Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01501/20.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL. RATIFICAÇÃO-SANAÇÃO. ACTO DEVIDO.
Sumário:I) - É de impossível objecto uma ratificação-sanação desprovida de acto primário sobre que possa incidir, um suposto acto administrativo que não existe como tal.

II – Se o procedimento de escolha do adjudicatário segundo critério de adjudicação de mais baixo preço chegou ao seu termo, sem mais espaço para formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, cumpre o dever de adjudicação a escolha da proposta que o tenha mais baixo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...) e G., Lda
Recorrido 1:G., Lda e Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso do Município, Conceder provimento ao recuso do A.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

G., Ldª (Av.ª (…)) intentou acção de contencioso pré-contratual contra Município de (...) (Praça (…)), indicando como contra-interessada N., Ldª ((…)), a qual foi julgada parcialmente procedente “determinando a anulação do acto de exclusão da proposta da A., bem como do acto de adjudicação subsequente, e em consequência condeno o R. a retomar o procedimento concursal, analisando a proposta da aqui A. seguindo os ulteriores termos, com observância das vinculações decorrentes da procedência da pretensão anulatória”, decisão da qual recorrem autora e réu.

O Município remata o seu recurso com as seguintes conclusões:

I – Recurso de matéria de direito (Da identificação do autor do ato impugnado):
a) Refere a douta sentença em crise que o ato de aplicação de multa, viola o disposto no artigo 155.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), uma vez que não é possível de aí se identificar o seu autor.
b) Acontece porém que, a autoria do despacho de 29 de março de 2019, não é questionada, nem pela autora, nem pelo Tribunal a quo que a fls 29 da douta sentença refere o seguinte: “Pois bem, aqui chegados, e compulsado o teor do “acto” que o Réu diz haver sido praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) vertido no Ponto T) dos factos provados, logo se constata que, pese embora aí se identifique que a determinação “aprovado nos termos propostos” haja sido da autoria do titular daquele órgão [M.],...”
c) Assim, que o ato de aplicação de multa foi praticado pelo Município, representado pelo seu Presidente, M., não existem dúvidas, da mesma forma que, tendo tal ato sido posteriormente objeto de ratificação sanação e, sendo este ato de aplicação de multa o único em causa na presente demanda, dúvidas também não podem existir que é efetivamente este ato que o Município pretende.
d) Não se encontrando em causa a autoria do ato, mas apenas a falta de assinatura do mesmo, esta irregularidade apenas poderá gerar a anulabilidade do ato de aplicação de multa.
e) É neste sentido que o direito constituído aponta, uma vez que, com a revisão de 2015 do CPTA, desapareceu a cláusula geral que se encontrava prevista no n.º1 do artigo 133.º do CPA de 1991 e que aí cominava com nulidade todos os atos administrativos que carecessem de um dos seus elementos essenciais, nomeadamente a assinatura do autor do ato, em conformidade com a alínea g), do n.º 1 do artigo 123, do CPA de 1991.
f) Aqui chegados, a sentença recorrida, ao não aplicar a teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais hoje convertida em regra legal conforme resulta do artigo 163.º n.º 5, alínea b), do CPA, violou o princípio geral do direito da preponderância do conteúdo sobre a forma e do aproveitamento dos atos administrativos de que aquela teoria é corolário, e que é usualmente designado pela fórmula latina utile per inutile non vitiatur.
g) Pode-se ainda afirmar, com inteira segurança, que a falta de assinatura do ato que externalizou a aplicação de multa, não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nem sequer seria diferente o conteúdo da decisão tomada.
h) Assim, por tudo o exposto, deveria o Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, ter aplicado o princípio geral do direito da preponderância do conteúdo sobre a forma e do aproveitamento dos atos administrativos contida no artigo 163.º n.º 5 do CPA e, assim, decidido pela não produção do efeito anulatório do ato.
i) Por outro lado, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, foram introduzidas diversas alterações ao CCP, sendo que, uma das quais, se concretizou na inclusão de um novo impedimento à celebração dos contratos e que se prende com o incumprimento, ou o cumprimento defeituoso, por parte dos operadores económicos, na execução de, pelo menos, um contrato público.
j) Designadamente e por força da alínea l), do n.º 1 do artigo 55.º, os candidatos ou concorrentes que tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público, executado num período temporal que se concretiza entre a data da habilitação e os três anos que a antecedem, ficam impedidos – ficando a entidade adjudicante igualmente impedida em relação a eles – de celebrar o contrato público em formação.
k) Trata-se, portanto, de uma causa de exclusão motivada por conduta contratualmente repreensível do operador económico, geradora de dano para o erário público e, por estar proibida por lei, a celebração do contrato com operador económico impedido constitui fundamento de nulidade.
l) Descendo aos autos, temos como certo que a autora não cumpriu um contrato público celebrado com o réu Município de (...) (empreitada designada por “Obras de Manutenção/Recuperação Substituição e Novos Espaços de Jogo e Recreio”), incumprimento de tal forma grave, que gerou a aplicação de uma sanção que atingiu os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.º 2 e n.º 3 do artigo 329.º do CCP.
m) Assim, ao anular o ato de exclusão da proposta da autora, com base numa irregularidade meramente formal, está o Tribunal a destruir os efeitos pretendidos pela norma contida na alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CPP, abrindo caminho para que seja celebrado um contrato que, à luz dos interesses da Lei é, também ele, nulo.
n) Ponderando as invalidades em causa, ou seja, a falta de assinatura do ato de aplicação de multa e a celebração de um contrato público ferido de nulidade pela não aplicação da alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, resulta que a primeira, não viola o interesse público, enquanto que a segunda compromete aquele interesse público, designadamente, porque se verifica uma má aplicação dos dinheiros públicos.
o) Deveria aqui, assim, prevalecer o interesse público em prejuízo do interesse privado da autora, tanto que, esta, pelo seu comportamento, demonstrou desprezar esse mesmo interesse público, não cumprindo, de forma ostensiva, um contrato público anteriormente celebrado com o Município.
p) Pelo que, a rigidez do formalismo que leva à anulação do ato de aplicação de multa, deveria, neste caso em concreto, ceder perante o interesse público de boa aplicação dos dinheiros públicos e, assim, excluir a candidatura da autora.
q) Neste sentido de aproveitamento de atos, atente-se ao Voto de Vencido anexo ao Acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0805/03, de 22-06-2006 e disponível www.dgsi.pt, que propugna o aproveitamento do ato ferido de nulidade.
r) É assim manifesto que a douta sentença, ao decidir pela não exclusão da proposta da autora, violou o disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP.
II – Recurso de matéria de direito (Da falta de notificação do conteúdo ou sentido do ato):
s) Refere a douta sentença em crise que, “...no caso concreto, este, enquanto “acto” de natureza impositiva e sancionatória, sempre seria ineficaz ou, se se pretender, inoponível relativamente à esfera jurídica da Autora, por falta de notificação do seu conteúdo ou sentido [artigos 160.º do CPA e 60.º, n.º 1, do CPTA]”.
t) Porém, dos factos provados, não resulta dúvida que o ato foi notificado à autora, designadamente através dos seus Mandatários, no dia 5 de abril de 2019 (Cfr. alínea U) dos factos provados da sentença e artigos 112.º n.º 1 alínea a) e 160.º do CPA e artigo 59.º n.º 2 do CPTA).
u) Quanto ao conteúdo da notificação, e no que se refere ao texto integral do ato administrativo e respetiva fundamentação (Cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 114.º do CPTA), consta do despacho de 16 de janeiro de 2019, exarado sobre a informação identificada nas alíneas N) a O) dos factos provados da sentença, em que o presidente da Câmara determinou “Aprovado” (Cfr. alínea P) dos factos provados), sendo que esta expressão “Aprovado” por referência ao documentação onde é aposta e à documentação que lhe antecede, preenche os requisitos exigidos pelos artigos 148.º e 153.º do CPA.
v) Assim, de toda a informação aprovada pelo Presidente da Câmara e notificada à autora, resulta que o ato se encontra fundamentado, pois aí consta o essencial para que um cidadão médio entenda o seu conteúdo, sentido e alcance (Cfr. alíneas N), P), Q), S) e V) dos factos provados e com especial referência para o documento 8 junto com a PI, para onde remetem as alíneas P) e Q)).
w) O procedimento administrativo com vista à aplicação da multa esteve sempre identificado, e foi sempre possível à autora identificar o mesmo, constando em todos os atos e formalidades a identificação de “Proc.º 735/17”, passando depois, com a tramitação do processo no Sistema de Gestão Documental da recorrente, a ser identificado também com o “MGD REG. n.º 10168” (Cfr. alínea U) dos factos provados na douta sentença em crise).
x) Quanto ao autor do ato e ainda dentro da alínea b) do n.º 2 do artigo 114.º do CPA, remete-se para o que supra foi já referido na parte deste recurso relativa à identificação do autor do ato impugnado.
y) Por fim e quanto à data do ato e ainda naquilo a que se refere alínea b) do n.º 2 do artigo 114.º do CPA, também não assistem dúvidas que o ato foi praticado no dia 29 de março de 2019, conforme consta da alínea T) dos factos provados na douta sentença.
z) Quanto à alínea c) do n.º 2 artigo 114.º do CPA, não se encontrando o ato sujeito a impugnação necessária, não existe obrigatoriedade da observância desta alínea.
aa) Assim, as exigências previstas nos artigos 160.º do CPA e 60.º n.º 1 do CPTA (que remete para o disposto no n.º 2 do artigo 114.º do CPA) foram todas observadas no ato de aplicação de multa, pelo que, aquelas normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido das exigências delas decorrentes se considerarem verificadas no ato de aplicação de multa.

Contra-alegou a autora, concluindo:

1.ª- Pelo interposto recurso pretende a Recorrente a revogação da sentença que:
- julgou improcedente a excepção de erro na forma do processo;
- indeferiu o pedido de suspensão da instância formulado pelo Réu/Recorrente;
- julgou parcialmente procedente a acção, determinando a anulação do acto de exclusão da proposta da Requerida, bem como do acto de adjudicação subsequente, e em consequência condenou a aqui Recorrente a retomar o procedimento concursal, analisando a proposta da Recorrida, seguindo os ulteriores termos, com observância das vinculações decorrentes da procedência da pretensão anulatória.
2.ª- O recurso apresentado pela aqui Recorrente não se debruça sobe a improcedência da excepção e sobre a recusa do pedido de suspensão da instância, pelo que, relativamente a estes dois pontos, a ora Recorrente conformou-se com a decisão, versando apenas sobre duas questões: a identificação do autor do acto impugnado e a falta de notificação do conteúdo ou sentido do acto.
3.ª- Ora, com o devido respeito e salvo melhor opinião, por um lado, estamos perante a autoridade de caso julgado , relativamente às questões em análise no presente recurso e, por outro lado, não existe qualquer razão à Recorrente, tendo a sentença decidido com respeito por todas as normas legais aplicáveis ao caso, como se passa a demonstrar.
4.ª- Importa, desde logo, referir que tais pontos foram já apreciados por esse Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão proferido em 15 de Julho de 2020, no âmbito do processo 3039/19.9BEPRT, entretanto transitado em julgado.
5.ª- Estas questões são, pois, as mesmas que se encontram em apreciação no presente recurso – a inexistência do acto administrativo de aplicação de multa contratual que conduziu à exclusão da proposta da aqui Recorrida e a falta de notificação do conteúdo ou sentido do acto - e sobre as quais existe uma decisão transitada em julgado.
6.ª- O instituto jurídico do caso julgado tem em si duas vertentes; uma, de índole positiva, quando faz valer a sua autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e outra de carácter negativo, que se traduz no impedimento de a mesma causa ser julgada por outro tribunal.
7.ª- A autoridade de caso julgado implica uma aceitação de decisão proferida em anterior processo, com objecto semelhante, pretendendo-se, desta forma, que a relação ou situação definida por aquela primeira decisão possa ser contrariada por uma outra.
8.ª- Sendo significativamente importante que, neste caso, não se exija a coexistência das identidades de sujeito, pedido e causa de pedir, imposta pelo artigo 498.º do Código de Processo Civil.
9.ª- A autoridade de caso julgado tem, pois, o efeito positivo de determinar que a primeira decisão é um pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, efeito positivo esse que assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto obrigatório da decisão de mérito a proferir na mesma.
10.ª- Isto posto, estamos perante a autoridade de caso julgado relativamente às questões em análise no recurso apresentado pela Recorrente, devendo, por essa razão, o mesmo improceder, uma vez que existe uma decisão transitada em julgado que estatui a inexistência do acto pela falta do sujeito e pela violação do disposto nos artigos 160.º do CPA e 60. n.º 1 do CPTA.
11.ª- Mesmo que V. Exas. entendam que não se aplique aos presentes autos a autoridade do caso julgado, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, não deverá o recurso interposto pelo Recorrente merecer provimento.
12.ª- Em primeiro lugar, vem sustentar o Recorrente que não existem dúvidas que o acto de aplicação de multa foi praticado por si, representado pelo seu Presidente, M..
13.ª- O que a sentença refere no parágrafo que o Recorrente, de forma despropositada, pretende sustentar é precisamente o contrário; nele se afirma que apesar de o ora Recorrente Aí identifique que tal acto tenha sido da autoria do senhor Presidente do Município, em lado nenhum tal se constata!!!!
14.ª- Nem sequer tal consta da matéria de facto dado como provada, com a qual o Recorrente se conformou, pelo que não se consegue compreender tal afirmação do Recorrente, que pretende enviesar a realidade factual.
15.ª- Defende ainda o Recorrente que nem a aqui Recorrida nem o tribunal de primeira instância colocaram em causa a autoria do despacho de aplicação de multa de 29 de Março de 2019.
16.ª- Esquecendo-se que tal não consubstancia qualquer acto administrativo, que nunca existiu, sendo uma mera informação interna, cujo conteúdo não vincula a Recorrida.
17.ª- Vem ainda sustentar o Recorrente que a falta de assinatura de um acto administrativo, por si só, não é susceptível de determinar desde logo a nulidade do acto.
18.ª- Também aqui não assiste razão ao Recorrente, sendo esta uma questão hoje pacífica na doutrina e jurisprudência.
19.ª- A falta de assinatura de um acto administrativo determina a sua inexistência.
20.ª- A sentença recorrida entende – e bem, a nosso ver – que inexiste qualquer acto de aplicação de multa e que, mesmo que este existisse, o mesmo seria ineficaz relativamente ao seu destinatário.
21.ª- Por outro lado, ao contrário do que afirma a Recorrente, não se encontra provada a validade substancial do acto em causa, o que sempre se afiguraria como absolutamente necessário para a pretendida aplicação da “teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais hoje convertida em regra geral conforme resulta do no artigo 163.º n.º 5, alínea b), do CPA”.
22.ª- Não existindo qualquer violação do princípio geral do direito da preponderância do conteúdo sobre a forma e do aproveitamento dos actos administrativos.
23.ª- Esquece o Recorrente que a sanção que a lei prevê para a falta de assinatura de um acto administrativo, não é a anulabilidade, mas antes a sua inexistência ou, quando muito, a nulidade, e que o artigo 163.º n.º 5 só se aplica aos actos anuláveis.
24.ª- Não estamos, pois, perante a excepção prevista pelo artigo 163.º n.º 5 do CPA.
25.ª- Considerou a sentença recorrida – e bem, diga-se – que da notificação que foi efectuada à ora Recorrida não se retira o sentido da decisão alegadamente proferida pelo sr. Presidente da Câmara Municipal de (...).
26.ª- Uma vez mais sem qualquer razão, vem a Recorrente tentar contrariar o mérito desta decisão, o que, diga-se, não consegue.
27.ª- Na verdade, não era possível, ao homem médio (critério a ser aplicado) apreender o conteúdo daquela notificação, uma vez que a resposta anexa ao ofício emitido pelos Serviços da Recorrente, recepcionado em 08 de Abril de 2019, não se descortina a concreta aplicação de uma multa e qual o seu valor.
28.ª- Pelo que tal acto seria sempre ineficaz ou inoponível relativamente ao seu destinatário, nos termos do disposto nos artigos 157.º c) e 160.º do Código do Procedimento Administrativo e 60. n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
29.ª- Por fim, sempre se dirá que mesmo que este vício não se verificasse, a decisão proferida estaria sempre de acordo com a lei, pela falta de identificação do autor do acto impugnado.

A apelação da autora vem assim sintetizada:

1.ª- Nos presentes autos, veio a Autora, aqui Apelada, peticionar a anulação do acto administrativo, praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), que ordenou a adjudicação da empreitada para a «Reabilitação do Centro Cultural (...)» à proposta apresentada pela concorrente n.º 5 N. Lda., no valor de €172.744,65 (Cento sessenta e dois mil, setecentos e quarenta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), IVA não incluído, por um prazo de execução de 150 dias e, consequentemente, a condenação do Município Réu a admitir a proposta da Autora e a adjudicar a si a empreitada «Reabilitação do Centro Cultural (...)».
2.ª- O Tribunal de Primeira Instância julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, determinou a anulação do acto de exclusão da proposta da Autora, bem como do acto de adjudicação subsequente, e, em consequência condenou o Município Réu a retomar o procedimento concursal, analisando a proposta da Autora e seguindo os ulteriores termos, com observância das vinculações decorrentes da procedência da pretensão anulatória.
3.ª- Pelo que o presente recurso versa a parte da sentença que decidiu pela não adjudicação da empreitada à Recorrente.
4.ª- Entendeu a sentença recorrida que, por o Tribunal desconhecer se a proposta da aqui Recorrente, afastada a causa de exclusão fundada no impedimento previsto no artigo 55.º n.º 1 alínea l) do Código dos Contratos Públicos, reúne as condições necessárias à sua admissão, designadamente, se em relação à mesma se verifica, ou não, qualquer das causas de exclusão previstas no artigo 70.º n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, não pode condenar o Município Réu a admitir a proposta da Recorrente.
5.ª- Considerando que a análise das propostas apresentadas no procedimento concursal implica uma valoração própria da função administrativa, e que tal sempre se traduziria numa violação do princípio da separação de poderes.
6.ª- Com o devido respeito – que é muito – entendemos não existir razão ao tribunal recorrido.
7.ª- O critério de adjudicação fixado no programa de procedimento é o preço mais baixo, de acordo com o disposto no artigo 74.º, alínea b) do Código dos Contratos Públicos (Cfr. Ponto B) da factualidade assente na sentença).
8.ª- De todas as propostas que foram apresentadas, a da aqui Recorrente era aquela que tinha o preço mais baixo (Cf. Pontos D), E) e F) da factualidade assente na sentença).
9.ª- Pelo que, a ser admitida – como deveria ter sido, o que o tribunal a quo reconhece – não pode deixar de ficar ordenada em primeiro lugar.
10.ª- Quer no relatório preliminar quer no relatório final, o único fundamento que é apontado para a exclusão da proposta da Autora, aqui Recorrente, é o artigo 55 n.º 1 l) do Código dos Contratos Públicos (Cf. Pontos F) e L) da factualidade assente na sentença).
11.ª- O júri está obrigado a analisar as propostas e a excluí-las, se se verificar alguma das causas de exclusão previstas no artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos, pelo que, com o devido respeito, não pode valer o argumento utilizado na sentença.
12.ª- A existência de qualquer outra causa de exclusão já foi verificada pelo júri.
13.ª- Que concluiu pela sua inexistência.
14.ª- Sendo o único critério de adjudicação do concurso o do mais baixo preço, em conformidade com o disposto no artigo 74.º n.º 1 b) do Código dos Contratos Públicos, e tendo a aqui Recorrente apresentado a proposta com o valor mais baixo, não existe motivo para que não seja ordenada a adjudicação da empreitada à ora Recorrente.
15.ª- Tal importa tão só uma análise absolutamente objectiva dos preços das propostas apresentadas, sendo uma mera questão de legalidade, não envolvendo qualquer apreciação de mérito.
16.ª- O órgão competente para a decisão de contratar está absolutamente vinculado á decisão de adjudicação, salvo nos casos excepcionais previstos no artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos (cf. artigos 36.º e 76.º do Código dos Contratos Públicos), e isto salvaguardando o princípio da boa fé e da protecção das legítimas expectativas criadas nos interessados, previsto no artigo 10.º do Código de Procedimento Administrativo.
17.ª- Acrescendo que a entidade adjudicante tem a obrigação legal de celebração do contrato com o adjudicatário (artigos 104.º n.º 1 do Código dos Contrato Públicos).
18.ª- Tendo o Tribunal a quo decido que a decisão de exclusão da aqui recorrente é ilegal, resultando dos factos provados que a proposta da Recorrente era a de mais baixo preço, por o único critério de adjudicação ser esse, a peticionada adjudicação do contrato constitui um acto vinculado para o Réu, pelo que se impõe a condenação do Réu à prática concreta de tal acto.
19.ª- Assim, não pode a decisão recorrida limitar-se a condenar a Ré a retomar o procedimento concursal, uma vez que se encontram reunidos todos os pressupostos necessários à condenação do Município Réu, nos exactos termos do pedido, sem necessidade de qualquer valoração própria da função.
20.ª- Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 74.º n.º 1, 76.º e 104.º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos; 71.º n.º 1 e n.º 2 e 95.º n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, devendo ser substituída por outra que ordene a adjudicação da empreitada á Recorrente.

Sem contra-alegações.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não tendo emitido parecer.
*
Com legal dispensa de vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”:
A). No dia 10.02.2020, o R. publicitou no Diário da República, IIª Série, n.º 28 – Parte L, o “Anúncio de Procedimento n.º 1429/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” cfr. fls. 19 e ss. dos autos «SITAF»;
B). O teor do “Programa do Procedimento” que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” cfr. fls. 23 e ss. dos autos «SITAF»;
C). O teor do “Caderno de Encargos” que aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 53 a 23 o processo administrativo;
D). A A. apresentou proposta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, ali incluindo “proposta de preço” cujo teor, igualmente, se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” cfr. fls. 182 a 120 do processo administrativo e fls. 22 dos autos «SITAF»;
E). A Contrainteressada apresentou “proposta de preço” cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” cfr. fls. 39 dos autos «SITAF»;
F). Em 04.05.2020, foi elaborado “relatório preliminar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” cfr. fls. 35 e ss. dos autos «SITAF»;
G). Em 16.06.2020, a A. exerceu o seu “direito de audiência prévia”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 40 e ss. dos autos «SITAF»;
H). Em 29.06.2020, pelos serviços do R. foi emitido o “parecer n.º 137/2020”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”- cfr. fls. 44 e ss. dos autos «SITAF»;
I). Em 03.07.2020, foi elaborado “relatório final e despacho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…), e em 11.07.2020, foi proferido
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”- cfr. fls. 44 e ss. dos autos «SITAF»;
J). Em 21.07.2020, a A. apresentou “impugnação administrativa”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 65 e ss. dos autos «SITAF»;
K). Em 23.07.2020, pelos serviços do R. foi emitido o “parecer n.º 160/2020”, sob o “Assunto: Reabilitação do Centro Cultural (...) – Impugnação administrativa” cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”, relativamente ao qual na plataforma “MyDoc Win Gestão Documental / Município de (...)”, no “Relatório do Documento interno n.º 16653 de 23/072020” consta, entre outros, o seguinte «Movimento»: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”, o que foi levado ao conhecimento dos concorrentes, em 27.07.2020. – cfr. fls. 260 e ss. do processo administrativo;
L). Em 14.08.2019, o R. emitiu à aqui A. a guia de recebimento n.º 541/2019 relativa à liquidação de multa contratual por atraso da conclusão da empreitada – obras manut.recup.novos espaços jogo e re”, no valor de 118.320,23€. – cfr. fls. 127 dos autos «SITAF»;
M). Em 07.01.2019, os serviços do R. elaboraram “informação interna n.º 735/2017”, sob o “Assunto: Obras de manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio – valor || MGD Reg n.º 40106 de 10/08/2018 – Segunda prorrogação de prazo e sanções CE”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
Adjudicatário : G., Lda.
A obra em assunto deveria estar concluída no dia 12 de Julho de 2018, no entanto até á data não está concluída e já foram atingidos os valores máximos através da aplicação das multas diárias contratuais de acordo com o valor diário de 2/00 fixado no art. 11.º do C.E., não se tendo procedido à resolução do contrato por resultar grave dano para o interesse público (n.º 2 e 3 do artigo 329.º do CC).
Valor da adjudicação: 394.400,77€
Data da assinatura do contrato: 19 Outubro 2017
Data da consignação: 6 Novembro 2017
Prazo de execução: 180 dias
Data aprovação PSS: 14 Novembro 2017
Prazo término da obra com prorrogações: 12 de Julho de 2018
Valor da multa diária: 394.400,77 * 0,002 = 788,80€
Multa até à data: 179 (dias) * 788,80 = 141.195,20€
Valor máximo admitido de acordo com n.º 3 do art. 329 do CCP seria: 394.400,77 * 30 % =
118.320, 23 € (…)cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial;
N). Em 14.01.2019, o Director do Departamento de Obras da Câmara Municipal de (...), Eng. L., apôs na informação mencionada em M) antecedente, o seguinte despacho: Concordo. À consideração do Exmo. Presidente para aprovação. (…)– cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial;
O). Em 16.01.2019, o Presidente da Câmara Municipal de (...) apôs na informação mencionada em M) antecedente, o seguinte despacho: Aprovado– cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial;
P). Com data de 19.02.2019, foi endereçado à aqui A. o ofício subscrito pela Chefe de Gabinete da Câmara Municipal de (...) sob o Assunto: Obras de manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio – Aplicação de multa pelo atraso da obra”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
Pelo presente informa-se V. Exas. que, por despacho do Ex.mo Sr. Presidente foi aprovada a aplicação de multa, por atraso verificado na empreitada em assunto, no valor máximo admitido de acordo com o n.º 3 do art.º 329.º do CCP, nos termos exarados na informação técnica que se anexa e da qual constam os fundamentos de facto e de direito do ato a praticar. Em face ao exposto, nos termos do art. 121.º do CPA – Código do Procedimento Administrativo, fica notificado que tem o prazo de 8 (oito) dias para, querendo, usar o direito de resposta (…)”. – cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial;
Q). A A. exerceu o seu direito de audiência prévia relativamente ao teor do ofício mencionado no ponto antecedente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: (…) 37.º Concluindo, entende a ora Exponente que não existem razões que possam fundamentar a pretendida aplicação da multa contratual ou, subsidiariamente, deve o montante da referida multa ser reduzido, por, por um lado, não existir fundamento legal para aplicação do artigo 229.º n.º3 do CCP e, por outro lado, tal montante ser altamente desproporcional tendo em conta os interesses em causa.(…)”. – cfr. documento n.º 10 junto com a petição inicial;
R). Em 07.03.2019, a Arquitecta B., do Departamento de Obras do Município de (...) assinou, de forma digital, uma “informação interna”, endereçada ao director do mesmo departamento, sob o “Assunto: Obras de manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio || MGD Reg n.º 10168 de 06/03/2019”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) Sobre a redacção de defesa relativa à informação do limite máximo das multas contratuais devo referir que nunca foi mencionado que o valor seria de 141.195,20€, mas que, no limite máximo, poderá ser 118.320,23 €, de acordo com o n.º 3 do art. 329 do CCP, estando bem explícito na informação que redigi e mantenho.
Acrescento que hoje dia 7 de Março de 2019, a obra não se encontra terminada como assegurou o empreiteiro, nem tenho agora informação para nova data de término prevista.
À Consideração de V. Exa. (…)- cfr. documento n.º 11 junto com a petição inicial;
S). A informação mencionada no ponto antecedente, foi levada ao conhecimento da aqui A. através do ofício com a referência «Proc.º735/17 – 7214», datado de 03.04.2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) No seguimento da V./ carta, referente ao assunto em epígrafe, e conforme despacho do Ex.mo Sr. Presidente, junto se anexa resposta à mesma, para conhecimento e devidos efeitos (…)”. - cfr. documento n.º 11 junto com a petição inicial;
T). Com data de 01.04.2019, os serviços do R. imprimiram um documento designado de “MyDoc Win Gestão Documental/Município de (...)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:“(…)
(6) Movimentado no dia 29/03/2019 18:01 para Serv: Departamento de Obras Municipais
Efectuado por Presidente de Câmara: 20032 - M. (x.x)
Motivo: aprovado nos termos propostos
(5) Movimentado no dia 07/03/2019 17:39 para Serv: Presidente
Efetuado por Func.: 229 – J. (x.x)
Motivo: Concordo com a informação da Arq.ª B. prestada no anexo 2, pelo que julgo ser de manter a informação prestada anteriormente referente à aplicação da multa e dar conhecimento da presente informação ao adjudicatário; à consideração de V.ª Ex.ª
(4) Movimentado no dia 07/03/209 11:12 para Serv: Departamento de Obras Municipais
Efetuado por Func.: 1436 – B. (x.x)
Motivo: De acordo com a informação anexo 2.
(3) Movimentado no dia 06/03/2019 17:21 para Serv: Dom – Arquitectos
Efetuado por Func.: 229 – J. (x.x)
Motivo: à Arqª B. para análise e parecer; à Secretaria para verificação e informação relativamente ao prazo referido na contestação para a audiência prévia.
(2) Movimentado no dia 06/03/2019 15:38 para Serv: Departamento de Obras Municipais
Efetuado por Fun.: 1164 – A. (x.x)
Despacho: Ao Departamento de Obras Municipais para os devidos efeitos
Autor do despacho: J.
Despacho certificado
Categoria: Director de Departamento
Data do despacho: 06/03/2019 (…)”- cfr. documento n.º 13 junto com a contestação;
U). Por correio registado com aviso de recepção, datado de 11.04.2019, a A. respondeu ao teor do ofício que antecede, através de requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: (…) vem informar V. Exas. que, com o devido respeito, o documento anexo à mesma não consubstancia qualquer resposta à defesa em sede de audiência prévia, pelo que, tratando-se de apenas uma informação interna, o seu conteúdo não vincula a aqui exponente. (…)”.- cfr. documento n.º 12 junto com a petição inicial;
V). Em 27.06.2019, pelos serviços do R. foi emitida a “Informação n.º 148/2019”, sob o Assunto: Obras de manutenção/ Recuperação, substituição e Novos Espaços de Jogo e Recreio”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. documento n.º 13 junto com a petição inicial, fls. 104 e ss. dos autos »SITAF»;
W). A informação mencionada no ponto antecedente, foi levada ao conhecimento da aqui A. através do ofício com a referência «Proc.º735/17 – 15673», datado de 07.08.2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:(…)Pelo presente se envia informação n.º 148/2019 do Departamento Jurídico – Núcleo de Apoio Jurídico, para conhecimento e devidos efeitos (…)”. - cfr. documento n.º 13 junto com a petição inicial, fls. 104 e ss. dos autos »SITAF»;
X). Por correio registado com aviso de recepção, datado de 20.08.2019, a A. respondeu ao teor do ofício que antecede, através de requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”.- cfr. documento n.º 14 junto com a petição inicial, fls. 115 e ss. dos autos »SITAF»;
Y). Em dia do mês de Novembro de 2019, a aqui A. intentou acção administrativa contra o aqui R., onde, a final, formula o seguinte pedido: “(…)
Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência:
1. Ser declarada a inexistência do acto administrativo e a ré ser condenada a entregar à Autora a quantia de € 118.320,23, correspondente ao remanescente do preço contratualmente fixado;
2. Se assim não entender, ser, a Ré condenada a entregar à Autora a quantia de € 118.320,23, correspondente ao remanescente do preço contratualmente fixado, por não existir fundamento para a aplicação da multa.
3. Ainda subsidiariamente, se a Ré condenada a entrega à Autora a quantia de € 39.426,08 (trinta e nove mil quatrocentos e vinte e seis euros e oito cêntimos).
(…)”, no âmbito da qual ainda não foi proferida sentença. - cfr. fls. 129 e ss. dos autos «SITAF» e acordo;
Z). Em 19.03.2020, foi proferida sentença no âmbito do Processo de contencioso pré-contratual n.º 3039/19.9BEPRT, que correu termos neste Tribunal e em que era autora a aqui A., réu o aqui R. e contrainteressada a sociedade P., Lda., onde era peticionada a “(…) anulação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) que, em 16 de Outubro de 2019, excluiu a sua proposta e adjudicou a empreitada de “Beneficiação da Rua da (…)” à proposta da contra-interessada e, bem assim, a condenação do Réu a adjudicar-lhe tal contrato.” - cfr. fls. 277 e ss. dos autos «SITAF» e acordo;
AA). Em 15.07.2020, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, no âmbito do processo referido no ponto antecedente, onde se acordou, a final “(…) negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.” - cfr. fls. 310 e ss. dos autos «SITAF» e acordo;
AB). Em 12.08.2020, a A. apresentou em juízo através do «SITAF» a petição inical relativa a esta lide. – cfr. fls. 1 dos autos «SITAF»;
*
Do direito:
A autora veio a juízo «Tendo por objecto o despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...), do dia 11 de Julho de 2020, comunicada aos concorrentes via plataforma vortal em 14 de Julho de 2020, por via da qual este decidiu adjudicar a empreitada nos termos do Relatório Final, ou seja, “adjudicação da empreitada à proposta apresentada pela concorrente n.º 5 N. Lda., no valor de €172.744,65 (Cento sessenta e dois mil, setecentos e quarenta e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), IVA não incluído, por um prazo de execução de 150 dias.» [supra em I)], peticionando: «1. Deve ser anulado o acto administrativo impugnado; 2. Deve o Réu ser condenado a admitir a proposta da Autora e a adjudicar a empreitada “Reabilitação do Centro Cultural (...)” à mesma».
A acção foi julgada parcialmente procedente “determinando a anulação do acto de exclusão da proposta da A., bem como do acto de adjudicação subsequente, e em consequência condeno o R. a retomar o procedimento concursal, analisando a proposta da aqui A. seguindo os ulteriores termos, com observância das vinculações decorrentes da procedência da pretensão anulatória”.
O tribunal “a quo” fez seu o discurso fundamentador que em anterior litígio opôs as partes, convocando «(…) a apreciação e julgamento efectuados no âmbito do Processo n.º 3039/19.9BEPRT, onde se escreveu, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Do probatório coligido nos presentes autos, resulta que o júri do procedimento pré-contratual entendeu que, por um lado, tendo a Autora se atrasado, de forma significativa, na execução de uma anterior empreitada [com menos de 3 anos] de “Manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio” e, por outro lado, que, durante a sua execução, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...) já lhe havia aplicado, por despacho de 29/03/2019, uma multa contratual pelos valores máximos admitidos pelo n.º 3 do artigo 329.º do CCP, o que lhe teria sido notificado pelo ofício de 03/04/2019, então aquela encontrava-se impedida para se candidatar ao concurso público em questão, nos termos da alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP [Pontos H) e I) dos factos provados].
A Autora, como se viu, insurge-se contra este entendimento, em suma, por considerar que o Presidente da Câmara Municipal de (...) nunca chegou a emanar um qualquer acto administrativo de aplicação de multa relativamente à empreitada de “Manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio”, sendo que, na sua perspectiva, com o ofício de 03/04/2019 apenas foi enviada uma informação, meramente instrumental, que em nada esclarece qual o sentido do acto eventualmente praticado.
Como já se teve oportunidade de adiantar, entende-se que efectivamente não se encontravam, de todo, reunidos os pressupostos normativos para que o Réu aplicasse a alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP.
E isto, seja porque, tal como a Autora alega, inexiste qualquer acto administrativo de aplicação de multa, seja porque, mesmo que este existisse, o mesmo ainda era ineficaz quanto ao seu destinatário. Senão, vejamos.
Tenha-se, antes de mais, presente que da citada alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP [na redacção do DL n.º 111-B/2017, de 31/08], na senda do que já se encontrava consagrado na alínea g) do n.º 4 do artigo 57.º da Directiva 2014/24/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Fevereiro de 2014], resulta que não podem ser concorrentes, as entidades que “Tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos últimos três anos” e que esse facto tenha “conduzido (…) à aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 329.º”.
Portanto, independentemente das deficiências significativas ou persistentes acusadas pelo concorrente, na execução de anterior contrato público [1.ª parte], para que haja impedimento legal nos termos do citado
preceito legal, é necessário que essas deficiências hajam resultado na prática de actos administrativos de aplicação de sanções [2.ª parte].
E é precisamente esta segunda parte que não se encontrava preenchida.
Em primeiro lugar, desde logo, porque não há evidência de que, no dia 29 de Março de 2019, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...) haja determinado a aplicação à Autora de uma multa contratual no âmbito de anterior contrato público ou, por outras palavras, que esta determinação, a existir, pudesse ser imputada à sua autoria, por falta de uma qualquer assinatura, quer física, quer digital, que atestasse o que consta na plataforma de gestão documental do Réu a fls. 614 do SITAF.
Na verdade, como se sabe, com a revisão de 2015 do CPTA desapareceu a cláusula geral que se encontrava prevista no n.º 1 do artigo 133.º do CPA de 1991 e que aí com a nulidade todos os actos administrativos que carecessem de um dos seus “elementos essenciais”, nomeadamente, a assinatura do autor do acto em conformidade com a alínea g) do n.º 1 do artigo 123.º do CPA de 1991 [cf. neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 2 de Outubro de 2007, processo n.º 01094/06, acessível em www.dgsi.pt].
No entanto, o artigo 155.º, n.º 2, do CPA de 2015 ao dispor que “O ato considera-se praticado quando seja emitida uma decisão que identifique o autor e indique o destinatário, se for o caso, e o objeto a que se refere o seu conteúdo” passou a consagrar os requisitos [constitutivos] de cujo preenchimento depende a existência de um acto administrativo.
É assim então que MÁRIO AROSO DE ALMEIDA defende que “de entre os elementos estruturais do ato administrativo, os únicos que são elementos constitutivos do conceito de ato administrativo e, por isso, requisitos da existência da figura são o sujeito e o conteúdo: para que exista um ato administrativo, é, na verdade, necessária a emissão de uma decisão, dirigida a produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (conteúdo), que possa ser imputada a um órgão titular de poderes jurídico-administrativos (sujeito).” [in Teoria Geral do Direito Administrativo, Temas Nucleares, 2015, 2.ª edição, Almedina, pp. 257], na certeza de que “quando for produzido um documento que não identifique a autoridade que o praticou ou a cuja autoria ele não possa ser imputado, por não assinado pelo respectivo titular, não pode
reconhecer-se nele uma decisão tomada por um órgão dotado de poderes jurídico-administrativos (artigo 151.º, n.º 1, alínea a) e g); e o mesmo sucede se do documento não constar, de todo em todo, o conteúdo ou o sentido da (pretensão) decisão (artigo 151.º, n.º 1, alínea e), primeira parte), pois, também nesse caso, não poderá reconhecer-se a existência, nesse documento, de uma decisão tomada pelo órgão em causa” [in Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Maio de 2016, Almedina, pp. 308].
Neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM, que, reportando-se à exigência de assinatura prevista na alínea g) do n.º 1 do então artigo 123.º do CPA de 1991, concluem que “ só com ela existe acto ou decisão administrativa: um acto muito perfeito, mesmo manuscrito e em papel timbrado é um nada jurídico, se faltar a assinatura do seu autor” [in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, pp. 587].
Posto isto, à luz do entendimento que ora se acaba de transcrever e com o qual desde já, se concorda integralmente, o qual, de resto, vai de encontro ao firmado no já citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, temos, pois, por cristalino, que, na ausência de assinatura física ou digital do titular do órgão [artigo 153.º, n.º 1, alínea g) do CPA], o “acto” não poderá ser imputado a um qualquer autor, faltando, portanto, por consequência, um dos elementos constitutivos [o sujeito] do conceito de acto administrativo [artigo 155.º, n.º 2, do CPA].
Pois bem, aqui chegados, e compulsado o teor do “acto” que o Réu diz haver sido praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) vertido no Ponto T) dos factos provados, logo se constata que, pese embora aí se identifique que a determinação “aprovado nos termos propostos” haja sido da autoria do titular daquele órgão [M.], o certo é que nem aí, nem em lado algum do processo administrativo [inclusive, o que se mostra junto no processo n.º 2879/19.3BEPRT que corre termos neste Tribunal (artigo 5.º, n.º 2, alínea c) do CPC)], consta a respectiva assinatura física ou digital [contrariamente ao que, por exemplo, sucedeu com o acto administrativo ora impugnado ou, bem assim, com o projecto de decisão de aplicação de multa, respectivamente, em Pontos I) e P) dos factos provados].
Note-se que, depois de o Tribunal, através do despacho de fls. 579 do SITAF, solicitar ao Réu que procedesse à junção do despacho de 29 de Março de 2019 que alegadamente aplicara à Autora a multa contratual pelos valores máximos permitidos, este, no seu requerimento de fls. 590-593 do SITAF, viria
a sustentar que esse despacho era o que consta do seu Sistema de Gestão Documental em Ponto T) dos factos provados.
Ora, como se disse, e sem prejuízo de nesse requerimento o Réu nenhuma actividade probatória produzir no sentido de demonstrar que o seu Sistema de Gestão Documental assegura, garante, sem margem para qualquer dúvida, a autoria dos actos aí enunciados, uma conclusão é, no caso concreto, certa: o “despacho” de 29 de Março de 2019 não se encontra assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...).
Portanto, não sendo possível imputar a autoria do alegado “despacho” de 29 de Março de 2019 ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...), falece, desde logo, inelutavelmente, o requisito constitutivo do “sujeito”, o que quer dizer que esse “despacho” não consubstancia um qualquer acto administrativo na acepção que se encontra consagrada nos artigos 148.º e 155.º, n.º 2, do CPA.
Assim, inexistindo uma qualquer “decisão” que haja aplicado à Autora uma multa contratual pelos valores máximos aplicáveis nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 329.º do CCP no âmbito do prévio contrato de empreitada de “Manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio”, é evidente que não se encontrava preenchido o requisito exigido pela parte final da alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP.
Em segundo lugar, ainda que assim não fosse, o certo é que, no caso concreto, este, enquanto “acto” de natureza impositiva e sancionatória, sempre seria ineficaz ou, se se pretender, inoponível relativamente à esfera jurídica da Autora, por falta de notificação do seu conteúdo ou sentido [artigos 160.º do CPA e 60.º, n.º 1, do CPTA]. Senão, vejamos.
Do probatório coligido nos presentes autos [Pontos N) a Q) dos factos provados], retira-se que efectivamente, em 16 de Janeiro de 2019, o Presidente da Câmara Municipal de (...) “projectou” [artigo 122.º, n.º 2, do CPA] a aplicação à Autora de uma multa contratual no montante de EUR 118.320,23, o qual corresponderia aos valores máximos de acordo com o n.º 3 do artigo 329.º do CCP. Proposta esta sobre a qual a Autora viria a exercer o seu direito de audiência prévia na qual contestava o fundamento material dessa sanção e, subsidiariamente, a redução do seu montante [Ponto R) dos factos provados].
Depois disto, sabe-se que, em 8 de Abril de 2019, a Autora recebeu um ofício do serviços do Réu que dizia que “No seguimento da V./ carta, referente ao assunto em epígrafe, e conforme despacho do Ex.mo Sr. Presidente, junto se anexa resposta à mesma, para conhecimento e devidos efeitos”, resposta esta que, sendo o único elemento anexado ao ofício, afirmava o seguinte “Sobre a redacção de defesa relativa à informação do limite máximo das multas contratuais devo referir que nunca foi mencionado que o valor seria de 141.195,20, mas que, no limite máximo, poderá ser 118.320,23 €, de acordo com o n.º 3 do art. 329.º do CCP, estando bem explícito na informação que redigi e mantenho. Acrescento que hoje dia 7 de Março de 2019, a obra não se encontra terminada como assegurou o empreiteiro, nem tenho agora informação para nova data de término prevista” [Pontos S), U) a W) dos factos provados].
Perante isto, questiona-se, qual é o sentido da decisão que foi alegadamente proferida pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...)? Não se sabe.
Com efeito, para além de na referida notificação se encontrarem em falta outros requisitos, como o texto integral [ou indicação resumida] do ato administrativo, a data em que este foi praticado ou até a indicação do órgão competente para apreciar a impugnação administrativa [artigo 114.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alíneas a), b) e c), e n.º 3 do CPA], a partir da análise do teor do ofício de 5 de Abril de 2019, ainda que conjugadamente com o deficitário conteúdo da informação de 7 de Março de 2019, não era possível a um destinatário médio apreender qual foi, na realidade, o conteúdo ou o sentido do acto praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) [artigo 151.º, n.º 1, alínea e) do CPA e 60.º, n.º 1, do CPTA]
Com efeito, como esclarecem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM, “a referência ao “conteúdo” da decisão reporta-se à própria decisão contida no acto, àquilo que nele se determina (ou declara): é o feixe de direitos e obrigações dele directamente resultantes. Mencionando alternativamente o seu “sentido”, o legislador está a distinguir os casos em que a decisão tem um conteúdo próprio daqueles em que o conteúdo é posto nela em função do conteúdo de um outro acto: numa decisão de “indefiro” vai indicado o seu sentido, mas o seu conteúdo só se alcança por referência ao de outro acto, à pretensão constante do requerimento respectivo. O que não se permite é que o conteúdo ou sentido do acto sejam nele determinados por remissão para outros documentos do processo, ao contrário do que acontece com a sua fundamentação” [cf. op. cit., pp. 585].
Ora, como é bom de ver, em lado algum do ofício de notificação [e respectiva informação anexa do alegado despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...) se diz qual a concreta determinação ou efeito jurídico a produzir, isto é, se se “aplica” uma multa contratual e, nesse caso, já agora, qual o seu montante, que também não é indicado.
Enfim, tal como, de resto, a Autora prontamente alertou os serviços do Réu [vide os documentos n.ºs 16 da petição inicial], o ofício enunciado no Ponto U) dos factos provados é completamente inócuo, desprovido de qualquer virtualidade, para cumprir o desiderato subjacente aos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 160.º do CPA que, como se sabe, é o de levar ao conhecimento dos interessados o conteúdo ou sentido das decisões administrativas de natureza impositiva de deveres ou encargos, como são as de cariz sancionatório.
Significa isto que, na ausência de notificação do sentido do alegado “despacho” do Presidente da Câmara Municipal de (...) de 29 de Março de 2019, a eventual determinação de “aplicação de multa contratual” que aí se achasse contida, era ineficaz ou inoponível ao respectivo destinatário, ora
Autora, em conformidade com o disposto nos artigos 157.º, alínea c) e 160.º, ambos do CPA e 60.º, n.º 1 do CPTA.
Pois bem, para que um acto administrativo que constitui deveres ou encargos na esfera jurídica dos seus destinatários possa ser “executório”, isto é, possa ser executado coercivamente pela Administração [o designado poder da auto-tutela executiva], necessário se torna não apenas que, por um lado, o mesmo exista na ordem jurídica, ou seja, tenha sido praticado, como, por outro lado, haja sido notificado ao respectivo destinatário [neste sentido, o Acórdão do TCA-Norte, de 04 de Maio de 2012, processo n.º 00255/04.1BEBRG e, na doutrina, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA e PACHECO DE AMORIM, op. cit., pp. 727].
Vale isto por dizer que, mesmo que o acto administrativo haja sido praticado, se este for ineficaz, por falta de notificação, a Administração encontra-se proibida de dele extrair quaisquer efeitos jurídicos, sob pena de invalidade [cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 0168/12, acessível em www.dgsi.pt].
Aqui chegados, e tendo presente tudo o que se acabou de dizer, logo se constata, pois, que, ao entender que à Autora já havia sido aplicada uma multa contratual pelos valores máximo de acordo com o n.º 3 do art. 329.º do CCP, quando, na realidade, esta não havia sido sequer notificada de tal “determinação”, declarando-a impedida de ser concorrente, o júri do procedimento pré-contratual extraiu indevidamente consequências “agressivas” de um acto prévio, também ele “impositivo”, que [ainda] não era eficaz e, como tal, não poderia ser, sob qualquer forma, oponível à ora Autora.
Incorreu, por isso, em ilegalidade material, por erro nos pressupostos de facto e em violação do disposto na parte final da alínea l) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, seja porque não existia acto administrativo de aplicação de multa contratual em anterior contrato público pelos valores máximos permitidos, seja porque este não foi notificado à Autora.
Pecha esta que naturalmente se encontra aqui dotada da inerente eficácia invalidante do acto impugnado, pois que, no caso concreto, falhando um pressuposto normativo concernente a um procedimento administrativo autónomo [a aplicação de multa contratual e respectiva notificação], outra solução não restava ao júri do procedimento pré-contratual que não a de admitir a proposta apresentada pela Autora [artigo 163.º, n.º 1, do CPA].
(…)”.
Ora, este julgamento foi confirmado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte - ainda não transitado -, proferido em 15.07.2020, cujo teor igualmente se acolhe e reproduz:
“(…)
9.2. Desde já se adianta que a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo, tendo o tribunal a quo efectuado uma rigorosa ponderação dos factos e uma criteriosa análise e aplicação dos preceitos legais invocados, em linha com a melhor doutrina, não tendo o recorrente esgrimido argumentos que conduzam à sua alteração.
9.2.1. Desde logo, não nega que inexista qualquer assinatura aposta pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) na proposta de aplicação de multa à autora por incumprimento dos prazos de conclusão da empreitada “Manutenção/Recuperação, Substituição e Novo Espaço de Jogo e Recreio”.
Limita-se o recorrente a alegar que “a autoria do despacho de 29 de março de 2019, não é questionada, nem pela autora, nem pelo Tribunal a quo”. E que no “processo administrativo conducente à aplicação de multa, a assinatura do Presidente da Câmara existe em vários documentos, desde logo o despacho de 16 de janeiro de 2019, conforme fls. 677 do PA e conforme dá como provado a sentença na alínea P) dos factos provados”.
Só que, como bem se refere na sentença recorrida, citando Mário Aroso de Almeida, “de entre os elementos estruturais do acto administrativo, os únicos que são elementos constitutivos do conceito de acto administrativo e, por isso, requisitos da existência da figura são o sujeito e o conteúdo: para que exista um acto administrativo, é, na verdade, necessária a emissão de uma decisão, dirigida a produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (conteúdo), que possa ser imputada a um órgão titular de poderes jurídico-administrativos (sujeito)” (in Teoria Geral do Direito Administrativo, Temas Nucleares, 2015, 2.ª edição, Almedina, pág. 257, sublinhado nosso).
O conceito de acto administrativo mostra-se enunciado no artigo 148º do CPA, do qual resulta que se considera como tal “as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
Ora, não há decisão sem sujeito e para que possamos afirmar a sua existência necessário é que a mesma seja imputada a determinado autor, o que exige a respectiva assinatura.
A assinatura do autor do acto administrativo é, aliás, uma das menções obrigatórias que dele devem constar (cfr. artigo 151º, n.º 1, al. g) do CPA), sem a qual não se pode afirmar a sua existência.
Assim é que “quando for produzido um documento que não identifique a autoridade que o praticou ou a cuja autoria ele não possa ser imputado, por não assinado pelo respectivo titular, não pode reconhecer-se nele uma decisão tomada por um órgão dotado de poderes jurídico-administrativos (artigo 151.º, n.º 1, alínea a) e g)” (in Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Maio de 2016, Almedina, pág. 308, sublinhado nosso).
Esta é também a posição defendida por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim. Com efeito e a propósito da exigência de assinatura do autor do acto vertida no artigo 123º, n.º 1, al. g) do anterior CPA, referem os mesmos que “só com ela existe acto ou decisão administrativa: um acto muito perfeito, mesmo manuscrito e em papel timbrado é um nada jurídico, se faltar a assinatura do seu autor” (in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, pág. 587).
Em suma, a ausência de assinatura impede que se possa atribuir a autoria do acto administrativo à pessoa, singular ou colectiva, que supostamente é sua autora. Daí que, como observam Diogo Freitas do Amaral, João Caupers e outros in “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, pág. 212, a falta de assinatura do autor do acto determine, não a mera nulidade, mas a própria inexistência do acto.
De resto, o mesmo critério poderá ser aplicado à falta de assinatura do juiz num acto processual.
Como refere Abílio Neto a este propósito (in Código de Processo Civil anotado, pág. 916), “Da aplicação dos princípios consignados nos arts. 370º-1 e 373º-1 ambos do Cód. Civil, ao fixarem as consequências da falta de assinatura nos documentos autênticos e particulares, resultará que a falta de assinatura do juiz acarretará a inexistência do acto, só suprível mediante a posterior aposição da assinatura”.
Podemos, assim, concluir que a falta de assinatura determina a inexistência do próprio acto, retirando-lhe a aptidão para produzir quaisquer efeitos jurídicos.
9.2.2. Pretende o recorrente que o TAF deveria ter aplicado “a teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais hoje convertida em regra legal conforme resulta do artigo 163.º n.º 5, alínea b), do CPA” e que, ao não o fazer “violou o princípio geral do direito da preponderância do conteúdo sobre a forma e do aproveitamento dos actos administrativos de que aquela teoria é corolário, e que é usualmente designado pela fórmula latina utile per inutile non vitiatur”.
Mas também aqui não lhe assiste razão.
Dispõe o artigo 163º, n.º 5, al. b) do CPA que “Não se produz o efeito anulatório quando: b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via”.
Este preceito traduz a consagração legal do chamado princípio da degradação das formalidades essenciais em não essenciais. Ou seja, não haverá lugar à produção do efeito anulatório se a finalidade das formalidades preteridas for alcançada por outra via.
Dúvidas não existem, face à redacção do preceito, que estão aqui em causa unicamente os actos anuláveis e situações cobertas pelo regime de anulabilidade. É o que resulta, de forma inequívoca, quer da epígrafe do
preceito, que refere “Actos anuláveis e regime da anulabilidade”, quer do corpo do n.º 5 que se reporta ao “efeito anulatório”.
Ora, como vimos, não estamos perante um acto anulável, mas antes inexistente, pelo que não se aplica o regime previsto no artigo 163º do CPA.
9.2.3. Já na fase de recurso veio o recorrente juntar aos autos um documento, dando nota da prática pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) do despacho de 8/05/2020, que consubstancia o acto administrativo de ratificação do despacho de 16/01/2019.
Sucede que, a prática de tal acto suscita questões novas sobre as quais o TAF do Porto não se pronunciou, pois que o mesmo é posterior à data em que foi proferida a sentença recorrida.
Ora, como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência e na doutrina, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetidas ao exame do tribunal de que se recorre, neles não cabendo, por isso, e em princípio, a apreciação de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada (cfr., entre outros, Acórdãos do STA de 26/05/2011, proc. n.º 0469/11, de 29/05/2013, proc. n.º 0552/13, de 7/10/2015, proc. n.º 01089/14, de 3/11/2016, proc. n.º 01407/15 e de 11/09/2019, proc. n.º 724/16.0BEBJA; Acórdãos do TCAN de 28/06/2018, proc. n.º 804/12.1BEPNF, de 15/02/2019, proc. n.º 600/05.2BEVIS, de 15/03/2019, proc. n.º 3476/15.8BEBRG e de 3/05/2019, proc. n.º 751/15.5BEVIS; Acórdãos do TCAS de 10/01/2013, proc. n.º 09516/12, de 20/11/2014, proc. n.º 05679/09, de 16/12/2015, proc. n.º 12585/15 e de 19/09/2017, proc. n.º 09598/16; cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pág. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 80-81).
Concluímos, assim, que não pode este Tribunal Central Administrativo conhecer as questões que decorrem da prática do aludido acto de ratificação, pois sobre elas o TAF do Porto não se pronunciou e não são de conhecimento oficioso.
Como quer que seja, sempre se diga que o acto ratificado não aplicou à autora qualquer multa; aliás, o recorrente sempre se referiu ao acto de aplicação de multa como tendo sido praticado no dia 29/03/2019, pelo que não se compreende porque razão vem ratificar o despacho de 16/01/2019.
Este despacho foi proferido numa fase prévia do procedimento, imediatamente antes de ser dada à autora a possibilidade de se pronunciar em sede de audiência prévia.
Com efeito, como resulta do probatório, por ofício de 19/02/2019, foi a mesma notificada do aludido despacho e ainda “para, querendo, usar o direito de resposta”, nos termos do artigo 121º do CPC.
Este preceito confere aos interessados “o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”. Dúvidas não há, pois, que, tendo a autora sido notificada para se pronunciar ao abrigo do artigo 121º do CPA, ainda não havia sido tomada a decisão final, pelo que o despacho de 16/01/2019 que lhe foi então notificado mais não traduz do que o sentido provável da mesma.
10. Erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 160º do CPA e 60º, n.º 1 do CPTA (cfr. conclusões t) a bb) das alegações)
10.1. Como vimos, o Tribunal a quo considerou que inexiste “uma qualquer “decisão” que haja aplicado à Autora uma multa contratual pelos valores máximos aplicáveis nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 329.º do CCP no âmbito do prévio contrato de empreitada de “Manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio””.
Mas foi mais longe: entendeu que “ainda que assim não fosse, o certo é que, no caso concreto, este, enquanto “acto” de natureza impositiva e sancionatória, sempre seria ineficaz ou, se se pretender, inoponível relativamente à esfera jurídica da Autora, por falta de notificação do seu conteúdo ou sentido [artigos 160.º do CPA e 60.º, n.º 1, do CPTA]”.
10.2. O recorrente discorda do assim decidido, alegando que “as exigências previstas nos artigos 160.º do CPA e 60.º n.º 1 do CPTA (que remete para o disposto no n.º 2 do artigo 114.º do CPA) foram todas observadas no acto de aplicação de multa, pelo que, aquelas normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido das exigências delas decorrentes se considerarem verificadas no acto de aplicação de multa”.
10.3. Tendo concluído pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado pelo recorrente à sentença recorrida na parte em que considerou inexistir qualquer acto administrativo de aplicação de multa, mostra-se prejudicado o conhecimento do erro de julgamento em causa.
Se inexiste acto, não há que apreciar se o mesmo é, ou não, ineficaz ou inoponível à autora, por falta de notificação do seu conteúdo ou sentido.
10.4. Em todo o caso, sempre se diga que também neste ponto o recorrente invoca o despacho de 16/01/2019 como sendo o acto de aplicação de multa, quando, como acabamos de ver, esse despacho consubstancia tão só o sentido provável da decisão final.
(…)”.
Do teor da sentença transcrita e do respectivo acórdão, proferido em sede de recurso pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, resulta, pois, devidamente apreciada e julgada a violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, do acto de exclusão e adjudicação aqui impugnados.
Com efeito, conforme ali se decidiu e aqui se mantém, pelas razões expendidas na sentença e acórdão transcritos que aqui se acolhem, o pretenso acto de aplicação de sanção contratual é inexistente.
Resta, agora, porque não foi alegado em sede primeira instância naquele Processo n.º 3039/19.9BPRT e por isso foi, meramente, aflorado no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, acrescentar ao que ali foi dito, o juízo deste Tribunal acerca da ocorrência de ratificação- sanação, tal como vem invocada pelo R..
Ainda que o R. não tenha junto nestes autos, nem no respectivo processo administrativo, o acto através do qual pretendeu proceder à ratificação do “acto” de aplicação de sanção contratual, a verdade é que a ele se refere na informação n.º 160/2020, de 23.072020 [cfr. ponto K) do probatório], onde além do mais se escreveu que: “(…) 17. Assim, os efeitos da ratificação do ato administrativo praticado em 08.05.2020 retroagiram à data de 16.01.2019, data do despacho do Senhor Presidente que aplicou a sanção pecuniária ao impugnante no âmbito do procedimento empreitada designada Obras de Manutenção/ Recuperação, substituição e novos Espaços de Jogo e Recreio, ficando sando o vício de que padecia o ato administrativo (de 16.01.2019).”
Apreciemos, pois.
Ora, a verdade é que na situação dos autos, como vimos, não existe acto administrativo de aplicação de sanção contratual.
Neste sentido, reiterando o que se deixou expendido, recorremos às palavras de Mário Aroso de Almeida: “(…) Com efeito, a referência ao autor do ato e ao respetivo conteúdo, assim como ao destinatário, quando exista, e ao objecto, visa identificar os elementos constitutivos do conceito de ato administrativo, da reunião dos quais, na realidade, depende a existência do ato.
(…)
Importa, entretanto, sublinhar para afastar equívocos, que as declarações que não reúnam as características próprias do ato administrativo não devem ser qualificadas como actos administrativos inexistentes, na medida em que essa expressão é uma contradição nos próprios termos: com efeito, ou bem que estamos perante um ato administrativo, e ele existe, ou bem que estamos apenas perante uma aparência de ato administrativo, mas não existe qualquer ato administrativo, e então não podemos dizer que estamos perante um ato administrativo que se caracteriza pela inexistência. Deve apenas dizer-se, perante cada situação de mera aparência da existência de um ato administrativo, que não existe um ato administrativo nesse caso e, por isso, falar-se, a esse propósito, da inexistência de (qualquer) ato administrativo. (…)” in «Teoria Geral do Direito Administrativo – O novo regime do Código do Procedimento Administrativo», Almedina, 2015, 2ª Ed., p- 257 e ss..
Do assim exposto, resulta inequívoco que a pretendida ratificação não tem aplicação in casu. De facto, inexistindo acto administrativo de aplicação de sanção contratual, nada há a ratificar; e, sendo assim, é inócua a alegação do R. de que em 08.05.2020 praticou acto administrativo de ratificação do “acto” de 16.01.2019.
A este argumento cabe ainda acrescentar, tal como alertou e afirmou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte supra, que o pretenso acto ratificado é, apenas, o “despacho [que] consubstancia tão só o sentido provável da decisão final.”.
Destarte, tendo em conta a argumentação fáctico- jurídica expendida, o Tribunal julga procedente a pretensão anulatória da A..
No que concerne à pretensão condenatória deduzida - “ser o Réu condenado a admitir a proposta da Autora e a adjudicar a empreitada “Reabilitação do Centro Cultural (...)” à mesma.” -, a verdade é que, pese embora o critério de adjudicação seja o do “mais baixo preço” [cfr. ponto B) do probatório], o Tribunal desconhece se a proposta da A., afastada a causa de exclusão fundada no impedimento previsto no artigo 55º n.1 alínea l) do Código de Contratos Públicos, reúne as condições necessárias à sua admissão, designadamente, se em relação à mesma se verifica, ou não, qualquer das causas de exclusão previstas no artigo 70º n.2 do Código de Contratos Públicos.
Com efeito, a análise das propostas apresentadas no procedimento concursal implica uma valoração própria da função administrativa, pelo que sob pena de violação do princípio da separação de poderes, não cabe ao Tribunal condenar o R. a admitir a proposta da aqui A..
Em suma, improcede a pretensão condenatória da A. nos termos deduzidos.
Contudo, nos termos do preceituado no artigo 95º n.5 do CPTA, condena-se o R. a retomar o procedimento concursal com a análise da proposta da A. e subsequente tramitação legal, com respeito pelas vinculações decorrentes da presente sentença e que constituem fundamento da procedência do pedido anulatório.
(…)».
A apelação do réu.
O recorrente insiste no que já deveria ter como claro.
Tendo por referência dito despacho de 29/03/2019, aplicando à autora multa contratual no âmbito de uma outra relação, na sua tese “Não se encontrando em causa a autoria do ato, mas apenas a falta de assinatura do mesmo, esta irregularidade apenas poderá gerar a anulabilidade do ato de aplicação de multa”, de qualquer forma acto aproveitável e alvo de ratificação, e de conteúdo perceptível e oponível, assim suscitando causa de exclusão por força da alínea l), do n.º 1 do artigo 55.º do CCP.
Mas, precisamente pela falta de assinatura - como está mais que explicado, elemento constitutivo de um acto administrativo -, é que nem cabe encarar existir um acto administrativo.
Falta que não é susceptível de cimentar autoria do que sem ela não existe como tal; sem aproveitamento do que, possa até ter conteúdo perceptível, não é o bastante.
Mesmo que notificado, é de eficácia desprovida de efeitos, e logo inoponível.
E não havendo acto, apesar de o réu nisso cogitar, é de impossível objecto sua ratificação (ratificação-sanação), que sempre pressuporia um acto primário.
Aliás, a dita ratificação - noticiada, mas nem sequer comprovada -, segundo se percebe, por acto de 8/05/2019, incidiria (sanando o quê?) sobre um outro acto, o de 16/01/2019 [supra em O)], acto proferido (ainda) em sede de audiência prévia, que “consubstancia tão só o sentido provável da decisão final”; sempre por aí se quedando projecção de efeitos.
A razão avançada para exclusão não existe.
A apelação da autora.
Merece provimento.
A exclusão da autora foi vista em sede de “relatório final e despacho”, exclusão aí proposta, subtraindo-a ao ordenamento valorativo liminarmente projectado, com único critério no mais baixo preço; o que o acto final de adjudicação absorveu.
Não ocorre a objecção assinalada na decisão recorrida.
Isto, na linha do decidido pelo STA, p. ex. no seu Ac. de 08-09-2016, proc. n.º 0568/16, de onde se extrai:
I - Tendo sido invalidado o acto de exclusão da proposta a qual teve como fundamento uma única causa, afastado tal fundamento, a Administração apenas pode tomar a decisão contrária – a da admissão da proposta (cfr. arts. 70º, nºs 1 e 2, 122º, nºs 1 e 2, 124º, 146º, nºs 1, 2 e 3 e 148º, nº 1, todos do CCP).
II - E admitida a proposta, ficando a Recorrente graduada em primeiro lugar, uma vez que o critério estabelecido no concurso é o do mais baixo preço (sendo o por ela apresentado o mais baixo), o acto de adjudicação constitui-se como um acto legalmente devido, já que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cfr. arts. 36º e 76º do CCP), salvo as excepções previstas no art. 79º do CCP, que aqui não estão em causa.
III - Considerando que os actos a praticar pela entidade adjudicante corresponderão ao pedido condenatório, que foi julgado inteiramente procedente, está a Administração concretamente vinculada a praticar os actos referidos com o conteúdo pretendido, estão reunidos todos os pressupostos necessários para a condenação nos precisos termos do pedido, sem necessidade de formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (art. 95º, nº 3 do CPTA).
Neste sentido o Ac. deste TCAN, de 02-10-2020, proc. n.º 76/20-4BEMDL, também recordando que “como o Supremo Tribunal Administrativo já concluiu no acórdão de 03-12-2015, processo nº 0913/15, que «a condenação na adjudicação do contrato ao único concorrente sobrante em concurso cujo único critério de adjudicação era o do preço mais baixo não viola quer o princípio da separação de poderes quer o art. 79º do CCP, por tal não se traduzir em retirar à administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato»”.
Reafirmado no Ac. deste TCAN, de 18-12-2020, proc. n.º 239/20.2BEMDL, avivando que «Em questão próxima à dos autos decidiu este TCAN em 02/10/2020, no âmbito do processo nº 76/20.4BEMDL “De resto, não se vislumbrando condicionamentos impostos, designadamente, pelas normas regulamentares do concurso, é de concluir, como o Supremo Tribunal Administrativo já concluiu no acórdão de 03-12-2015, processo nº 0913/15, que “a condenação na adjudicação do contrato ao único concorrente sobrante em concurso cujo único critério de adjudicação era o do preço mais baixo não viola quer o princípio da separação de poderes quer o art. 79º do CCP, por tal não se traduzir em retirar à administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato”.».
Atento o que supra vem em B), D), e F), sendo critério de adjudicação o mais baixo preço, no caso o da proposta da autora, nada mais resta que não seja cumprir com o dever de adjudicação.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em:
- negar provimento ao recurso do réu Município;
- conceder provimento ao recurso da autora, revogando a decisão recorrida na parte em que estatuiu “condeno o R. a retomar o procedimento concursal, analisando a proposta da aqui A. seguindo os ulteriores termos, com observância das vinculações decorrentes da procedência da pretensão anulatória”, antes sendo o réu condenado a emitir novo acto de adjudicação, recaindo escolha na autora.
*
Custas: da acção pelo réu Município, que pagará também as do seu recurso (e só deste, conquanto não contra-alegou o da autora).
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Porto, 08 de Janeiro de 2021.


Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho