Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00415/11.9BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/17/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA;
ÓNUS IMPUGNATÓRIO;
TAXA DE JURO COMERCIAL;
Sumário:
I – O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduz em vício de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 95º, nº. 1 do C.P.T.A.

II- Não cumpre ónus preceituado no artigo 640º do C.P.C. o apelante que, nas suas alegações, não especifica o meio probatório em que suporta a impugnação da matéria de facto efetuada, nem identifica com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

III- A taxa de juro comercial supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, em vigor no 2.º semestre de 2013, é de 8,5% [cfr. aviso nº. 11617/2013, de 17 de setembro].*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO ..., Réu nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que é Autora a sociedade [SCom01...], S.A., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a presente ação administrativa comum, condenando “(…) o R.. MUNICÍPIO ..., a pagar à A. a quantia de € 146.355,06 (cento e quarenta e seis mil trezentos e cinquenta e cinco euros e seis cêntimos, acrescida de juros de mora vencidos que, na presente data (13.4.2020) se computam em € 112.680,67 (cento e doze mil seiscentos e oitenta euros e sessenta e sete cêntimos), e vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa de juros comerciais. (…)”.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)



O teor literal da Ata da Assembleia Geral da [SCom01...] realizada em 15/03/2006 e 04/04/2006 não permite concluir que na mesma tenha ficado acordado que até à emissão de recomendação pelo IRAR e à aprovação de um novo QREN, a [SCom01...] faturaria aos municípios apenas os caudais em seco e, após, procedera à cobrança e faturação da totalidade dos caudais, incluindo os pluviais, de forma progressiva, sendo 7% no primeiro ano, 21% no segundo, 60% no terceiro ano, 80% no quarto ano e 100% a partir do quinto ano.


Contrariamente ao que consta, os depoimentos das testemunhas não são confirmados pelo próprio teor das atas. Não são. Aliás, as declarações das testemunhas é que deveriam confirmar (se fosse o caso) o teor do documento, e não o contrário, como o Tribunal recorrido considerou.


Por tais razões, face à ausência de qualquer prova documental que o sustente, deve o facto provado 4) ser considerado como não provado.


O Tribunal recorrido deu como assente o contrato de repartição de custos celebrado entre a [SCom01...] e o Município, mas do teor literal do mesmo não retirou as devidas consequências, decidindo afastar o teor excecional e transitório que as partes lhe quiseram atribuir.


Esse regime excecional nada tinha de inverosímil, nem configurava derrogação ou incumprimento do Contrato de Concessão, tendo sido estabelecido transitoriamente pelas partes, atenta igualmente a situação excecional do MUNICÍPIO ... relativamente aos demais municípios, por ter previamente edificado, a expensas suas, as infraestruturas relativas aos subsistemas de águas residuais de ... e ..., que haveriam de ser integradas na [SCom01...].


Impunha-se pois que o Tribunal desse como provado que as partes haviam acordado um regime excecional e transitório de fixar a remuneração a pagar pelo Município, até o acordo de repartição de custos se mantivesse em vigor, que resulta do teor literal da cláusula 2-, alínea a), do mencionado acordo de repartição de custos, o qual em momento algum foi impugnado pela [SCom01...].


O Tribunal a quo considerou como não provados 3 (três) factos que não foram alegados pelo Município Réu, pelo que, ao fazê-lo, o Tribunal recorrido incorreu em excesso de pronúncia, pois tomou conhecimento e pronunciou-se sobre questões que não lhe foram colocadas, o que acarreta a nulidade da sentença.


A sentença recorrida confundiu faturas com notas de débito e só aquelas permitem a contabilização de juros moratórios.


As taxas de juros comerciais consideradas pelo Tribunal a quo, a partir de 01/07/2013, são inferiores, em 1 ponto percentual, às taxas referidas na sentença, como se alcança do documento que se junte sob o n° 1, onde consta o diploma legal que a fixou (…)” - [fim de transcrição].

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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, que rematou da seguinte forma:”(…)

1. O Recurso apresentado pelo Recorrente, para além de carecer de absoluto fundamento, pois que a decisão recorrida é exímia, não comportando qualquer vício ou erro de julgamento, é absolutamente ininteligível, pois que não cumpre com o ónus de alegação a que estava sujeito (disposto nos artigos 639.° e 640.° do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º’/3 do CPTA, sendo impossível à Recorrida compreender quais os concretos pontos da sentença recorrida que o Recorrente pretende impugnar, bem como quais as concretas decisões que, no seu entender, devem ser proferidas, bem como ainda quais os meios probatórios em que o Recorrente fundamenta a sua “alegação”.

2. Vejamos que, O Recorrente requer que seja dado por não provado o facto n.° 4 do elenco dos factos provados, por considerar que “os depoimentos das testemunhas não são confirmados pelo próprio teor das atas. Não são. Aliás, as declarações das testemunhas é que deveriam confirmar (se fosse o caso) o teor do documento, e não o contrário, como o Tribunal recorrido considerou”.

3. Quanto a este ponto, o Recorrente nada mais diz nas suas conclusões (nem no corpo das alegações), limitando-se a afirmar, sem qualquer sustentação factual ou legal, e sem qualquer recurso à prova produzida, aquilo que considera ser, no seu entendimento, o “teor literal da ata da Assembleia Geral da [SCom01...]”.

4. Repare-se que, o Recorrente coloca em crise um facto dado por provado, aparentemente por considerar existir um erro de julgamento, alegando que do depoimento das testemunhas não se extrai o que o douto Tribunal a quo extraiu na sentença recorrida (insinuando que as testemunhas não confirmam o decidido na sentença recorrida), bem como alegando que o depoimento das testemunhas não confirma os documentos juntos ao processo, mas sem referir, em concreto, quais as testemunhas que considerou para a formulação desta sua conclusão, muito menos quais as concretas passagens dos depoimentos das testemunhas sobre as quais deveria ter sido formulada uma decisão distinta.

5. Aliás, o Recorrente nem tão pouco requer a reapreciação da prova gravada!

6. Pelo que, pretendendo o Recorrente impugnar a veracidade dos depoimentos das testemunhas, sempre deveria ter cumprido com o ónus de impugnação a que estava sujeito ao abrigo do disposto no artigo 640.° do CPC, o que sempre implica a imediata rejeição desta parte do recurso.

7. E ainda que se pudesse considerar que o Recorrente se encontra a impugnar a valoração que o douto Tribunal a quo faz da prova testemunhal (conforme adiante, por dever de patrocínio, se demonstrará não ter qualquer fundamento), a verdade é que este não identifica o motivo pelo qual considera que tal valoração não deveria ser realizada, quer sob o ponto de vista dos factos que, na sua aceção, as testemunhas depuseram e sobre os quais o Tribunal a quo deveria ter formulado outra convicção [precisamente por incumprir o ónus de alegação do artigo 640º do CPC, pois que tal conclusão sempre careceria de reapreciação da prova gravada), quer sob o ponto de vista do direito, pois que não formula qualquer conclusão jurídica sobre a valoração da prova {incumprindo, também assim, o ónus de alegação disposto no artigo 659/2, al. a) e al. b)).

8. Motivo pelo qual tal alegação (que se retira das conclusões 1 a 32 do Recurso interposto) deve, desde já, ser rejeitada, por não se conseguir compreender quais os fundamentos pelos quais o Recorrente pede a alteração à decisão do facto provado n.° 4, bem como por este não ter elencado quais os meios probatórios que carrega para suporta tal alegação - pelo que incumpre o disposto nos artigos 639.° e 640.° do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140/ 3 do CPTA.

9. Quanto ao alegado nas conclusões 4º a 6º, sempre se diga que, o Recorrente não identifica quais os meios probatórios que, concretamente, fazem prova do facto que, aparentemente, pretende que seja dado por provado (sendo de referir que em momento algum os identifica, nem mesmo no corpo das alegações de recurso!), limitando-se a formular aquela que é a sua interpretação do que considera ser a vontade das partes e do “teor literal” da cláusula 2ª/a) do Acordo de Repartição de Custos - motivo pelo qual sempre se deverá considerar que incumpriu o ónus de alegação disposto nos artigos 639.° e 640.° do CPC, pois que o Recorrente requer a prova de um facto sobre o qual não aduz qualquer meio de prova!!

