, porque “o alvará da titularidade do Clube de Tiro foi emitido nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 6/2010, que estabelece as regras previstas para o licenciamento de complexos, carreiras e campos de tiro para a prática de tiro com armas de fogo, com exceção daqueles pertencentes às Forças Armadas e às forças e aos serviços de segurança”.

56. Ora, nenhum dos dois argumentos usados pelo Tribunal a quo para demonstrar que a utilização do Campo de Tiro é ilegal, faz qualquer sentido.

57. Isto porque no Campo ..., o que os militares da GNR fazem é o que um qualquer outro utilizador do Campo de Tiro faz, dá tiros, pratica o tiro, para aperfeiçoar a pontaria.

58. A valorização profissional e o tirocínio da GNR consubstanciam-se na prática do tiro, para o que o primeiro Requerente está vocacionado e faz parte do seu objeto social.

59. O que o primeiro Requerente faz é permitir que a GNR utilize o Campo de Tiro como qualquer outro utente,

60. Aliás como o fez como os Magistrados Judiciais, em Outubro de 2021, quando o Campo de Tiro de ... foi palco de uma formação conjunta da ASJP – Associação Sindical dos Juízes Portugueses – Delegação do Norte e do Departamento de Armas e Explosivos da PSP (facto alegado no artigo 190.º do requerimento inicial, julgado irrelevante pelo Tribunal a quo).

61. Ou quando, desenvolve diversas atividades em conjunto com outras entidades de interesse público, como a Universidade Lusíada do Porto – Norte e a Universidade do Minho, vocacionadas para as licenciaturas em Criminologia, que contemplam visitas de estudo às instalações do Campo de Tiro de ... e módulos de formação no âmbito da balística (facto alegado no artigo 188.º do requerimento inicial, julgado irrelevante pelo Tribunal a quo)

62. 61- Por outro lado, a utilização do Campo de Tiro pelos militares da GNR não está vedada pelo Decreto-Regulamentar n.º 6/2010, como foi entendido pelo Tribunal a quo.

63. Este Decreto-Regulamentar define as regras aplicáveis ao licenciamento de complexos, carreiras e campos e as regras nele previstas «aplicam -se a todos os complexos, carreiras e campos de tiro, com excepção dos pertencentes às Forças Armadas e às forças e aos serviços de segurança» (artigo 1.º),

64. Ora a exceção prevista na lei, «com excepção dos pertencentes às Forças Armadas e às forças e aos serviços de segurança», apenas quer significar que os complexos, carreiras e campos de tiro pertencentes às Forças Armadas e às forças e aos serviços de segurança não estão sujeitas àquelas regras.

65. E não, como entendeu o Tribunal a quo, que as Forças Armadas e as forças e serviços de segurança não podem utilizar os complexos, carreiras e campos de tiro licenciados ao abrigo daquele diploma legal, interpretação que não tem qualquer apoio na letra da lei, nem no seu espírito, pelo que a sentença recorrida padece de erro de julgamento.

66. O Tribunal a quo, depois de transcrever o Relatório da Vistoria, reconhece que os Requerentes puseram em causa toda a argumentação nele aduzida, para depois concluir que: «... mas, para além de se limitarem a sublinhar que a presença da [SCom02...] é pública e notória desde 2013 e defenderem a sua presença no Clube é benéfica para o mesmo, a verdade, é que, como refere a conclusão do relatório, poderá efetivamente ocorrer uma sobreposição de interesses. Com efeito, o facto de a [SCom02...] desenvolver uma actividade comercial que está relacionada com o objeto, de o seu único sócio ser vice-presidente do Clube e da sua secretária corporativa ser também a secretária do Clube, poderão, efectiva e conjuntamente, gerar uma situação de pouca transparência e de eventual conflito de interesses. Para este efeito, relembre-se que do contrato de comodato celebrado entre o Clube de Tiro e o requerido consta que o complexo do Campo de Tiro de ... foi constituído “com o objetivo de dinamizar uma área com fortes tradições neste concelho, desde os anos 30 (...) o objetivo prosseguido com a construção deste equipamento, fortemente ligado com a atividade turística, integra-se na estratégia de transformar a ... numa cidade de cultura e lazer”. Ora, apesar de os requerentes alegarem que a presença da [SCom02...] tem tido um papel fundamental na promoção da cidade e, como tal, no cumprimento do contrato, a verdade é que em momento algum do contrato se estatui que a promoção pode ou deve ser feita por terceiras entidades alheias ao contrato.» (sublinhados nossos)

67. O raciocínio do Tribunal a quo neste ponto está repleto de afirmações conclusivas, sem qualquer suporte na factualidade provada (indiciariamente).

68. Desde logo é conclusiva a afirmação segundo a qual a existência da [SCom02...] “poderão” gerar uma situação de pouca transparência e eventual conflito de interesses.

69. Pergunta-se: pouca transparência relativamente a quê?

70. E conflito de interesses de quem?

71. E pergunta-se, basta, para dar como não verificado o fumus boni iuris neste ponto a mera possibilidade (“poderão”) de tal vir a acontecer (o Tribunal a quo não afirma, nem isso resulta da matéria de facto provada, indiciariamente, que alguma vez tenha acontecido – a falta de transparência e conflito de interesses - e quais as “nefastas” consequências)?

72. E respondemos: entendemos que não.

73. Teria de resultar da matéria de facto provada que essa falta de transparência e esse conflito de interesses tem tradução na vida real e que não são apenas conjeturas, afirmações conclusivas, desgarradas da realidade, uma vez que tudo quanto consta do Relatório de Vistoria foi impugnado, com a apresentação de factos, que o Tribunal a quo, sem fundamentar, refugiando-se, talvez, na perfuntoriedade da prova, não entendeu relevantes.

74. Na verdade, tal como o Tribunal a quo começa por reconhecer, os Requerentes puseram em causa, impugnaram, não aceitaram o conteúdo, muito dele conclusivo, do Relatório de Vistoria e, ponto por ponto, alegaram factos (não conclusões) que demonstram que a realidade é bem diferente da que consta do relatório de vistoria, e que levam, necessariamente a conclusão diferente da sentença recorrida.

75. Sobre esta factualidade, o Tribunal a quo considerou que eram irrelevantes, pelo que também quanto a este ponto existe erro de julgamento.

76. Por último, diz o Tribunal a quo, que «a verdade é que em momento algum do contrato se estatui que a promoção pode ou deve ser feita por terceiras entidades alheias ao contrato», embora verdadeira, dela não resulta que o contrato de comodato não estava a ser cumprido pelo primeiro Requerente.

