Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02595/16.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PROPRIEDADE HORIZONTAL- AUMENTO DA ÁREA COBERTA:
AUTORIZAÇÃO DOS CONDÓMINOS- PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I- A circunstância dos atos de gestão urbanística se encontrarem subordinados exclusivamente a normas de direito do urbanismo e da sua emissão ocorrer sob reserva dos direitos de terceiros, não significa que a administração possa ignorar as regras de direito privado, como efetivamente não pode, sob pena de violar o princípio da unidade do sistema jurídico.
II- Compete à autoridade administrativa municipal, no procedimento de licenciamento ou de legalização de obras, antes de apreciar o mérito do pedido, verificar a existência do pressuposto procedimental da legitimidade em face da documentação apresentada pelo requerente.

III- Na propriedade horizontal concorrem dois direitos reais: um, de propriedade singular e exclusiva, que tem por objeto as frações autónomas do edifício (artigo 1420.º, n.º 1 do CC); e outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns (artigo 1421.º do CC).

IV- As frações autónomas do edifício, nos termos do disposto no art.º 1418º do Cód. Civil, serão individualizadas no respetivo título de constituição da propriedade horizontal, aí se especificando também as partes do edifício que pertencem a cada uma delas, bem como o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.

V- Qualquer obra que implique a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal só é possível ser realizada/legalizada com o acordo de todos os condóminos (artigo 1419.º do CC).

VI- Estando-se perante uma inovação que se traduziu na incorporação material de uma parte comum (as escadas) numa fração autónoma – fração “A”-, aumentando a sua área coberta, não pode senão concluir-se que se trata de uma inovação que implica a modificação das características do prédio, como tal especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que, as mesmas carecem de ser aprovadas por todos os condóminos nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, do CC..
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
1.1.M...., moveu a presente ação administrativa contra o MUNICÍPIO (...), indicando como contrainteressados, M----, M------ (“1.º CI”), J.... (“2.º CI”) e M-------------- (“3.º CI”), pedindo a condenação do Réu (i) a indeferir o pedido de legalização e licenciamento formulado no procedimento n.º 141563/15/CM_, (ii) a emitir uma ordem dirigida ao 1.º contrainteressado para proceder à demolição das obras realizadas em desconformidade com o projeto e a licença aprovados (Licença n.º 122/67), repondo a situação anteriormente existente, (iii) sob cominação de posse administrativa e execução coerciva e (iv) a declaração de nulidade ou anulação do despacho do Sr. Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal (...) de 14 de julho de 2016 que aprovou o projeto de arquitetura.
Para tanto, alega, em síntese que, o projeto original da fração “A” do prédio sito na Rua (...), cuja propriedade adquiriu, prevê a instalação, na sobredita fração, de duas claraboias e de respiro na casa de banho, bem como de uma porta com escada de acesso ao logradouro (quintal) do piso superior;
As obras de ampliação da habitação levadas a cabo, sem licença, na fração “B” da propriedade do 1.º contrainteressado, traduziram-se, além do mais, na execução de uma laje de cobertura que tapou (bloqueou) a escada existente de acesso da fração “A” ao logradouro, bem como as claraboias e respiros que existiam nas casas de banho do estabelecimento comercial do rés-do-chão;
De acordo com a planta aprovada pelo Réu para a constituição da propriedade horizontal, a fração “A” tem acesso ao logradouro (quintal) e ao terraço de cobertura do piso superior através de uma porta e escadas existentes nas traseiras do estabelecimento comercial do rés-do-chão, o que quer dizer que, qualquer pretensão de legalização de tais obras de ampliação, teriam que ser precedidas de unanimidade dos condóminos, documento esse que não foi junto, contrariamente ao entendido na informação n.º I/19944/16/CM_;
Apesar de a Autora ter suscitado a ilegitimidade do requerente, o que impedia a tomada de decisão sobre o procedimento de legalização/licenciamento, nos termos da alínea c) do artigo 109.º do CPA, o Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo por despacho de 14 de julho de 2016, entendeu prosseguir com o processo e aprovar o projeto de arquitetura e sem que a Autora fosse ouvida em sede de audiência prévia em violação dos artigos 121.º e seguintes do CPA e do artigo 267.º, n.º 5 da CRP;
Com o projeto apresentado pelo 1.º contrainteressado, as áreas cobertas e descobertas das frações “A” e “B”, as varanda, terraço e logradouro declarados nos documentos matriciais e prediais divergem não só entre si, mas também das áreas medidas no projeto e áreas efetivas medidas no local;
Pese embora no título constitutivo da propriedade horizontal não constem as áreas na descrição das frações, o que só é possível através da medição das plantas e desenhos, o certo é que na planta de fls. 156, a fração “A” inclui uma escada de acesso ao terreno de logradouro na retaguarda do prédio e, bem assim, o próprio terreno do logradouro;
A execução da laje de cobertura do terraço e logradouro que procedeu ao encerramento das escadas de acesso da fração “A” ao terraço, logradouro e quintal situados no piso superior, bem como ao fecho das claraboias e respiros que existiam nas casas de banho, em rigor, consubstanciam obras levadas a cabo na fração “A” e que, alterando o projeto inicial aprovado, careciam do consentimento da Autora, o qual não foi por esta concedido e assim evidencia a falta de legitimidade do 1.º contrainteressado e demais condóminos em requerer o licenciamento ou legalização das referidas obras;
Mesmo que assim não fosse, tais obras incidiram sobre a fachada das traseiras e o muro divisórios, as quais são partes comuns do edifício, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil, faltando, por isso, a aprovação da maioria dos condóminos, sendo que, em qualquer caso, tais inovações nas partes comuns, não poderiam prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1425.º do Código Civil;
Não só não foi junta tal deliberação da assembleia de condóminos como esta, caso existisse, seria nula, por falta de forma, nos termos do artigo 220.º do Código Civil, e ainda ilegal, por violação do n.º 2 do artigo 1425.º do Código Civil;
Como o encerramento das escadas de acesso da fração “A” ao logradouro tem como efeito não só o aumento da área coberta do estabelecimento comercial da Autora, como o aumento da área do chão do terraço comum usado pela fração “B”, não é admissível que tais zonas comuns passem a integrar a fração de um ou mais condóminos sem a correspondente alteração da propriedade horizontal e permilagens, o que exigia o consentimento da Autora, nos termos do artigo 1419.º do Código Civil;
1.2. Citado, o Réu MUNICÍPIO (...), contestou a presente ação, defendendo-se por impugnação, invocando, em síntese, que a fração “A”, no âmbito do licenciamento, não possui área descoberta, sendo que a habitação da fração “B” tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no R/C;
As peças escritas e desenhadas da propriedade horizontal apresentam incongruências, uma vez que o relatório destina o terraço e quintal à fração B e não afeta qualquer área descoberta à fração A, sendo, porém que essas mesmas peças delimitam a fração B com parte do terraço e a fração A com acesso ao quintal;
Refere que não só não há, no âmbito do licenciamento, qualquer comunicação expressa entre as frações A e B, como no pedido de alteração à licença, não estão representadas ou referidas quaisquer claraboias no prolongamento construtivo do piso térreo;
Quanto às escadarias exteriores, estão representadas desde a licença inicial sendo a fração B aquela que tem o acesso ao quintal e à cobertura da ampliação r/c;
Refere que à administração municipal compete a apreciação dos projetos exclusivamente à luz das normas de direito público e não à luz de normas de direito privado relativas à realização destas operações, designadamente, as normas do Código Civil, aplicáveis à construção, cuja aplicação não lhe incumbe assegurar, tanto mais que a violação destas não pode constituir fundamento válido para o indeferimento de pedidos de licenciamento;
O facto de o concreto título constitutivo da propriedade horizontal se encontrar em desconformidade com o que foi licenciado não confere quaisquer direitos urbanísticos à Autora, pelo que na sua análise o Réu tinha de partir da premissa de que o licenciamento praticado para o prédio em causa não previu qualquer área descoberta para a fração “A”, sendo que a habitação do 1.º andar é que tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no R/C, que é feito por umas escadarias exteriores que estão representadas na licença inicial;
Assim sendo, as inovações em terraços de cobertura só tinham que respeitar o condicionalismo do artigo 1425.º do Código Civil, ou seja, a aprovação em assembleia de condóminos por uma maioria que represente 2/3 do valor total do prédio, que, no caso concreto, se mostra vertida nas declarações juntas pelo contrainteressado e cuja falta de forma (através de ata) não obsta, nesta sede, à sua legitimidade procedimental, dado que ao Município apenas compete efetuar uma verificação de natureza meramente formal;
Atenta a discrepância existente entre as peças desenhadas da propriedade horizontal e as apresentadas no licenciamento em apreço, verificada no que tange à representação da fração B com parte do terraço e a fração A com acesso ao quintal, não se pode concluir que ocorreu uma alteração à propriedade horizontal, mas apenas, quando muito, um lapso nas peças desenhadas na propriedade horizontal, que não altera o licenciamento que prevê que a fração B é que tem o acesso ao quintal e à cobertura da ampliação R/C;
Isto, sem prejuízo de que o relatório da propriedade horizontal é claro no que concerne às partes comuns e às próprias frações, sendo apenas as peças desenhadas que delimitaram incorretamente esses espaços comuns e as frações “A” e “B”;
1.3. Citados, os 1.ºs contrainteressados contestaram a presente ação, defendendo-se, por exceção e por impugnação.
Por impugnação, alegaram, em síntese, que tal como resultou provado no processo n.º 197/07.9TVPRT, já muito antes de a Autora comprar a fração “A” que o primitivo proprietário do edifício em questão, A...., havia fechado a porta existente ao fundo das escadas e construído um muro ao cimo das mesmas e, bem assim, coberto o fosso constituído pelas escadas (que não tinham qualquer utilização) com uma laje;
A escritura da constituição da propriedade horizontal, realizada em 27 de maio de 1980, não faz referência a qualquer área descoberta pertencente à fração “A”, contrariamente ao que sucede à fração “B”, onde se menciona um terraço e quintal;
A laje que os contrainteressados pretendem licenciar encontra-se por cima das escadas existentes no terraço da fração “B”, pelo que tem de concluir-se que as ditas escadas fazem parte da fração “B” e não já da “A”;
As obras cujo licenciamento foi requerido e que deu origem ao processo n.º 141563/15/CM não alteram o terraço que constitui a cobertura da fração “A”, dado que esta nunca teve área descoberta e, portanto, a construção da laje apenas tapou as escadas existentes na fração “B”, não podendo afetar aquela fração;
No que diz respeito ao pedido de licenciamento da construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B”, trata-se da colocação de uma porta num espaço contíguo à cozinha da fração “B”, localizado por baixo da laje da varanda da fração “C”, alinhando-a, sem alterar a estrutura do prédio, o que consubstancia uma obra de escassa relevância urbanística;
Quanto ao pedido de licenciamento de substituição de varanda por marquise na fachada tardoz da fração “C”, este em nada afeta a Autora, tratando-se de legalizar o que já existe há décadas, a varanda envidraçada, que também é uma obra de escassa relevância urbanística, tal como também sucede com o coberto/alpendre da fração “B”;
No que diz respeito às claraboias e respiros, estas, para além de não terem sido tapadas pelos contrainteressados, não constam da licença posterior da constituição da propriedade horizontal, nem do licenciamento com o aditamento n.º 152/1977;
Foi já convocada assembleia geral de condóminos na qual se deliberou com a maioria de 71 % do valor do prédio necessária para o pedido de licenciamento em causa;
1.4. A Autora replicou pugnando pela improcedência da matéria de exceção.
1.5. Realizou-se audiência prévia em que se proferiu despacho saneador no qual se julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa da Autora invocada pelos 1.ºs contrainteressados, fixou-se o valor da presente causa em 30.000,01 €, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação, e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes. Determinou-se o desentranhamento da defesa apresentada pela contrainteressada M--------------, por falta de patrocínio judiciário obrigatório.
1.6. Por despacho de 02/05/2019 (cfr. fls. 336-337 do SITAF) determinou-se a realização de perícia colegial, cujo relatório foi junto aos autos a 18/10/2019, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.
1.7. Realizada a audiência final, proferiu-se sentença julgando a presente ação parcialmente procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
«Nos termos e com os fundamentos supra expostos, julgo parcialmente procedente a presente ação administrativa e, em consequência:
A) Condeno o Réu a rejeitar os pedidos de legalização da execução de laje no terraço, da construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” do prédio sito na Rua (…) e de licenciamento da construção de um coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B” do mesmo prédio;
B) Condeno o Réu a emitir ordem ao 1.º contrainteressado para que este, no prazo de 90 (noventa) dias, proceda voluntariamente à demolição das obras identificadas na alínea anterior, repondo a situação anteriormente existente, sob pena de ser tomada posse administrativa do imóvel e consequente execução coerciva da demolição;
C) Anulo o despacho do Sr. Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal (...) que, em 14 de Julho de 2016, aprovou o projeto de arquitetura;
D) Absolvo o Réu e os contrainteressados do demais peticionado;

Condeno a Autora, Réu e 1.ºs contrainteressados no pagamento das custas processuais, na proporção que se fixa em 25 % para a primeira e 75 % para os segundos, estes a dividirem entre si em partes iguais.

Registe-se e notifique-se.»

1.8. Inconformado, com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a ação administrativa intentada pelo ora Recorrida e, consequentemente: i) condena “o Réu a rejeitar os pedidos de legalização da execução de laje no terraço, da construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” do prédio sito na Rua de (...) e de licenciamento da construção de um coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B” do mesmo prédio”; ii) condena “o Réu a emitir ordem ao 1.º contrainteressado para que este, no prazo de 90 (noventa) dias, proceda voluntariamente à demolição das obras identificadas na alínea anterior, repondo a situação anteriormente existente, sob pena de ser tomada posse administrativa do imóvel e consequente execução coerciva da demolição”; iii) Anula “o despacho do Sr. Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal (...) que, em 14 de Julho de 2016, aprovou o projeto de arquitetura”.
B. A sentença recorrida enferma dos vícios de erro de julgamento, errónea aplicação e interpretação dos artigos 1419.º, 1421.º e 1425.º, todos do Código Civil - o que resulta na errada conclusão de que o Recorrente deveria ter rejeitado o pedido de legalização apresentado pelo 1.º Contrainteressado e determinado a demolição da obra de execução de laje no terraço que serve a fração “B”, da lavandaria contígua à cozinha e do coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B”, como se demonstrará adiante – e de uma errónea aplicação e interpretação do artigo 121.º do CPA ao caso em apreço, por via do disposto no artigo 163.º, n.º 5 do CPA.
C. O 1.º Contrainteressado apresentou um pedido de legalização da execução de laje no terraço, de construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” e da substituição de varanda por marquise na fachada tardoz da fração “C”, assim como de licenciamento da construção de um coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B”.
D. O pedido de licenciamento encontra-se instruído com declarações de autorização dos proprietários das frações “C” e “D”, sendo o prédio constituído por 4 frações.
E. O projeto de arquitetura foi aprovado, por despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo de 14 de Julho de 2016.
F. A questão que opõe as partes é o encerramento das escadas de acesso da fração “A” ao logradouro do prédio, o que ocorrerá por força da legalização da laje no terraço.
G. A fração A, no âmbito do licenciamento, não possui área descoberta (conforme confirma – e muito bem (nesta parte) – a sentença recorrida, ao dar como não provado este facto que “a fração “A” possui área descoberta”), sendo que a habitação do 1º andar (“B”) tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no r/c.
H. As peças escritas e desenhadas da propriedade horizontal apresentam incongruências, uma vez que o relatório destina o terraço e quintal à fração B e não afeta qualquer área descoberta à fração A.
I. Contudo, as peças desenhadas delimitam a fração B com parte do terraço e a fração A com acesso ao quintal, sendo ainda certo que parte do terraço ficou por delimitar.
J. Não só não há, no âmbito do licenciamento, qualquer comunicação expressa entre as frações A e B, como no pedido de alteração à licença, não estão representadas ou referidas quaisquer clarabóias no prolongamento construtivo do piso térreo.
K. As escadarias exteriores estão representadas desde a licença inicial sendo que a habitação do 1º andar (fração B) é que tem o acesso ao quintal e à cobertura da ampliação r/c.
L. É notório que existe uma discrepância entre o acto de licenciamento e as peças desenhadas da propriedade horizontal. E aqui reside, a nosso ver, o cerne do problema e o início do erro de julgamento do tribunal a quo.
M. O facto de o concreto título constitutivo da propriedade horizontal se encontrar em desconformidade com o que foi licenciado não confere quaisquer direitos urbanísticos à Recorrida.
N. A análise que o Recorrente deve fazer nestes casos tem que partir da premissa que o ato de licenciamento praticado para o prédio em causa, não previu qualquer área descoberta para a fração “A” – como é confirmado amiúde na sentença recorrida -, sendo que a habitação do 1º andar (fração “B”) é que tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no r/c, que é feito por umas escadarias exteriores que estão representadas desde a licença inicial.
O. As inovações em terraços de cobertura, intermédios ou não, porque recaem sobre coisas imperativamente comuns, e mesmo que levadas a cabo pelo respetivo usuário, só podem ter lugar com observância do condicionalismo fixado no artigo1425.º do Código Civil. Ou seja, têm de ser aprovadas em assembleias de condóminos por uma maioria que represente 2/3 do valor total do prédio, e desde que as pretendidas inovações não prejudiquem a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns, como sucede in casu, ao contrário do que vem propugnado na decisão judicial proferida pelo tribunal a quo (que defende a necessidade de unanimidade dos condóminos).
P. A verificação da legitimidade procedimental urbanística tem uma natureza meramente formal, isto é, limitada a verificar se o requerente apresentou documento comprovativo da legitimidade, sem ter o Recorrente que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca.
Q. Os documentos anexos ao processo administrativo de licenciamento pelo requerente revelam-se suficientes ao apuramento da legitimidade procedimental urbanística.
R. A fração da Recorrida, no âmbito do licenciamento em apreço, não possui área descoberta, sendo que a fração B tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no r/c e que as peças escritas e desenhadas da propriedade horizontal apresentam incongruências, uma vez que o relatório destina o terraço e quintal à fração B e não afeta qualquer área descoberta à fração A.
S. Contudo, as peças desenhadas delimitam a fração B com parte do terraço e a fração A com acesso ao quintal, sendo ainda certo que parte do terraço ficou por delimitar.
T. Atenta esta discrepância – note-se, apenas se verifica nas peças desenhadas da propriedade horizontal, onde se encontra delimitada/representada a fração B com parte do terraço e a fração A com acesso ao quintal – não se pode concluir que, com estas obras, ocorra qualquer alteração à propriedade horizontal.
U. Existe um lapso nas peças desenhadas da propriedade horizontal. Lapso este que não tem o dom de afastar o acto de licenciamento, que prevê que a fração B é que tem o acesso ao quintal e à cobertura da ampliação r/c.
V. Não se verifica uma nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, porquanto o relatório da propriedade horizontal é claro no que concerne às partes comuns e às próprias frações. Apenas as peças desenhadas desta propriedade horizontal, delimitaram incorretamente esses espaços comuns e as frações “A” e “B”.
W. Não cabe ao Recorrente atestar se o título constitutivo da propriedade horizontal está em conformidade com o projeto aprovado, mas tão-somente que o edifício, tal como foi licenciado ou autorizado, satisfaz os requisitos para a sua constituição enquanto tal, pelo que, ao contrário do que menciona a sentença recorrida, não se trata de uma efetiva “aprovação” por parte do Recorrente.
X. A anulação do ato praticado pelo Vereador com o Pelouro do Urbanismo, datado de 14 de Julho de 2016, que aprovou o respetivo projeto de arquitetura, não enferma do vício de falta de audiência prévia, como surge defendido na sentença recorrida.
Y. A Recorrida teve oportunidade de se pronunciar no âmbito do procedimento administrativo (ainda que espontaneamente), ficando clara a sua posição. Mas mesmo que assim não se entenda, teria aqui aplicação o disposto no artigo 163.º, n.º 5 do CPA, pelo que emergiria o princípio do aproveitamento do ato administrativo, uma vez que decisão do Recorrente, relativa à aprovação do projeto de arquitetura, seria sempre de deferimento.
Z. Pelo que foi supra aduzido, deverá ser revogada a sentença recorrida julgando-se a ação administrativa improcedente in totum, com todas as consequências legais daí decorrentes.
TERMOS EM QUE,
Deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos expostos, com as legais consequências daí decorrentes, com o que será feita
SÃ E COSTUMEIRA JUSTIÇA.»

1.9. Inconformados com o assim decidido, os Contrainteressados M---- e M------ interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões:
«1 - Para se poder afirmar que a execução de uma laje por cima de umas escadas no terraço da fração “B” implica o aumento da área coberta ou descoberta de qualquer fração, há que determinar a que fração pertencem as ditas.
2 - Se as escadas, assentes no solo em toda a sua extensão dado o desnivelamento do terreno, pertencessem à fração “A”, como área descoberta, a sua cobertura com uma laje aumentaria, de facto, a área coberta daquela fração; se não lhe pertencessem, a sua cobertura não poderia implicar que lhe passassem a pertencer; logo a área da fração manter-se-ia inalterada.
3 - Considerando que as escadas pertencem à fração “B”, a execução da laje não altera a área descoberta desta fração; apenas lhe dá uma forma diferente, isto é, a área que as escadas ocupam deixa de ser em degraus passando a ser toda ao mesmo nível!
4 - O Mº juiz a quo entendeu, e muito bem, que inexiste qualquer prova de que as escadas pertençam à fração “A”, por esta não possuir área descoberta, pelo que a sua cobertura não faz com que passem a pertencer, não tem qualquer influência sobre a área daquela, não a podendo aumentar ou diminuir.
5 - O acórdão proferido pelo TCAN no âmbito do processo n.º 2325/12.3BEPRT, é relativo à anulação da ordem de demolição das obras de ampliação que o 1º contrainteressado havia levado a cabo no logradouro, e que consistiam na ampliação da habitação e na construção de anexo, sendo que nenhuma dessas obras estava erigida sobre as ditas escadas.
6 - O prédio onde se situam as obras de execução de laje sobre escadas que ora nos ocupam, possui área descoberta constituída por terraço e quintal, sendo que o título constitutivo da propriedade horizontal, bem assim as peças escritas do pedido de licenciamento, preveem que tal área descoberta é parte integrante da fração “B”.
7 - Aceita-se que um terraço, na parte que serve de cobertura a uma fração, se deva considerar “parte comum” para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 1421º do Código Civil. No entanto, as escadas cujo licenciamento de execução de laje por cima das mesmas se solicitou, não são cobertura de qualquer fração, já que estão assentes no solo.
8 - Não sendo cobertura de qualquer fração, não podem ser consideradas como “parte comum”, tal como não o é o quintal que se situa para além da cobertura da fração “A” e no seguimento desta.
9 - Não alterando (aumentando, in casu) a área de qualquer fração, nem sendo parte comum, a sua legalização exige, apenas, uma maioria de dois terços da totalidade do prédio, de acordo com o disposto no art.º n.º 3 do art.º 1422º do CC por apenas alterarem a linha arquitetónica e o arranjo estético do edifício.
10 - Acresce que o argumento de que a cobertura das escadas prejudica a normal utilização da fração “A”, em termos de iluminação e ventilação, é risível, na medida em que a fração “A” que possui a área de 157,37 m2 (segundo o projeto de arquitetura) ou 142,59 m2 (segundo medições efetuadas no local) tem de comprimento cerca de cinco vezes a largura, cfr. pode ver -se na planta junta aos autos.
11 - Dado que o terreno onde está implantado todo o prédio é desnivelado, as escadas ora em discussão ficam “enterradas”, terminam, tal como começam, sempre ao nível do solo, pelo que o arejamento através de tais escadas será, necessariamente, muito escasso.
12 - Já quanto à iluminação, não consegue perceber-se como é que umas escadas “enterradas” no solo possuem a capacidade de iluminar a fração que se situa no “sopé” das mesmas.
13 - Pelo que a construção da laje sobre as escadas não prejudica, ou, não prejudica significativamente, a utilização da fração “A”, quer a nível de arejamento, que é diminuto, quer a nível de iluminação, que será praticamente inexistente.
14 - Conforme se pode verificar nos documentos juntos aos autos relativos ao pedido de licenciamento, a construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” é, no caso concreto, tão somente, a colocação de uma porta num espaço coberto contíguo à cozinha da fração “B”, localizado por baixo da laje da varanda da fração “C”, ou seja, “alinhar” a porta das traseiras da fração “B” com a varanda da fração “C” que lhe serve de teto, na fachada tardoz do edifico, não implicando qualquer outra construção.
15 - Acresce que tal porta não foi colocada no terraço que serve de cobertura à fração “A” mas no espaço privativo pertencente, em exclusivo, à área integrante da fração “B”, cfr. pode ver-se na planta de constituição da propriedade horizontal.
16 - Aliás, o Mº Juiz a quo, considerou que a construção da marquise na fração “C”, apenas introduz uma modificação na linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício – vide fls. 42 da sentença.
17 - Ora, a construção da marquise na fração “C” e a construção da lavandaria na fração “B” têm, exatamente, a mesma configuração física: fechar o espaço de uma varanda privativa da fração!
18 - A construção de um coberto/alpendre na fachada tardoz da fração “B”, consiste na colocação de uma estrutura independente da estrutura do edifício, na fachada tardoz do mesmo, suspensa, pois que não tem pilares, não implicando qualquer alteração ao terraço “comum” mas de uso exclusivo da fração “B”, e, principalmente, não implicando qualquer alteração de área coberta ou descoberta, pois que continua a ser área descoberta, nem alteração à área total da fração, pois que não é incluída na mesma.
19 - Pelo que todas as obras realizadas na fração “B”, apenas introduzem uma modificação na linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício, sendo suficiente a obtenção de autorização da maioria de dois terços do valor total do prédio, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 1422 do CC, o que está demonstrado nos autos.
TERMOS EM QUE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA DE QUE SE RECORRE E DECLARANDO-SE QUE OS PRIMEIROS CONTRAINTERESSADOS TÊM LEGITIMIDADE PARA PEDIR O LICENCIAMENTO DAS OBRAS ORA EM DISCUSSÃO SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA»

1.10. A Autora contra-alegou em ambos os recursos interpostos, mas não apresentou conclusões.

1.11. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência de ambos os recursos e pela confirmação da sentença recorrida.