10. Aliás, nem se compreende o raciocínio dedutivo do Recorrente para concluir o alegado nas conclusões 4ª a 6ª do recurso, pois que tal alegação é absolutamente contraditória com o que vem alegado na conclusão 7.a do mesmo, pois que, salvo o devido respeito, os 3 factos que foram tidos por não provados na sentença recorrida, e que o Recorrente afirma não terem sido alegados pelas partes, pelo que considera que a sentença recorrida padece de um vício de nulidade por excesso de pronúncia, são precisamente a concretização factual que o Recorrente requer que seja dado por provado nas conclusões 4º a 6º.

11. Pelo que, tal alegação toma o presente recurso absolutamente ininteligível, sendo impossível à aqui Recorrida contra-alegar de forma competente o que o Recorrente pretende que seja dado por provado ou não provado.

12. Não obstante, e quanto a estes três segmentos decisórios (factos não provados) aparentemente impugnados pelo Recorrente, sempre se diga que o Recorrente não aduz qualquer meio probatório para prova do que alegada, não identifica na sentença o erro que considera ser de julgamento, nem tão pouco faz uma apreciação crítica da prova que foi produzida e da decisão tomada, motivo pelo qual incumpre, também nesta parte, o ónus de alegação a que se referem os artigos 639.° e 640.° do CPC, o que sempre leva à rejeição do recurso.

13. Também assim, é absolutamente impercetível o que o Recorrente pretende com O alegado na conclusão 8ª do Recurso interposto, pois que daquela alegação não retira qualquer conclusão de facto ou de direito, não se entendendo que parte da sentença recorrida pretende sindicar ou, sequer, qual a consequência jurídica de tal alegação - motivo pelo qual incumpre, também nesta parte, o ónus de alegação a que se referem os artigos 639.° e 640.° do CPC, pelo que deve ser rejeitado.

14. Sendo que, tal afirmação (porquanto não é mais do que isso!) não representa, sequer, a verdade do que foi decidido, pois que, na página 44 e seguintes da sentença recorrida o douto Tribunal a quo faz essa distinção, explicitando as consequências que tais faturas e notas de débito têm para o objeto dos presentes autos.

15. Em suma, o Recorrente refere-se várias vezes aos depoimentos das testemunhas que deveriam, no seu entender, ser (des)valorados de acordo com a tese por si propugnada, mas a verdade é que não as identifica e muito menos requer que o recurso recaia sobre a prova gravada, o que sempre é um incumprimento do ónus previsto no artigo 640.° do CPC, impossível de qualquer suprimento e que sempre deve levar à rejeição do recurso.

16. Também assim, o Recorrente não identifica quais os meios probatórios que, concretamente, fazem prova do que alegada (carecendo de fundamento os factos que considera deverem ser dados por provados ou não provados), nem tão pouco concretiza qual a consequência jurídica que retira das próprias afirmações que formula ao longo de todo recurso, o que o toma absolutamente incompreensível, violando o disposto no artigo 639.° e 640.° do CPC, pelo que o presente deve ser rejeitado.

17. Mais, as alegações do Recorrente estão repletas de contradições e incongruências, que tornam o recurso absolutamente inepto.

18. O Recorrente, na sua alegação de recurso, faz tábua rasa de todos os meios probatórios que foram tidos em consideração na sentença recorrida, fazendo alegações genéricas, sem qualquer suporte documental ou testemunhal que fundamente as suas considerações (salvo devido respeito, as presentes alegações de recurso assemelham-se a uma mera contestação da sentença recorrida).

19. Motivo pelo qual, apenas se poderá concluir que o Recorrente não cumpriu o ónus que sobre ele impende quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto e de direito, em clara violação do disposto no artigo 639.° e 640.° do CPC, pelo que, e conforme decido pelo douto Supremo Tribunal de Justiça (em Acórdão datado de 27 09-2018, processo n.° 2611/12.2TBSTS.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/istj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9cd6ef26b3a23d8f8025 831500549377?QpenDocument), deverá este douto Tribunal ad quem rejeitar o Recurso interposto, o que se requer.

SEM PRESCINDIR,

20. Por mero dever de patrocínio, porque não se concede que as presentes alegações de recurso sejam admitidas, sempre se diga que deverá improceder o alegado nas conclusões 1ª a 3ª do Recurso Interposto, por improcedente e destituído de qualquer fundamento de facto e de direito.