77. Dir-se-á, desde logo, que se é verdade que no contrato não consta aquela estatuição, também é verdade que nele não existe qualquer cláusula que o proíba, isto é, não existe no contrato de comodato qualquer cláusula que proíba que o 1.º Requerente promova os objetivos definidos no contrato através de terceiros.

78. De qualquer modo, em lado algum do alegado pelos Requerentes/Recorrentes, nem da matéria de facto provada, resulta que o 2.º Requerente substitui o 1.º Requerente nas obrigações que este assumiu no contrato que celebrou com o Município Requerido.

79. O que se descreve no Requerimento Inicial, é a mais-valia que resulta para a atividade associativa levada a cabo pelo 1.º Requerente/Recorrente, da atividade exercida no Campo de Tiro pelo 2.º Requerente/Recorrente, e que torna o Campo de Tiro mais atraente e o distingue dos demais, o que acaba por valorizar, ser uma mais-valia também para o Município ....

80. Também quanto a este aspeto o Tribunal a quo errou o seu julgamento.

81. O Tribunal a quo errou o julgamento ao considerar irrelevantes os factos alegados no Requerimento Inicial e transcritos no ponto I destas Alegações.

82. A sentença recorrida padece de falta de fundamentação no que respeita à fundamentação dos factos dados como não provados.

83. A sentença padece de falta de fundamentação no que respeita à fundamentação da matéria de facto quando considera irrelevantes todos os factos alegados pelos Requerentes no Requerimento Inicial, para além dos que deu como provados.

84. A sentença padece de défice instrutório ao não ter realizado as diligências de prova requeridas e pertinentes para a descoberta dos factos.

85. A sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que não está preenchido o requisito do fumus boni iuris.

TERMOS EM QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E EM CONSEQUÊNCIA:
Ø DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E DECRETADA A PROVIDÊNCIA CAUTELAR REQUERIDA;
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA:
Ø DEVE SER DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA:
o POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA UMA VEZ QUE NÃO CONHECEU DA FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA RELATIVAMENTE AO ATO ADMINISTRATIVO QUE DETERMINOU A POSSE DO CAMPO DE TIRO;
o POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.

MAS, COMO SEMPRE, FARÃO
JUSTIÇA!!!

O Requerido juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:

Termos em que, com os mais de Direito que se roga se dignem suprir, deve a douta Sentença recorrida ser confirmada, desse modo sendo feita
Justiça.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

A. Em reunião ordinária da Câmara Municipal ... de 09.05.2023 foi deliberado o seguinte: “(...) resolver sancionatoriamente o Contrato de Comodato celebrado com o [SCom01...] em 19 de maio de 2005, com os fundamentos elencados no mesmo relatório de vistoria e nos termos consignados nas als. a) e c) da Cláusula Terceira do Contrato de Comodato. (...) Tomar imediata posse administrativa do Campo de Tiro de ... (...)” - cfr. doc. ...9 junto com o r.i..


B. O 1.º requerido foi notificado da deliberação referida por email, no dia 11.05.2023 - cfr. doc. ...0 junto com o r.i..

C. O 1.º requerente é uma associação desportiva que tem por objecto a prática de tiro desportivo com armas de caça, tiro com arco tiro desportivo e tiro prático, gerir zonas de caça de interesse associativo e participar na gestão de zonas de caça de interesse nacional ou municipal, prosseguindo, neste domínio, as seguintes finalidades: desenvolver actividades recreativas e formativas dos caçadores, contribuindo para o fomento dos recursos cinegéticos e para a prática ordenada e melhoria de exercício da caça; fomentar e zelar pelo cumprimento das normas legais sobre a caça; promover ou apoiar cursos ou outras acções de formação tendentes à apresentação dos candidatos associados aos exames para a obtenção da carta de caçador; promover ou apoiar curso outras acções de formação ou reciclagem sobre gestão de zonas de caça e conservação da fauna e dos seus habitat; procurar harmonizar os interesses dos caçadores com os proprietários, agricultores, produtores florestais ou outros cidadãos interessados na conservação da fauna, preconizando as acções que para o efeito tenham por convenientes – cfr. doc. ... junto com o r.i..

D. A 2.ª requerente é uma sociedade unipessoal por quotas que tem por objecto social o comércio, fabrico, importação, exportação, reparação de uma grande variedade de produtos, nomeadamente artigos de caça, artigos de desporto, de campismo, lazer, coronhas por medida e similares, actividade de processamento de materiais e operações de tecnologia laser, fabricação de outros componentes e acessórios, concepção e fabrico de estruturas metálicas, serviços de estampagem de metais, de pelas de aço, de peças de aço inoxidável, de peças de ligas leves, serviço de brasagem de peças metálicas e/ou tratamento de superfícies em metal, ligas leve e aço, serviços de soldagem de precisão, serviços de gravação dos metais, gravação a laser dos metais, serviços de corte dos metais, a laser tridimensional, de alta precisão, serviço de perfuração dos metais e perfuração de precisão dos metais, exploração de estabelecimento de restauração e bebidas, nomeadamente bar, snack-bar, cafetaria, salão de chá, restaurante, pizzaria, churrascaria e gelataria – cfr. doc. ... junto com o r.i..

E. Em 19.05.2005, o 1.º requerente e o requerido celebraram, por escritura pública, um contrato de comodato, através do qual este entregou àquele o Campo de Tiro de ..., pelo prazo de 25 anos, contados desde a data da assinatura da escritura e todos os objectos, máquinas, mobiliário e demais equipamento, como mencionado na cláusula primeira do contrato, para o prosseguimento dos fins de interesse público que lhe estão subjacentes – cfr. doc. ... junto com o r.i..

F. Consta da cláusula terceira do supra referido contrato que “O presente contrato poderá ser resolvido, pelo Município ..., a todo o tempo e sem dependência de aviso prévio, nos seguintes casos: a) quando ocorra incumprimento de obrigações constantes deste contrato, por parte do [SCom01...] ou dos seus empregados; b) quando haja reclamações, queixas ou quaisquer actos ou factos que revelem deficiências reiteradas nos serviços prestados; c) se o Campo de Tiro de ..., for utilizado para fins diferentes dos que justificaram a sua construção.” - cfr. doc. ... junto com o r.i..

G. Pelo menos desde Março de 2013 que a [SCom02...] está instalada no Campo ..., ... junto com o r.i..

H. Pelo menos desde Novembro de 2013 que o requerido tem conhecimento de que [SCom02...] tem instalações no Campo ..., ... junto com o r.i..

I. Em 09.05.2016, o requerido deliberou proceder a obras de reestruturação do Campo de Tiro, em especial da ampliação do edifício e espaços interiores, destinando parte destes à Oficina de [SCom02...], Lda - cfr. doc. ...9 junto com o r.i..

