Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00187/18.6BEMDL-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO – MATÉRIA EXCETIVA PEREMTÓRIA – RÉPLICA - Nº.1 DO ARTIGO 85º-A DO C.P.T.A.
Sumário:I- A exceptio de não cumprimento do contrato consubstancia uma exceção de direito material, ou seja, perentória.

II- Tratando-se de matéria excetiva, pode a Autora replicar a contestação, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 85º- A, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ÁGUAS DO (...), SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
ÁGUAS DO (...), SA, devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho promanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, no âmbito da presente Ação Administrativa [por esta] intentada contra o MUNICÍPIO DE (...), que, em 27.11.2018, determinou o desentranhamento da réplica apresentada pela Autora, aqui Recorrente, com condenação da mesma em multa fixada em 0.5 UC.
Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
1. O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento ao decidir pela inadmissibilidade do requerimento apresentado pela Autora a fls. 288 e seguintes dos autos, e ordenando o seu desentranhamento, condenando a Ré em 0.5 UC de multa.
2. O requerimento apresentado pela Autora não deve ser tido como impróprio, ilegítimo ou ilegal, uma vez que:
3. É legitimo enquanto Réplica, ao abrigo do disposto no artigo 85.°-A do CPTA, uma vez que Autora responde a matéria de exceção (expressamente configurada como tal na Contestação) invocada pelo Réu e que obstam ao conhecimento do direito que a Autora aduziu legitimamente em sede de petição inicial, nomeadamente quando este recorre ao instituto da exceção de não cumprimento, disposto nos artigos 428.° e ss. do Código Civil e,
4. E, bem assim, quando este se defende através de um facto modificativo do direito da Autora - a não aceitação das quantidades imputadas em faturação;
5. Sendo que o Réu nunca se opôs à apresentação da Réplica.
6. Ora, em primeiro lugar, só poderemos concluir que o Réu se defende por exceção perentória, quando afirma na sua contestação que não se considera devedor dos montantes peticionados, enquanto a Autora não fizer as reparações nas infraestruturas que considera devidas - Cfr. artigo 20.°, 24.° e 26.° da Contestação apresentada.
7. Assim, sempre deverá o douto Tribunal concluir que, apesar de o Réu alegar que se defende por impugnação, o certo é que toda a sua defesa apresentada e articulada nos artigos 3° a 25.° da contestação é uma defesa por exceção (perentória)...
8. Uma vez que o Réu vem alegar que existe um volume de pluviais que, apesar de medido, não corresponde a águas efetivamente tratadas, por antes resultar de infiltrações das águas da chuva, por culpa imputável às Autora, nomeadamente por esta não ter procedido a reparações nas infraestruturas.
9. Em suma, o Réu vem alegar, em sede de contestação, um facto modificativo do direito de crédito da Autora, que, a verificar-se, poderá ter como consequência a improcedência parcial do pedido, uma vez que aquele não reconhece, nem nunca reconhecerá, parte daqueles montantes como devidos.
10. Motivo pelo qual tal defesa só poderá ser tida como uma exceção perentória e, portanto, passível de resposta em sede de Réplica, ao abrigo do artigo 85.°-A do CPTA.
Ainda assim, e caso assim não se entenda
11. Caso o douto Tribunal considere, ainda assim, que não existem quaisquer exceções deduzidas em sede de contestação (o que só hipoteticamente se aceita!), sempre se dirá que o articulado apresentado pela Autora, em 20.09.2019, é o articulado de resposta aos documentos juntos pelo Réu à contestação, admissível ao abrigo do disposto no artigo 427.° e tempestivo ao abrigo do disposto no artigo 149.°, ambos do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA.
12. Assim, sempre se deveria cumprir com o disposto no artigo 195.°, n.º 2 in fine do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA, aproveitando o articulado na parte em que este se apresenta válido, nomeadamente, na parte em que este é uma pronúncia aos documentos juntos à contestação.