1.12.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*

II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.1. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN, resumem-se a saber:
(i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, violando o disposto nos artigos 1419.º, 1421.º e 1425.º do Código Civil, ao entender que os 1.ºs CI não dispunham de legitimidade para requerer a legalização da execução de laje no terraço, tapando as escadas existentes ao nível da fração “A”, assim aumentando a área coberta desta fração, e de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” do prédio sito na Rua de (...) e de licenciamento da construção de um coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B” do mesmo prédio, assim se aumentando a área coberta da fração “B” em 8m2, por não existir o consentimento de todos os condóminos à realização dessas obras e apenas a maioria qualificada de 2/3 ( questão comum a ambos os recursos)
(ii) em caso negativo, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao anular o ato praticado pelo Vereador com o Pelouro do Urbanismo, datado de 14 de julho de 2016, que aprovou o respetivo projeto de arquitetura, com fundamento no vício de falta de audiência prévia (questão colocada no recurso interposto pelo Apelante Município).
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO.

3.1. A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
«1. Em 27 de Maio de 1980, A.... celebrou no 1.º Cartório Notarial (…) a escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio urbano situado na Rua (…) [cf. cópia a fls. 134-137 do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
2. De acordo com a escritura identificada na alínea antecedente, a fração “A” era composta de “estabelecimento no rés do chão, com entrada pelo número seiscentos e oitenta e oito da Rua (...), compostos por estabelecimento, banho e vestiário de pessoal, e representa vinte e nove por cento do valor total do prédio” [cf. cópia a fls. 134-137 do SITAF];
3. De acordo com a escritura identificada nas alíneas antecedentes, a fração “B” era composta de “habitação no primeiro andar, com entrada pelo número seiscentos e oitenta e quatro da Rua (...), composta por cozinha, despensa, sala comum, hall, um banho e um W.C., dois quartos, duas varandas, um terraço e um quintal. Tem a área coberta de oitenta metros quadrados e a área descoberta de quinhentos trinta e um metros quadrados e representa vinte e cinco por cento do valor total do prédio” [cf. idem];
4. Em 18 de Junho de 1980, através da apresentação n.º 2 foi registada na Conservatória do Registo Predial (...) a favor do 1.º contrainteressado a aquisição do direito de propriedade da fração “B” do prédio supra identificado [cf. cópia em documento n." 2 da petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
5. Em data não concretamente apurada, foi executada uma laje de cobertura que tapou a escada de acesso existente na fração “A” ao logradouro localizado no 1.º andar do prédio e foram também bloqueadas com tijolos e argamassa as claraboias de ventilação que existiam nas suas instalações sanitárias [cf. convicção infra explicitada];
6. Em data não concretamente apurada, o 1.º contrainteressado realizou obras na fração “B”, no terraço e quintal do prédio que consistiram na ampliação da habitação junto da fachada posterior, em cerca de 24 m2 e construção de um anexo no logradouro, com a área de implantação de aproximadamente 18 m2 e alpendre com cerca de 7m2 [cf. informação n." I/93515/10/CM_junta a fls. 111-114 do processo administrativo n." 41476/08/CM_];
7. Por sentença de 03 de Abril de 2009, a 2.ª Secção da 7.ª Vara Cível do Porto julgou totalmente improcedente a ação declarativa que aí correu termos sob o n.º 197/07.9TVPRT e que havia sido intentada pela então proprietária da fração “A”, A....contra os ora 1.ºs contrainteressados na qual aquela peticionava a demolição das obras de “tapagem de claraboias” e de “uma passagem por escadaria”, bem como de “colocação de tubos de despejo de águas” [cf. cópia em documento n.º 1 da contestação dos contrainteressados, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
8. Por acórdão de 16 de dezembro de 2009, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso interposto por A....contra a sentença identificada na alínea antecedente [cf. cópia em documento n.º 1 da contestação dos contrainteressados];
9. Na sequência de procedimento de fiscalização levado a cabo pelos serviços da Câmara Municipal (...), foram, entretanto, demolidas as obras de ampliação da habitação e de construção de anexo no logradouro por parte do 1.º contrainteressado [cf. informação n.º I/93515/10/CM_junta a fls. 114 do processo administrativo n.º 41476/08/CM_];
10. Em 07 de Abril de 2011, A....declarou vender, além do mais, à Autora a propriedade da fração “A” do prédio descrito na supra referida alínea 1), mais tendo declarado que tal fração “é vendida conforme o projeto original do imóvel que integra, devidamente aprovado e licenciado pelas autoridades competentes. Esse projeto prevê a instalação, na sobredita fração, de duas claraboias e de respiro na casa de banho, bem como de uma porta com escada de acesso ao logradouro no piso superior” [cf. cópia da escritura em documento n.º 3 da petição inicial];
11. Em 08 de Abril de 2011, através da apresentação n.º 683 foi registada na Conservatória do Registo Predial de (…) a favor da Autora a aquisição do direito de propriedade da fração “A” do prédio supra identificado [cf. cópia em documento n.º 2 da petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
12. Em 26 de Novembro de 2015, após sucessivos indeferimentos de pedidos de legalização, o 1.º contrainteressado apresentou um pedido de licença de obras de edificação autuado sob o n.º 141563/15/CM_tendo em vista (i) a legalização da execução de laje no terraço (que encerra as escadas de acesso da fração ”A” ao terraço e logradouro situados no 1.º andar) e (ii) o licenciamento de uma obra de ampliação e alteração que consiste na construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B”, substituição de varanda por marquise na fachada de tardoz da fração “C” e a construção de um coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B” [cf. requerimento a fls. 1-35 do processo administrativo n.º 141563/15];
13. Com o requerimento identificado na alínea antecedente, o 1.º contrainteressado juntou, além do mais, duas declarações de autorização subscritas por J.... e A...., na qualidade de proprietários das frações “C” e “D” do prédio descrito na alínea 1), respetivamente [cf. fls. 1-35 do PA n.º 141563/15];
14. Com data de 03 de Dezembro de 2015, a Direção Municipal do Urbanismo elaborou a informação n.º I/208506/15/CM_, a qual, depois de constatar que o contrainteressado pretendia proceder “à legalização da laje do 1.º andar, bem como ampliação da área bruta de construção pela eliminação das varandas e construção de novas estruturas” e, bem assim, “o licenciamento da construção de uma pala para o alpendre na fachada tardoz do 1.º andar e de uma marquise colocada no alinhamento vertical do edifício”, e que tais constituíam obras de alteração, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do RJUE, propôs, além do mais, a junção de comprovativo da “anuência da Sr.ª Maria da Conceição de Magalhães, coproprietária da fração “B”, nos termos do n.º 2 do artigo 1404.º do Código Civil e do “documento comprovativo de que a unanimidade dos restantes condóminos (fracções “A”, “C” e “D”) autoriza a presente operação urbanística, nos termos do n.º 1 do artigo 1419.º do Código Civil,”, a qual “se considera conferida, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 1432.º do Código Civil através de deliberação dos condóminos que representem dois terços do capital investido”, sob pena de rejeição liminar, nos termos do n.º 6 do artigo 11.º do RJUE [cf. fls. 36-37 do PA 141563/15];
15. Em 22 de Dezembro de 2015, o 1.º contrainteressado, através do requerimento com o n.º 151791/15/CM_, apresentou, entre o mais, uma declaração de autorização subscrita por M------, na qualidade de coproprietária da fração “B” [cf. fls. 39-41 do PA 141563/15];
16. Com data de 22 de Janeiro de 2016, a Direção Municipal do Urbanismo da Câmara Municipal (...) elaborou a informação n.º I/19944/16/CM_na qual, concluiu, além do mais, que, em sede de saneamento e apreciação liminar do n.º 2 do artigo 11.º do RJUE, o processo n.º 141563/15/CM_se encontrava “instruído com os documentos exigíveis e considerados necessários à análise da pretensão” [cf. fls. 52-53 do PA 141563/15/CM_];
17. Em 16 de Março de 2016, a Autora, através do seu mandatário, apresentou um requerimento registado com o n.º 86606/16/CM_, peticionando, a final, o indeferimento do processo de licenciamento n.º 141563/15/CM_e, bem assim, a imediata demolição das obras realizadas em desconformidade com a licença inicial n.º 122/67, incluindo a laje de cobertura que encerrou as escadas de acesso da fração “A” ao logradouro [cf. fls. 66-68 do PA];
18. Na sequência da Informação n.º I/119925/16/CM_e dos despachos proferidos pela Senhora Arqt.ª L.. e da Senhora Chefe da DMGPU, em 27 de Abril de 2016 foi solicitado ao Departamento Municipal Jurídico e Contencioso (DMJC) a emissão de parecer jurídico sobre o requerimento da Autora [cf. documentos n.ºs 6 a 9 da PI];
19. Com data de 05 de Julho de 2016, a Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal (...) elaborou a informação n.º I/202282/16/CM_na qual, depois de constatar, além do mais, que as obras em questão eram obras de alteração e ampliação, propôs a aprovação do projeto de arquitetura apresentado pelo 1.º contrainteressado no processo n.º 141563/15/CM_[cf. documento n.º 13 da PI e fls. 86 do PA];
20. Por despacho de 14 de Junho de 2016, exarado sobre a informação identificada na alínea antecedente, o Sr. Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal (...) aprovou o projeto de arquitetura apresentado pelo 1.º contrainteressado no processo n.º 141563/15/CM_ para a legalização de uma obra de ampliação e alteração da execução de laje no terraço, de construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” e de substituição de varanda por marquise na fachada tardoz da fração “C” e para o licenciamento da construção de um alpendre na fachada tardoz da fração “B” [cf. documento n.º 17 da PI];
21. Em 29 de Julho de 2016, a Autora apresentou um requerimento autuado sob o n.º 228860/16/CM_ dirigido ao Sr. Presidente da Câmara Municipal (...) com o seguinte conteúdo [cf. fls. 91-92 do PA n.º 141563/15/CM_]:
“Tendo conhecimento que a Câmara aprovou as obras realizadas no prédio n.º 684 da Rua (...).. Eu como proprietária da fração A do mesmo prédio venho comunicar que não concordo com a legalização dessas obras: altera o projeto inicial do prédio, bem como o projeto inicial do meu estabelecimento, fração A e a propriedade horizontal. Atenção ao processo n.º 41476/08, que ainda está por resolver”
22. Com data de 25 de outubro de 2016, o Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara Municipal (...) elaborou a informação n.º I/358452/16/CM_no processo n.º 141563/15/CM_, da qual consta, além do mais, o seguinte [cf. fls. 123-132 do PA]:
“(...) 18. Desde 2008 que se encontra em tramitação nos serviços do Município uma queixa de Domingos de Carvalho Romão e também de M.... contra M----. 19. Em tal processo foi proferido parecer jurídico n.º L/165484/15/CM_, tendo-se concluído que, no âmbito do procedimento de tutela da legalidade em curso – para a fração B – propriedade de M---- – as obras que deveriam ser objeto da ordem de demolição seriam: uma ampliação da habitação junto da fachada posterior com cerca de 24 m2, o anexo com logradouro com 18 m2 e alpendre com 7m2. 20. Parte das obras foram demolidas ou estão em fase de demolição, sendo que, contudo, a proprietária da fração “A” continua a solicitar a intervenção do Município, na medida em que entende que continua a ser violado o projeto inicial, pois as “escadas continuam tapadas por uma laje que não existe no processo inicial e que prejudica a fração “A”. A loja continua sem a iluminação e ventilação natural. Os tubos de águas sanitárias e de águas pluviais do telhado do edifício continuam a desaguar nas escadas sob a laje que as tapa. A insalubridade continua presente e sem permitir a utilização da loja.” 21. Conclui-se, assim, que, sem prejuízo, das demais obras supra referidas, o motivo que opõe as partes é o encerramento das escadas de acesso da fração “A” ao logradouro do prédio que, conforme veremos, foi, inclusive, discutido no tribunal judicial e objeto de outros pedidos de licenciamento (...) fls. 130 e seguintes (...) 3. É notório que existe uma discrepância entre o acto de licenciamento e as peças desenhadas da propriedade horizontal. 4. Contudo, o facto de o concreto título constitutivo da propriedade horizontal se encontrar em desconformidade com o que foi licenciado não confere quaisquer direitos urbanísticos à reclamante; a propriedade horizontal apenas cria um novo estatuto sobre o prédio sobre que incide. 5. Por conseguinte, a análise que o Município deve fazer, tem que partir da premissa que o ato de licenciamento praticado para o prédio em causa, não previu qualquer área descoberta para a fração “A”, sendo que a habitação do 1.º andar (fração B) é que tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no r/c, que é feito por umas escadarias exteriores que estão representadas desde a licença inicial. 6. As inovações em terraços de cobertura, intermédios ou não, porque recaem sobre coisas imperativamente comuns, e mesmo que levadas a cabo pelo respetivo usuário, só pode ter lugar com observância do condicionalismo fixado no artigo 1425.º do Código Civil, ou seja, têm de ser aprovadas em assembleias de condóminos por uma maioria que represente 2/3 do valor total do prédio e desde que as pretendidas inovações não prejudiquem a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias, como das coisas comuns. 7. O requerente do pedido de licenciamento, para as obras em causa, obteve declaração/anuência de 2/3 do valor do prédio, contudo tais declarações não se subsumem a uma ata de deliberação da assembleia de condóminos. (...). 13. (...) para o Município, o que releva é precisamente o conteúdo da deliberação, seja ela expressa em forma de ata ou através de documento particular. 14. É que ao Município não cumpre salvaguardar os formalismos na obtenção de tal consentimento, sendo suficiente que o requerente instrua o procedimento de legalização/licenciamento com um documento que expresse que obteve o consentimento de 2/3 do valor do prédio para a execução das obras solicitadas. 15. E este entendimento está logicamente associado ao facto de a verificação da legitimidade procedimento urbanística ter uma natureza meramente formal, isto é, limitada a verificar se o requerente apresentou documento comprovativo da legitimidade, sem ter o Município que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca. 16. Por conseguinte, entendemos que os documentos anexos aos autos pelo requerente se revelam suficientes no apuramento da legitimidade procedimental urbanística, à reclamante, se assim o entender, assiste impugnar o procedimento/deliberação junto dos meios comuns. (...) 18. Ora, conforme demos conta, a DMU veio prestar esclarecimentos relativamente à discrepância existente entre o acto de licenciamento e parte dos elementos da propriedade horizontal. E com recurso a estes esclarecimentos, podemos afirmar que a fração da reclamante, no âmbito do licenciamento, não possui área descoberta, sendo que a fração B tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no r/c e que as peças escritas e desenhadas da propriedade horizontal apresentam incongruências uma vez que o relatório destina o terraço e quintal à fração B e não afeta qualquer área descoberta à fração A; Contudo, as peças desenhadas delimitam a fração B com parte do terraço e a fração A com acesso ao quintal, sendo ainda certo que parte do terraço ficou por delimitar. 19. Atenta a discrepância – note-se, apenas se verifica nas peças desenhadas da propriedade horizontal, onde se encontra delimitada/representada a fração B com parte do terraço e a fração A com acesso ao quintal – não podemos concluir que, com estas obras, ocorra qualquer alteração à propriedade horizontal. 20. Poderemos sim, concluir, pela existência de um lapso nas peças desenhadas da propriedade horizontal. 21. Lapso este que, conforme já o dissemos e voltamos a reafirmar, não tem o dom de afastar o ato de licenciamento que, conforme resulta dos autos, previu que a fração B é que tem o acesso ao quintal e à cobertura de ampliação r/c. 22. E, como tal, não é correta a afirmação da requerente, de que com as obras pretendidas legalizar, não só se altere o projeto inicial, como se altere a propriedade horizontal. 23. Aliás, na nossa opinião, se tivesse que ocorrer alguma nulidade, nos presentes autos, essa nulidade seria a do título constitutivo da propriedade horizontal. Sucede que, na nossa opinião, tão pouco se verifica uma unidade do título constitutivo da propriedade horizontal, porquanto o relatório da propriedade horizontal é claro no que concerne às partes comuns e às próprias frações. 24. Apenas as peças desenhadas desta propriedade horizontal, delimitaram incorretamente esses espaços comuns e as frações “A” e B”. 25. Nesta linha também não se pode aceitar que “o encerramento das escadas de acesso da fração “A” ao logradouro do prédio, através da construção de uma estrutura de cobertura em laje (terraço) constituiria uma inovação em zona comum que, nos termos do n.º 2 do artigo 1425.º do CC, não é permitida sem a necessária aprovação da Requerente (...) 26. Pois que, conforme resulta mais uma vez das informações prestadas pela DMU, no ato de licenciamento não estão representadas ou referidas quaisquer claraboias no prolongamento construtivo ou térreo como também não está representada qualquer comunicação expressa entre as frações “A” e “B”, sendo que, pelo contrário, apenas esta última tem um acesso licenciado ao terraço (...)”
23. Por despacho de 18 de Setembro de 2017, exarado sobre a informação n.º I/294898/17/CM_, o Sr. Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal (...) declarou a suspensão do procedimento administrativo n.º 141563/15/CM_, nos termos do n.º 7 do artigo 11.º do RJUE, por haver entendido que a respetiva decisão final depende da decisão da presente ação administrativa [cf. fls. 137-142 do PA];
24. Em 09 de Janeiro de 2017, teve lugar a Assembleia Geral dos Condóminos do edifício em propriedade horizontal sito na Rua (...), n.º 684, tendo sido deliberado quanto ao ponto único da ordem de trabalhos, autorizar as obras levadas a cabo na fração “B” cujo pedido de licenciamento fora requerido junto da Câmara Municipal (...), o que obteve 710 votos da totalidade do prédio correspondente a uma maioria representativa superior a 2/3 do valor do edifício, com o voto contra do representante da ora Autora [cf. cópia da ata de fls. 138-139 do SITAF];
25. Em 23 de Janeiro de 2017, teve lugar a Assembleia Geral dos Condóminos do edifício em propriedade horizontal sito na Rua (...), n.º 684, tendo sido deliberado quanto ao ponto único da ordem de trabalhos, autorizar as obras levadas a cabo na fração “C” cujo pedido de licenciamento fora requerido junto da Câmara Municipal (...), o que obteve 710 votos da totalidade do prédio correspondente a uma maioria representativa superior a 2/3 do valor do edifício, com o voto contra do representante da ora Autora [cf. cópia da acta de fls. 160 e 163 do SITAF];
Mais se provou que:
26. No projeto de arquitetura inicial, a fração “A” tinha uma porta e escadas que davam acesso ao logradouro/quintal situado no 1.º andar, sendo que essa porta ainda existe no local e dá acesso às escadas que foram tapadas com uma laje [cf. convicção infra explicitada];
27. A cobertura da fração “A” é constituída pelo logradouro/ terraço que, no texto do título constitutivo da propriedade horizontal, pertence à fração “B” [cf. convicção infra];
28. As obras de alteração ao projeto de arquitetura inicial requeridas pelo 1.º contrainteressado no processo n.º 141563/15/CM_ passaram pela (i) construção de alpendre/coberto na fachada tardoz da fração “B”, (ii) fecho da zona do terraço junto à cozinha para lavandaria com caixilharia na fração “B”, (iii) fecho da varanda com caixilharia, passando a marquise na fachada tardoz na fração “C” e (iv) execução de laje no terraço da fração “B” que encerrou o acesso pelas escadas da fração “A” para o logradouro [cf. convicção infra];
29. As obras de alteração aprovadas alteram a fachada e a estrutura do edifício, a sua linha arquitetónica e arranjo estético [cf. convicção infra explicitada];
30. A execução da laje que tapou a escada de acesso da fração “A” ao logradouro que no texto do título constitutivo da propriedade horizontal pertence à fração “B” implicou um aumento da área do logradouro/terraço e um aumento da área coberta da fração “A” em cerca de 3,6 metros quadrados [cf. convicção infra explicitada];
31. A execução da laje que tapou a escada de acesso da fração “A” ao logradouro que no texto do título constitutivo da propriedade horizontal pertence à fração “B” retirou o mínimo de iluminação e ventilação natural de que dispunha aquela fração, o que prejudica o seu normal uso [cf. convicção infra explicitada];
32. As obras de alteração alteraram a área coberta da fração “B” para mais de 8,0 de metros quadrados pela área da lavandaria e alpendre/coberto [cf. convicção infra explicitada];
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Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa, não se provou:
A) Que a licença de construção n.º 122/67, incluindo, o seu aditamento n.º 152/77 previsse a existência de claraboias e respiros nas casas de banho da fração “A”;
B) Que a fração “A” possui área descoberta»
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III.B.DE DIREITO
B.1- Do mérito