J. Desde 09.04.2018, o [SCom01...] é titular de alvará para instalação e gestão de carreira de tiro exterior para tiro de precisão - cfr. docs. ...0 e ...1 juntos com o r.i..

K. Por requerimento datado de 12.02.2020, o 1.º requerente comunicou ao requerido a sua situação financeira em virtude da supressão da modalidade de tiro ao voo - cfr. doc. ...8 junto com o r.i..

L. «AA» é sócio da [SCom02...] e vice-Presidente do Clube de Tiro - acordo.

M. Os militares da GNR utilizam as instalações do Clube de Tiro para treino no exercício das suas funções - acordo.

N. A secretaria corrente do Clube de Tiro é assegurada pela [SCom02...] - acordo.

O. Em 09.01.2023, tendo por base uma alegada denúncia por parte da [SCom03...], o requerido, por despacho da presidência n.º 5/GR/2023 determinou uma vistoria ao Campo ... - acordo.

P. Foi realizada uma visita ao local em 02.02.2023 - acordo.

Q. Na sequência da visita que antecede foi apresentado um relatório de vistoria, onde se lê, além do mais, o seguinte: “(...) “Incompatibilidade do objeto do protocolo com a realidade encontrada (...) toda a publicidade existente a competições data 2018; (...) Pastas e documentos existentes na secretaria – com características de abandono – já se encontram obsoletas, não existindo qualquer registo do ano de 2022. Após solicitações do número de sócios e a composição dos órgãos sociais do Clube, a secretária da Assembleia Geral utilizou o material informático da empresa [SCom02...]. (...) Por outro lado, é visível cisão do edifício em duas vertentes: - Clube de Tiro, onde se vislumbra uma verdadeira falta de manutenção do espaço – nenhuma casa de banho, por exemplo, está em perfeito estado -, secretaria com clara falta de utilização, arrecadações sem organização; - [SCom02...], dotada de todos os componentes essenciais, espécie de esplanada à porta (entrada inferior), ampla receção (entrada superior), sala de espera, mini-bar, entre outros. Destarte, vislumbra-se a secundarização do objetivo inerente ao Clube, em detrimento do desenvolvimento da [SCom02...], no tocante à utilização do edifício – cedido pelo Município, de forma gratuita, ao clube. (...) existe uma sala de tiro de precisão instalada no antigo restaurante. Pela disposição da mesma, não parece que a mesma reúna todos os requisitos de segurança necessários para a sua utilização. (...) Análise patrimonial Estado geral do património Visitadas as instalações, verificou-se o seguinte: Aparência geral dos compartimentos que compõem o edifício principal demostra estar sem manutenção e bens em geral sem utilização; (...) Compartimento destinado à sala do Restaurante está totalmente inativo, e as mesas e cadeiras existentes estão sem manutenção / pouco cuidadas. A cozinha encontra-se aparentemente sem utilização, não obstante existirem alguns bens alimentares. Pelos bens utilizados, poder-se-á afirmar que será utilizada como refeitório, provavelmente dos funcionários de [SCom02...]. (...) Existência de uma empresa denominada “[SCom02...]” a laborar dentro das instalações do edifício do campo de tiro. Observação de diversa maquinaria (CNC, tornos mecânicos, etc), e cerca de 11 pessoas a desenvolver tarefas. (...) O corredor onde estavam expostos os troféus do Clube transformado em repositório / expositor de material (madeira) para confeção de coronhas para armas. A empresa não efetua nenhum pagamento pela utilização das instalações, mas assegura a manutenção dos custos associados às instalações;(...) Na receção/ secretaria do campo de tiro, não se vislumbram indícios de atividade administrativa (sem computador, sem telefone, sem multibanco, etc). Num dos compartimentos do edifício, encontram-se bens "amontoados" sem utilização ou colocados em caixas (medalhas e outros troféus); Existência de depósitos de bens inutilizados, fora do edifício, alguns não identificáveis (partes de aparelhos eletrónicos) Fim / objetivo da utilização De uma forma geral, não se encontram indícios de uma atividade regular no funcionamento do Clube. Os compartimentos e bens em geral apresentam um estado de "abandono". (...) o clube de tiro perdeu cerca de 200 sócios, alegadamente devido ao aumento de quotas. Atualmente conta com 94-96 sócios. Edifício principal (...) constata-se que ocorreram alterações no edifício, nomeadamente na construção e eliminação de várias paredes, tanto no primeiro como no ... piso. (...) no geral o edifício principal apresenta-se num estado razoável de conservação. Nas áreas ocupadas pela empresa [SCom02...], verifica-se um maior cuidado no estado de conservação e apresentação, nomeadamente onde supostamente seria a zona social do Clube que se confunde com a receção da empresa. (...) O campo n.º 1 e 6 apresentam-se desativados. Os campos n.ºs 2,3,4, e 5 estão ativos, sendo que se verifica a falta de equipamentos instalados tanto de tiro aos pratos como de tiro às hélices. (...) vislumbra-se a falta de vegetação anteriormente existente (...) verificou-se ainda que nos espaços exteriores, arrecadações, zonas técnicas e pombais se encontram, na sua maioria, ocupados pela empresa [SCom02...] (...) os restantes espaços estão ocupados com equipamentos e mobiliário do campo de tiro, onde se verifica falta de zelo (...) Conclusões Com a vistoria ao local e o trabalho desenvolvido, preliminarmente e posteriormente, é facto que o atual Campo de Tiro não é utilizado de forma exclusiva e permanente pelo [SCom01...], como ficou estipulado e fundamentou a celebração do contrato de comodato do equipamento por parte do Município. Tendo em consideração o objetivo do Clube, o número de sócios é escasso. De um universo de 200 associados e praticantes federados, hoje contamos com cerca de 94 a 96 atletas - sem conhecimento se existe situação contributiva regularizada - apontando como motivo a alteração de valor de quotização anual - de 90,00 € para 240,00 €. Não se realiza, no Campo de Tiro, desde 2018, qualquer competição desportiva. Por outro lado, a última convocatória para a Assembleia Geral Ordinária foi marcada para o dia 21 de dezembro de 2021. Relativamente ao edifício e zona evolvente, é notória a monopolização por parte da empresa [SCom02...]. Todas as áreas de arrecadação em zonas exteriores ao edifício encontram-se apetrechadas de materiais de apoio à construção de cronhas, bem como da matéria-prima utilizada, madeira. No interior do edifício vislumbra-se duas realidades, a zona afeta ao Clube completamente abandonada e sem manutenção, e a zona que alberga a empresa, completamente ornamentada para um atendimento de excelência aos seus clientes. Nesta medida, ocorre uma clara sobreposição de interesses no desenvolvimento da atividade do Clube e a permanência da empresa no Campo de Tiro. Ora, o Vice-presidente do Clube, «AA» é sócio unitário da [SCom02...] e a secretária da Assembleia Geral, «BB», é secretária da [SCom02...]. Destarte, poderá não existir transparência e equidade nas deliberações do Clube e os interesses prosseguidos pela [SCom02...]. Por outro lado, é um facto que os fins de natureza desportiva, vocacionada para a prática do tiro, que fundamentaram a criação do Clube, bem como o contrato de comodato e os protocolos existentes, não se vislumbram nos dias de hoje. É perfeitamente visível o desgaste dos equipamentos existentes, bem como a quase inexistente utilização dos mesmos. Em suma, existe uma clara utilização do Campo de Tiro para fins diversos dos que justificaram a sua entrega ao [SCom01...], suscetível de justificar, e fundamentar, a resolução do contrato de comodato, nos termos da al. c) da Cláusula Terceira do título contratual. Acresce que são visíveis algumas alterações executadas nas instalações cedidas, sem prévia autorização do Município, o que consubstancia, também, fundamento para a resolução do contrato, por força do consignado na alínea a) da referida Cláusula Terceira”.” – cfr. doc. ...8 junto com o r.i..

