Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00850/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:OPOSIÇÃO; PRESCRIÇÃO; DECISÃO LIMINAR; PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:1. Na oposição à execução fiscal, juiz não pode conhecer da prescrição da obrigação exequenda sem ouvir previamente a contraparte.
2. O conhecimento da prescrição da obrigação exequenda sem chamar a contraparte ao processo importa a violação do princípio do contraditório – artigo 3.º do Código de Processo Civil.
3. A violação do princípio do contraditório importa, em tal caso, a anulação de todos os atos processuais subsequentes à petição inicial – cfr. artigos 194.º e 202.º ambos do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e Ministério Público
Recorrido 1:M...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1º.1. A Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga recorreu para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão daquele tribunal que julgou procedente a oposição por prescrição das dívidas exequendas e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal n.º 0353199401008005, que o Serviço de Finanças de Barcelos move a M..., n.i.f. 1…, com domicílio na Rua…, Arcozelo, por reversão de dívida de Confeções…, Lda. n.i.f. 5…, que teve a sua sede no Largo…, Arcozelo, 4750 Barcelos, dívida essa referente a imposto sobre o valor acrescentado do primeiro trimestre de 1993.

Recurso esse que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, apresentou as suas alegações de recurso, que rematou com as seguintes «CONCLUSÕES:

A- A acima melhor identificada oponente veio deduzir oposição ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 0353199401008005, instaurado por dívidas de IVA do ano de 1993, no valor de € 3.075,82, acrescido dos respectivos juros de mora (1. dos factos provados).

B- O PEF em questão tem como devedora originária a sociedade CONFECCOES ...LDA, com o NIPC 5…, tendo sido instaurado em 04.04.1994 (2. da matéria assente).

C- A devedora originária aderiu ao Plano Mateus em 10.01.1997 (4. dos factos provados).

D- Em 18.07.2001, foi proferido despacho de exclusão do regime previsto no DL 124/96, de 10 de Agosto (que aprovou o Plano Mateus) (8. dos factos).

E- Em 14.04.2008, foi a oponente citada da para a Execução (15. dos factos provados).

F- Tendo, no seguimento, apresentado a actual Oposição.

G- Recebida a Oposição, considerou a Mma. Juíza a quo de que a prescrição foi alegada pela oponente e é de conhecimento oficioso, pelo que cumpre apreciar em sede liminar.

H- Em seguida, conhecendo liminarmente, concluiu que se mostram prescritas as dívidas do IVA e juros compensatórios do ano de 1993, face ao que dispõe o art.º 34º do CPT.

I- É desta decisão que se recorre, porquanto (i) não se mostra possível o conhecimento liminar da causa pelo Ilustre julgador, (ii) nem se mostra a dívida prescrita, tendo em conta a suspensão do prazo de caducidade determinada pela adesão da originária devedora ao Plano Mateus.

J- No que tange à primeira das questões enunciadas, verifica-se que a Lei Processual Tributária apenas permite a rejeição/indeferimento liminar da Oposição – cfr. art.º 209º do CPPT.

K- A existência do despacho liminar, cuja razão de compreende por motivos de economia processual, tem como pressuposto que, seja por motivos formais, seja por motivos de fundo, a pretensão do autor esteja votada ao insucesso.

L- Daí que, e atenta a natureza e função do despacho liminar, este apenas possa servir para indeferir in limine a petição de Oposição nos casos previstos no art.º 209º do CPPT.

M- E nunca para se julgar procedente a Oposição.

N- Acresce que, ao se conhecer de mérito e julgando liminarmente procedente a Oposição, fica precludida a possibilidade de pronúncia por parte da Representação da Fazenda Pública e do Digno Magistrado do Ministério Público.

O- O que consubstancia uma manifesta violação do princípio do contraditório, previsto no art.º 3º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi art.º 2º alínea e) do CPPT.

P- E bem assim do princípio de igualdade de meios processuais, previsto no art.º 98º da Lei Geral Tributária.

