Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00017/18.9BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ACIDENTE; ESTRADA MUNICIPAL; RESPONSABILIDADE CIVIL; OBSTÁCULO NA VIA
Sumário:1 – A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.
Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar.

2 - Sendo a via em causa, Municipal e não estando provado que a inclinação para a via do sinal STOP que determinou o acidente, tenha resultado da intervenção de terceiros, podendo até, e por falta de prova em contrário, ter resultado de deficiente fixação, sempre se verificará a omissão do seu dever de vigilância, relativamente à controvertida via.
É incontornável e resultou provado que a omissão do dever especial de vigilância que impendia sobre o Município foi determinante para a verificação do acidente.
Em decorrência do referido, mostra-se manifesto que perante o verificado comportamento omissivo e negligente, não pode o Município deixar de ser responsabilizado pela verificação do sinistro participado e das suas consequências, no pressuposto de se mostrarem preenchidos os restantes requisitos.

3 - É patente que o Município não logrou inverter as regras do ónus da prova, mormente através da prova da existência de culpa do lesado ou de terceiro (v. artigo 570.°, n.º 2, do Código Civil).
O Município não elidiu a referida presunção, fazendo prova de ter atuado com o cuidado que lhe era exigível, nem demonstrou que a ocorrência do sinistro se terá ficado a dever, ainda que em parte, ao utilizador do veiculo sinistrado, de terceiros e/ou a caso fortuito ou de força maior.
Com efeito, é suposto que os cidadãos possam circular nas vias, designadamente municipais, em condições de segurança, sem obstáculos suscetíveis de determinar a verificação de acidentes, o que em concreto não sucedeu, uma vez que o sinal de STOP estava inclinado sobre a via por onde o veiculo acidentado circulava. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.
Recorrido 1:Infraestruturas de Portugal, SA e Outros.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
D., devidamente identificado nos autos, intentou ação administrativa contra a Infraestruturas de Portugal, SA, Município de (...) e F., SA, tendente a ser indemnizado em 7.225,42€, em decorrência dos danos patrimoniais sofridos no seu veiculo, conduzido pelo seu filho, na sequência de acidente de viação ocorrido em 20 de junho de 2017 na Estrada Nacional 15, Av. (...), em (...), ao embater em sinal STOP que se encontrava inclinado sobre a via, inconformado com a decisão proferida no TAF de Mirandela em 13 de junho de 2019, que julgou improcedente a Ação, veio recorrer para esta instância, apresentando as seguintes conclusões:
“1 - Ao abrigo dos artigos 629º, 631º e 644º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, de ora em diante C.P.C., vem o presente recurso interposto da douta sentença com a ref.ª 004306851, que julgou a ação integralmente improcedente.
2 – Foram os seguintes os factos provados:
II. Factos provados (com interesse para a decisão a proferir):
1. No dia 20 de Junho de 2017, cerca das 04h46, na Estrada Nacional 15, Avenida (...), União de Freguesias de (...), ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-DS-XX, propriedade do A., à data conduzido pelo filho do mesmo, H. – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. O veículo do A. circulava no sentido Norte/Sul, a velocidade não concretamente apurada, dentro da sua faixa de rodagem, atento ao trânsito e no cumprimento de todas as normas estradais;
3. Ao chegar à bifurcação daquela referida Avenida (...) com a rua (...), como se encontrasse um sinal de STOP inclinado sobre a via na faixa da direita, obstruindo parcialmente a via de trânsito, o condutor da viatura não se apercebeu da existência daquele obstáculo com a antecedência necessária para evitar a colisão, tendo apenas logrado desviar-se ligeiramente daquele obstáculo, embatendo-lhe com a parte lateral direita;
4. A Câmara Municipal de (...) havia transferido para a 3.ª Ré a responsabilidade pelos danos emergentes da exploração da atividade autárquica, causados a terceiros, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº RC63626306, válida à data do acidente;
5. Devido ao acidente o veículo do A. sofreu no para-choques frente, guarda lamas, porta, espelho retrovisor, pisca e friso lado direito, cuja reparação necessita da aplicação de peças novas e de serviços de chapeiro e pintura cujo custo ascende a € 1.125,42 – cfr. doc. nº 6 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. O veículo era utilizado diariamente pelo filho do A. para se deslocar para o estabelecimento de ensino, a Repartições Públicas e a outros locais, bem como para passear durante os períodos de lazer;
7. Os serviços do Réu Município logo que se inteiraram da situação trataram de repor o sinal de STOP na posição correta;
8. O circunstancialismo que motivou que o sinal de STOP se inclinasse sobre a via teve causalidade desconhecida, mas ocorrida algures durante as 04 e as 06h da manhã do dia 20 de Junho de 2017.
3 - Dos factos considerados provados exige-se uma decisão de direito que aplicando o direito constituído decida de mérito da ação com justiça e equidade.
15 – Os factos considerados provados são suficientes para a procedência do pedido do Autor.
16 – Ao decidir pela improcedência da ação, com base na inexistência de dois dos requisitos da responsabilidade civil (ilicitude e culpa) o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da decisão de direito.
17 – Para que o Réu seja condenado a ressarcir o Autor de todos os prejuízos sofridos com o sinistro dos autos é necessário a observância dos seguintes requisitos:
O facto, a ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
18 - A Ré Município, como resulta dos factos provados, é quem gere a infraestrutura onde sucedeu o sinistro, concretamente a Estrada Nacional 15, Av.ª (...), e aí colocou a sinalização vertical que deliberou.
19- A escolha do material de construção da sinalização deve variar conforme a maior ou menor exposição a atos de vandalismo ou outros, fosse o sinal resistente certamente não estaria sujeito a eventuais atos de vandalismo, se é que foi ato de vandalismo, pois não resulta dos autos o que provocou a localização do sinal no momento do sinistro.
20 – Acresce que a Ré município tem sob a sua responsabilidade legal a gestão das vias de comunicação, e, nessa medida, tem especiais deveres de vigilância, os quais não se suspendem entre as 02:00 e as 06:00 da manhã.
21 - A Ré município não tem organizado qualquer serviço de vigilância das vias no referido horário.
22- Todas as infraestruturas de trânsito ficam sem qualquer serviço de vigília, pelo que no dia 20 de junho de 2017, o sinal estava inclinado sobre a via de transito, obstruindo-a parcialmente, sem que fosse retificada ou sinalizada a situação, provocando o sinistro dos autos.
23 - Contrariamente à apreciação pelo Tribunal a quo a Ré não fez prova alguma de que tenha cumprido os deveres que lhe incumbiam e que lhe era impossível evitar o sucedido, mesmo que aqueles fossem cumpridos.
24 - Não pode o Tribunal a quo afirmar que a observância de um intervalo de passagens mais regular não evitaria o sinistro.
25 – A observância das passagens é um imperativo legal que visa precisamente impedir ou diminuir a possibilidade de haver sinistros, nomeadamente como o dos autos.
26 – Igual exigência se verifica com a sinalização temporária, como por exemplo a informação à saída dos tuneis.
27 – Onde se exige que a informação seja em tempo real, e dessa forma assegurar efetivamente a utilização em condições de segurança pelos utentes.
28 – Verifica-se cumprido o primeiro dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual das Rés.
29 - A ilicitude de um facto materializa-se pela ofensa de direitos de terceiros, de um direito subjetivo de outrem ou de disposições legais com vista à proteção de interesses alheios.
30 - É atribuição da Câmara Municipal, entre outras, nos termos do disposto nos art.ºs 23º, 33º, alíneas w), y), ee) e qq, 35º, alínea h) da lei 75/2013 com a redação em vigor à data dos factos, “criar, construir e gerir instalações, equipamentos, serviços, redes de circulação, de transporte, de energia, de distribuição (…) integrados no património do município. E “praticar os atos necessários à administração corrente do património do município e á sua conservação.
31 - São atribuições das câmaras municipais a conservação, reparação, gestão e vigilância das ruas, arruamentos e vias municipais, incluindo não só as faixas de rodagem, mas também as demais infraestruturas.
32 - Face o exposto, os factos positivos (escolha do material dos sinais verticais) e omissivos (inexistência de fiscalização e vigilância no horário 02.00 horas até às 06:00 horas) porque violadores de normas legais destinadas a proteger interesses alheios, são factos ilícitos.
33 - Pelo que também o requisito da ilicitude se mostra verificado.
34 - A situação de responsabilidade civil extracontratual resultante de danos emergentes de omissão de conduta por parte de uma pessoa coletiva de direito público é aferida pelos pressupostos de responsabilidade previstos pelo Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Publicas (RRCEE), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, conforme resulta do disposto no artigo 1º, nos 1º e 2º, deste diploma.
35 - Por outro lado, convirá referir que a verificação de uma situação de omissão de deveres de vigilância sobre coisas – no domínio das atividades materiais de fiscalização na rede viária municipal a que a Ré Município se encontra adstrito – faz despoletar o mecanismo de presunção de culpa previsto no artigo 10º, nº3, do RRCEE.
36 - Presunção que também resulta da aplicação do disposto no art.º 493º, n.º 1 do Código Civil, na medida em que a Ré tem em seu poder coisa imóvel com o dever de a vigiar.
37 - Como se verifica, dos factos provados essa presunção não foi ilidida pela Ré.
38 - Não obstante a culpa da Ré Município resultar dos factos provados, também este requisito não foi ilidido, aliás é por opção da Ré que não existe serviço municipal de vigilância das vias de trânsito no horário 02:00 – 06:00 horas, precisamente no intervalo de tempo em que sucedeu o sinistro dos autos.
39 - Dos factos provados resulta que os danos suportados pelo Autor, consistiram na reparação do DS, orçamentada em €1.125,42, mais iva.
40 - Se a Ré aplicasse sinalização vertical reforçada ou os seus serviços organizados para que a vigilância das vias também sucedesse no horário supra referido, o sinal não estaria inclinado sobre a via de trânsito ou teria sido rapidamente corrigida ou sinalizada a situação, consequentemente não teria o Autor suportado os danos que suportou.
41 - Estão assim verificados todos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnização da Ré Município e consequentemente a Ré Fidelidade.
42 - Ao não decidir nos termos em que se alega o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 23º, 33º, alíneas w), y), ee) e qq, 35º, alínea h) da lei 75/2013, art.º 7º e 10º da Lei 67/2007, art.º 483º e 493º do Código Civil e art.º 607º, n.º 4 e 5 do CPC e art.º 5.º n.º 1 do Código da Estrada.
Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue a ação administrativa procedente, condenando-se os Réus nos termos peticionados, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.”

A F. SA veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 29 de agosto de 2019, aí tendo concluído:
“1ª -, A douta sentença recorrida não enferma dos vícios que o recorrente lhe imputa, não merecendo, portanto, o menor reparo, e o Autor parte de pressupostos errados, ou seja, de que é possível às Câmaras Municipais terem um fiscal em cada rua a vigiar os sinais de trânsito e que estes podem ser de materiais indestrutíveis.
2ª - O Réu Município atuou dentro daquilo que é humanamente possível fazer, isto é, logo que é alertada pela PSP ou por qualquer outro meio, como sejam os trabalhadores da F. que recolhem o lixo, ou pelos seu colaboradores, repõe a sinalização, como aliás, consta da douta fundamentação quer à matéria de facto, quer na parte de aplicação do direito, e sucedeu in casu.
3ª - E por isso a douta sentença conclui:
"Entende-se que, in casu, o Réu comprovou que o facto não lhe era imputável por, por um lado, ter atuado com a conduta exigível a um bom pai de família atento o disposto no artigo 487. o do Código Civil, nos termos do qual se estabelece que:
"(...) 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
4ª - Entende o ora Recorrente que se verifica o requisito da culpa e que esta não foi ilidida por não ter vigilância naquela rua e naquele local entre as 02H00 e as 6H00, mas falece este argumento, pois que o ato não resultou de uma falta de atuação do Réu, mas antes de um ato de vandalismo de terceiros.
5ª - Como se refere na douta sentença:
"Por outro Lado, resulta dos autos ter ocorrido uma causa de exclusão da culpa que foi a ação de terceiros sobre o sinal de STOP aqui em causa o que, previsível e potencialmente, poderá ocorrer num intervalo de 5 (cinco) ou 20 (vinte) minutos, tornando inviável a ação do Réu, mormente em acionar quaisquer de meios ao seu dispor para assegurar a segurança/circulação na via,
6ª - O derrube de um sinal vertical de trânsito por ato de vandalismo terceiros é um ato imprevisível pela sua fortuitidade, não sendo do conhecimento do Município, nem previsível, pelo que lhe não era exigível atuação diversa.
7ª - Acresce que, in casu manifestamente o condutor do veiculo do autor não regulou a velocidade atendendo às características e estado da via, e aos obstáculos existentes, nos termos do disposto no art. 24°, nº 1 do CE, e por isso embateu no sinal, quando o mesmo era perfeitamente visível não só com a iluminação própria do veiculo, como pela iluminação publica existente.
8ª - ln casu manifestamente não tem aplicação o disposto no art. 7° da Lei 62/2007 de 31.01.2008., pois que nem os titulares dos órgãos do Município, nem os seus funcionários ou agentes, violaram qualquer disposição ou principio constitucional, legais ou regulamentares ou infringiram quaisquer regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resultassem a ofensa de qualquer direito ou interesse legalmente protegido do autor.
9ª- De qualquer forma, não se percebe como pode o autor pretender que a ação seja julgada totalmente procedente, quando dos danos alegados apenas se provou que a reparação está orçamentada em 1.125,42€ e nada mais.
10ª - E mesmo as RR a serem condenadas a pagar este montante, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre teria de ser deduzida a franquia de 10% do valor dos prejuízos, no mínimo de 250€, e atender ás exclusões previstas na apólice do contrato de seguro, em relação à ora Ré.
Termos em que, e nos mais e melhores de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, e assim, se fará inteira e sã JUSTIÇA.”

Em 9 de Setembro de 2019 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.