R. Em 15.05.2023, a Direcção do Clube de Tiro enviou um e-mail ao requerido, imputando-lhe a falta de envio de cópia do relatório referido no ponto anterior, a preterição de audição prévia e a falta de fundamentação da deliberação suspendenda – cfr. doc. ...0 junto com o r.i..

S. Em resposta à solicitação que antecede, o requerido, através de e-mail de 15.05.2023, remeteu cópia do relatório de vistoria, informou o Clube de Tiro que a cláusula terceira do contrato dispensava a audiência prévia, que a deliberação tomada se enquadrava numa relação contratual e não num procedimento administrativo e do adiamento da posse administrativa de 16.05.2023 para 23.05.2023 – cfr. doc. ...1 junto com o r.i..

T. No dia 23.05.2023, o requerido tomou posse do complexo que lhe havia comodatado - cfr. doc. 27 do r.i..

U. Em 31.05.2023, o requerido remeteu ao 1.º requerente email dando-lhe conta da tomada de posse - cfr. doc. 27 do r.i..

V. Consta do relatório da direcção do Clube de Tiro que, para o ano de 2023, o Clube de Tiro tem agendadas provas de tiro nas modalidades de Compak Sporting, Fosso Universal, Hélices e Tiro à bala FITASC – cfr. doc. ...4 junto com o r.i.

W. O 1.º Requerente recebe da [SCom03...] a quantia anual de € 2.500,00 para comparticipação nas despesas de manutenção e limpeza do espaço – cfr. doc. ...2 junto com o r.i.

X. Em Março de 2023, a [SCom02...] empregava 12 funcionários – cfr. doc. ...0 junto com o r.i..

Y. A [SCom02...] recebeu madeira importada da Turquia que se encontra no Campo de Tiro num valor comercial de €100.000,00 – cfr. fls. 386 do SITAF.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou:
Não se provaram indiciariamente quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
E, em sede de motivação da factualidade assente consignou:
A decisão da matéria de facto assentou no acordo das partes e nos documentos constantes dos autos, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
De Direito -