21. A Recorrida, tratando-se de uma Sociedade Comercial, ainda que de capitais maioritariamente públicos, rege-se pelo disposto no Código das Sociedades Comerciais (CSC), pelo que das suas Assembleias Gerais tem de ser lavrada uma ata, nos termos do disposto no artigo 388.°/1 do CSC.

22. Nesse sentido, a ata da Assembleia geral constitui uma mera formalidade, para prova de que ocorreram determinadas deliberações, não tendo de descrever, na integra, o que foi discutido naquela reunião, pelo que os seus termos e contornos são passíveis de serem provados através de prova testemunhal.

23. E vejamos que, o conteúdo literal da ata não se opõe, ou inviabiliza, o que foi afirmado pelas testemunhas, mas antes pelo contrário: as testemunhas complementam e contextualizam o teor daquela deliberação (não sendo despiciendo relembrar que, neste ponto, o Recorrente não especifica porque considera que o depoimento das testemunhas não confirmam o teor daquela ata exarada, pois que nem identifica a que testemunhas se está a referir, nem as concretas passagens que daqueles depoimentos retira tal conclusão - sendo absolutamente impossível à aqui Recorrida perceber o raciocínio de tal afirmação.

24. Sendo certo que, quer o teor da referida ata, quer o teor dos documentos que foram juntos e que se encontram descritos nos factos provados n.° 2 (contrato de concessão) 3 (contrato de recolha de efluentes), 10 (recomendação do IRAR n.° 04/2007) e 11 (missiva enviada pela Recorrida ao Recorrente) da sentença recorrida, credibilizam a contextualização e descrição que é levada a cabo nos depoimentos das testemunhas, pois que com ela são consentâneos.

25. Pelo que deve improceder a assacada falta de prova que, aparentemente, é alegada pelo Recorrido nas suas alegações de recurso (conclusões 1ª a 3ª), devendo se manter tudo conforme foi doutamente decidido na sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, que não merece qualquer reparo nem sindicância.

26. E não se diga que o douto Tribunal a quo não poderia valorar o depoimento das testemunhas, pois que, em momento algum, aqueles depoimentos prestados contrariam o sentido e o alcance dos documentos juntos, conforme melhor se demonstrou nas presentes contra-alegações de recurso - nesse sentido, veja-se o que foi decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra - Acórdão datado de 20-01-2015, Proc. n.° 2996/12.0TBFIG.C1 (disponível em: http://www.dgsi.Pt/itrc.n.sf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/3d9ae4e5e0ff59378025 7dd90051a327?OpenDocument);

27. Pois que, a prova testemunhal, admitida juxta scripturam nos presentes autos (i.e., para efeitos interpretativos), não coloca em crise o princípio, contra ou praeter scripturam (art° 394 n° 1 do Código Civil), porquanto as testemunhas apenas vieram densificar e contextualizar os termos daquela deliberação, sendo aqueles depoimentos absolutamente consentâneos com o teor de todos os documentos juntos e suprarreferidos, pelo que a prova documental é um indício de prova da sua veracidade.

28. Ou seja: mesmo abstraindo da prova disponibilizada pelos depoimentos das testemunhas, a verdade é que os documentos nos quais a sentença se socorreu para formar a sua convicção quanto à questão de facto sindicada estão bem longe de demonstrar a finalidade que o Recorrente pretende ver retirada, antes pelo contrário, a prova documental junta já convence, per si, o que foi alegado pela aqui Recorrida e julgada provada pelo tribunal de 1ª instância.

29. Pelo que tal alegação do Recorrente sempre deverá improceder.

30. Quanto ao alegado pelo Recorrente nas conclusões 4ª a 6ª, e apesar de o mesmo ser absolutamente contraditório com o alegado na conclusão 7ª, conforme supra melhor se explanou, sempre se diga, e por dever de patrocínio, que tal alegação sempre deverá ser julgada improcedente, por manifesta falta de fundamento de facto e de direito - tanto que o Recorrente nem justifica quais os concretos meios probatórios capazes de provar o que pretende dali ver retirado, precisamente por ser falso!!

31. Para mais se reiterando o que foi sabiamente decidido pelo douto Tribunal a quo (fls. 41 a 44 da sentença), que, tendo em consideração a prova produzida e o disposto nos artigos 236.° e 238.° do Código Civil (que dispõe sobre a interpretação das declarações negociais), concluiu que:“a introdução de um item no Acordo relativo à faturação da A. ao R. município teve como único propósito considerar a existência de um crédito da A. sobre o R. ao qual seria deduzido o valor devido pela A. à AGS pois que incumbiria ao município realizar o pagamento pela totalidade das infraestruturas (incluindo as integradas no sistema da A.) e não reger os termos da faturação e tarifário da A. ao MUNICÍPIO ..., designadamente em contradição daqueles que resultam do contrato de concessão e do contrato de recolha de efluentes e deste acordo obtido na Assembleia Geral de abril de 2006.”.

32. O que não merece qualquer reparo, tanto que as alegações do Recorrente são genéricas e desprovidas de sustentação factual ou jurídica (tanto que este incumpre o ónus de alegação, conforme supra se referiu), motivo pelo qual se requer que este douto Tribunal julgue totalmente improcedente, por falta prova, o alegado nas conclusões 4ª a 6ª e por falta de fundamento de facto e de direito o alegado na conclusão 7ª do Recurso interposto.

33. Por fim, deverá ainda improceder o alegado na conclusão 8.a do Recurso interposto, primeiro por não consubstanciar uma qualquer consequência de facto ou de direito capaz de influir qualquer erro de julgamento à sentença recorrida, e em segundo por ser absolutamente falso, pois que, conforme já se referiu, a sentença recorrida, nas fls. 44 a 46, não confunde notas de débito com faturas, retirando de cada uma delas as legais consequências jurídicas.

34. Sendo que, quanto ao alegado na conclusão 9ª, sempre se diga que tal também deverá improceder, por falta de demonstração e concretização, i.e., por falta de liquidação dos montantes que o Recorrente considera devidos, para além de manifesta falta de fundamento (…)” - [fim de transcrição].


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, bem como em (ii) erro[s] de julgamento (ii.1) de facto e de (ii.2) direito.

9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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10. As questões decidendas suscitadas no presente recurso jurisdicional interposto pelo MUNICÍPIO ..., como se colhe inequivocamente do ponto II) do presente aresto, traduzem-se em saber se saber se a sentença recorrida enferma de (i) nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, bem como em (ii) erro[s] de julgamento (ii.1) de facto e de (ii.2) direito.

11. Vejamos estas questões especificadamente.

12. Assim, e quanto ao primeiro grupo de razões, importa que se comece por sublinhar que existem duas causas de nulidade da sentença com base em vícios de pronúncia.

13. A primeira, prevista na primeira parte da alínea d) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C., consiste na falta de pronúncia por parte do juiz a quo sobre questões que devesse apreciar, ou seja, por omissão de pronúncia.

14. A segunda, prevista na parte final da mesma alínea d) do nº.1 do artigo 615º do C.P.C, consiste no conhecimento por parte do juiz a quo de questões de que não podia tomar conhecimento, portanto, em excesso de pronúncia.

15. A nulidade da sentença por excesso de pronúncia constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia.

16. Verifica-se esta, quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

17. Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito [artigo 511-1] as partes tenham deduzido…”[página 680].

18. No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195.

19. E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos [cfr., por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005].

20. Ou seja, só há excesso de pronúncia para estes efeitos, se o tribunal conheceu de (i) pedidos, (ii) causas de pedir ou (iii) exceções de que não podia tomar conhecimento.

21. Munidos destes considerandos de enquadramento doutrinal e jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão ao Recorrente na arguida nulidade de sentença.

22. Com efeito, conforme resulta cristalinamente da conclusão 7) das alegações de recurso, a decisão recorrida vem censurada em virtude do “(…) Tribunal a quo (…) [ter considerado] como não provados 3 (três) factos que não foram alegados pelo Município Réu (…)”.

23. Sucede, porém, que o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 95º, nº. 1 do C.P.T.A.

24. Efetivamente, segundo o ensinamento de Alberto dos Reis [In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146.]: «(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão (…)”.

25. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos Acórdãos dos Tribunais Superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.

26. Com efeito, e ainda de acordo com o supra citado Autor “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.» [idem].

27. Não se reconhece, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença, por omissão ou excesso de pronúncia.

28. O que nos transporta para a segunda questão suscitada no recurso ora em análise, e que se prende com os eventuais erros de julgamento de facto da sentença recorrida.

29. Realmente, a Recorrente invoca que “(…) O teor literal da Ata da Assembleia Geral da [SCom01...] realizada em 15/03/2006 e 04/04/2006 não permite concluir que na mesma tenha ficado acordado que até à emissão de recomendação pelo IRAR e à aprovação de um novo QREN, a [SCom01...] faturaria aos municípios apenas os caudais em seco e, após, procedera à cobrança e faturação da totalidade dos caudais, incluindo os pluviais, de forma progressiva, sendo 7% no primeiro ano, 21% no segundo, 60% no terceiro ano, 80% no quarto ano e 100% a partir do quinto ano (…) Contrariamente ao que consta, os depoimentos das testemunhas não são confirmados pelo próprio teor das atas. Não são. Aliás, as declarações das testemunhas é que deveriam confirmar (se fosse o caso) o teor do documento, e não o contrário, como o Tribunal recorrido considerou. Por tais razões, face à ausência de qualquer prova documental que o sustente, deve o facto provado 4) ser considerado como não provado (…)” [destaque nosso].

30. Aduz ainda que “(…) O Tribunal recorrido deu como assente o contrato de repartição de custos celebrado entre a [SCom01...] e o Município, mas do teor literal do mesmo não retirou as devidas consequências, decidindo afastar o teor excecional e transitório que as partes lhe quiseram atribuir (…) Esse regime excecional nada tinha de inverosímil, nem configurava derrogação ou incumprimento do Contrato de Concessão, tendo sido estabelecido transitoriamente pelas partes, atenta igualmente a situação excecional do MUNICÍPIO ... relativamente aos demais municípios, por ter previamente edificado, a expensas suas, as infraestruturas relativas aos subsistemas de águas residuais de ... e ..., que haveriam de ser integradas na [SCom01...]. Impunha-se, portanto, que o Tribunal desse como provado que as partes haviam acordado um regime excecional e transitório de fixar a remuneração a pagar pelo Município, até o acordo de repartição de custos se mantivesse em vigor, que resulta do teor literal da cláusula 2-, alínea a), do mencionado acordo de repartição de custos, o qual em momento algum foi impugnado pela [SCom01...] (…)” [destaque nosso].

31. Vejamos, sublinhando, desde já, que a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria de facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.

32. De facto, a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria de facto, exige que o Tribunal Superior seja confrontado com (i) os concretos pontos que, no entender do Recorrente, se mostram como incorretamente julgados; (i.1) a indicação do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (i.2) a definição da decisão que, no entender daquele, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada; e, quando gravado, com a (i.3) expressa de indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

33. Cientes do que se vem de expor, importa agora analisar a situação sob apreciação aferindo do cumprimento do ónus processual supra sintetizados, e, mostrando-se necessário, do acerto da matéria de facto sob impugnação.

34. E, neste domínio, dir-se-á, desde logo, que o Recorrente não cumpre minimamente o ónus de impugnação que lhe impedia.

35. Realmente, conforme ressuma grandemente da motivação supra transcrita, o Recorrente considera que o facto nº. 4 deve ser considerado como não provado, por falta de confirmação dos depoimentos prestados em julgamento pelo teor da Ata da Assembleia Geral da [SCom01...].

36. Contudo, não identifica os depoimentos em questão, nem as passagens da gravação de tais depoimentos.

37. De igual modo, entende que deve ser considerado provado que “(…) as partes haviam acordado um regime excecional e transitório de fixar a remuneração a pagar pelo Município, até o acordo de repartição de custos se mantivesse em vigor, que resulta do teor literal da cláusula 2-, alínea a), do mencionado acordo de repartição de custos, o qual em momento algum foi impugnado pela [SCom01...] (…)”.

38. Porém, não identifica os meios probatórios que suportam tal alegação.

39. Ora, não cumpre ónus preceituado no artigo 640º do C.P.C. o apelante que, nas suas alegações, não especifica o meio probatório em que suporta a impugnação da matéria de facto efetuada, nem identifica com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

40. E nestas situações, não tem lugar à aplicação do princípio pro actione, no sentido do convite ao aperfeiçoamento.

41. Efetivamente, como se decidiu no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, 29.09.2014, tirado no processo nº. 81001/13.0YIPRT.G1, com plena mais-valia para o caso em apreço: ”(…) Cumpre também referir que esta rejeição parcial do recurso não deve ser precedida de despacho de aperfeiçoamento. Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, e não também quanto às alegações propriamente ditas, sendo que, no caso sub judice, as insuficiência são comuns às alegações e às conclusões. Dir-se-á ainda que a admitir a reapreciação dos depoimentos gravados nos termos em que ela é solicitada, estaria aberta a porta ao incumprimento de um dos pressupostos indispensáveis da impugnação da decisão em matéria de facto, obrigando a Relação à audição de toda a prova gravada em qualquer processo, com todo o esforço inútil que isso pode representar para o tribunal ad quem, tendo como contrapeso a desresponsabilização processual do recorrente. Assim se contrariaria absolutamente todo o sentido e o espírito do circunstancialismo jurídico que orientou os novos termos da admissibilidade do recurso em matéria de facto e o próprio art.º 640º, nº 2, al. a) que lhes dá corpo ao prever a imediata rejeição do recurso - portanto, sem possibilidade de aperfeiçoamento - quando é possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, como sempre é, e o recorrente não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda (…)”.

42. Assim, e quanto ao tecido fáctico vertido em discussão, é de rejeitar, por falta de requisitos, nos termos do art.º 640º, nº 2, al. a), o recurso na parte em que se impugna a decisão em matéria de facto.

43. Ponderado o acabado de julgar, temos então que a matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art. 663º, n.º 6, do CPC.

44. Dissolvida esta problemática, resta-nos, pois, a questão de saber se a sentença incorreu [ou não] em erro de julgamento de direito.

45. Neste particular, cabe notar que a alegação recursiva vertida a este propósito traduz-se na invocação de (i) “(…) A sentença recorrida confundiu faturas com notas de débito e só aquelas permitem a contabilização de juros moratórios (…)” [conclusão 8], bem como na alegação de que (ii) “(…) As taxas de juros comerciais consideradas pelo Tribunal a quo, a partir de 01/07/2013, são inferiores, em 1 ponto percentual, às taxas referidas na sentença, como se alcança do documento que se junte sob o nº 1, onde consta o diploma legal que a fixou (…)” [conclusão 9].

46. Ora, a argumentação que o Recorrente mobiliza sob o ponto (i) é manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com a existência de eventual erro de julgamento de direito, não constituindo suporte para logicamente se concluir sequer pela probabilidade da ocorrência do mesmo.

47. Realmente, não basta invocar a existência de uma suposta confusão de faturas com notas de débito, importando que tal alusão seja densificada e demonstrada, sob pena de não se mostrar evidenciada a tese invocada pela Recorrente.

48. De facto, a mesma carecia de mais e melhor densificação e justificação, concretamente, ao nível da identificação (i) do ponto verificador da alegada confusão de faturas com notas de débito, bem como (ii) das eventuais consequências da verificação da mesma ao nível da contabilização dos juros moratórios por oposição ao juízo decisório firmado a este propósito.

49. Por todo o exposto, sendo absolutamente cristalina a falta de substanciação necessária, não se pode concluir no sentido da verificação do pretendido erro de julgamento no particular conspecto em análise.

50. Idêntica asserção é atingível, ainda que por motivação diversa, no que tange ao aduzido sob o sobredito ponto (ii).

51. É que, contrariamente ao entendimento preconizado pela Recorrente, a taxa de juro comercial correta a aplicar no período temporal mediado entre 01.07.2013 a 31.12.2013 é, efetivamente, a assinalada a fls. 46 da sentença recorrida, ou seja, 8,5%,

52. É o que nos diz o Aviso nº. 11617/2013, de 17 de setembro: “(…) Em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 1.º da Portaria n.º 277/2003, publicada no Diário da República, 1.ª Série-B, n.º 163, de 26 de agosto de 2013, dá-se conhecimento que a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, em vigor no 2.º semestre de 2013, é de 8,5 %. (…)”.

53. Sendo assim, não se descortina, quanto ao aspeto agora tratado, qualquer razão para censura da decisão judicial recorrida.

54. E assim fenecem todas as conclusões deste recurso.

55. Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrido.

56. Ao que se provirá no dispositivo.

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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 17 de novembro de 2023,
Ricardo de Oliveira e Sousa
Antero Pires Salvador
Helena Maria Mesquita Ribeiro