Q- A esta mesma conclusão chegou o Tribunal Central Administrativo do Norte, pronunciando-se sobre questão idêntica, em recente Acórdão datado de 26-06-2008, e cujo entendimento, no que aqui se afigura como essencial, se transcreve:

Decidir a procedência da causa sem prévia citação da parte contrária e sem audição do MP constitui, sem dúvida, uma nulidade processual, por violação de um dos princípios fundamentais do processo civil, consagrado no artigo 3º do CPC, segundo o qual «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição» e que obriga o juiz a observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório,

R- A sentença recorrida é, assim, nula, por violação dos art.ºs 3º do CPC.

S- Nulidade esta que, nos termos do art.ºs 194º e 202º do CPC é de conhecimento oficioso e determina a nulidade de todo o processado após a petição de Oposição.

T- O que se pede e espera, confiando na conhecida e justa prudência deste Tribunal.

Sem prescindir, e na eventualidade de se perfilhar entendimento diferente do que ficou vertido,

U- Mesmo que assim se não entenda, sempre a sentença sob recurso deverá ser revogada, porquanto a Mma. Juiz a quo não teve em linha de conta o facto de o prazo de prescrição se encontrar suspenso, durante quatro anos seis meses e oito dias, por força do preceituado no n.º 5 do art. 5º do do DL 124/96 (vulgo, Lei do Plano Mateus).

V- Suspensão esta resultante do tempo que mediou entre a data do requerimento de adesão e a data de exclusão do regime do Plano Mateus.

W- E isto não obstante ter levado ao provado quer a adesão quer a exclusão do sobredito regime especial de regularização.

X- Tivesse o Tribunal recorrido valorado a sobredita suspensão do prazo prescricional, como de lei se impunha, e teria concluído que a dívida exequenda nunca poderia prescrever, mesmo que não tivéssemos em conta eventuais factos interruptivos, antes de 8 de Junho de 2008 (quer se aplique o prazo do CPT ou o prazo da LGT).

Y- Na situação vertente, a aqui Oponente foi citada em 14.04.2008 (15. dos factos provados), facto este também não valorado no raciocínio expendido na decisão recorrida.

Z- É que resulta do art.º 49º, n.º1, da LGT que a citação interrompe a prescrição.

AA- Sendo certo que, à luz da douta jurisprudência do STA Neste sentido, vd., entre outros, Ac. STA, de 14-07-2008 (Proc. n.º 510/08, Rel. Juiz Conselheiro António Calhau), e Ac. STA, de 25-06-2008 (Proc. n.º 415/08, Rel. Juiz Conselheiro Brandão de Pinho), ambos consultáveis em http://www.dgsi.pt., ocorrendo nova causa de interrupção da prescrição, esta produz os seus efeitos próprios, isto é, elimina o prazo que anteriormente tinha decorrido para a prescrição e obsta a que o novo prazo decorra na pendência do novo processo.

BB- E não se diga que a citação não produz efeitos interruptivos por a dívida se reportar a período anterior à vigência da LGT.

CC- Tal entendimento não é de acolher, atenta a jurisprudência firmada pelo STA, e que ficou vertida, por exemplo, no Ac. STA, de 04-06-2008 vd., Ac. STA, de 04-06-2008 (Proc. n.º 249/08, Rel. Juiz Conselheiro António Calhau), que pode ser consultado em http://www.dgsi.pt.:

…como se refere no acórdão deste STA de 27/6/2007, proferido no recurso 433/07, não há aqui que comparar os regimes de suspensão e interrupção do prazo adoptados pelas leis antiga e nova para determinar qual é o mais favorável, escolhendo a lei aplicável segundo o juízo assim atingido.

Assim, se de acordo com o mecanismo do artigo 279.º, n.º 1 do CC a lei nova for a elegível há que aplicá-la sem mais.

DD- Afigurando-se também relevante para a questão decidenda o entendimento levado a Acórdão do STA Vd. Ac. STA de 28-05-2008, (Proc. n.º 154/08, Rel. Juiz Conselheiro Miranda Pacheco), consultável em http://www.dgsi.pt., cujo sumário se transcreve:

I - Não contendo a citação do interessado a fundamentação da liquidação e do despacho de reversão, deve o contribuinte arguir a nulidade ou irregularidade da citação, no prazo de contestação, sendo que do indeferimento desta arguição perante o órgão de administração fiscal, cabe reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância - artigos 198.º, n.º 2, do CPC, 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2, da LGT.