É objecto de recurso a sentença que julgou improcedente a tutela cautelar solicitada.
Cremos que se decidiu com acerto.
Cumpre, pois, verificar se, no caso em apreço, se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a concessão da providência requerida.
Nos presentes autos vem requerida a suspensão de eficácia do ato praticado pelo Requerido.
Este pedido é típico da denominada tutela cautelar, o qual encontra consagração expressa nos artigos 112.º e ss. do CPTA.
Como características essenciais da tutela cautelar, ressaltam a instrumentalidade, provisoriedade e a sumariedade em relação ao processo principal.
Da instrumentalidade refletida no n.º 1, do artigo 112.º do CPTA, decorre que o processo cautelar destina-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, ou, como refere Antunes Varela, a “combater o “periculum in mora”, o prejuízo da demora inevitável do processo principal, a fim de que a sentença não se torne puramente platónica” (cfr. Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 23).
Por sua vez, da provisoriedade resulta que o processo cautelar apenas subsiste durante a pendência do processo principal, o que significa que a providência cautelar não pode consubstanciar uma antecipação dos efeitos da decisão a proferir no processo principal.
Finalmente, a sumariedade implica que o juízo a formular em sede cautelar acerca do periculum in mora, bem como da possibilidade de o requerente vir a ter êxito no processo principal (“fumus boni iuris” ou “fumus non malus iuris”), não é um juízo de certeza, mas tão só um juízo de probabilidade ou verosimilhança, variável de acordo com as circunstâncias concretas.
Em suma, é feita uma análise perfunctória, o tribunal limita-se a uma summario cognitio, isto é, a um juízo de mera previsibilidade, razoabilidade ou verosimilhança dos factos carreados para os autos, da aparência de um direito ou da provável ilegalidade da atuação administrativa (fumus boni iuris) e a apreciação da utilidade ou infrutuosidade atende a um critério de “fundado receio”, ou seja, à elevada probabilidade da difícil reparação e gravidade dos danos (periculum in mora).
Posto isto, vejamos.
O artigo 120.º do CPTA, fornece-nos os critérios que presidem à concessão de providências cautelares, estatuindo o seu n.º 1 que: «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente».
Nos termos do dispositivo referido, para que a providência requerida seja decretada é necessário que se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos de caráter positivo:
- Periculum in mora, isto é, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal; e o
- Fumus boni iuris, isto é, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
No entanto, o n.º 2 do citado artigo, vem acrescentar mais um critério de decisão – de caráter essencialmente negativo – ao prescrever que a concessão da providência será, no entanto, recusada quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Como escreve Mário Aroso de Almeida, embora se referindo ao regime anterior mas com aplicação no regime atual, a “justa comparação dos interesses em jogo passa, pelo contrário, a exigir que o tribunal proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público (e para interesses privados contrapostos), com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer para o requerente. (…) o artigo 120.º, n.º 2, introduz um inovador critério de ponderação, num mesmo patamar, dos diversos interesses públicos e privados, que, no caso concreto, se perfilem, sejam eles do requerente, da entidade demandada ou de eventuais contra-interessados, determinando que a providência ou as providências sejam recusadas quando essa ponderação permita concluir que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”, in “O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos”, pp. 292 e 293, 3.ª Edição Revista e Atualizada, 2004.
O periculum in mora” traduz-se no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
São duas situações distintas as previstas naquela parte do normativo legal citado:
- a situação de facto consumado;
- a produção de prejuízos de difícil reparação.
Como salientam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in “Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2010, pp. 805/807, “(…) o CPTA veio acrescentar (…) em termos alternativos, a referência ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado. A utilização pela lei de uma nova expressão faz com que, para além das situações em que já anteriormente era de admitir a existência de periculum in mora, fundado no risco da produção de prejuízos de difícil reparação, as providências cautelares possam ser também concedidas quando exista o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado”. (…) deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. (…)”.
A providência cautelar será de conceder sempre que “…os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”, (Mário Aroso de Almeida in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, p. 260), e que “…os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente – de onde resulta que também nesta segunda hipótese, em que se trata de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”, o critério não pode ser o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas deve ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse sido praticada”, (obra cit., p. 261).
Importa ter presente que nem todo o receio é digno de tutela, posto que um receio meramente eventual ou hipotético não é um “fundado receio”.
Relativamente ao fundado receio, o Acórdão de 17.06.2004, do Tribunal Central Administrativo Sul, no proc. 00166/04, refere que “o fundado receio há de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar compreensível ou justificada a cautela que é solicitada, não bastando ao tribunal, para a formulação do tal juízo de prognose, a mera alegação vaga e abstrata dos prejuízos, devendo os autos conter razões, isto é factos, que fundamentem o pedido, para que se possa concluir pelo deferimento da pretensão” e o Acórdão de 22.01.2009 do Supremo Tribunal Administrativo, decide: “O Requerente está obrigado a alegar detalhadamente os factos integradores dos critérios que conduzem ao decretamento da providência cautelar…alegasse e provasse que se encontravam preenchidos os requisitos indicados na al. b) do citado normativo, isto é, que alegasse e demonstrasse por que razão o indeferimento da providência iria contribuir para a constituição de uma situação impeditiva da reintegração da sua esfera jurídica e da reparação dos prejuízos que lhe foram causados (…) ou seja, importava alegar factos suficientemente caracterizadores do periculum in mora por este, nas presentes circunstancias, ser essencial à satisfação da sua pretensão.”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume III, Almedina, 4ª edição, p. 108, “o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões.”.
O preenchimento do fumus boni iuris constitui “ (…) uma machadada final no dogma da presunção de legalidade da actividade administrativa. Deste modo, é afastada a presunção de que a execução de quaisquer actos ou operações materiais pela Administração se encontra a coberto do interesse público. A principal consequência da sumariedade da tutela cautelar traduz-se numa atenuação do grau de prova necessário para justificar a decretação de uma providência. Será assim suficiente a mera justificação ou demonstração de uma verosimilhança entre os factos alegados pelo requerente e a verdade fáctica” (cfr. Roque, Miguel Prata, Novas e velhas andanças do Contencioso Administrativo, Lisboa, A. A. F. D. L., 2005, pp. 573 e ss.).
“O tribunal, antes de emitir a providência, não se certifica, com segurança, da existência do direito que o requerente se arroga: limita-se a formar um juízo de verosimilhança, a verificar a aparência do direito (fumus boni iuris)” (cfr. Reis, José Alberto dos, “A Figura do Processo Cautelar”, in Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1947, p.72).
Na situação sub judice, não se mostra verificado o requisito da aparência do bom direito.
Como sentenciado, quanto ao pressuposto do fumus boni iuris, alegam os Requerentes que: (i) Foi preterido o seu direito de audição prévia, por não terem sido notificados do relatório de vistoria realizado; (ii) Foi violado o princípio da boa fé porquanto a 2.ª requerente não foi notificada do procedimento, nos termos do n.º 1 do artigo 110.º do CPA, bem sabendo o requerido que a sociedade estava presente no complexo de tiro e que a decisão em causa a afectava diretamente; (iii) A deliberação suspendenda assenta em elementos de facto falsos e inexistentes pois as conclusões do relatório de vistoria são contraditórias com a realidade dos factos, uma vez que: (i) não há qualquer incompatibilidade do objecto do protocolo com a realidade encontrada porque o objecto principal do Clube de Tiro é “o fomento da atividade turística, decorrente desta modalidade desportiva, bem como integrar a ... na estratégia de cidade de Cultura e Lazer”, o que tem vindo a ser feito, através da espingardaria da [SCom02...]; (ii) não houve qualquer cedência à GNR, estando o tiro efectuado por elementos da GNR aprovado pela Corporação e integrando-se o mesmo no tirocínio e na valorização profissional; (iii) a análise patrimonial constante do relatório de vistoria está descontextualizada pois os compartimentos do edifício apresentam boa manutenção, a sala de estar/jantar é usada para formação de tiro e volta à sua disposição original, as obras de alteração foram efectuadas pela Câmara Municipal, a manutenção do equipamento é boa, considerando os constrangimentos financeiros referidos, a cozinha está limpa, sendo falso que serve de refeitório para a [SCom02...], tanto mais que a partilha de instalações sempre foi aceite e elogiada pelo requerido, o sistema de CCTV é obrigatório por lei, os equipamentos eletrónicos “amontoados” são do clube e usados em grandes provas, tendo os equipamentos obsoletos sido colocados num contentor adquirido para o efeito; (iv) não há falta equipamento para a prática de tiro, pois o clube tem 4 campos activos; (v) a falta de vegetação resulta de ter sido feita desmatação por prevenção de risco de incêndio, por necessidade de recolha legal de chumbo e por a própria Câmara Municipal ter mandado abater grandes árvores como eucaliptos.
Ora, quanto à invocada preterição da audiência prévia, é certo que o Código do Procedimento Administrativo (CPA) consagra a audiência dos interessados como uma fase autónoma do procedimento, impondo que os interessados sejam ouvidos, por forma escrita ou oral, antes da tomada de decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta – cfr. n.º 1 do artigo 121.º e n.º 1 do artigo 122.º do CPA -, constituindo a sua não realização, quando seja obrigatória, um vício de forma, correspondente a preterição de formalidade essencial, gerador de anulabilidade do acto, nos termos dos artigos 161.º e 163.º do CPA. Daqui não resulta, porém, que a audiência prévia seja um direito que se aplica em todas as circunstâncias, não se aplicando, designadamente nos casos em que as entidades públicas actuem através de contrato, em cuja execução são emitidas declarações negociais.
No caso dos autos, está em causa a resolução unilateral de um contrato de comodato celebrado entre o 1.º Requerente e o Requerido, não sendo aplicáveis as regras dos artigos 121.º e seguintes do CPA.