13. O que, no caso, diz respeito a todo o articulado apresentado pela Autora, pois todo ele tem como base, também, o contraditório sobre os sete documentos apresentados.
Em conclusão, e com o devido respeito
14. Erra no seu julgamento o Tribunal a quo, quando decide pelo desentranhamento do articulado RÉPLICA, datado de 20.09.2018, tendo a decisão, ora recorrida, violado o disposto no artigo 85.°-A do CPTA e, bem assim, do artigo 3.°, n.º 3 do CPC, ex vi, artigo 1.° do CPTA, por se tratar de uma resposta às exceções aduzidas em sede de contestação.
15. E, caso assim não se entenda, erra no seu julgamento o Tribunal a quo, quando decide pelo desentranhamento do requerimento datado de 20.09.2018, tendo a decisão, ora recorrida, violado o disposto no artigo 427.° e 149.° do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA, e 195.°, n.º 2 e 3, ambos do CPC, por se tratar de articulado de pronúncia aos documentos juntos pelo Réu em sede de Contestação.
16. Errando, por conseguinte, quando decide pela condenação da Ré em multa equivalente a 0.5 U.C., uma vez que aquele articulado não foi indevidamente apresentado, sendo, por todos os motivos suprarreferidos, processualmente admissível (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não produziu contra-alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão a dirimir resume-se a saber se o despacho recorrido, ao determinar o desentranhamento da réplica apresentada pela Autora, aqui Recorrente, com a consequente condenação da mesma em multa graduada em 0,5 UC, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no artigo 85.°-A do CPTA e, bem assim, do artigo 3.°, n.º 3 do CPC, ex vi, artigo 1.° do CPTA (…)”, ou, quando assim não se entenda, por “(…) ofensa do artigo 427.° e 149.° do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA, e 195.°, n.º 2 e 3, ambos do CPC (…)”.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:
A- Em 24.05.2018, a Autora, aqui Recorrente, deduziu a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela [cfr. fls. 1 e seguintes do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
B- Nela demandaram o MUNICÍPIO DE (...) [idem];
C- E formularam o seguinte petitório:”(…) NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exa., mui doutamente suprirá, deverá a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência: a) Ser o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 320.112,50, acrescida de juros de mora vencidos, que à presente data perfazem € 20.370,01, e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como em custas e procuradoria. b) Ser ordenada a citação urgente do MUNICÍPIO DE (...), nos termos do número 1 do artigo 561.º do CPC.”[idem].
D) Em 09.07.2018, o Réu, aqui Recorrido, deduziu contestação nos termos e com os fundamentos que integram fls. 225 e seguintes do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) Em 20.09.2018, a Autora, aqui Recorrente, deduziu réplica [cfr. fls. 288 e seguintes do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
F) Em 27.11.2018, o Mmº. Juiz a quo promanou despacho do seguinte teor:
“(…)
Réplica apresentada pela Autora:
O requerimento apresentado pela Autora extravasa o âmbito previsto no nº 1 do artº 85º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tanto mais que o Réu não se defendeu aduzindo qualquer exceção nos moldes ali explicitados.
Desentranhe o sobredito articulado e remeta-o ao seu subscritor.
Custas do incidente pela Autora, que se fixam no mínimo legal (0.5 U.C).
Notifique (…)” [cfr. fls. 316 e seguintes do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
G) Sobre esta decisão judicial sobreveio, em 18.12.2018, o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 323 e seguintes do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
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III.2 - DO DIREITO
A questão a decidir nos presentes autos recursivos consubstancia-se em determinar se o despacho recorrido, ao determinar ao desentranhamento da réplica apresentada pela Autora, com a condenação da mesma na multa graduada em 0,5 UC, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no artigo 85.°-A do CPTA e, bem assim, do artigo 3.°, n.° 3 do CPC, ex vi, artigo 1.° do CPTA (…)”, ou, quando assim não se entenda, por “(…) ofensa do artigo 427.° e 149.° do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA, e 195.°, n.° 2 e 3, ambos do CPC (…)”.
Adiante-se, desde já, a decisão judicial recorrida não é de manter.
Na verdade, escrutinada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, e que se mostra coligida na alínea F) do probatório, logo se constata que o Tribunal a quo considerou que a réplica apresentada pela Autora extravasava o âmbito previsto no nº.1 do artigo 85º-A do C.P.T.A., pois que o Réu não se defendeu por exceção.
Ocorre, porém, que, salvo devido respeito, que o Tribunal a quo labora em manifesto lapso quanto à invocada falta de defesa por exceção por parte do Réu.
Para explicitação do juízo que se vem de expor, mostra-se útil começar por deixar um breve enquadramento necessário para a apreciação da questão.
A contestação é a peça processual na qual o Réu exerce os seus direitos de defesa, que pode ser efetivados de duas formas, a saber: (i) defesa por impugnação e/ou (ii) defesa por exceção [cfr. artigo 571º e seguintes do CPC].
A (i) defesa por impugnação ocorre quando o Réu “(…) contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor” [cfr. artigo 571º do CPC].
A (ii) defesa por exceção, por sua vez, tem lugar quando o Réu “(…) quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido” [idem]
Nesta senda, estabelece o n.º 1 do artigo 576.º que as exceções são (i) dilatórias ou (ii) perentórias, sendo aquelas que obstam ao conhecimento do mérito e dão lugar à absolvição da instância [nº. 2] e estas as que importam a absolvição parcial ou total do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor [nº. 3].
Munidos deste considerandos de enquadramento, e volvendo ao caso em apreço, temos que resulta insofismável que o Réu, na contestação apresentada, de entre outro tipo de defesa, invocou e caracterizou materialidade que integrou no domínio da “exceção de não cumprimento do contrato” [cfr. artigos 22º a 27º].
Ora, a exceptio invocada, que, como é sabido, traduz-se na faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra, por seu turno, não realizar ou não oferecer a realização simultânea da respetiva contraprestação, consubstancia uma exceção de direito material, ou seja, perentória.
Este também o entendimento dominante na jurisprudência [vd., de entre outros, aresto do S.T.J., de 16.03.2010, 22.11.2018, tirados no processo nº.s 97/2002.L1.S1 e 85159/13.0YIPRT.C1.S1, respetivamente].
Apura-se, portanto, que a defesa esgrimida pelo Réu assume, na perspetiva em apreço, natureza excetiva.
Ora, é o seguinte o teor do nº.1 do artigo 85º-A do C.P.T.A.:
”(…)
1 – É admissível réplica para o autor responder, por forma articulada, às exceções deduzidas na contestação ou às exceções perentórias invocadas pelo Ministério Público no exercício dos poderes que lhe confere o artigo anterior, assim como para deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção.
(…)”.
Tem-se, portanto, por assente que a réplica serve o propósito, para além de defesa quanto à matéria da reconvenção, de resposta à matéria excetiva deduzida na contestação ou às exceções perentórias invocadas pelo Ministério Público.
Assim, à luz da natureza excetiva da defesa esgrimida pelo Réu, é de manifesta evidência que a A. podia responder à contestação.
Destarte, pelas razões expendidas, resulta cristalino que a peça processual [réplica] apresentada pela A. em 20.09.2018 é processualmente admissível em curso, em face do que dispõe o artigo 85º-A do C.P.T.A.
Mal andou, pois, a decisão recorrida ao assim não entender.
Concludentemente, impõe-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo, o que determina, atenta a relação de subsidiariedade que o caracteriza, a prejudicialidade do conhecimento do remanescente fundamento invocado nos presentes autos recursivos [artigo 608º nº.2 do CPC].
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice” e revogar a decisão judicial recorrida.

Custas pelo Recorrido, ficando este, porém, exonerado do pagamento da taxa de justiça que seria devida pelo impulso processual nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 19 de junho de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Hélder Vieira