II - Ocorrendo com a Lei Geral Tributária um encurtamento do prazo de prescrição em relação ao previsto no CPT, é aplicável o regime do artigo 297.º do Código Civil, conforme impõe o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro.

III - Todavia, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artigo 297.º do CC, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere a lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem tudo o que releva para o seu curso.

IV - A respeito dos efeitos dos factos a que é atribuído efeito suspensivo ou interruptivo rege o artigo 12.º do CC, nos termos do qual se prescreve que a lei que disponha sobre os efeitos dos factos só visa aqueles que ocorrerem na sua vigência.

V - A citação do devedor subsidiário reveste a mesma eficácia interruptiva que a do devedor originário, uma vez que se trata de uma só instância executiva, em que pela reversão, se opera uma alteração subjectiva. (destacado nosso).

EE- Á luz do douto entendimento que ficou exposto, haverá, por força da aplicação do comando vertido no art.º 12º do CC, que atender a todos os factos interruptivos ou suspensivos previstos na lei em vigor no momento em que os factos ocorram.

FF- Como se demonstrou, quando a Oponente foi citada não se havia ainda esgotado o prazo prescricional.

GG- Logo, não ocorreu a invocada prescrição ao abrigo desta lei, encontrando-se o referido prazo prescricional interrompido.

HH- Mantendo-se até à presente data o efeito derivado da aludida interrupção ocorrida em 14.04.2008.

II- Ao não decidir assim, fez a sentença recorrida uma errónea subsunção dos factos ao ordenamento jurídico aplicável, maxime do art.º 49º, n.º1, da LGT e do art.º 5º, n.º5, do DL 124/96.

JJ- Razão pela qual deverá ser revogada e substituída por Acórdão que, declre a verificando a inexistência da prescrição da dívida exequenda, ordene a baixa dos autos para o prosseguimento da causa, de modo a conhecer das demais questões suscitadas.

Revogando a douta sentença recorrida farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA».

1º.2. Também o Magistrado do Ministério Público junto daquele tribunal recorreu da mesma decisão, mas para este Tribunal Central Administrativo Norte.

E também este recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou as respetivas alegações de recurso, também coroadas comas conclusões que ora se transcrevem.

«Conclusões:

I. As dívidas exequendas em questão no presente recurso respeitam a IVA e JC do ano de 1993, para cobrança das quais foi instaurado a 04.04.1994 o processo de execução fiscal n.° 94/100800.5;

II. No período de 10/1/1997 a 18/7/2001, a executada originária esteve abrangida pelo acordo de regularização das dívidas exequendas ao abrigo do DL n.° 124/96, de 10 de Agosto - (cf. facto 5,7 e 8);

III. Por isso, no facto provado sob o n.° 16, deveria a M.ma Juiz a quo dar como assente mais precisamente o seguinte:

16 - A execução fiscal acima identificada esteve parada por mais de um ano na período de 15.11.2002 a 04.01.2008, par facto não imputável ao contribuinte - (cf. fls. 26 e 79/82 do apenso);

IV. O prazo prescricional das dívidas tributárias que se encontram em discussão nos autos é de dez anos, contando-se a partir do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial, nos termos do art.° 34º, n°s 1 e 2 do CPT;

V. A instauração da execução interrompe a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação - n.° 3 do dito preceito legal;

VI. Entretanto, com a entrada em vigor da LGT, (aprovada pelo DL. n.° 398/98 de 17 de Dezembro), que entrou em vigor a 1/1/99 (art.° 6.° do DL n.° 398/98), o prazo prescricional das dívidas tributárias foi reduzido para oito anos, contando-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (art.° 48.º, 1ª versão);

VII. Havendo sucessão de regimes de prescrição e de acordo com o disposto no n.° 1 do art.° 5.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, aplica-se o disposto no art.° 297.°, n.° 1 do C. Civil, do qual resulta que o novo prazo de prescrição de oito anos aplica-se aos prazos que já estiverem em curso, mas só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei. E do mesmo preceito resulta que, a lei antiga apenas se aplica se de acordo com ela faltar menos tempo para o prazo se completar;

VIII. No caso dos autos, aplica-se imediatamente a nova lei por de acordo com ela faltar menos tempo para o prazo de prescrição se completar, mas o novo prazo de prescrição conta-se não a partir de 1/1/99, por nessa data o prazo prescricional se encontrar suspenso nos termos do art.° 5º, n.° 5 do DL n.° 124/96, de 10/8, e também interrompido por via da instauração da execução, mas sim a partir de 15/11/2003, data em que cessou o efeito interruptivo que se encontrava em curso, razão pela qual ainda não se completou tal prazo;

IX. Mesmo que se considere aplicável o prazo de prescrição de dez anos previsto no art.° 34.° do CPT, porque tal prazo esteve suspenso no período de 10/1/1997 a 18/7/2001 e porque o processo executivo apenas esteve parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte a partir de 15/11/2002, verifica-se que, contabilizando o tempo decorrido até à instauração da execução, acrescido do que decorreu um ano após a paragem do processo até à presente data, ainda não se completou um período de dez anos. Daí que, mesmo na tese da dota sentença recorrida não se tenha completado a prescrição;

X. A M.ma Juiz a quo considerou prescritas as dívidas exequendas, contabilizando o tempo decorrido até à instauração da execução, acrescido do que decorreu desde 2/2/1999 - um ano após a data que considerou ser a de paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte -, não levando em conta o período de suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do art.° 5.°, n.° 5, do DL 124/96 de 10 de Agosto;

XI. Decidindo como decidiu, a Mma Juiz a quo não apreciou correctamente a
prova produzida nos autos, não aplicou, como devia, o disposto nos arts 48.° e 49.°, n.° 2 da LGT, e fez errada interpretação dos artigos 34º do CPT, 297.° do C Civil e art.° 5º,
n.° 5, do DL 124/96, de 10/8.

Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando improcedente a excepção de prescrição invocada pela oponente, por não se ter consumado a prescrição das dívidas exequendas, VOSSAS EXCELENCIAS farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.»

1.3. A ora Recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

«CONCLUSÕES

1º. Muito bem decidiu o Douto Tribunal “a quo” ao julgar a presente Oposição procedente, por prescrição das dívidas exequendas, e, em consequência, determinar a extinção da execução instaurada contra a aqui recorrida.

2º. A prescrição alegada pela recorrida é do conhecimento oficioso, pelo que nenhuma norma violou o Tribunal “a quo”.

3º. As dívidas exequendas reportam-se a IRS e IVA e juros compensatórios dos anos de 1993 e 1994, constituindo-se durante a vigência do CPT, que no seu artigo 34º determinava o prazo de 10 anos para a prescrição das dívidas e cujo prazo é contado a partir do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário.

4º. Segundo o regime geral do instituto da prescrição, os efeitos da causa interruptiva da prescrição inutilizam todo o tempo decorrido anteriormente, fazendo reiniciar de imediato a contagem de novo prazo (como acontece na previsão do art. 326º do C. Civil) ou fazendo prolongar no tempo a relevância da causa interruptiva até que ocorra determinado facto que faça cessar o efeito interruptivo (como acontece na previsão do art. 327º do C. Civil).

5º. O art. 34º nº 3 do CPT prevê como causas interruptivas da prescrição, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução, as quais inutilizam todo o tempo decorrido anteriormente.

6º. Relativamente ao efeito da interrupção, ele não é imediato, isto é, a contagem do novo prazo não se reinicia imediatamente, pois que o nº 3 do art. 34º do CPT lei prevê um prolongamento desse efeito, ao estipular que o efeito da interrupção só cessa se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

7º. A interrupção da prescrição pela instauração da execução contra a sociedade devedora é eficaz não só quanto a esta como quanto aos responsáveis subsidiários, sendo indiferente a modificação da instância determinada pela reversão.

8º. In casu, os processos executivos ficaram parados para além de um ano, por razões imputáveis à Administração Fiscal, e não à aqui recorrida.

9º. Face à matéria dada como provada nos presentes autos, as dívidas de IRS e IVA e juros compensatórios de 1993 e 1994 já há muito que se encontram prescritas.

Sem prescindir e por uma questão de cautela,

10º. A aqui recorrida foi citada por reversão na qualidade de responsável subsidiário da sociedade comercial por quotas denominada Confecções ..., Lda., de uma dívida fiscal, relativa a IVA dos anos de 1993 e 1994 e IRS de 1994, no montante global de € 3.075,82 euros.