Com efeito, a resolução do contrato de comodato por parte da entidade requerida consubstancia uma mera declaração negocial, e não um acto administrativo. Para além disso, resulta da cláusula terceira do contrato de comodato que o mesmo pode ser resolvido a todo o tempo e sem dependência de aviso prévio nos casos em que esteja em causa, nomeadamente, incumprimento de obrigações constantes do mesmo, como sucedeu no caso em apreço.
Assim sendo, não se mostra provável que se conclua, na acção principal, que houve preterição de audiência prévia, pelo que, nesta parte, não está verificado o requisito da aparência de bom direito.
Relativamente à alegada falta de notificação da [SCom02...], falta de cooperação procedimental e violação do princípio da boa-fé, dispõe o n.º 1 do artigo 110.º do CPA que "o início do procedimento é notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas"; o princípio da cooperação e boa fé procedimental encontra-se consagrado no artigo 60.º do CPA, em cujo n.º 1 se estatui que "Na sua participação no procedimento, os órgãos da Administração Pública e os interessados devem cooperar entre si, com vista à fixação rigorosa dos pressupostos de decisão e à obtenção de decisões legais e justas."; o princípio da boa fé encontra ainda consagração geral no artigo 10.º do CPA, que determina que "no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.", tratando-se de um princípio que, na sua vertente da tutela da confiança, procura salvaguardar os particulares contra actuações injustificadamente imprevisíveis por parte dos poderes públicos.
Como já referido, está em causa a resolução de um contrato de comodato celebrado entre o 1.º Requerente e o Requerido, não se mostrando evidente, à luz da relação contratual estabelecida entre as partes e, particularmente, da cláusula terceira do contrato, que tal resolução ocorra no âmbito de um procedimento administrativo, motivo pelo qual se considera não ter de existir, no caso concreto, qualquer procedimento administrativo prévio, não assistindo razão aos requerentes quando invocam a absoluta falta de procedimento administrativo.
Por outro lado, o dever de boa fé procedimental e de cooperação invocados, ainda que entendidos enquanto padrões gerais de conduta da Administração e, nessa medida, vinculando-a perante terceiros, não podem concretamente ser invocados pela [SCom02...], que não é parte na relação contratual estabelecida, dado que não outorgou o contrato. A eventual tolerância por parte do Requerido que possa ter existido quanto à sua presença no Campo de Tiro de ... não permite que esta actue como parte no âmbito do contrato e se arrogue de um direito que não lhe assiste, sendo certo que, sendo o sócio da [SCom02...] vice-Presidente do Clube de Tiros, teve o mesmo conhecimento da visita ao local e do seu propósito.
Assim sendo, não se pode concluir que tenha havido qualquer irregularidade com a falta de notificação do início do procedimento, nem violação da cooperação procedimental e do princípio da boa-fé, pelo que, na acção principal, não será provável a anulação do acto com base nestes fundamentos.
No que concerne à incompatibilidade do objecto do protocolo com a realidade encontrada, o relatório de vistoria estatui o seguinte: “(...) toda a publicidade existente a competições data 2018; (...) Pastas e documentos existentes na secretaria – com características de abandono – já se encontram obsoletas, não existindo qualquer registo ao ano de 2022. Após solicitações do número de sócios e a composição dos órgãos sociais do Clube, a secretária da Assembleia Geral utilizou o material informático da empresa [SCom02...]. (...) Por outro lado, é visível cisão do edifício em duas vertentes: - Clube de Tiro, onde se vislumbra uma verdadeira falta de manutenção do espaço – nenhuma casa de banho, por exemplo, está em perfeito estado -, secretaria com clara falta de utilização, arrecadações sem organização; - [SCom02...], dotada de todos os componentes essenciais, espécie de esplanada à porta (entrada inferior), ampla receção (entrada superior), sala de espera, mini-bar, entre outros. Destarte, vislumbra-se a secundarização do objetivo inerente ao Clube, em detrimento do desenvolvimento da [SCom02...], no tocante à utilização do edifício – cedido pelo Município, de forma gratuita, ao clube. (...) existe uma sala de tiro de precisão instalada no antigo restaurante. Pela disposição da mesma, não parece que a mesma reúna todos os requisitos de segurança necessários para a sua utilização. (...)”
Ora, embora o 1.º Requerente tenha comunicado ao Requerido, em 12.02.2020, a sua situação financeira em virtude da supressão da modalidade de tiro ao voo, não foi alegado – muito menos provado - que o complexo se encontra primária e efetivamente afecto ao mesmo e ao desenvolvimento da sua actividade associativa. De resto, no que a este ponto respeita, os Requerentes nada mais alegaram, não tendo posto em causa a demais factualidade constante do relatório para sustentar a referida incompatibilidade.
Quanto à cedência da carreira de tiro à GNR, estando provado que o Clube de Tiro tem alvará para instalação e gestão de carreira de tiro exterior para tiro de precisão desde 09.04.2018, do seu objecto social não consta o desenvolvimento de actividades tendentes à valorização profissional ou tirocínio da GNR, além de que o alvará da titularidade do Clube de Tiro foi emitido nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 6/2010, que estabelece as regras previstas para o licenciamento de complexos, carreiras e campos de tiro para a prática de tiro com armas de fogo, com excepção daqueles pertencentes às Forças Armadas e às forças e aos serviços de segurança, donde se pode retirar que a falta de previsão legal da prática de tiro nas instalações do Clube por parte de militares da GNR enquanto tal.
Concretamente no que diz respeito à análise patrimonial, o relatório estatui o seguinte: "Visitadas as instalações, verificou-se o seguinte: Aparência geral dos compartimentos que compõem o edifício principal demostra estar sem manutenção e bens em geral sem utilização; (...) Compartimento destinado à sala do Restaurante está totalmente inativo, e as mesas e cadeiras existentes estão sem manutenção / pouco cuidadas. A cozinha encontra-se aparentemente sem utilização, não obstante existirem alguns bens alimentares. Pelos bens utilizados, poder-se-á afirmar que será utilizada como refeitório, provavelmente dos funcionários de [SCom02...]. (...) Existência de uma empresa denominada "[SCom02...]" a laborar dentro das instalações do edifício do campo de tiro. Observação de diversa maquinaria (CNC, tornos mecânicos, etc), e cerca de 11 pessoas a desenvolver tarefas. (...) O corredor onde estavam expostos os troféus do Clube transformado em repositório / expositor de material (madeira) para confeção de coronhas para armas. A empresa não efetua nenhum pagamento pela utilização das instalações, mas assegura a manutenção dos custos associados às instalações;(...) Na receção/ secretaria do campo de tiro, não se vislumbram indícios de atividade administrativa (sem computador, sem telefone, sem multibanco, etc). Num dos compartimentos do edifício, encontram-se bens "amontoados" sem utilização ou colocados em caixas (medalhas e outros troféus); Existência de depósitos de bens inutilizados, fora do edifício, alguns não identificáveis (partes de aparelhos eletrónicos) Fim / objetivo da utilização De uma forma geral, não se encontram indícios de uma atividade regular no funcionamento do Clube. Os compartimentos e bens em geral apresentam um estado de “abandono". (...) o clube de tiro perdeu cerca de 200 sócios, alegadamente devido ao aumento de quotas. Atualmente conta com 94-96 sócios. Edifício principal (...) constata-se que ocorreram alterações no edifício, nomeadamente na construção e eliminação de várias paredes, tanto no primeiro como no ... piso. (...) no geral o edifício principal apresenta-se num estado razoável de conservação. Nas áreas ocupadas pela empresa [SCom02...], verifica-se um maior cuidado no estado de conservação e apresentação, nomeadamente onde supostamente seria a zona social do Clube se confunde com a receção da empresa. (...) O campo n.º 1 e 6 apresentam-se desativados. Os campos n.ºs 2,3,4, e 5 estão ativos, sendo que se verifica a falta de equipamentos instalados tanto de tiro aos pratos como de tiro às hélices. (...) vislumbra-se a falta de vegetação anteriormente existente (...) verificou-se ainda que nos espaços exteriores, arrecadações, zonas técnicas e pombais se encontram, na sua maioria, ocupados pela empresa [SCom02...] (...) os restantes espaços estão ocupados com equipamentos e mobiliário do campo de tiro, onde se verifica falta de zelo (...) Relativamente ao edifício e zona evolvente, é notória a monopolização por parte da empresa [SCom02...]. Todas as áreas de arrecadação em zonas exteriores ao edifício encontram-se apetrechadas de materiais de apoio à construção de cronhas, bem como da matéria-prima utilizada, madeira. No interior do edifício vislumbra-se duas realidades, a zona afeta ao Clube completamente abandonada e sem manutenção, e a zona que alberga a empresa, completamente ornamentada para um atendimento de excelência aos seus clientes.".
Os Requerentes refutaram esta argumentação mas, para além de se limitarem a sublinhar que a presença da [SCom02...] é pública e notória desde 2013 e defenderem que a sua presença no Clube é benéfica para o mesmo, a verdade é que, como refere a conclusão do relatório, poderá efetivamente ocorrer uma sobreposição de interesses. Com efeito, o facto de a [SCom02...] desenvolver uma atividade comercial que está relacionada com o objecto social do Clube, de o seu único sócio ser vice-presidente do Clube e da sua secretária corporativa ser também a secretária do Clube, poderão, efectiva e conjuntamente, gerar uma situação de pouca transparência e de eventual conflito de interesses. Para este efeito, relembre-se que do contrato de comodato celebrado entre o Clube de Tiro e o Requerido consta que o complexo do Campo de Tiro de ... foi constituído pelo Município “com o objetivo de dinamizar uma área com fortes tradições neste concelho, desde os anos 30 (...) o objetivo prosseguido com a construção deste equipamento, fortemente ligado com a atividade turística, integra-se na estratégia de transformar a ... numa cidade de cultura e lazer.”
Ora, apesar de os Requerentes alegarem que a presença da [SCom02...] tem tido um papel fundamental na promoção da cidade e, como tal, no cumprimento do contrato, a verdade é que em momento algum do contrato se estatui que essa promoção pode ou deve ser feita por terceiras entidades alheias ao contrato.
Assim, não se afigura ter havido erro nos pressupostos, não existindo aparência de bom direito também relativamente a este ponto.
Logo conclui-se que os Requerentes não lograram demonstrar a probabilidade de procedência da pretensão por si formulada no processo principal na medida em que se mostra provável que a ilegalidade pelo mesmo invocada não se verifica e, consequentemente, não se mostra provável a procedência da pretensão formulada no processo principal.
Pelo exposto, não está preenchido in casu o requisito do fumus boni iuris, o que determina a improcedência do presente processo cautelar, sendo os requisitos legais de verificação cumulativa.
Revemo-nos nesta leitura do Tribunal a quo.
E o que dizer das demais questões suscitadas?
Nos termos do n.º 1 do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – alínea d).

A nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer.

A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, por sua vez, constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia.

Verifica-se esta, quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito [artigo 511-1] as partes tenham deduzido…”[página 680].

No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195.

E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência no sentido de que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos [cfr-se., por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005].

Munidos destes considerandos de enquadramento doutrinal e jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão aos Recorrentes na arguida nulidade de sentença.

Na verdade, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 95º, nº. 1 do C.P.T.A.

Efetivamente, segundo o ensinamento de Alberto dos Reis [In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146.]: «(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão (…)”.

Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento.

Com efeito, e ainda de acordo com o citado Autor “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.» [idem].

Nesta esteira, é de manifesta evidência que a circunstância de o Tribunal a quo não ter considerado no probatório determinada factualidade alegada é absolutamente imprestável para apontar-se à decisão judicial recorrida uma qualquer nulidade de sentença, por violação do disposto no artigo 615º, nº.1, alínea d) do CPC.

Questão diversa é a de saber se a decisão judicial recorrida incorreu em desrespeito do “direito à prova” do Recorrente.

Mas, como emerge do supra exposto, tal interrogação não se insere no vício de nulidade de sentença, por omissão e/ou excesso de pronúncia, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento, que, como se disse, não se evidencia.

Não se reconhece, portanto, a existência de nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.

