Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02386/10.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Quando as dívidas exequendas se reportam a IMI e os autos não disponham de elementos quanto à identificação do imóvel sobre que incidiu esse imposto, pode e deve o julgador, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos artigos 809° e 265°, nº 2, do Código de Processo Civil (actuais artigos 723º, 6º, nº 2 e 411º), aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 2°, alínea e) e 246° do CPPT, promover as diligências necessárias para clarificar a situação, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:Banco...S.A. e outro
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto nos autos de execução fiscal nº 1821200601146300 e apensos, na parte em que não graduou em 1º lugar os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006 e de 2007 e respectivos juros de mora, a par dos créditos com a mesma proveniência.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida em primeira instância, no âmbito dos presentes autos, na parte em que não reconheceu, verificou e graduou os créditos exequendos de IMI, relativos ao prédio penhorado nos autos de execução fiscal em 07.04.2009, referentes aos anos de 2006 e 2007, inscritos para cobrança em 2007 e 2008, que gozam de privilégio creditório imobiliário especial.

B. Do cotejo da identificação dos processos apensos a fls. 63, numerada pelo órgão de execução fiscal, bem como do intróito da reclamação de créditos da Fazenda Pública e das cópias das certidões de dividas dos processos de execução fiscal principal e apensos, constantes dos presentes autos, constata-se que são créditos exequendos, não os considerados pelo Tribunal a quo, mas sim os relativos a: no PEF principal com o n.º1821200601146300, dividas de IMI do ano de 2005, inscrito para cobrança em 30.09.2006; - no PEF apenso n.º 1821200701060040, dívidas de IMI do ano de 2006, inscrito para cobrança em 30.04.2007; - no PEF apenso n.º 1821200701155229, dívidas de IMI do ano de 2006, colocado à cobrança em 30.09.2006; - no PEF apenso n.º 1821200701175513, relativo a Coima Fiscal do ano de 2007; no PEF apenso n.º 18212008011001064, dívidas de IMI do ano de 2007, colocado à cobrança em 30.04.2008; e PEF apenso n.º 18212008010204637, dívidas de IMI do ano de 2007, colocado à cobrança em 30.09.2008.

C. Estamos assim perante créditos exequendos, demonstrados nos autos, não reconhecidos e verificados pelo Tribunal a quo, o que aqui se requer que seja dado como provado como reconhecidos e verificados, ao abrigo dos poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662.º, nº 1, do Código de Processo Civil.

D. Gozam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 744.º, n.º 1 do Código Civil, de acordo com o art. 122º do CIMI, os créditos provenientes de IMI inscritos para cobrança no ano corrente da penhora e nos dois anos anteriores.

E. Sendo a penhora do imóvel no processo exequendo de 07.04.2009, como resulta dos autos, os créditos exequendos de IMI, cujo reconhecimento e verificação aqui se requereu, relativos ao ano de 2006 e 2007, inscritos para cobrança em 2007 e 2008, gozam de privilégio imobiliário especial, uma vez que se enquadram no limite temporal definido pelo art. 744.º, n.º 1 do CC, face ao ano da cobrança, a par do crédito reclamado pela Fazenda Pública relativo a IMI do ano de 2008, inscrito para cobrança em 2009.

F. De igual modo, gozam os juros de mora dos mesmos privilégios que as dívidas reclamadas, nos termos do art. 8º do DL n.º 73/99, de 16 de Março.

G. A sentença ao assim não entender, padece então de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, porquanto fez errónea consideração dos documentos constantes dos autos e consequentemente do direito aplicável, no que concerne aos créditos exequendos de IMI, que gozam de privilégio imobiliário especial, violando assim o disposto nos artigos 240.º do CPPT, 122.º do CIMI e 735.º, 744.º, n.º 1, 748.º, 751.º, todos do Código Civil e art. 8.º do DL n.º 73/099, de 16/03.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença e substituída por acórdão que verifique, reconheça e gradue os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006 e 2007, inscritos para cobrança nos anos de 2008 e 2009, a par dos créditos reclamados de IMI do ano de 2008, inscritos para cobrança no ano de 2009, e respetivos juros de mora, garantidos por privilégio imobiliário especial, em primeiro lugar sobre os demais créditos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:

A questão suscitada pela Recorrente, e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao não graduar os créditos exequendos respeitantes a IMI dos anos de 2006 e 2007, em primeiro lugar, a par com os créditos reclamados pela Fazenda Pública com a mesma proveniência.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

A). Pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi instaurado, e corre termos,
o processo de execução fiscal n.° 182120061146300 e aps, contra J…, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IMI relativas aos anos de 2008 e 2009, inscritas para cobrança em 2009 e 2010 respectivamente, cf. certidão de dívidas de fls. 4 a 6 dos autos.

B). No processo executivo supra referido foi penhorado um prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Senhora da Hora, concelho de Matosinhos, sob o artigo 3…, fracção “CR”, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n°1…- CR, cf. fls. 75 a 81 dos autos.

C). A penhora referida na alínea que antecede foi registada na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos em 07/04/2009, cf. fls. 81 autos.

D). Pelo Banco…, S.A., foram efectuadas duas hipotecas sobre o mesmo imóvel referido em B)., cujos registos datam de 22/01/2004 e 04/01/2006, para garantia de créditos concedidos à executada, cf. fls. 75 a 81 dos autos.

E). Pelo Banco…, S.A., foram efectuadas duas hipotecas sobre o mesmo imóvel referido em B)., cujos registos datam de 30/07/1998 e 03/04/2008, para garantia de créditos concedidos à executada, cf. fls. 75 a 81 dos autos.

2.1.2.Invoca a Recorrente que o tribunal recorrido errou no julgamento sobre a matéria de facto ao dar como provado que os créditos exequendos são relativos a IMI dos anos de 2008 e 2009, inscritos para cobrança em 2009 e 2010, respectivamente, porquanto os créditos exequendos são relativos a IMI dos anos de 2005, 2006 e 2007.

Vejamos.

O tribunal recorrido deu como provado na alínea A) do probatório o seguinte: “Pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi instaurado, e corre termos, o processo de execução fiscal n° 182120061146300 e aps, contra J…., para cobrança coerciva de dívida proveniente de IMI relativas aos anos de 2008 e 2009, inscritas para cobrança em 2009 e 2010 respectivamente, cf. certidão de dívidas de fls. 4 a 6 dos autos.

Dos elementos disponíveis nos autos decorre que ao PEF (principal) 182120061146300 (para cobrança de dívida de IMI relativo ao ano de 2005, inscrito para cobrança em 2006) se encontram apensados os seguintes PEF´s:

(i) 1821200701060040 - para cobrança de dívida de IMI do ano de 2006, inscrito para cobrança em 2007;

(ii) 1821200701155229 - para cobrança de dívida de IMI do ano de 2006, inscrito para cobrança em 2007;

(iii) 1821200701175513 - para cobrança de dívida de IMI do ano de 2007, inscrito para cobrança em 2007;

(iv) 18212008011001064 - para cobrança de dívida de IMI do ano de 2007, inscrito para cobrança em 2008;

(v) 18212008010204637 - para cobrança de dívida de IMI do ano de 2007, inscrito para cobrança em 2008.

Assim sendo, impõe-se a alteração da factualidade vertida na alínea A) do probatório [uma vez que os créditos exequendos de IMI são, como diz a Fazenda Pública, referentes aos anos de 2006 e 2007, e não aos anos de 2008 e 2009] a qual passará a ter a seguinte redacção:

A). Pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi instaurado e corre termos o processo de execução fiscal nº 182120061146300 e apensos (nºs 1821200601146300, 1821200701060040, 1821200701155229, 1821200701175513, 18212008011001064 e 18212008010204637) contra J…, para cobrança de dívidas provenientes de IMI dos anos de 2005, 2006 e 2007, inscritos para cobrança em 2006, 2007 e 2008. - cf. fls. 115 a 119 e 128 dos autos.