11º. As dívidas fiscais em causa relativas ao período dos anos de 1993 e 1994 encontram-se prescritas, nos termos do artigo 48º da LGT.

12º. Dispõe o nº 1 do artigo 48º que a dívida tributária prescreve no prazo de 8 anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário nos impostos periódicos e nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, pois estamos a falar de situações do ano de 1994, não se aplicando a alteração introduzida pela Lei 55-B/2004 de 30 de Dezembro,

13º. …a qual dispõe que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário ou a exigibilidade do imposto, quando estamos perante imposto sobre o valor acrescentado e perante impostos sobre o rendimento e a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo.

14º. Sendo assim, começa-se a contar o decurso do tempo a partir de Dezembro de 1994, prescrevendo a dívida em Dezembro de 2002, depois de descontado o período de causas de suspensão ou interrupção da prescrição.

15º. A aqui oponente foi notificada para exercer o seu direito à audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão da execução no mês de Janeiro de 2008.

16º. No dia 14 de Abril de 2008, foi citada por reversão na qualidade de responsável subsidiária pelas dívidas fiscais da executada principal, podendo deduzir oposição judicial, o que faz pelo presente meio.

17º. Deduzindo o período do decurso do tempo das causas de suspensão ou interrupção da prescrição, até ao momento da citação da oponente, poderá entender-se que a dívida fiscal ainda não estava prescrita.

18º. Acontece que, a aqui oponente é executada por reversão, e o nº 3 do mesmo artigo 48º dispõe que “a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.” (Nosso sublinhado e negrito).

19º. Portanto, como a aqui oponente não foi citada no presente processo no 5º ano posterior ao da liquidação, que seria até Dezembro de 1998, as causas de suspensão ou interrupção da prescrição, não produzem efeitos quanto ao responsável subsidiário.

20º. A aqui oponente foi citada no dia no dia 14 de Abril de 2008, o que faz com que a dívida fiscal constante na presente execução se encontra prescrita, excepção de prescrição que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

21º. Pelo que, a quantia de € 3.075,82 euros, relativa a dívidas tributárias referente ao ano de 1993 e 1994 dos presentes autos, encontram-se prescritas.

TERMOS EM QUE, V. Exas. negando provimento ao recurso interposto e mantendo a Douta Sentença proferida farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA! ».

1.4. Foram colhidos os vistos legais.

Este tribunal é competente para o conhecimento de ambos os recursos (apesar de um deles ser dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo). Neste sentido, ver. JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora 2011, pág. 226, e jurisprudência ali citada.

Pelo que cumpre decidir.

2. Do objeto do recurso

São questões a decidir no recurso da Fazenda Pública:

- saber se a decisão recorrida é nula por violação do princípio do contraditório (conclusões “A” a “T”);

- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, por não ter sido considerado o efeito suspensivo da prescrição decorrente da adesão da executada ao “Plano Mateus” (conclusões “U” a “JJ”).

São questões a decidir no recurso do Ministério Público:

- saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento do facto dado como provado sob o n.º 16 (conclusões “I” a “III”);

- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, por não ter sido considerado o efeito suspensivo da prescrição decorrente da adesão da executada ao “Plano Mateus” (conclusões “IV” a “XI”).

3. Fundamentação de Facto

Em primeira instância foi a seguinte a resposta à matéria de facto:

« Com interesse para a decisão resulta dos autos os seguintes factos provados:

FACTOS PROVADOS, face à execução apensa.

1º. A dívida exequenda respeita ao IVA do ano de 1993.

2º. Para cobrança da referida dívida foi instaurada a execução fiscal n°94/100800.5 em 04.04.1994.

3º. Em 22.02.1995 e 07.04.1995 foram efectuados pagamentos por conta no âmbito da execução identificada em 2).

4º. Em 15.11.1995 foi emitido um mandado de penhora.

5º. A devedora originária aderiu ao Plano Mateus em 10.01.1997.

6º. Em 01.10.1997 foi elaborado o auto de penhora.

7º. Em 30.09.1997, 31.10.1997, 02.12.1997, 31.12.1997 e 02.02.1998, foram efectuados pagamentos nos termos do Dec.Lei 124/96.

8º. Em 18.07.2001 foi prestada a informação de que a devedora originária apenas procedeu ao pagamento de sete prestações no âmbito do Dec.Lei 124/96.

9º. Em 27.12.2001 foram citados os credores para reclamação de créditos.

10º. Em 22.10.2002 foi efectuado o anúncio para a venda dos bens penhorados.

11º. Em 15.11.2002 foi emitido novo mandado de penhora, cfr. fls. 66.

12º. Em 04.01.2008 foi elaborada a informação de que a devedora originária não possuía bens suficientes para garantia da dívida exequenda.

13º. Em 15.01.2008 foi proferido o projecto de reversão, cfr. fls. 90.

14º. A ora oponente foi notificada do referido projecto e para querendo exercer o direito de audição, cfr. fls. 100 e 101.

15º. Foi citada em 14.04.2008, cfr. fls. 165 e 166.

16º. A execução fiscal acima identificada esteve parada por mais de um ano, pelo menos entre os períodos de 02.02.1998 e 18.07.2001 e 15.11.2002 e 04.01.2008, por facto não imputável ao contribuinte.

*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal ria consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e no teor dos documentos acima identificados e não impugnados.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem, com interesse para a presente decisão».

4. Fundamentação de Direito

Tem precedência lógica a primeira questão suscitada no recurso da Fazenda Pública, visto que, se for de concluir que a decisão recorrida é nula por violação do princípio do contraditório, o processo terá que retornar à primeira instância para o prosseguimento dos seus ulteriores termos processuais, ficando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas.

E a questão ali colocada traduz-se em saber se o tribunal recorrido poderia conhecer da prescrição da dívida exequenda em fase liminar e, com tal fundamento, julgar procedente a oposição e extinguir a execução contra a Oponente.

A esta questão respondemos desde já negativamente.

Porque em fase liminar a instância ainda não está constituída quanto à parte contrária, que ainda não foi chamada ao pleito. E por conseguinte, ainda não lhe foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre o objeto do litígio.

Decidir favoravelmente a uma das partes sem ouvir a contraparte conduz inevitavelmente à violação do princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º do Código de Processo Civil. Só assim não será nos casos expressamente consignados na lei, que são essencialmente os da justiça cautelar, onde a decisão sem prévia audição da parte contrária é especialmente justificada pela própria necessidade de acautelar a eficácia dessa mesma decisão.

De salientar que o princípio do contraditório é um princípio estruturante do processo civil porque está ínsito no direito fundamental do acesso aos tribunais, que envolve a proibição de limitações processuais injustificadas ao direito de defesa (neste sentido CARLOS FRANCISCO OLIVEIRA LOPES DO REGO, in «Comentários ao Código do Processo Civil», pág. 16, e JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in «Constituição da República Portuguesa Anotada», 3.ª edição revista, pág. 164).

Daí que a lei processual só preveja, em fase liminar, a decisão de indeferimento (e não a de deferimento) da pretensão do autor.

É certo que o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário prevê o conhecimento oficioso do juiz da questão da prescrição. Mas o conhecimento oficioso das questões também não afasta o princípio do contraditório, como decorre expressamente do n.º 3 daquele artigo 3.º. O que significa que, ainda que fosse possível conhecer da prescrição em fase liminar, o juiz não o poderia fazer sem chamar previamente a contraparte ao processo para se pronunciar quanto a essa específica questão.

De todo o exposto decorre que merece provimento o recurso da Fazenda Pública, logo por aqui.

Ficando prejudicado o conhecimento, quer da outra questão colocada neste recurso, quer o conhecimento do recurso do Ministério Público.

5. Conclusões

5.3. Na oposição à execução fiscal, juiz não pode conhecer da prescrição da obrigação exequenda sem ouvir previamente a contraparte.

5.4. O conhecimento da prescrição da obrigação exequenda sem chamar a contraparte ao processo importa a violação do princípio do contraditório – artigo 3.º do Código de Processo Civil.

5.5. A violação do princípio do contraditório importa, em tal caso, a anulação de todos os atos processuais subsequentes à petição inicial – cfr. artigos 194.º e 202.º ambos do Código de Processo Civil.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a) Anular todo o processado posterior à petição inicial;

b) Determinar a baixa dos autos, devendo a decisão recorrida ser substituída por decisão liminar que a lei permita.

Sem custas.

Porto, 11 de abril de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Pedro Vergueiro