Além disso, não se reconhece que o Tribunal a quo não curou de fundamentar suficientemente a razão porque entendeu que a prova testemunhal seria dispensável.
Afirmar que “não se provaram indiciariamente quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa; que a decisão da matéria de facto assentou no acordo das partes e nos documentos constantes dos autos, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório e que uma vez que as partes arrolam testemunhas nos articulados pelas mesmas apresentados e que a requerente requer ainda a prova por declarações de parte, e atento o disposto no n.º 1 do artigo 118.º do CPTA - nos termos do qual pode haver lugar a produção de prova quando o juiz a considere necessária -, cabe aferir da necessidade da produção da prova testemunhal e por declarações de parte requerida, tendo em conta ainda o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, no qual se estabelece que “Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”
Importa considerar que estamos no âmbito de um processo urgente, que se caracteriza por uma apreciação sumária do direito que os requerentes pretendem acautelar e em que a prova se apresenta como indiciária. Assim, e considerando a causa de pedir, a prova documental constante dos autos e a posição assumida pelas partes no processo, julgo desnecessária a produção de prova testemunhal e por declarações de parte, pelo que a indefiro” é reconhecidamente bastante - e, aliás, vem sendo prática jurisprudencial - para dar respaldo e pleno cumprimento à letra e mens legis traçadas no artigo 118.º n.º 5 do CPTA.
Como resulta expressamente do preceito, a promoção de tais diligências constitui uma mera possibilidade (um poder/dever), não uma obrigatoriedade ou, em rigor, um poder legal de exercício judicialmente vinculado (neste sentido e dando nota, de modo claro, da faculdade que os tribunais dispõem de se poderem abster de abrir uma fase de instrução ou de realizar diligências suplementares necessárias para a descoberta da verdade material - vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed. revista, Almedina, 2010, págs. 600/601).
Trata-se de uma faculdade probatória típica de um processo em que o princípio do inquisitório é prevalecente, constituindo, pois, uma das manifestações mais marcantes da maior responsabilização e confiança atribuídas ao juiz pelo CPTA (Rui Machete em “Poderes do Tribunal: O Juiz” in A Nova Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006, págs. 129/130).
Ainda que assim não fosse, a natureza perfunctória da análise judicial no âmbito de uma providência cautelar desdramatiza a supressão de algum tipo de prova, conforme, aliás, a sentença em crise justificou na sua Motivação.
Está em debate uma providência cautelar - e não qualquer ação administrativa - que ponha termo definitivo ou quase definitivo à causa:
“I. Não constitui finalidade da instância cautelar decidir definitivamente sobre a (i)legalidade da decisão tomada, nomeadamente se são ou não procedentes as causas de invalidade do ato suspendendo, caso em que seria antecipar o juízo cognitivo da decisão a proferir no processo principal, para o presente processo sumário e urgente.
II. Assumindo o conhecimento na presente instância natureza sumária e perfunctória e não sendo finalidade própria da instância cautelar concluir pela verificação ou não dos vícios alegados, assim julgando a legalidade do ato suspendendo, não é de exigir do tribunal a quo uma tomada de posição expressa e inequívoca sobre cada uma das diferentes causas de pedir alegadas como fundamento da ilegalidade do ato suspendendo, mas tão só que aprecie da “manifesta ilegalidade do ato”, por recurso a um juízo de ponderação sobre a procedência da pretensão requerida” - Acórdão do TCA Sul, proc. 09262/12), 25-10-2012.
Concluindo:
Como também sustentado no respetivo Despacho:
Os Requerentes, nas suas alegações de recurso, vêm imputar à sentença recorrida a nulidade de omissão de pronúncia e, bem assim, a nulidade decorrente da não especificação dos fundamentos da matéria de facto da decisão, previstas, respetivamente, na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e na alínea b) desse artigo, aplicável por força do artigo 140.º, n.º 3 do CPTA. Decorre do primeiro dos normativos assinalados que é nula a sentença quando “[…] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar […]”. Promana, por seu turno, da segunda disposição normativa que a sentença será nula se o juiz não especificar os fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão. Nos termos do disposto no artigo 145.º, n.º 1 do CPTA, “[f]indos os prazos concedidos às partes, o juiz ou relator aprecia os requerimentos apresentados e pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso se a tal nada obstar”.
Em comentário ao sobredito preceito, referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO CADILHA que o mesmo reproduz o que já consta do n.º 1 do artigo 641.º, n.º 1 do CPC, devendo, em conformidade com o aí prescrito, o juiz admitir ou rejeitar o recurso, e também “[p]ronunciar-se sobre as nulidades de sentença que tenham sido arguidas na alegação do recurso […]” [cf., dos citados autores, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 1110; ]. Pois bem. Revertendo ao corpo de alegações de recurso, verifica-se ser entendimento dos aqui Recorrentes que a sentença padece de falta de fundamentação “[…] no que respeita à fundamentação dos factos dados como não provados”. Afigura-se a este Tribunal que a invocada nulidade não se verifica, conquanto não foram dados como não provados quaisquer factos, ilação que se extrai da leitura da decisão proferida quanto à matéria de facto. Quanto à invocada omissão de pronúncia, aduzem os Recorrentes que o Tribunal não se pronunciou, quando deveria tê-lo feito, “[…] sobre a violação do direto de audição prévia relativamente à decisão de tomada de posse administrativa imediata (segunda decisão tomada na deliberação suspendenda)”. Vejamos. Conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos Tribunais superiores, “[a]penas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”. Constitui igualmente entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de “questões” em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados” [cf., neste sentido, e por todos, o Acórdão do Colendo STJ, de 03-11-2020, proc. n.º 2057/16.3T8PNF.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt]. Entende o Tribunal que se pronunciou quanto à invocação do vício de forma decorrente da preterição do direito de audiência prévia, no âmbito da apreciação do fumus boni iuris, posto que concluiu não se afigurar provável que, em sede de ação principal, o mesmo pudesse vir a ser dado como verificado, na medida em que, com base numa análise perfunctória da situação fático-jurídica em apreço, está em causa a resolução unilateral de um contrato de comodato entre o 1.º Requerente e o Requerido, ou seja, uma declaração negocial, e não um ato. Mais se aduziu na decisão que, por ser assim, não se aplicam à situação vertente os artigos 121.º e seguintes do CPA. Donde não deixou o Tribunal de compor o litígio quanto ao sobredito segmento alegatório, pronunciando-se, de Direito, quanto à probabilidade de (in)sucesso do mesmo na ação principal, com base no juízo perfunctório que deve orientar a tomada de decisão no âmbito dos processos cautelares, podendo, quando muito, estar em causa um erro de julgamento. Posto isto, secunda o Tribunal que não se encontram verificadas, in casu, as alegadas nulidades da sentença. Ante todo o exposto, entende-se que nenhuma nulidade foi cometida na sentença recorrida, e que a mesma se mostra fundamentada.
Ademais, importa acrescentar que o Tribunal a quo teve na devida conta que se está perante um pedido de suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal ... datada de 09.05.2023 que determinou a resolução sancionatória do contrato de comodato celebrado com o [SCom01...] em 19.05.2005, bem como a tomada imediata de posse administrativa do Campo de Tiro de ..., pelo que acrescentou: “estamos perante providência cautelar de natureza conservatória”.
Tudo exposto a sentença que não decretou a providência cautelar não merece qualquer censura, já que fez uma correta apreciação da matéria de facto e de direito, não tendo violado qualquer preceito legal.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique e DN.
Porto, 13/9/2023

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Nuno Coutinho