3.2. A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a ação administrativa intentada pela Autora, ora Recorrida, e nessa conformidade condenou o Réu: (i) a rejeitar os pedidos de legalização da execução de laje no terraço, da construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” do prédio sito na Rua de (...) e de licenciamento da construção de um coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B” do mesmo prédio”; ii) a “…a emitir ordem ao 1.º contrainteressado para que este, no prazo de 90 (noventa) dias, proceda voluntariamente à demolição das obras identificadas na alínea anterior, repondo a situação anteriormente existente, sob pena de ser tomada posse administrativa do imóvel e consequente execução coerciva da demolição”. Decidiu ainda o Tribunal a quo iii) anular “o despacho do Sr. Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal (...) que, em 14 de julho de 2016, aprovou o projeto de arquitetura”.
Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou que, dada a divergência verificada entre as peças desenhadas e o texto do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio que integra as frações A e B, não pode dar-se como assente que a zona da escada de acesso ao logradouro ou quintal e, bem assim, esse logradouro e quintal se mostrasse “ inscrita na área da fração A”, como sustentado pela Autora na petição inicial. Lê-se a esse respeito, na sentença recorrida, que «(…) não se provou que a fração “A” contivesse uma qualquer área descoberta. Porém, sabe-se, não apenas que esta tinha acesso ao logradouro situado no 1.º andar por intermédio das escadas que existiam no seu interior, como que, após a execução da laje sobre o fosso (das escadas) existentes no terraço, ampliou não só a área deste, como, inclusive, a área coberta da fração “A”. [Pontos 26), 30) e 32) do probatório]
Ou seja, o Tribunal a quo considerou que «a partir do momento em que foi executada a laje de cobertura, criou-se um espaço coberto exclusivo pela fração “A” que, conforme referiram os senhores peritos, na prática aumentou a sua área em cerca de 3,6m2”». E como tal, afigurou-se-lhe incontornável que «tal ampliação da área coberta da fração “A” e, inclusive, da área do logradouro/terraço do 1.º andar, consubstancia uma modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, assim necessitando v.g. da obtenção prévia do acordo de todos os condóminos em conformidade com o disposto no n.º1 do artigo 1419.º do Código Civil (…).».
Em jeito de conclusão, pese embora o Tribunal a quo tenha dado como certo que a execução da laje de cobertura das referidas escadas não representa a execução de uma obra na fração “A”, propriedade exclusiva da Autora, por não se ter provado que da mesma fizesse parte uma qualquer área descoberta, considerou que a «execução da laje de cobertura no 1.º andar do prédio em questão, ao ampliar a área da fração “A”, constitui, inevitavelmente, uma modificação do título constitutivo da propriedade horizontal».
Quanto ao logradouro, o Tribunal a quo, estribando-se na decisão proferida pelo TAF do Porto e confirmada pelo TCAN, no processo n.º 2325/12.3BEPRT considerou que o mesmo constitui um “terraço de cobertura” e como tal, « de modo imperativo, “parte comum” para efeitos da alínea b) do n.º1 do artigo 1421.º do CC mesmo que, no caso, o texto ( e não as peças desenhadas) do título constitutivo da propriedade horizontal o atribua à fração “B”…». E, na linha da jurisprudência que cita na sentença recorrida afirma que « não há como não concluir que se encontra demonstrado que a operação urbanística levada a cabo no logradouro/terraço de cobertura- a execução da laje que tapou a escada de acesso- constitui uma obra de inovação em parte comum para efeitos do artigo 1425.º do Código Civil- porque eliminou o acesso que se encontrava projetado por parte da fração “A” ao logradouro do 1.º andar [Ponto 5) dos factos provados]- que acabou por prejudicar a normal utilização, por parte da Autora, da sua fração “A”- dado que lhe retirou o mínimo de iluminação e ventilação natural de que dispunha [Ponto 31 dos factos provados]-, nos termos e para os efeitos do que é proibido pelo n.º7 do artigo 1425.º do Código Civil».
Assim, quanto à execução da laje no terraço de cobertura, a 1.ª Instância concluiu pela necessidade da aprovação de todos os condóminos para que os 1.ºs CI lograssem a sua legalização, pelo facto de essa obra ampliar a área coberta da fração “A”, de onde, na falta de autorização da autora, o pedido de legalização apresentado pelo 1.º CI tivesse de ser rejeitado pelo Município e ordenada a respetiva demolição.
Do mesmo modo, a 1.ª Instância entendeu que as obras de construção de uma lavandaria com caixilharia contígua à cozinha da fração “B” e a construção de um alpendre/coberto na fachada tardoz da fração “B”, alteraram a área coberta da fração “B” para mais de 8 m2, pelo que, independentemente da alteração da linha arquitetónica e arranjo estético que as mesmas obras provocaram no prédio, estas apenas relevantes na perspetiva da propriedade exclusiva, no caso era necessária a autorização de todos os condóminos, nos termos do artigo 1419.º, n.º1 do CC, uma vez que se estava perante inovações que implicavam necessariamente uma alteração do titulo constitutivo da propriedade horizontal, além de que, ocupando a lavandaria parte do terraço de cobertura, se poderia ainda cogitar a aplicação do n.º 7 do artigo 1425.º do CC.
Em suma para o Tribunal a quo as obras cuja legalização foi pedida ao Réu pelo 1.º CI são obras que implicam uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que, o mesmo não detinha a necessária legitimidade para requerer, como requereu, a legalização das mesmas impondo-se agora ao Réu que rejeite o pedido de legalização apresentado pelos 1.ºs CI e que ordene a respetiva demolição.
Quer o Município, quer os 1.ºs CI não se conformam com a decisão recorrida, entendendo ambos que o Tribunal a quo errou no julgamento efetuado.
Para o Apelante Município o erro de julgamento de direito em que incorreu o Tribunal a quo é o resultado da errónea aplicação e interpretação dos artigos 1419.º, 1421.º e 1425.º, todos do Código Civil, que por sua vez conduziu à errada conclusão de que o ora apelante deveria ter rejeitado o pedido de legalização apresentado pelo 1.º CI e determinado a demolição da obra de execução de laje no terraço que serve a fração “B”, da lavandaria contígua à cozinha e do coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B”. E bem assim, de uma errónea aplicação e interpretação do artigo 121.º do CPA ao caso em apreço, por via do disposto no artigo 163.º, n.º 5 do CPA. Para o apelante, foi a existência de uma discrepância entre o ato de licenciamento do prédio, e as peças desenhadas da propriedade horizontal, que esteve na origem do problema mas que o facto de o título constitutivo da propriedade horizontal se encontrar em desconformidade com o que foi licenciado não confere quaisquer direitos urbanísticos à recorrida. Para o Apelante, na situação em análise, tem de se partir da premissa que o ato de licenciamento praticado para o prédio em causa não previu qualquer área descoberta para a fração “A”, e que a habitação do 1.º andar/fração “B” é que tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação no r/c, que é feito por umas escadas exteriores que estão representadas desde a licença inicial, ou seja, que a fração A, propriedade dos autores, não possui área descoberta, mas que o mesmo não sucede com a fração B, correspondente a uma habitação no 1.º andar, que tem acesso ao quintal e ao terraço da ampliação do r/c. E sendo assim, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 1425.º do C.C. as obras cuja legalização foi pedida pelos 1.ºs CI, apenas têm de ser aprovadas em assembleia de condóminos por uma maioria que represente 2/3 do valor total do prédio e desde que as pretendidas inovações não prejudiquem a utilização, por parte de algum condómino, tanto das coisas próprias como das coisas comuns, sendo que, no caso, também diversamente do que foi decidido pela 1.ª Instância, considera que essas obras não prejudicam nenhum dos condóminos.
Por sua vez, os Apelantes 1.ºs Contrainteressados, recorrem da sentença proferida pela 1.ª Instância, asseverando que para poder afirmar-se que a execução de uma laje por cima de umas escadas no terraço da fração “B” implica o aumento da área coberta ou descoberta de qualquer fração, teria que se determinar a que fração pertencem as ditas escadas. No caso, as escadas em causa foram construídas a “céu aberto”, uma vez que partiam do limite exterior da fração “A”, sita no r/c e desembocavam no terraço da fração “B” sita no 1.º andar, e considerando que as escadas pertencem à fração “B”, a execução da laje não altera a área descoberta desta fração, apenas lhes dá uma forma diferente: a área que as escadas ocupam deixa de ser em degraus passando a ser toda ao mesmo nível. Realçam que a sentença recorrida considerou inexistir prova de que as escadas pertençam à fração “A”, por esta não possuir área descoberta, razão pela qual, a laje colocada sobre as mesmas não pode nunca conduzir ao aumento da área coberta desta fração.
Entendem que a conclusão extraída pelo Senhor Juiz a quo é contraditória, uma vez que, não tendo a fração “A” área descoberta, não existindo prova em como as escadas pertencem à fração “A”, a sua cobertura não faz com que passem a pertencer, não a podendo aumentar ou diminuir.
Quanto ao argumento de que o logradouro onde se situam as escadas é parte comum, tal como decidido pelo TCAN no âmbito do processo n.º 2325/12.3BEPRT, dizem que naqueles autos discutia-se a anulação da ordem de demolição das obras de ampliação que o 1.º contrainteressado havia levado a cabo no logradouro, e que consistiam na ampliação da habitação e na construção de anexo, sendo que nenhuma dessas obras estava erigida sobre as ditas escadas, ao passo que o prédio onde se situam as obras de execução de laje sobre escadas que ora nos ocupam, possui área descoberta constituída por terraço e quintal, sendo que o título constitutivo da propriedade horizontal, bem como as peças escritas do pedido de licenciamento preveem que tal área descoberta é parte integrante da fração “B”. E sustentam que pese embora um terraço, na parte em que sirva de cobertura a uma fração se deva considerar “parte comum” para efeitos da alínea b) do n.º1 do artigo 1421.º do CC, as escadas cujo licenciamento de execução de laje por cima das mesmas se solicitou, não são cobertura de qualquer fração, e como tal não podem ser consideradas como “parte comum”.
Ademais sustentam que a construção da laje sobre as ditas escadas não prejudica, pelo menos, significativamente, a utilização da fração “A”, quer ao nível de arejamento, que é diminuto, quer ao nível de iluminação.
Assim, não alterando a área de qualquer fração, nem sendo parte comum, a sua legalização apenas exige uma maioria de dois terços da totalidade do prédio, de acordo com o disposto no n.º3 do art.º 1422.º do CC, por apenas alterarem a linha arquitetónica e o arranjo estético do edifício.
Quanto à construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B”, trata-se apenas da colocação de uma porta num espaço coberto contíguo à cozinha da fração “B”, localizado por baixo da laje da varanda da fração “C”, ou seja, alinhar a porta das traseiras da fração “B” com a varanda da fração “C” que lhe serve de teto, na fachada tardoz do edifício, não implicando qualquer outra nova construção. Ademais, tal porta não foi colocada no terraço que serve de cobertura à fração “A” mas no espaço privativo pertencente em exclusivo à área integrante da fração “B”. O Tribunal a quo considerou que a construção da marquise na fração “C”, apenas introduz uma modificação na linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício, sendo que a construção da lavandaria, na fração “B”, tem exatamente a mesma configuração física.
Entendem, em suma, que as obras realizadas na fração “B” apenas introduzem uma modificação na linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício, sendo suficiente a autorização da maioria de dois terços do valor total do prédio.

Vejamos.
Está em causa saber, no essencial, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por ter considerado que os 1.ºs CI não possuíam legitimidade para apresentar o pedido de licença de obras de edificação relativo à legalização da execução de laje no terraço (que encerra as escadas de acesso da fração ”A” ao terraço e logradouro situados no 1.º andar) e o licenciamento de uma obra de ampliação e alteração que consiste na construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B”, e na construção de um coberto / alpendre na fachada tardoz da fração “B”, uma vez que, considerando o regime legal da propriedade horizontal os mesmos tinham de obter previamente a autorização de todos os condóminos, não bastando uma autorização de apenas 2/3 dos condóminos.
A esse propósito, cumpre referir ser pacífico na doutrina e na jurisprudência administrativa o entendimento de que a administração municipal, competente para a apreciação dos projetos e para concessão das licenças e autorizações urbanísticas ou pela admissão de comunicações prévias, deve apreciar os referidos projetos exclusivamente à luz das normas de direito público e não à luz das normas de direito privado relativas à realização destas operações, designadamente, as normas do Código Civil aplicáveis à construção, cuja aplicação não lhe incumbe assegurar, tanto mais que a violação destas não pode constituir fundamento válido de indeferimento de pedidos de licenciamento.
Com efeito, visando a licença ou autorização de construção o cumprimento das normas urbanísticas, enquanto as normas de direito privado relativas à construção regulam as relações entre privados, designadamente, as relações de vizinhança, é manifesto que a concessão ou não da licença ou autorização de construção deve ser apreciada exclusivamente à luz das normas urbanísticas, sendo a licença ou autorização de construção concedida sob reserva de direitos de terceiros, e isto porque os atos de gestão urbanística apenas regulam as relações entre a Administração e o seu titular e, por isso, não constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas privadas (Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação”, Comentado, 2ª ed., págs. 142 e 143).
No entanto, a circunstância dos atos de gestão urbanística se encontrarem subordinados exclusivamente a normas de direito do urbanismo e da sua emissão ocorrer sob reserva dos direitos de terceiros, tal não significa que a administração possa ignorar as regras de direito privado, como efetivamente não pode, sob pena de violar o princípio da unidade do sistema jurídico.
Acresce que o artigo 9º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, e a Portaria n.º 232/2008, de 11/03, exige não só que o requerente ou comunicante invoque, mas também faça prova, aquando da apresentação do pedido, da titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a sua pretensão, de onde decorre recair sobre a Administração o ónus de, na fase de apreciação liminar do processo e antes de apreciar o pedido que lhe é apresentado, verificar da existência efetiva do pressuposto da legitimidade do requerente para requerer e realizar a operação urbanística que pretende lhe seja deferida pela Administração.
Logo, é dever dos órgãos municipais competentes averiguar se o particular tem, à luz do ordenamento jurídico que o define – o civil – legitimidade para iniciar o procedimento que intenta.
Trata-se de uma mera apreciação formal, que se limita a verificar se o requerente apresentou o documento comprovativo que lhe confere legitimidade para realizar a operação urbanística que pretende lhe seja deferida, sem que a Administração possa ou tenha de efetuar quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca.
“Isto é assim porque, para além da submissão exclusiva dos atos administrativos de gestão urbanística a regras de direito do urbanismo, elas caracterizam-se também por serem emitidas tendo em consideração, não o requerente, mas a conformidade do projeto com as regras urbanísticas aplicáveis ao terreno em causa. Trata-se do caráter real destes atos, segundo o qual os mesmos são emanados em função das características objetivas do terreno, tendo em conta a regulamentação de urbanismo, e não em função da qualidade do requerente. A consequência imediata que resulta do controlo meramente formal da legitimidade do requerente ou comunicante é a de que a licença deve ser emanada, mesmo que o seu direito seja contestado por terceiros. Com efeito, existindo um diferendo entre o requerente ou comunicante e terceiros no que concerne à titularidade do direito de propriedade, não deve a Administração resolvê-lo, sob pena de usurpação de poderes, já que a resolução de litígios jurídico-privados cabe aos tribunais judiciais e não à Administração” ( cfr. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, ob. cit., pág. 149.).
Mas compete à autoridade administrativa, no procedimento de licenciamento ou de legalização de obras, antes de apreciar o mérito do pedido, verificar a existência do pressuposto procedimental da legitimidade em face da documentação apresentada.