2.2. O direito

O objecto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que não graduou em primeiro lugar os créditos exequendos proveniente de IMI relativos aos anos de 2006 e 2007 e respectivos juros, a par dos créditos reclamados com a mesma proveniência.

A sentença recorrida julgou reconhecidos os créditos reclamados pela Fazenda Pública provenientes de IMI referentes aos anos de 2008 a e 2009 e respectivos juros e procedeu à graduação dos créditos reclamados e exequendos pelo produto da venda do identificado imóvel da seguinte forma:

1. Os créditos exequendos e reclamados de IMI relativos aos anos de 2008 e 2009 e respectivos juros;

2. O crédito hipotecário reclamado pelo Banco…, S.A., no valor de € 30.188,67 e respectivos juros, cuja hipoteca foi registada pela ap. 117 30/07/1998;

3. O crédito hipotecário reclamado pelo Banco…, S.A., no valor de € 48.436,63 e respectivos juros, cuja hipoteca foi registada pela ap. 6 22/01/2004;

4. O crédito hipotecário reclamado pelo Banco…, S.A., no valor de € 72.225,35 e respectivos juros, cuja hipoteca foi registada pela ap. 73 04/01/2006;

5. O crédito hipotecário reclamado pelo Banco…, S.A., no valor de € 7.397,31 e respectivos juros, cuja hipoteca foi registada pela ap. 109 03/04/2008.

A Recorrente invoca que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não graduar em 1º lugar, a par dos créditos reclamados relativos a IMI dos anos de 2008 e 2009, os créditos exequendos com a mesma proveniência relativos aos ano de 2006 e 2007 (inscritos para cobrança em 2007 e 2008), uma vez que respeitam ao imóvel penhorado nos autos e a penhora deste foi realizada em 7/4/2009 e se enquadram, por isso, dentro do limite temporal definido pelo artigo 744º, nº 1 do CC.

Vejamos.

É certo que se extrai do documento de certificação de dívidas junto aos autos que os créditos exequendos referidos pela Fazenda Pública (IMI dos anos de 2006 e 2007) foram inscritos para cobrança nos anos de 2007 e 2008, conforme, aliás, foi já por nós considerado no ponto 2.1.2.

Todavia, dos documentos juntos aos autos, incluindo da informação de fls. 128 dos autos, não é possível identificar o imóvel a que se reportam tais dívidas, nomeadamente se são relativas ao imóvel penhorado nos autos e identificado na alínea B) do probatório.

Ora, tal facto é imprescindível para aferir do eventual erro de julgamento de direito que vem imputado à sentença recorrida.

Impunha-se que o tribunal recorrido, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos artigos 809º e 265º, nº 2, do CPC (actuais artigos 723º, 6º, nº 2 e 411º), aplicáveis ex vi dos artigos 2º e 246º do CPPT, tivesse desencadeado as diligências necessárias para suprir tal défice e clarificar a situação, nomeadamente ordenando à administração tributária para proceder à junção de certidão comprovativa do imóvel a que aqueles créditos respeitam, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete (neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 24/10/2012, Processo 0355/12).

É, assim, manifesto que os presentes autos padecem de défice instrutório e de insuficiência de matéria de facto, causa de anulação da sentença recorrida, mesmo oficiosamente, nos termos do artigo 712°, nº 4 do CPC [actual artigo 662º, nº 2, alínea c)].

Do que antecede resulta que, ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 4 [actual artigo 662º, nº 2, alínea c)], do CPC, aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, e uma vez que os autos não dispõem de todos os elementos probatórios indispensáveis à apreciação da questão suscitada no presente recurso, que a sentença recorrida deverá ser oficiosamente anulada e determinada a subsequente remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para prolação de nova decisão, após suprimento do défice instrutório e clarificação da situação nos termos que supra referimos.

3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância, a fim de aí serem determinadas as diligências necessárias com vista à junção de documento em que se identifique o imóvel a que respeitam os créditos exequendos referentes a IMI e, após, em conformidade, ser proferida nova decisão.

Sem custas.

Porto, 30 de Outubro de 2014

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Vital Lopes

Ass. Cristina da Nova