Após vicissitudes de ordem processual que aqui não relevam, o Município de (...) veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 30 de setembro de 2019, aí tendo concluído:
“1ª O Município de (...) não incorreu na prática de qualquer ato ilícito, por ação ou omissão, que fosse causal do acidente objeto dos autos.
2ª O Município de (...) não teve qualquer culpa, por ação ou omissão, na produção do acidente a que os autos dizem respeito.
3ª Não tendo o recorrente impugnado a matéria de facto dada como provada, a mesma tem-se por assente na ordem jurídica, sendo insuscetível de qualquer alteração.
4ª A sentença recorrida efetuou a correta subsunção do direito à materialidade dada como provada, não sendo merecedora de qualquer crítica ou reparo.
NESTES TERMOS, nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vª Exª, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida, assim de fazendo JUSTIÇA.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 10 de dezembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As principais questões a apreciar resultam da necessidade de verificar se se verificará o invocado erro de julgamento da decisão de direito, decorrente da declarada inexistência de ilicitude e culpa, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
Factos provados (com interesse para a decisão a proferir):
1. No dia 20 de Junho de 2017, cerca das 04h46, na Estrada Nacional 15, Avenida (...), União de Freguesias de (...), ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XX-DS-XX, propriedade do A., à data conduzido pelo filho do mesmo, H. – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. O veículo do A. circulava no sentido Norte/Sul, a velocidade não concretamente apurada, dentro da sua faixa de rodagem, atento ao trânsito e no cumprimento de todas as normas estradais;
3. Ao chegar à bifurcação daquela referida Avenida (...) com a rua (...), como se encontrasse um sinal de STOP inclinado sobre a via na faixa da direita, obstruindo parcialmente a via de trânsito, o condutor da viatura não se apercebeu da existência daquele obstáculo com a antecedência necessária para evitar a colisão, tendo apenas logrado desviar-se ligeiramente daquele obstáculo, embatendo-lhe com a parte lateral direita;
4. A Câmara Municipal de (...) havia transferido para a 3.ª Ré a responsabilidade pelos danos emergentes da exploração da atividade autárquica, causados a terceiros, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº RC63626306, válida à data do acidente;
5. Devido ao acidente o veículo do A. sofreu no para-choques frente, guarda-lamas, porta, espelho retrovisor, pisca e friso lado direito, cuja reparação necessita da aplicação de peças novas e de serviços de chapeiro e pintura cujo custo ascende a € 1.125,42 – cfr. doc. nº 6 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. O veículo era utilizado diariamente pelo filho do A. para se deslocar para o estabelecimento de ensino, a Repartições Públicas e a outros locais, bem como para passear durante os períodos de lazer;
7. Os serviços do Réu Município logo que se inteiraram da situação trataram de repor o sinal de STOP na posição correta;
8. O circunstancialismo que motivou que o sinal de STOP se inclinasse sobre a via teve causalidade desconhecida, mas ocorrida algures durante as 04 e as 06h da manhã do dia 20 de Junho de 2017.
Factos não provados (com interesse para a decisão a proferir):
a) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1., o condutor do veículo circulava no cumprimento de todas as normas estradais;
b) O acidente ficou a dever-se única e exclusivamente à existência na via pública do sinal “STOP” que se encontrava inclinado sobre a via – não estando sinalizada essa situação;
c) O acidente ficou a dever-se à conduta perigosa, culposa e negligente da Câmara Municipal de (...);
d) O veículo do A. será sempre um veículo que sofreu um acidente ficando mais fragilizado na sua estrutura;
e) A consistência das peças, encaixes, chapas e pinturas, não têm a mesma durabilidade das anteriores que eram de origem;
f) O veículo do Autor será sempre um veículo sinistrado e, por isso, com pouca procura aquisitiva;
g) Em virtude do acidente o veículo do A. esteve parado desde a data do acidente até 06/11/2017, data em que o Autor reparou o seu veículo;
h) O Autor apenas reparou o seu veículo em 6 de Novembro de 2017;
i) O A. não reparou o seu veículo em data anterior por não ter capacidade financeira para suportar a reparação do veículo e nem para comprar outro veículo;
j) Sendo que aguardava o valor da indemnização para proceder à respetiva reparação;
k) Como precisava urgentemente do veículo, uma vez que o utilizava diariamente, acabou por pedir o dinheiro que precisava para reparar o veículo a um familiar;
l) No período em que esteve privado do veículo teve necessidade de pedir veículos emprestados a amigos e familiares, os quais não pôde utilizar a seu bel-prazer, sendo que muitas vezes não se deslocou aos locais pretendidos;
m) O facto de não ter o veículo disponível, determinou que o Autor ficasse incomodado, chateado e aborrecido por ver-se privado do seu uso;

IV – Do Direito
Refira-se desde logo que por despacho de 18 de junho de 2018, foi julgada procedente suscitada exceção de ilegitimidade suscitada pela Ré Infraestruturas de Portugal, a qual foi desde logo absolvida da instância, por ter então sido entendido que o acidente terá ocorrido em Estrada Municipal, em face do que se mantêm como demandados, apenas o Município e a Seguradora.

Do ponto de vista normativo é na presente Ação aplicável predominantemente a Lei nº 67/20007, de 31 de Dezembro, no que concerne à Responsabilidade Civil.

Peticionou o Autor a atribuição indemnizatória de €7.225,42 mais juros, em síntese, do seguinte modo:
a) 1.125,42€, pela reparação e pintura do veículo;
b) 500€, pela desvalorização do veículo;
c) 5.600€, pela imobilização do veículo (40€/dia de 20/06/2017 a 06/11/2017 – 140 dias).

Como decorre da generalidade da Jurisprudência e Doutrina Administrativa, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, refira-se ainda que "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077. A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar”.

O facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis ou as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à ação ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família.
O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano.

De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

Constitui jurisprudência pacífica, designadamente do Colendo STA, que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (vg. acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48.155).

Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC).

Relativamente ao nexo de causalidade vigora, como se disse, a teoria da causalidade adequada na formulação consagrada no art° 563° do CC.

Em qualquer caso, como se refere no Acórdão do STA de 2002.10.02 in Recurso 1690/02 "(...) a Administração não incorre automaticamente em responsabilidade civil cada vez que pratica um ato administrativo ilegal.

Para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico, por isso, segundo alguma jurisprudência e doutrina, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional.

Ou seja, é necessário existir “conexão de ilicitude” entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deve ser apreciado caso a caso (cf. Prof. Gomes Canotilho, em anotação ao Ac. STA de 12.12.89 RLJ, Ano 125° p.84 e AC. STA de 31.05.2000, recº 41201).

Importa agora analisar e decidir o suscitado em concreto.

Refira-se desde logo que o objeto do recurso é delimitado e definido pelas conclusões extraídas da motivação, por banda do recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias não anteriormente consideradas e decididas, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso.

No que ao diz respeito ao discurso fundamentador da decisão de 1ª instância, no que aqui releva, discorreu-se o seguinte:
i) Do facto ilícito
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.
Atualmente, a respeito do primeiro pressuposto, acima enunciado, precisa o artigo 9.º da Lei nº 67/2007, de 31/12, o que se entende por “ilicitude”:
“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”
Assim sendo, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir num comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.
De qualquer forma, conforme se dispõe na parte final o nº 1 do artigo 9.º, acima transcrito, a verificação de um facto ilícito pressupõe sempre uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
No entanto, ao contrário do que o Autor pretende, não foi feita prova que permita imputar o facto sucedido à concreta atuação de um trabalhador ao serviço da Ré (a quem incumbia proceder às operações/diligências de conservação/manutenção da via).
Conforme se deu como provado, o Réu Município deu cumprimento aos deveres de vigilância que lhe incumbiam, através da realização das diligências necessárias para os assegurar. Neste caso, o sucedido com o sinal de STOP terá tido lugar em período entre as 2h e as 6h da manhã. Tanto as autoridades policiais como os serviços municipais que gerem equipamentos rodoviários (entre estes, a sinalética vertical), passam por ali e reportam situações como esta ao Município, de forma que se é notado nota algo de anormal é logo solucionado ou, no mínimo sinalizado de forma a não obstaculizar/fazer perigar a circulação rodoviária (neste caso, tal sucedeu logo às 7h).
O facto de não ter havido patrulhamento da via durante a noite e tal reposição não ter sido feita nesse espaço de tempo, entre as 02h e as 06/07h, não constitui um ilícito, conquanto não se demonstre que a observância de um intervalo de passagem mais regular (temporalmente menos dilatado) teria sido suscetível de evitar o sinistro. É que, claramente, o sucedido com o sinal em causa poderia ter ocorrido num intervalo de 5 (cinco) a 20 (vinte) minutos antes, tornando inviável a ação do Réu e de quaisquer de meios ao seu dispor para assegurar a segurança/circulação na via.
Assim sendo, inexiste, neste caso, qualquer conduta ilícita da parte do Réu, por omissão do respetivo dever de vigilância sobre a via que se encontrava obrigada a manter e cujo regular funcionamento lhe incumbia assegurar.
ii) Da culpa
Quanto à culpa dispõe o artigo 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, que:
“(…)
Culpa
1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.
4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil. (…)”
Por sua vez, segundo o artigo 497.º do Código Civil:
“(…) 1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis. (…)”
No entanto, neste caso, o Réu estará excluído do âmbito de aplicação dos preceitos acima. Conforme se referiu, decorre dos autos uma ausência de ilicitude da conduta do Réu que determina, por si só, a inexistência da presunção de culpa sobre os mesmos, por força do disposto nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 10.º da Lei n.º 67/2007 de 31/12.
Para afastar essa presunção de culpa incumbia-lhe comprovar a sua ausência de culpa, o que sucedeu, nos termos acima.
Entende-se que, in casu, o Réu comprovou que o facto não lhe era imputável por, por um lado, ter atuado com a conduta exigível a um bom pai de família atento o disposto no artigo 487.º do Código Civil, nos termos do qual se estabelece que:
“(…) 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. (…)”
Por outro lado, resulta dos autos ter ocorrido uma causa de exclusão da culpa que foi a ação de terceiros sobre o sinal de STOP aqui em causa o que, previsível e potencialmente, poderá ocorrer num intervalo de 5 (cinco) a 20 (vinte) minutos, tornando inviável a ação do Réu, mormente em acionar quaisquer de meios ao seu dispor para assegurar a segurança/circulação na via.
Isto posto, somos de concluir que o Réu logrou, neste caso, provar ter atuado com a diligência de um bom pai de família, tanto mais que antes da ocorrência do acidente em causa nos autos, nenhuma queixa ou advertência foi recebida nos respetivos serviços.
Em situação semelhante, foi esse o entendimento sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/04/2007, proferido no processo nº 0952/06, que se subscreve: « (...) era indispensável que o recorrido tivesse alegado, e provado, de que forma, em concreto, procediam os serviços para evitar acidentes como aquele que ocorreu, enunciando as específicas providências adotadas, indicando, por exemplo, com que periodicidade a fiscalização das vias era efetuada, de que forma se desenvolvia (apeada ou motorizada), se existiam contactos telefónicos publicitados que permitissem aos munícipes comunicar aos serviços camarários a ocorrência de incidentes nas vias e, ainda, toda a panóplia de outros procedimentos capazes de demonstrar que só as particulares circunstâncias do caso, por fortuitas e absolutamente imprevisíveis, permitiam explicar a falta de sinalização».
Temos assim que ficou por demonstrar nos autos a omissão culposa dos deveres de fiscalização que incumbia ao Réu Município de (...).
Aqui chegados, atendendo ao que acima foi dito (inexistência de ilícito e culpa), escusar-nos-emos de tecer quaisquer outras considerações sobre os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, mormente quanto aos danos [requisito que, neste caso, atendendo ao que acima (não) se deu como provado, também faleceria, atendendo a ausência de prova dos mesmos por parte daquele que tinha o respetivo ónus, o autor] e respetivo nexo de causalidade, expresso no artigo 563.º do Código Civil.
Assim sendo, cumpre julgar improcedente a presente ação e, consequentemente, absolver o Réu dos pedidos formulados.”

Vejamos:
Importa singelamente verificar se se mostrarão preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa, para efeitos do integral preenchimento dos pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual por parte do Município e correspondentemente da Seguradora, por ter sido a inverificação de tais pressupostos que determinou a decisão de improcedência proferida em 1ª Instância.

Há desde logo um conjunto de circunstâncias que compromete só por si o entendimento adotado em 1ª instância.

Por um lado, afirma-se no discurso fundamentador da sentença recorrida, para suportar o entendimento adotado que “resulta dos autos ter ocorrido uma causa de exclusão da culpa que foi a ação de terceiros sobre o sinal de STOP” quando dos elementos disponíveis, mormente dos factos dados como provados, nada é indicado nesse sentido.

Ao invés, consta do facto 8 da matéria dada como provada que “O circunstancialismo que motivou que o sinal de STOP se inclinasse sobre a via teve causalidade desconhecida”.

Acresce que o acórdão do STA que suportaria o entendimento adotado em 1ª instância, e que o tribunal afirma “que se subscreve”, surpreendentemente, não só infirma o referido, mas até determina a prolação de decisão exatamente em sentido contrário.

om efeito, sumariou-se no aludido acórdão do STA nº 0952/06, de 12.04.2007, que o tribunal a quo “utilizou” erradamente para desresponsabilizar o Município pelo acidente verificado, o seguinte:
I - É aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos fundada em ato ilícito a presunção de culpa estabelecida no art.º 493º, n.º 1, do CPC.
II - Nesse caso cabe ao autor da lesão - um Município - a prova de que não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente aí se incluindo, igualmente, a prova de que adotou todas as providências exigíveis para o evitar.
III - Resultando o acidente da existência de um buraco, não sinalizado devidamente, num passeio numa via pública, daquela prova deve resultar, de uma forma concreta e objetiva, como procediam os serviços para evitar acidentes como aquele, enunciando as específicas providências adotadas, indicando, por exemplo, com que periodicidade a fiscalização das vias era efetuada, de que forma se desenvolvia (apeada ou motorizada), se existiam contactos telefónicos publicitados que permitissem aos munícipes comunicar aos serviços camarários a ocorrência de incidentes nas vias e toda a panóplia de outros procedimentos capazes de demonstrar que só as particulares circunstâncias do caso, por fortuitas e absolutamente imprevisíveis, permitiam explicar a falta de sinalização do buraco.
IV - A mera demonstração de que "O Réu, através dos seus serviços competentes, exerce fiscalização sobre os arruamentos públicos, tendo, designadamente, brigadas que os percorrem, procurando encontrar locais onde existam deficiências ou obstáculos à circulação, para se proceder à sua sinalização e reparação" não cumpre aqueles requisitos, sendo insuficiente.

Mais se refere no corpo do referido Acórdão do STA, que se trata de “jurisprudência uniforme do STA, como pode ver-se, entre muitos outros, nos acórdãos de 18.5.06 no recurso 222/06, de 16.2.06 no recurso 1039/05, de 14.4.05 no recurso 86/04 e de 15.3.05 no recurso 36/04. Aliás, se assim não fosse, dificilmente seria possível agir eficazmente, sinalizando obstáculos existentes nas vias, de modo a evitar acidentes, designadamente se as ações de fiscalização apenas fossem desenvolvidas por amostragem ou com periodicidades elevadas.

Se é patente que o entendimento adotado em 1ª instância se mostra desde logo comprometido, em qualquer caso, e para que não possam subsistir quaisquer duvidas, analisar-se-á tudo quanto está em causa.

A verificação da Responsabilização Civil, na aceção imputada ao Município exige pois, designada e necessariamente, a ilicitude do ato lesivo, sendo que o ato será ilícito quando viola um dever jurídico, quer se traduza numa violação de direitos de outrem, quer na violação de norma destinada a proteger interesses alheios.

Como decorre da generalidade da Jurisprudência e Doutrina Administrativa, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico, por isso, segundo alguma jurisprudência e doutrina, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional.

Ou seja, é necessário existir “conexão de ilicitude” entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deve ser apreciado caso a caso (cf. Prof. Gomes Canotilho, em anotação ao Ac. STA de 12.12.89 RLJ, Ano 125° p.84 e AC. STA de 31.05.2000, recº 41201).

Sintetizando, e reiterando o já referido, a responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública do Estado e demais pessoas coletivas por facto ilícito, coincide, no essencial, como tem sido jurisprudência uniforme, designadamente do STA, com a responsabilidade civil consagrada no art. 483º do Código Civil, dependendo a obrigação de indemnizar da verificação cumulativa dos referidos pressupostos: facto, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano – (cf. entre outros Ac. STA de 04.12.03, rec. 557/03 e de 11.02.03, rec. 323/02).

Analisemos agora em concreto e legalmente a matéria recorrida.
Estatui o art.º 9º da Lei nº 67/2007, relativamente à “ilicitude”:
“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”

O ato ilícito pode pois consistir num comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.

Em qualquer caso, a responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas públicas só se verifica se os atos ou omissões tiverem sido praticados pelos titulares dos seus órgãos ou agentes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

In casu, importará verificar o cumprimento dos deveres de promover as adequadas condições de segurança de circulação nas vias municipais.

O suscitado facto ilícito resultaria aqui da existência de um sinal de STOP inclinado sobre a faixa de rodagem, sem que houvesse qualquer sinalização ou alerta para tal no local.

Da factualidade dada como provada, resulta, como já referido, que “O circunstancialismo que motivou que o sinal de STOP se inclinasse sobre a via teve causalidade desconhecida” (Facto provado 8), o que, atenta a presunção decorrente do Artº 493º, n.º 1, do CPC. determina que o comportamento do Município se consubstancie numa omissão do seu dever de manutenção e conservação da via.

No que respeita já à culpa, refere-se no artº 10º da referida Lei nº 67/2007:
“1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.
3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.
4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.”

A culpa será pois aferida pela diligência exigível a um funcionário ou agente típico, ou seja, um funcionário ou agente zeloso que atua com respeito pela lei.

Da aplicação do disposto no artigo 487.º do Código Civil, à matéria controvertida, resulta que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo se houver presunção legal de culpa, o que aqui ocorre.

Assim, será de aplicar o art.º 493º nº do Código Civil, relativo à culpa in vigilando:
“ARTIGO 493.º
(Danos causados por coisas, animais ou atividades)
1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. (...)”

Sendo a via em causa, Municipal e não estando provado que a inclinação para a via do sinal STOP tenha resultado da intervenção de terceiros, podendo até, e por falta de prova em contrário, ter resultado de deficiente fixação, sempre se verificará a omissão do seu dever de vigilância, relativamente à controvertida via.

É pacífico que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos mesmos pressupostos previstos na lei civil para idêntica responsabilidade, com as especificidades decorrentes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, o que pressupõe a prática de um facto - ou a sua omissão, quando exista o dever legal de agir - a ilicitude deste, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre aquele facto e o dano.
É incontornável e resultou provado que a omissão do dever especial de vigilância que impendia sobre o Município foi determinante para a verificação do acidente.

Em decorrência do referido, mostra-se manifesto que perante o verificado comportamento omissivo e negligente, não pode o Município deixar de ser responsabilizado pela verificação do sinistro participado e das suas consequências, no pressuposto de se mostrarem preenchidos os restantes requisitos, o que não foi, mas terá de ser, verificado pelo tribunal a quo.

Acresce que o tribunal de 1ª instância não chegou a verificar, o que se impõe que venha a fazer, se os valores dos danos reclamados se mostrarão provados, mormente no que respeita à sua razoabilidade.

Ainda a propósito do facto da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública estar sujeita à presunção de culpa consagrada no art. 493.°, n.º 1, do Código Civil (CC), refira-se que tal se justifica em virtude de "(...) também relativamente a danos que radiquem em atividades de gestão pública, tanto ou mais do que aqueles que provêm de atividades de gestão privada, a tarefa de demonstração do incumprimento culposo dos deveres de organização e de atuação necessários para prevenir o dano por coisas se apresenta como excessivamente onerosa para o lesado. Trata-se de demonstrar factos negativos – a inobservância do dever de adequada, continuada e sistemática fiscalização técnica - que, por via de regra, não estão numa relação de simultaneidade com o evento e são relativos ao modo de organização ou disciplina de ação dos serviços e, portanto, sem a inerente visibilidade e acessibilidade de prova para o particular lesado. Por tudo isto, o lesado teria muita dificuldade em identificar e provar em juízo a conduta omissiva. Ao invés, o regime da presunção de culpa nada tem de violento, injusto, ou desrazoavelmente onerosa para os entes públicos, uma vez que o serviço público obrigado a vigilância pode elidir a presunção demonstrando quer a intercorrência de caso fortuito ou de força maior, quer a adoção das providências para uma adequada, continuada e sistemática fiscalização do estado e comportamento da coisa em ordem a evitar o evento danoso. Trata-se de factos positivos, estes últimos inerentes à organização e desenvolvimento da atividade do ente público, cuja demonstração em juízo está ao seu alcance em regra por meios probatórios extraídos dos seus próprios serviços" (Cfr. Acórdão do STA de 16-05-1996, in AP. DR de 1998.10.23, pág. 3697).

É patente que o Município não logrou inverter as regras do ónus da prova, mormente através da prova da existência de culpa do lesado ou de terceiro (v. artigo 570.°, n.º 2, do Código Civil).

Na realidade, o Município não elidiu a referida presunção, fazendo prova de ter atuado com o cuidado que lhe era exigível, nem demonstrando que a ocorrência do sinistro se terá ficado a dever, ainda que em parte, ao utilizador do veiculo sinistrado, de terceiros e/ou a caso fortuito ou de força maior, o que determinou o preenchimento do pressuposto da culpa.

Com efeito, é suposto que os cidadãos possam circular nas vias, designadamente municipais, em condições de segurança, sem obstáculos suscetíveis de determinar a verificação de acidentes, o que em concreto não sucedeu, uma vez que o sinal de STOP estava inclinado sobre a via por onde o veiculo acidentado circulava.

De referir que se o acidente tivesse tido por interveniente um motociclo, as consequências poderiam ter sido bem mais graves.

É certo que não é suposto que o município coloque um funcionário seu junto de cada via ou sinal de trânsito. Em qualquer caso, a referida segurança e confiança que deverá ser assegurada a todos os munícipes e cidadãos em geral que circulem num determinado município, só poderá ser garantida de modo a serem evitados acidentes, tal como referido no já citado acórdão do STA nº 0952/06, de 12.04.2007, se forem enunciadas “(...) as específicas providências adotadas, indicando, por exemplo, com que periodicidade a fiscalização das vias era efetuada, de que forma se desenvolvia (apeada ou motorizada), se existiam contactos telefónicos publicitados que permitissem aos munícipes comunicar aos serviços camarários a ocorrência de incidentes nas vias e toda a panóplia de outros procedimentos capazes de demonstrar que só as particulares circunstâncias do caso, por fortuitas e absolutamente imprevisíveis, permitiam explicar a falta de sinalização do buraco.”

Aqui chegados, importará que os autos baixem ao tribunal a quo, de modo a que seja o seu objeto reapreciado, atenta a declarada verificação dos requisitos da ilicitude e da culpa, devendo ser ampliada a matéria de facto em função do que venha a ser apurado, verificados os restantes requisitos da responsabilidade civil, e apreciada a atendibilidade e razoabilidade de todos os valores peticionados (1.125,42€, pela reparação e pintura do veículo; 500€, pela desvalorização do veículo e 5.600€, pela imobilização do veículo - 40€/dia de 20/06/2017 a 06/11/2017 – 140 dias.

Deverá igualmente, se for caso disso, ser verificada a responsabilidade e seus limites, da Seguradora, pelo pagamento do valor indemnizatório que possa a vir a ser fixado.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao Recurso:
a) Revogando-se a sentença recorrida;
b) Ordenando-se a baixa dos autos ao TAF de Mirandela, por forma a:
b1) se proceder à ampliação da matéria de facto;
b2) serem apreciados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual anteriormente não analisados;
b3) ser apreciada a atendibilidade e razoabilidade dos diversos valores indemnizatórios peticionados;
b4) ser verificada a responsabilidade e seus limites da Seguradora, após o que se decidirá em conformidade.

Custas pelos Recorridos, Município e Seguradora

Porto, 29 de maio de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Rogério Martins (Em substituição)