Neste sentido, lê-se no Acórdão do STA de 09/11/2017, proferido no processo n.º 087/13 que: «No procedimento de licenciamento ou de legalização de obras, embora a autoridade administrativa não possa imiscuir-se em litígios de ordem privada, suscetíveis de ocorrerem entre particulares, cuja resolução cabe aos tribunais, tem de analisar a titularidade do direito que confere ao requerente a faculdade de realizar a operação urbanística em causa por, antes de apreciar o mérito do pedido, lhe competir verificar a existência do pressuposto procedimental da legitimidade em face da documentação por ele apresentada (cf. artºs. 83.º, do CPA, 16.º, n.º 1, do DL n.º 445/91, de 20/11 e 2.º, n.º 2, al. b), da Portaria n.º 1115-B/94, de 15/12). Por isso, a Administração poderá ter de analisar se ocorreu o cumprimento de determinadas normas de direito privado que conferiam ao requerente legitimidade para formular o pedido.»

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que pretendendo o 1.º CI, na qualidade de comproprietário da fração “B”, legalizar as obras realizadas e supra identificadas, o mesmo não instruiu o pedido de legalização com um documento que contivesse a autorização de todos os condóminos para a realização dessas obras. Juntou apenas duas declarações de autorização subscritas pelos proprietários das frações “C” e “D” (vide ponto 13 do elenco dos factos provados), vindo posteriormente, após solicitação dos serviços do réu, a juntar declaração de autorização subscrita pela comproprietária da fração “B” (vide ponto 15 do elenco dos factos provados).
Nessa sequência, os serviços do Apelante (Réu) entenderam que o pedido de legalização dessas obras estava instruído com todos os documentos necessários, após o que propuseram a aprovação do projeto de arquitetura, tendo o mesmo sido aprovado pelo despacho de 14 de junho de 2016 do Senhor Vereador com o Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal (...) (CM_)- ( vide pontos 15 a 20 do elenco dos factos provados).
A Autora insurgiu-se junto da CM_ contra a aprovação do projeto de arquitetura, após o que intentou a presente ação, sendo que por despacho do referido Senhor Vereador de 18/09/2017 o respetivo procedimento administrativo de licenciamento foi suspenso até que seja decidida a presente ação.
Deste modo, urge verificar se à luz do ordenamento civilístico nacional é imposta por lei, sendo necessária, a autorização individual de todos os condóminos, consentindo na realização das obras de execução de laje no terraço, da construção de uma lavandaria contígua à cozinha da fração “B” do prédio sito na Rua (...), n.º 684, (…) e bem assim da construção de um coberto/alpendre na fachada tardoz da fração “B” do mesmo prédio e consequentemente, se é anulável o despacho do senhor vereador que aprovou o respetivo projeto de arquitetura, impondo-se aos 1.ºs CI que procedam à demolição dessas obras, ou se, diversamente, os 1.ºs CI detinham legitimidade para requerer a legalização das sobreditas obras com a junção de documento comprovativo da autorização concedida por 2/3 dos condóminos, por tais obras apenas configurarem uma alteração da linha estética do prédio.
Destarte, importa analisar o regime da propriedade horizontal.

Como é sabido, a propriedade horizontal apresenta-se como um direito real autónomo, que é integrado por um misto incindível de propriedade singular sobre uma parte determinada do edifício e de compropriedade sobre outras partes destes, funcionalmente ligadas àquele.
Dispõe o artigo 1414.º do CC que as «frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal». E no artigo 1415.º do CC, prevê-se que só «podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública».
Resulta do disposto nestas normas do CC que a propriedade horizontal pressupõe «a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais, por forma a que, entre dois planos, se compreendam uma ou várias unidades independentes, ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio em unidades autónomas» (Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», RDES, XXIII, pág. 84).
Para haja propriedade horizontal é essencial a existência de frações autónomas, integradas na estrutura de um edifício, frações estas que têm de se apresentar isoladas entre si por forma a que permitam propriedades separadas e têm de ter saídas próprias para uma parte comum do prédio ou para a via pública. Além destas frações autónomas, na propriedade horizontal, deparamo-nos com partes comuns do edifício, as quais desempenham uma função acessória em relação às frações autónomas, no sentido de que as últimas, estando integradas na estrutura do edifício, não têm por si só autonomia funcional, mas a sua utilização demanda o uso das partes comuns, sendo, por isso, estas imprescindíveis ao uso das frações autónomas e sendo delas inseparáveis.

A constituição de um edifício em propriedade horizontal só é possível se as frações que o integram estiverem em condições de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas, além de que tais frações têm de ter saída própria para a via pública ou para parte comum do prédio (ex: corredor/hall de acesso à porta comum de saída do edifício ou às escadas que dão acesso àquela porta).
Nesta esteira, tal como realçava o saudoso Conselheiro Aragão Seia, “não se pode falar em propriedade horizontal se cada uma das frações for independente das demais e não tiver de utilizar espaços comuns do edifício, como sucede no caso de moradias geminadas“– (cfr. Propriedade Horizontal “, pág. 15).
Trata-se, por conseguinte, de um direito real complexo que combina no âmbito dos direitos reais a propriedade singular, sobre a fração autónoma, e a compropriedade, sob as partes comuns do edifício (art. 1420º do CC).
O que caracteriza verdadeiramente a propriedade horizontal e confere ao respetivo instituto verdadeira autonomia e exige a sua submissão a um estatuto real ou regime jurídico próprio e específico, reside precisamente no facto de, na propriedade horizontal, se estar perante um único edifício, dotado de uma estrutura unitária, decomposto em diversas frações autónomas, podendo cada uma delas pertencerem a proprietários distintos, mas em que essas frações autónomas apenas gozam da sua autonomia funcional através da utilização de partes comuns do edifício, as quais estão necessariamente afetas ao serviço de todas as frações, em relação às quais os proprietários das diversas frações autónomas assumem a posição de comproprietários.
A propriedade horizontal é, portanto, a propriedade exclusiva de uma habitação integrada num edifício comum, em que o direito de cada condómino em conjunto é o direito sobre um edifício e, como tal, é tratado unitariamente pela lei; mas em que o objeto sobre o qual esse direito incide é misto, uma vez que é constituído por uma habitação exclusiva, e por coisas comuns, que são acessórias e que estão necessariamente afetas a todas as habitações autónomas em que se subdivide o edifício, em relação à qual os condóminos assumem a posição de comproprietários ( cfr. Abílio Neto, “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., 1992, Ediforum, pág. 10).
Esse todo incindível entre frações autónomas e partes comuns gera naturalmente fortes laços de interdependência entre os diversos condóminos, que cerceiam e condicionam os direitos de propriedade singular daqueles sobre as frações de que são proprietários, ao gerarem relações de especial e acentuada proximidade e de vizinhança, em que o comportamento de uns se reflete necessariamente no direito dos restantes, que importa regular, a que acresce a necessidade de regulamentação do direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns do edifício.
Tal como escreve Antunes Varela, a propriedade horizontal constitui um direito real típico, com um lugar próprio na tipologia dos direitos sobre as coisas, embora sistematicamente enquadrada no título geral consagrado ao direito de propriedade [pelas estreitas afinidades estruturais que mantém com este instituto], revestindo uma fisionomia inconfundível na carta topográfica dos direitos reais, fisionomia própria esta que resulta não apenas da simbiose entre a propriedade exclusiva e a compropriedade efetuada na titularidade de cada condómino, mas também no vínculo de incindibilidade que prende os dois direitos assente na relação funcional entre as frações autónomas e as partes comuns do edifício – (cfr. RLJ, 108º, pág. 58).
Podemos assim concluir que na propriedade horizontal concorrem dois direitos reais: um, de propriedade singular e exclusiva, que tem por objeto as frações autónomas do edifício (artigo 1420.º, n.º 1 do CC); e outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns (artigo 1421.º do CC).
Fala-se então de condomínio, «figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial - daí a expressão condomínio - sobre frações determinadas».
Compreende-se, por isso, que se estabeleça no artigo 1422.º, n.º 1 do CC que os «condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis».
Dir-se-á mesmo que o que há «de específico no direito de propriedade sobre as frações autónomas é apenas o facto de sobre tal direito impenderem restrições que não derivam do regime normal do domínio, mas que a lei estabelece ou permite em virtude de o objeto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras frações pertencentes a proprietários diversos» (Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», RDES, XXIII, pág. 147).
Logo, é esta interdependência e incindibilidade entre frações autónomas e partes comuns do edifício e, bem assim a especial proximidade de relações de vizinhança que intercede entre os diversos condóminos, que justifica a autonomização da propriedade horizontal como direito real.
As frações autónomas do edifício, nos termos do disposto no art.º 1418º do Cód. Civil, serão individualizadas no respetivo título de constituição da propriedade horizontal, aí se especificando também as partes do edifício que pertencem a cada uma delas, bem como o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio. O que aí não esteja especificado como pertencente a cada fração, será, em princípio, havida como parte comum, a não ser que esteja afeta ao uso exclusivo de um dos condóminos (artigo 1421.º, n.º 2, al. e), do CC).
Note-se que o regime jurídico de edifício constituído em propriedade horizontal é regulado, em primeiro lugar pelo conjunto de normas fixadas legalmente, depois pelo título constitutivo da propriedade horizontal, a seguir pelo regulamento do condomínio e, finalmente, pelas deliberações de condóminos.

O título constitutivo da propriedade horizontal é o instrumento notarial que corporiza a declaração unilateral ou coletiva da constituição da propriedade horizontal, tratando-se, portanto, do elemento constitutivo ou fundamentador desta.
Esse elemento constitutivo tem de conter, por imperativo legal, as menções enunciadas no n.º 1 do art.º 1418º, podendo conter, a título facultativo, os elementos identificados no n.º 2, cuja enumeração é meramente exemplificativa, conforme decorre do vocábulo “designadamente”, o que significa que para além dos elementos previstos nesse n.º 2, em que se conta a menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum (al. a), o titulo constitutivo poderá conter outros elementos de não menção obrigatória. Por outras palavras, o título constitutivo de propriedade horizontal, ou a sua modificação, deve identificar as frações com os requisitos legais, designadamente com a indicação da área e do valor relativo de cada uma delas, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (artigos 1415º e 1418º do Código Civil). Daí que qualquer alteração ao número de frações ou às áreas de todas ou algumas das frações existentes importa o novo estabelecimento, por acordo ou por arbitramento, do valor relativo de todas elas e do valor global do prédio, também relevante para alguns efeitos, como seja para o caso de destruição parcial do edifício (artigo 1428º do Código Civil) – ( cfr. Acórdão do TRP, de 22/02/2017, processo n.º 1075/15.3T8PVZ.P1).
Deste modo, é de concluir que qualquer obra que implique a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal só é possível ser realizada/legalizada com o acordo de todos os condóminos, conforme resulta do disposto no artigo 1419.º do CC.
O título constitutivo da propriedade horizontal, a par da sua eficácia enquanto ato gerador da autonomização jurídica das frações do edifício pode, assim, desempenhar uma função modeladora dos poderes e dos deveres dos condóminos sobre as frações autónomas e sobre as partes comuns do edifício, ampliando ou restringindo o regime legal não imperativo.
Quando tal suceda, o título constitutivo da propriedade horizontal, quando registado, “assume uma função modeladora do estatuto da propriedade horizontal e as regras que nele se estabeleçam, quer completem o regime legal, quer dele se afastem na medida em que a lei o permita, adquirem força normativa, impondo-se ao futuros adquirentes das frações, independentemente do seu assentimento” ( cfr. Abílio Neto, ob. cit., pág. 56.).
Essas regras, constantes do título constitutivo, embora resultem de uma declaração negocial, quando registadas, adquirem força normativa ou reguladora, tendo eficácia ergo omnes e, como tal, impõem-se aos condóminos presentes e futuros e a todos os terceiros e, inclusivamente, às entidades públicas, como sejam as responsáveis pelo licenciamento da utilização que se pretenda dar às diversas frações autónomas.
Note-se que o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser elaborado em qualquer momento, mesmo que o edifício se encontre ainda em construção, e conforme realçam Pires de Lima e Antunes Varela, “há toda a vantagem em admitir que a constituição da propriedade horizontal possa ter por objeto prédios em construção ou a construir. A delimitação prévia das frações autónomas e a definição de pontos essenciais do regime do futuro condomínio possibilitam que todo o candidato à aquisição de unidades independentes do imóvel conheçam antecipadamente (isto é, antes da celebração do contrato promessa, que constitui normalmente o termo da primeira fase das frações autónomas), os seus direitos e obrigações, bem como as limitações a que, como condómino, ficará sujeito”- (cfr. Acs. STJ. de 17/11/2019, Proc. 25592/16.3T8PRT.S1; e 15/05/2013, Proc. 3424/07.9TBPVNG.P1.S1, in base de dados.)
Para que o releva à economia destes autos, importa reter que «as inovações sobre as partes comuns que introduzam modificação das características do prédio, como tal especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, carecem de ser aprovadas por todos os condóminos nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, do CC.»- ( cfr. Acórdão do STJ, de 22/02/2017, processo n.º2064/10.0TVLSB.L1.S1).
No que concerne às partes comuns do edifício (artigo 1421.º do CC), umas há que são imperativamente comuns a todos os condóminos (n.º 1). E outras partes comuns são-no apenas presuntivamente (n.º 2).
O n.º1 deste preceito estabelece imperativamente que «1. São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração; (…)”, acrescentando o seu nº 3 que «O título constitutivo pode afetar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».
“As partes necessária ou imperativamente comuns são as partes estruturais do edifício, designadamente o solo, os alicerces, as colunas e pilares e as paredes mestras; os elementos de cobertura, o telhado ou certos terraços; os elos que permitem a circulação, a comunicação, ou a ligação espacial entre as várias frações, e entre estas e as partes comuns do prédio ou as saídas para a rua: entradas, vestíbulos, escadas e corredores – elos ou elementos comunicantes; são ainda partes necessariamente comuns as instalações gerais, que estão funcionalmente afetadas ao uso comum” e, assim, temos “uma afetação estrutural, uma afetação da envolvente ou de cobertura, uma de comunicação e uma funcional”- ( cfr. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, pág. 27).
“No elenco das coisas forçosa ou necessariamente comuns cabem não só as partes do edifício que integram a sua estrutura (como elementos vitais de toda a construção), mas ainda aquelas que, transcendendo o âmbito restrito de cada fração autónoma, revestem interesse coletivo, por serem objetivamente necessárias ao uso comum do prédio.
Quanto ás primeiras (as que pertencem à estrutura da construção), elas são comuns, ainda que o seu uso esteja afetado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos” – ( cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra, 1987, pág. 420.)
As paredes mestras, a que alude a al. a), são aquelas que têm a função de suster o edifício mas também tudo o que comporta a estrutura e a linha arquitetónica das paredes exteriores do edifício e as paredes perimetrais, que são as paredes exteriores do edifício, mesmo quando não tenham função de paredes mestras, delimitam a superfície coberta, determinando a consistência volumétrica do edifício e delineando o seu perfil arquitetónico, a fachada do edifício, pelo que são comuns a todos os condóminos- (cfr. Sandra Passinhas, ob. cit., pág. 31).
Os terraços de cobertura, a que alude a referida al. b), são estruturas não cobertas, cujo piso constitui, simultaneamente, teto ou parte do teto de fração ou frações do piso imediatamente inferior ou de partes comuns situadas nesse piso, tendo, assim uma dupla função: de terraço e de cobertura.
São parte, imperativamente, comum quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção
( cfr. Ac. do TRL de 21/5/1998, CJ, III, págs 148 e ss e v. Sandra Passinhas, Idem, pág. 34), quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam e resultando da factualidade assente ser o terraço também cobertura de fração que constitui andar imediatamente inferior, trata-se de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção (cfr. Ac. do STJ de 6/11/2018, proc. 572/15.5T8SSB.E1.S1 e de 19/9/2002, proc. 02B2062 e de 16/10/2003, proc. 03B2567, ambos in dgsi.pt; e Acs. do TRP de 11/10/2018, processo n.ºs 449/15.4T8ILH.P1 e de 10/7/2019, processo n.º 25518/17.2T8PRT.P1, ambos in dgsi.pt), sendo que, terraços intermédios, isto é, com função de cobertura de andares inferiores, mas afetos ao uso de pisos intermédios, e não ao uso do último piso, são partes imperativamente comuns (cfr. Acs. do TRG 19/9/2019, processo n.º. 1679/16.7T8CHV.G1 e Ac. do TRC, de RC de 10/9/2019, proc. 128/16.5T8SAT.C1, in dgsi.pt).
A natureza comum dos terraços de cobertura bem se justifica atendendo ao interesse em garantir a segurança e a proteção do edifício, interesse dependente da sua permanente e adequada vigilância e conservação (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), ação que não pode ficar dependente da vontade individual de um ou alguns condóminos, mas do condomínio (cfr. Ac. da RP de 2/5/2016, proc. 1989/08.0TVPRT.P2 , in dgsi.pt).
Resulta, assim, que, para além da fachada do edifício, um terraço de cobertura, ainda que proteja, apenas, alguma (s) das frações, é, imperativamente, parte comum do prédio, não obstando a tal que no título constitutivo da propriedade horizontal se atribua a algum dos condóminos o uso exclusivo de tal terraço ( cfr. Ac. da RL de 29/6/1989, CJ, 1989, Tomo III, pág. 159).
E, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos condóminos é lícito servir-se dela, seja ou não segundo a sua destinação principal, desde que a não empregue para fim diferente daquele a que se destina (cfr. Sandra Passinhas, Idem, pág. 35).
Limites que se encontram consagrados ao exercício de direitos dos condóminos, desde logo no art.º 1422º e no art.º 1425º, não podendo prejudicar com obras novas a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do prédio. O artigo 1425.º regula as inovações em partes comuns e aquele as obras realizadas em frações autónomas, sendo que estas não constituem inovação e não dependem de consentimento dos restantes condóminos, ao invés do que sucede quanto a obras em partes comuns.
Com efeito, às obras de inovação realizadas sobre as partes comuns não é aplicável o disposto no artigo 1422.º, n.º 2, 3 e 4, que se confina às inovações feitas nas frações autónomas, sendo antes aplicável o preceituado no artigo 1425.º do mesmo diploma, que acolhe um conceito amplo de inovação, abarcando quer as alterações de substância e forma da parte comum, quer o seu destino ou afetação, tal como decorrem do título de constituição da propriedade horizontal e da lei -(cfr. Ac. do STJ de 22/2/2017, proc. 2064/10.0TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt).
No mesmo sentido, também se pronunciou o STA, no seu Acórdão de 09/11/2013, proferido processo n.º 087/13, em cujo sumário se expendeu a seguinte jurisprudência : «VI - Se a obra cuja legalização foi pedida respeita a uma parte comum do edifício, está sujeita ao regime do art.º 1425.º, do C. Civil, e não do art.º 1422.º, do mesmo diploma, que se reporta àquelas que são realizadas nas frações autónomas». ( sublinhado nosso).
Nos termos do n.º 1 do artigo 1425.º, a realização de obras inovadoras sobre coisas comuns que beneficiem as já existentes ou introduzam novas coisas comuns no edifício ou consistam em demolição de antigas coisas comuns dependem da aprovação da maioria absoluta dos condóminos que seja representativa de 2/3 do valor total do prédio. E, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, não é permitida a introdução de inovações em coisas comuns já existentes suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns. Porém, repete-se, as inovações sobre as partes comuns que introduzam modificação das características do prédio, como tal especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, carecem de ser aprovadas por todos os condóminos, nos termos do artigo 1419.º, n.º 1.
Lê-se no Acórdão do TRC, de 02/02/2016, processo n.º 309/07.2TBLMG.C1, in dgsi.pt que “A sanção natural para a execução de obras ilícitas é, conforme também vem sendo entendido, a sua demolição”.
No caso, é consensual que o terraço que constitui a cobertura da fração “A” (terraço intermédio”) apesar de constar do título constitutivo da propriedade horizontal como parte descoberta da fração “B”, é parte comum do prédio em causa.
A discordância dos apelantes para com a sentença recorrida está em considerarem que as obras realizadas pelos 1.ºs CI, atendendo a que a fração “A” não tem nenhuma área descoberta, pese embora sejam em espaço considerado zona comum, apenas exigem o consentimento para a sua realização de uma maioria de 2/3 dos condóminos e não da totalidade, considerando que nenhum prejuízo decorre dessas obras para a Autora, aqui apelada.
Mas sem razão.
No que concerne à construção da laje sobre as escadas, deu-se como provado na fundamentação da sentença recorrida, que no projeto de arquitetura inicial, a fração “A” tinha uma porta e escadas que davam acesso ao logradouro/quintal situado no 1.º andar, sendo que essa porta ainda existe no local e dá acesso às escadas que foram tapadas com uma laje (vide ponto 26). E que a execução dessa laje tapou a escada de acesso da fração “A” ao logradouro que no texto do título constitutivo da propriedade horizontal pertence à fração “B”, o que implicou um aumento da área do logradouro/terraço e um aumento da área coberta da fração “A” em cerca de 3,6 m2 (vide ponto 30). Mais se provou que a execução dessa laje retirou o mínimo de iluminação e ventilação natural de que dispunha aquela fração, o que prejudica o seu normal uso.
Os factos assim provados não foram questionados pelas partes, pelo que se tem se considerar a matéria de facto como estabilizada. Ora perante estes factos, no que concerne á obra traduzida na construção da laje sobre as referidas escadas, tratando-se como se trata de uma obra realizada numa parte comum, nunca a mesma não poderia ser realizada sem o consentimento de pelo menos 2/3 dos condóminos.
A questão está em saber se no caso essa obra reclamava a unanimidade de todos os condóminos, ou seja, o aval de todos, incluindo, por conseguinte, a autorização da autora, aqui apelada.
A sentença recorrida considerou que essa obra, constituía uma inovação numa parte comum – terraço de cobertura da fração “A”- que afetava a utilização quer da parte própria da fração “A”, quer da parte comum, conquanto tinha como consequência o aumento da área coberta da fração “A” e o aumento da área descoberta do logradouro/terraço ( parte comum), pelo que se estava perante uma obra que implicava a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal nos termos do artigo 1419.º do Código Civil, designadamente porque alterava as respetivas permilagens, e tal alteração apenas pode ser levada a cabo uma vez obtida a prévia anuência/acordo de todos os condóminos. No caso, a Autora, ora apelada, não deu a sua autorização para a realização dessa obra, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que o Município não podia ter aprovado o projeto de arquitetura que lhe foi apresentado pelos 1.ºs CI, ora Apelantes, sem antes ter cuidado de aferir se «face às questões suscitadas pela A., durante o procedimento de licenciamento, se o aumento da laje implicava, ou não, um aumento da área (3,6 m2) na fração “A”, pois só após este juízo relativo às características técnicas da operação a licenciar, poderia apurar se para o efeito o contrainteressado teria de apresentar uma deliberação aprovada pela maioria de 2/3, ou se pelo contrário, tal deliberação deveria ter sido aprovada por unanimidade» ( ver parecer elaborado pela Senhora Procuradora Geral Adjunta).
Não se compreende que o Apelante Município afirme que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1419.º, 1421.º e 1425.º do Cód. Civil, quando não impugna a matéria de facto dada como assente, de acordo com a qual a construção da sobredita laje sobre as escadas teve designadamente como consequência o aumento da área coberta da fração “A”, porque a ser assim, é incontornável que essa inovação carecia do consentimento de todos os condóminos e não apenas da maioria qualificada de 2/3 dos condóminos.
Quanto aos 1.ºs CI/Apelantes, os mesmos sustentam não poder aceitar-se que a construção da laje sobre as referidas escadas tenha aumentado a área coberta da “fração A” uma vez que tal só poderia acontecer caso as ditas escadas pertencessem à fração “A”, o que o próprio Tribunal a quo deu como não provado, pelo que, sendo tais escadas pertencentes à fração “B”, as mesmas não só não aumentaram a área descoberta da fração “A” como não aumentaram a área descoberta da fração “B”.
No que tange a esta alegação, sublinhamos prima facie, que os apelados não impugnaram a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo, da qual resulta que a construção da dita lage sobre as escadas aumentou a área coberta da fração “A” em 3,6m2. Portanto, é ponto assente que essa obra teve como consequência o aumento do espaço “habitável/utilizável” daquela fração em 3,6 m2, passando aquele espaço a integrar materialmente essa fração.
Na verdade, com essa obra foi alterado o volume da construção até então existente.
Secundo, não pode aceitar-se, como afirmam os Apelantes/1.ºs CI que as referidas escadas pertençam à fração “B”, posto que esse facto não resulta como provado do elenco dos factos dados como assentes na fundamentação de facto da sentença recorrida.
Na verdade, o que se extrai da sentença recorrida é que houve uma ausência de prova relativamente à propriedade das referidas escadas, quer pelos ora apelantes, quer pela apelada, pelo que, como bem decidiu o Tribunal a quo, as mesmas tinham de ser consideradas como parte comum.
Por fim, afigura-se-nos correta a conclusão de acordo com a qual, o espaço ocupado por essas escadas, uma vez tapadas com a referida laje que as encimou, passou a constituir um espaço integrante da área coberta da fração “A”, que aumentou na proporção da área das escadas. Note-se que, sendo um espaço fechado, no prolongamento da fração “A”, ao qual apenas têm acesso os utilizadores da fração “A”, não pode senão ser considerado como área coberta integrada naquela fração. Note-se que as referidas escadas deixam de dar acesso a qualquer lugar, apenas tendo acesso às mesmas a autora enquanto proprietária da fração “A”, pelo que, mal se compreenderia que a mesma fique obrigada a manter e a conservar aquele espaço, se do mesmo não pudesse retirar nenhum proveito ou utilidade.
A colocação da laje sobre aquelas escadas teve como consequência uma alteração na realidade da fração “A”, aumentando a sua área coberta, ou seja, a área “habitável/utilizável” dessa fração, situação que deveria ter sido considerada pelo Município Apelante em sede de legitimidade dos 1.ºs CI para a apresentação do pedido de legalização dessa obra, o que não foi feito.
Como se diz na sentença recorrida: «a partir do momento em que foi executada a laje de cobertura, criou-se um espaço coberto de acesso exclusivo pela fração “A”, que conforme referiram os senhores peritos, na prática, aumentou a sua área em cerca de 3,6m2.
E afigura-se-nos igualmente evidente, que essa obra teve concomitantemente como consequência o aumento da área do logradouro/terraço afeto à fração “B”, ou seja, da área descoberta constituída pelo referido terraço.
Tais alterações são inovações que implicam uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal na medida em que modificam a área coberta e a área descoberta respetivamente, das frações “A” e “B”, exigindo, atento o disposto no artigo 1419.º, n.º1 do CC a obtenção previa do acordo de todos os condóminos».
Conforme refere Mota Pinto (In Direitos Reais, coligidas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Livraria Almedina, Coimbra, 1976, p. 286 ): «Os atos de disposição de partes comuns só podem ser decididos por unanimidade, mesmo em relação às partes comuns enunciadas pela lei no artigo 1421.º - solo, o telhado, os terraços de cobertura (…), e não por maioria, mesmo qualificada.»
Adianta o mesmo autor (In ob. cit. p. 286, nota 58), que: «O terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador – mesmo quando este o pode utilizar para recreio ou para usos vários – é propriedade dos condóminos. E, por exemplo, um direito de construir sobre ele é um direito de que dispõe a comunidade, e não apenas o proprietário do último andar.»
Com interesse para a situação em análise, veja-se o Acórdão do STJ, de 04/10/1995, proferido no processo n.º 87.261, publicado no BMJ n.º 450, pp. 492-502, dada a semelhança da situação aí tratada com a versada nestes autos, no qual se considerou que:
«A aprovação da obra inovadora por parte dos condóminos não pode ser feita por um qualquer modo.
(…)
Há ainda obras de tal natureza que modificam o próprio prédio tal como ficou caracterizado no título constitutivo da propriedade horizontal.
Pense-se naquelas hipótese em que (…) uma das frações autónomas aumenta de área à custa de um espaço comum como sucederá na hipótese ma loja existente no rés-do-chão do prédio seja ampliada, incorporando nela a garagem comum, ou parte dela, existente no mesmo rés-do-chão ou na cave, também com a consequente alteração das percentagens que no valor do todo cabe a cada uma das frações autónomas (aumento da percentagem no valor da loja e diminuição correspondente nos valores das demais frações autónomas (…).
Estas modificações do prédio, tal como vem caracterizado no título constitutivo da propriedade horizontal, implicam a modificação do próprio título constitutivo, o que tem de ser feito por acordo de todos os condóminos (…).»
No caso, estando-se perante uma inovação que se traduziu na incorporação material de uma parte comum (as escadas) numa fração autónoma – fração “A”-, não pode senão concluir-se que se trata de uma inovação que implica a modificação das características do prédio, como tal especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que, as mesmas carecem de ser aprovadas por todos os condóminos nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, do CC.
Das inovações visadas pelo artigo 1425.º, n.º 1, devem ser excluídas aquelas que importem modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, na medida em que, com este alcance, caem no âmbito da norma imperativa do artigo 1419.º, n.º 1. ( Cfr. Ac. do STJ, de 22/02/2017, já citado).
Daí que, como bem contra-alega a apelada:
«(…) não interessa à discussão da causa se existe uma discrepância entre o ato de licenciamento e as peças desenhadas da propriedade horizontal ou se a fração “A” tem ou não área descoberta ou ainda a quem pertencem as escadas.
Aliás, a escada existe, quer no projeto de licenciamento, quer nas peças da propriedade horizontal, pelo que não é esse o cerne do problema, como alega o MUNICÍPIO (...).
O FACTO 26 dado como provado na Sentença recorrida é claro ao referir que No projeto de arquitetura inicial, a fração “A” tinha uma porta e escadas de acesso ao logradouro/quintal situado no 1.º andar, sendo que essa porta ainda existe no local e dá acesso às escadas que foram tapadas com uma laje”.
É precisamente porque as escadas constam do projeto de licenciamento que o Contrainteressado quer legalizar o seu encerramento com a laje, alterando o licenciamento inicial.
Se a escada não existisse no projeto inicial, não seria necessária qualquer alteração do licenciamento.
A questão dos direitos urbanísticos da Autora/recorrida e do alegado erro de julgamento é, assim, uma falsa questão.
A Autora/recorrida tem obviamente direito a que não seja alterado o licenciamento inicial e a que a escada mantenha o seu uso inicial.
Tem ainda direito a que a sua fração não aumente a área coberta em cerca de 3,6 m2 por força da legalização da execução da laje que encerra as escadas.
Conferir legitimidade ao Condomínio ou aos demais Proprietários das outras frações para requererem a seu belo prazer obras que afetam a fração “A” que não lhes pertence, parece no mínimo absurdo.
Mas é ao fim e ao cabo o que defende o Réu e o Contrainteressado.
Ao contrário do alegado pelo MUNICÍPIO (...), os documentos de autorização dos proprietários “C” e “D” anexos ao processo administrativo não se revelam, por isso, suficientes ao apuramento da legitimidade procedimental urbanística, como decidiu e bem o Tribunal a quo.
Estando em causa alterações à propriedade horizontal que carecem da aprovação da unanimidade dos Condóminos e inovações que afetam diretamente a fração “A”, como ficou provado e não foi contestado, era necessário, autorização da proprietária da fração “A”, ora Recorrida.
Razão pela qual a Sentença recorrida, salvo o devido respeito, não incorreu em qualquer erro de julgamento, interpretação ou aplicação dos artigos 1419.º, 1421.º ou 1425.º, n.º 7 do C.C.»
Em suma, como bem refere o Senhor Juiz a quo, não há como não concluir que a execução da laje que tapou a escada de acesso constitui uma obra de inovação em parte comum para efeitos do artigo 1425.º do CC, a qual, conforme provado, para além de prejudicar a normal utilização por parte da Autora da sua fração “A” ( nº 7 do artigo 1425.º), modificou o próprio prédio, tal como ficou caracterizado no título constitutivo da propriedade horizontal, implicando, por isso a modificação do próprio título constitutivo, carecendo, por isso, na concordância de todos os condóminos.
Assim sendo, improcedem os fundamentos invocados em ambos os recursos quanto a esta matéria.

Quanto à construção de uma lavandaria com caixilharia contígua à cozinha da fração “B” e à construção de um alpendre/coberto na fachada tardoz da fração “B”, os 1.ºs CI/Apelantes sustentam que a construção de um coberto/alpendre na fachada tardoz da fração “B”, apenas consistiu na colocação de uma estrutura independente da estrutura do edifício, na fachada tardoz do mesmo, suspensa, pois que não tem pilares, não implicando qualquer alteração ao terraço “comum” mas de uso exclusivo da fração “B”, e, principalmente, não implicando qualquer alteração de área coberta ou descoberta, pois que continua a ser área descoberta, nem alteração à área total da fração, pois que não é incluída na mesma.
E daí concluem que todas as obras realizadas na fração “B”, apenas introduzem uma modificação na linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício, sendo suficiente a obtenção de autorização da maioria de dois terços do valor total do prédio, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 1422 do CC, o que está demonstrado nos autos.
Mas sem razão, uma vez que, quanto a tais obras - relativas à construção de uma lavandaria com caixilharia contígua à cozinha da fração “B” e à construção de um alpendre/coberto na fachada tardoz da fração “B”-, resulta provado que as mesmas tiveram como consequência um aumento da área coberta desta fração em mais de 8m2 (vide ponto 32 do elenco dos factos assentes), para além de alterarem a a fachada, a estrutura do edifício, a sua linha arquitetónica e arranjo estético ( facto 29).
Esta matéria consta do elenco dos factos dados como provados na fundamentação de facto da sentença recorrida e não foi impugnada pelos Apelantes. Conforme resulta dos factos assentes, as referidas obras, para além da alteração da linha arquitetónica e arranjo estético que provocaram no prédio, tiveram como resultado o aumento da área coberta da fração “B”.
E sendo assim, atento o disposto no artigo 1419.º do Cód. Civil, considerando o aumento da área coberta delas decorrente para a fração “B”, as mesmas só poderiam ser realizadas ou, no caso, legalizadas, caso todos os condóminos dessem a sua anuência, e a verdade é que a Autora nunca deu a sua anuência à realização de qualquer dessas obras.
Termos em que improcedem os invocados fundamentos de recurso.
Quanto à questão da falta de audiência prévia da Autora/recorrida no procedimento administrativo de legalização das referidas obras, bem andou o Tribunal a quo em considerar que sempre o despacho proferido pelo Senhor Vereador que aprovou o projeto de arquitetura dessas obras carecia de ser anulado, não podendo aplicar-se a teoria do aproveitamento dos atos administrativos, por não se poder afirmar de forma inequívoca que a decisão proferida seria a mesma ainda que a autora tivesse sido ouvida no procedimento administrativo.
No caso, de forma alguma, se poderia sustentar ser indiferente ao sentido da decisão a proferir a prévia audição da autora, uma vez que, conforme vimos, a decisão do município consubstanciada na aprovação do projeto de arquitetura não era a que se impunha, antes pelo contrário, impunha-se que o pedido de legalização tivesse sido ab initio indeferido, por falta de legitimidade dos 1.º s Contrainteressados. Na verdade, em face das considerações que antecedem, o Município incorreu em erro quando não considerou que parte das obras cuja legalização lhe foi solicitada levaria a um aumento da área coberta das frações “A” e “B”, o que por sua vez implicava um aumento da permilagem respetivas, e consequentemente, que tais alterações culminavam num desfasamento entre o título da propriedade horizontal e a área real que resultaria dessa operação urbanística, o que tudo, reclamava, a unanimidade dos condóminos.
Logo, não se pode afirmar que se tivesse sido garantido à autora que se pronunciasse em sede de audiência prévia sobre o pedido de legalização de obras apresentado pelos contrainteressados, e levados em consideração os seus argumentos, a decisão se manteria a mesma, na medida em que, efetivamente, o cumprimento do princípio da legalidade levaria a que o pedido de legalização tivesse de ser liminarmente indeferido.
No caso, como bem assinala a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer «a sentença nunca poderia retirar o efeito anulatório do vício de omissão de audiência prévia, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato. No caso concreto, a audiência prévia não era inócua à prolação do ato».

Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
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Porto, 25 de março de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa