Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00151/13.1BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PLANO DE PORMENOR DA ZONA HISTÓRICA DE BRAGANÇA; CÉRCEA DE UM PRÉDIO; ÁGUAS FURTADAS; “APROVEITAMENTO TRADICIONAL” DA ÁREA DO SÓTÃO; COBERTURA EM TELHA; COBERTURA EM FERRO E ZINCO;
FACHADAS “DIALOGANTES” OU “NÃO DISSONANTES”; ARTIGOS 16º E 23º, Nº1, ALÍNEA B), DO PLANO DE PORMENOR DA ZONA HISTÓRICA DE BRAGANÇA;
ARTIGO 7º, Nº 1, DO PLANO DE PORMENOR DA ZONA HISTÓRICA DE BRAGANÇA; ARTIGO 26º, Nº 6, DO PLANO DE PORMENOR DA ZONA HISTÓRICA DE BRAGANÇA; ARTIGO 27º DO PLANO DE PORMENOR DA ZONA HISTÓRICA DE BRAGANÇA.
Sumário:1. Tendo em conta o disposto nos artigos 16º e 23º, nº1, alínea b), do Plano de Pormenor da Zona Histórica de Bragança a cércea de um prédio não tem uma altura definida, sendo fixada por reporte às demais construções existentes na zona.

2. Tendo em conta a definição de “águas furtadas” constante do artigo 7º, nº 1, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de Bragança, que aparece como o modo “tradicional” de aproveitamento da área de sótão para habitação, estamos numa área de larga margem de discricionariedade da Administração na determinação, caso a caso, do que seja um piso adicional ou o aproveitamento como “águas furtadas”, apenas sindicável em caso de violação de vinculação legal ou erro grosseiro.

3. Face ao disposto no artigo 26º, nº 6, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de Bragança, a cobertura de um prédio em telha para aquela zona é uma opção e não uma imposição: caso se opte pela cobertura de telha então é uma imposição que a telha seja da região em cerâmica de cor natural.

4. Dado que o artigo 27º do Plano de Pormenor da Zona Histórica de Bragança determina que naquela sona as fachadas devem ser “dialogantes” ou “não dissonantes” não se pode concluir, como sendo uma evidência, que uma fachada de cor escura e com a cobertura em ferro e zinco é “dissonante” ou “não dialogante” com as demais construções, de alvenaria de pedra ou de tijolo com reboco e pintura de branco, com janelas em madeira e de forma guilhotinada, de forma a concluir que houve erro grosseiro ou violação de parâmetros legais na autorização de tal construção.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:Município de (...) e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, agindo em nome próprio, veio interpor o presente recurso jurisdicional, da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa especial que o ora Recorrente moveu contra o Município de (...), indicando como Contrainteressados N., Construções L. Lda., Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Região de (...) e Alto Doutor CRL. e na qual é pedida a declaração de nulidade e de nenhum efeito da deliberação da Câmara Municipal de (...) e do despacho do seu Vereador Réu e demais actos consequentes, pelos quais foi aprovado um projeto de arquitetura e emitida licença quanto a uma construção que viola diversos dispositivos do Plano de Pormenor, a saber, as relativas ao número de pisos, ao número de edifícios, à cobertura (terraço e águas furtadas), aos materiais utilizados, alinhamento e cércea, e enquadramento na zona histórica, com condenação do Município de (...) a repor a situação que em cada caso existiria se os actos declarados nulos não tivessem sido praticados.

Invocou, para tanto, que: as águas-furtadas são mais um piso, em violação dos artigos, 1º, 23º, nº 1, e 16º, nºs 1 e 3, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) (PPZHB); que a construção envolve dois edifícios e não apenas um, em violação do artigo 23º, nº 2, e os indicadores urbanísticos para novas construções em NCI; que o Tribunal a quo errou na desconsideração do acertamento das águas do telhado pela cumeeira, em favor de dois alargados terraços, em violação dos artigos 7º, 15º, 26, nºs 6, 8, e 10, do PPZHB; bem como na desconsideração da envolvente, em violação dos artigos 7º, 27º, e 26º, nºs 6, 8 e 10 do PPZHB e da dissonância, em violação dos artigos 7º, 25º e 27º do mesmo PPZHB, devendo dar como provado que os edifícios são dissonantes do conjunto arquitectónico em que se inserem; a decisão recorrida errou na interpretação da discricionariedade administrativa e na não aplicação do princípio da separação de poderes, já que a discricionariedade não impede o juiz de “controlar a existência material dos pressupostos” da decisão administrativa e se a avaliação é desacertada e inaceitável ou se baseia em erro ostensivo ou notório, cabe anular a decisão administrativa, no caso concreto os actos administrativos impugnados, violando o PPZHB, enfermam de nulidade face ao disposto no artigo 68º, alínea a), do Decreto-Lei 555/99, de 16.12, na redacção da Lei nº 60/2007, de 04.09.

A Recorrida e os Contrainteressados não apresentaram contra-alegações.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1- O Tribunal a quo errou na consideração dos factos provados ao desconsiderar a construção de mais um piso, com o engenhoso nomen de águas-furtadas.

2- Violando os artigos 7º, n.º 1, 23º, nº 1, e 16º, nºs 1 e 3, e os indicadores urbanísticos para novas construções em NCI do PP.

3- Com o que agora se deve dar como provado a construção de tal adicional piso e que não se trata de águas furtadas.

4- O Tribunal a quo errou ao desconsiderar a construção de dois edifícios.

5 - Violando os artigos 23, nº 2, e os indicadores urbanísticos para novas construções em NCI.

6- Com o que agora se deve dar como provado a construção de dois edifícios.

7- O Tribunal a quo errou na desconsideração do acertamento das águas do telhado por cumeeira, em favor de dois alargados terraços.

8- Violando os artigos os artigos 7º, 15º, 26º, nºs 6º, 8º, e 10º do PP.

9- O Tribunal a quo errou na desconsideração da envolvente, o que é grave tratando-se de uma zona histórica a preservar.

10- Violando os artigos 7º, 27º, e 26º, nºs 6, 8 e 10 do PP.

11- Com o que se deve dar como provado que o edifício afronta a envolvente.

12- O Tribunal a quo desconsiderou a dissonância.

13- Violando os artigos 7º, 25º e 27º do PP.

14- Com o que se deve agora dar como provado que os edifícios são dissonantes do conjunto arquitectónico em que se inserem.

15- O Tribunal a quo errou na interpretação da discricionariedade administrativa e na não aplicação do princípio da separação de poderes.

16- Efectivamente a discricionariedade não impede o juiz de “controlar a existência material dos pressupostos” da decisão administrativa.

17- E se a avaliação é desacertada e inaceitável ou se baseia em erro ostensivo ou notório, como no caso, cabe anular a decisão administrativa.

18- Com o que, e no mais que V. Ex.cias doutamente suprirão, os actos administrativos impugnados, violando o PPZHBI, enfermam de nulidade face ao disposto no artigo 68º, alínea a), do Decreto-Lei 555/99, de 16.12, na redacção da Lei nº 60/2007, de 04.09.

19- Pelo que deve revogar-se a sentença recorrida e ser substituída por outra que decida pela procedência da acção, nos termos pedidos.
*

II –Matéria de facto.

O Recorrente vem afirmar que o Tribunal “errou na consideração dos factos provados ao desconsiderar” determinados “factos” – conclusões 1 a 14.

Sucede que aquilo que o Recorrente refere como “factos” que deveriam ser “considerados” são conclusões e enquadramentos jurídicos, a tirar a partir de factos ou do teor dos documentos para os quais remete a sentença recorrida o fixar a matéria de facto provada.

Assim, desde logo, saber se houve a construção de um piso adicional ou de águas furtadas são conclusões a tirar a partir dos factos provados, em concreto sob os pontos 13 e 22 a 26.

Na sentença deu-se como provado que esse espaço aparece como designado de “águas furtadas” – ponto 22 – o que é correcto porque no projecto aparece descrito como tal – ponto 13.

Saber se é um piso novo ou águas furtadas é uma conclusão a retirar das dimensões e características desse espaço que aprecem suficientemente descritas na matéria de facto provada, em particular nos referidos pontos 13 e 22.

Quanto a saber se se trata de um único edifício ou de dois edifícios onde antes havia apenas um é também uma conclusão a retirar dos factos sendo que a matéria de facto alinhada na decisão recorrida é suficiente para tirar a conclusão correcta, em particular os pontos 13, 17 e 23.

O mesmo se diga em relação à “desconsideração do acertamento das águas do telhado por cumeeira, em favor de dois alargados terraços”.

A matéria de facto reproduz o que consta do processo administrativo cuja genuinidade e autenticidade não foram postas em causa e dos quais se podem concluir se há ou não acertamento das águas dos telhados em favor de dois “alargados” terraços.

Finalmente, no que diz respeito a dar-se como provado que “o edifício afronta a envolvente” (conclusão 11) e que “os edifícios são dissonantes do conjunto arquitectónico em que se inserem” (conclusão 14), é matéria que não se pode incluir nos factos provados porque se tratam de conclusões e não de factos.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

1. Em 13.05.2008, em procedimento que tomou o n.º 91/08, N., tendo-lhe sucedido no iter procedimental “Construções L., Lda.”, pediu a aprovação do projecto de arquitetura para “reconstrução de edifício misto, sito em R. (...), freguesia de (...). A obra em causa será realizada no prédio urbano, inscrito na matriz predial omisso e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1532, tendo as seguintes confrontações: Norte – C., Sul - (...), Nascente – D., Poente – A.” – cfr. documentos nºs 1 e 1A juntos com a petição inicial.

2. A construção referida no ponto antecedente é dentro da chamada Zona Histórica de (...) sujeita ao Plano de Pormenor para a Zona Histórica de (...) I, PPZHB, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n° 99/2007, no Diário da República, Iª Série, de 26.07.2007 – cfr. documento nºs 1 e 1-A juntos com a petição inicial.

3. Sendo que, em dois terços do terreno e na parte virada à Fundação Calouste Gulbenkian construção alguma inexistia – cfr. documentos nºs 1 e l-A juntos com a petição inicial.

4. E onde acabou por ser construído o Bloco “B” – cfr. documento nºs 1 e 1-A juntos com a petição inicial.

5. Tratava-se de terreno para construção resultante da anexação dos prédios com os nºs matriciais 958 e 959, os quais passaram, respetivamente, para 1091 e 2008, que, por sua vez, passaram, ao urbano com o nº 2287.

6. Para a Rua (...) reconstruiu-se (Bloco “A”), para a Rua (...) construiu-se de raiz (Bloco “B”).

7. Sobre o pedido recaiu, em 19.05.2008, a seguinte informação:

“Trata-se de um projecto para reconstrução/construção de um edifício destinado a habitação colectiva e serviços, confinante com a R. (...)/Rua (...), localizado na "Zona Histórica" de (...). A pretensão localiza-se no raio de protecção ao edifício e jardim do Museu Abade de Baçal, classificado como Imóvel de Interesse Público, pelo que deverá ser solicitado parecer ao IGP AA. Deverá ser solicitado parecer à ANPC.”

8. A DRCN emitiu em 03.07.2009 parecer não favorável ao projecto de arquitetura, invocando os artigos, conjugados, 43º, 45º, 51º e 60º da Lei 107/2001, de 08.09, 18º, nº 2, 19º e 37º do Decreto-Lei 555/99, de 16.12, com a redacção do Decreto-lei 107/2001, Título IV do RGEU e artigos 2º, nº 2, alínea f), e 25º, nº 3, alínea e), do Decreto-Lei 120/97, de 16.05.

9. E, depois de se assinalar que o local correspondia a uma zona extremamente sensível, em termos da valência arqueológica da cidade, justificou--se no seguinte:

“Analisada a proposta apresentada considera-se que a mesma não acautela a preservação das características dos edifícios existentes, utilizando apenas os panos de fachada principal para lhes adossar um novo edifício, situação que não merece concordância.

Relativamente ao novo edifício a implantar na frente voltada à Rua (...), não se vendo inconveniente na inserção de um edifício nesta frente, entende-se que o mesmo deve respeitar os alinhamentos e cérceas das construções vizinhas, implantando-se à face do arruamento, pelo que a actual proposta não merece aceitação”.

10. Na sequência, produziu-se informação técnica em 16.07.2008, com o seguinte teor:

“(...) No outro extremo do terreno, confinante com a Rua (…), é proposta a construção de um edifício novo, com uma linguagem actual, recuado face ao alinhamento predominante das construções existentes, composto por cave, rés do chão, 1 ° andar e um piso recuado, destinado a comércio e habitação (2 fogos). Assim, propõe-se manifestar intenção de indeferir o projecto apresentado, devendo o mesmo ser reformulado em conformidade com o disposto no referido parecer.” (parecer da DRCN).

11. Seguiu-se, em concordância, despacho de indeferimento de executivo municipal em 18.07.2008, proferido, em delegação de competências do presidente, pelo vereador Nuno Cristóvão.

12. Em 15.04.2009, o Requerente referido em 1. supra veio apresentar novo pedido de licenciamento de projecto de arquitetura, juntando novo projeto com nova memória descritiva/justificativa, assinada em 31.03.2009.

13. Do projecto referido no ponto anterior consta, em relação ao edifício da Rua (...):

“Edificio proposto (construir)

Prevê-se a construção de duas habitações geminadas de tipologia T3 e T4, estruturadas segundo a mesma lógica, constituídos por hall de entrada, sala de estar/jantar em espaço aberto, cozinha e instalação sanitária de apoio, no piso superior estruturam-se quartos e instalações sanitárias apoio, as águas furtadas são aproveitadas para a criação de um espaço polivalente com o terraço. As garagens localizam-se no piso inferior (abaixo da cota de soleira), juntamente com escritório, arrumos e lavandaria. Estes edifícios utilizam uma linguagem contemporânea, de linhas fluidas, leitura global e única, utilizam materiais modernos aliados a técnicas antigas (cobertura em chapa de zinco), não interferindo com a envolvente.”.

14. Foi emitido parecer favorável condicionado pela DRCN em 15.06.2009, porque, no que tange ao edifício da Rua (...), “apesar da proposta de alinhamento com o edifício a norte, a solução encontrada não resolve o essencial da questão subjacente, a saber, o estabelecimento de transição entre ambos os lados do lote (com ou sem encosto aos limites) tendo em vista a criação de uma frente urbana minimamente coerente”.

15. O projecto de arquitetura foi aprovado na reunião do executivo camarário de 24.08.2009, depois de informação favorável da Divisão de Urbanismo – cfr. documento 2 junto com a petição inicial.

16. O Subdiretor do IPPAR por despacho de 06.05.2010 deu parecer favorável sobre a construção em causa.

17. Nesta sequência, licenciou-se, assim, em 19.05.2010, por despacho do vereador competente, a construção do edifício com frente para a Rua (...), “no alinhamento do edifício confinante, composto por cave, rés do chão, 1° andar e sótão, com 2 fogos (1 T3 1 T4), com entradas independentes.” – cfr. documentos 2 e 3 juntos com a petição inicial.

18. Assinalou-se na prévia informação que “o projecto cumpre o disposto no Regulamento do Plano de Pormenor da Zona Histórica I e o Regime Geral das Edificações Urbanas.” – cfr. documento 3 junto com a petição inicial.

19. A Câmara Municipal emitiu, no processo nº 91/08, em 19.05.2010, alvará de obras de reconstrução sob o nº 59/10 em nome de “Construções L., Lda.” “que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em R. (...) da Freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...), sob o nº 1532/20080509 e inscrito na matriz urbano nº 2287, da respectiva freguesia.” – cfr. documento 4 junto com a petição inicial.

20. Dali constou o seguinte:

“As obras foram aprovadas por despacho do vereador de 2010/05119, respeitam o disposto no Plano Director Municipal e apresentam as seguintes características:
Obras de: Reconstrução de edifício de habitação colectiva
Área de construção: 1664.41 m2
Volume de construção: 4466.35 m3
Área de implantação: 465.95 m2;
N° de pisos: 4
Acima da cota de soleira: 03
Abaixo da cota de soleira: 01
Cércea: 10 metros
N° de fogos: 06
Uso a que se destina a habitação: Habitação familiar” .

– cfr. documento 4 junto com a petição inicial.

21. O alvará tinha validade de 19.05.2010 a 19.05.2011 e foi objecto de prorrogação até 19.11.2011 em 12.05.2011 e em 28.11.2011 até 19.05.2012.

22. No último piso da construção “B” encontra-se um espaço denominado “águas furtadas”, de um lado com a área de 42,09m2 e do outro de 33,84m2 e pé direito de 2,60m, a título de espaço polivalente e terraço, num de 44,45m2 e noutro 45,56m2 – cfr. documentos 6 e 6-A juntos com a petição inicial e folhas 205 e 206 do processo administrativo apenso.

23. Em causa na zona “B” está a construção de um edifício com duas habitações – cfr. documentos 11 e seguintes juntos com a petição inicial e folhas 237 do processo administrativo apenso.

24. No Plano de Pormenor da Zona Histórica, quanto ao local do edifício “B” encontra-se a seguinte descrição – cfr. documento 7 junto com a petição inicial:

NC – Novas Construções
Indicadores Urbanísticos

NC1
Área do lote 560 m2
Nº pisos ac. Solo 2
Área de implantação 280 m2
Área bruta construção 560m2
Ind. Utilização do solo 1
Ind. Ocupação do solo 0.5


25. Do lado da Rua (...), as construções próximas do edifício “B” são encimadas por telhado de duas águas, em telha de barro – cfr. análise do Google maps na data da sentença.

26. O edifício “B” é encimado por terraço e cobertura de ferro e zinco – cfr. folhas 205 do processo administrativo apenso.

27. As construções próximas do edifício “B” são de alvenaria de pedra ou de tijolo com reboco e pintura de branco, com janelas em madeira e de forma guilhotinada – análise do Google maps na data da sentença.

28. A fachada da construção “B” é de cor escura e tem cobertura de ferro e zinco – cfr. documentos 9 a 13 e Google earth consultado na data da sentença (https://www.google.pt/maps/place/R.+Ab%C3%ADlio+Be%C3%A7a+45,+5300-252+Bragan%C3%A7a/@41.8064401,-6.7535032,3a,75y,204.68h,88.36t/data=!3m6!1e1!3m4!1sBnDj3jBThCQUnpm9T7yOQ!2e0!7i13312!8i6656!4m5!3m4!1s0xd3a49fc1c076ccf:0x9d16b9669bec6a7c!8m2!3d41.8 05905!4d-6.7537764!6m1!1e1).

29. O muro e a fachada do piso superior da construção “B” estão alinhados com a construção situada imediatamente do lado direito (visto de frente para as construções) – Google earth consultado na data da sentença (link indicado no ponto anterior) e documento 7 junto com a contestação da Contrainteressada.

30. A cércea da construção “B” é superior à da construção situada imediatamente do lado direito (visto de frente para as construções) mas semelhante às demais construções nas imediações – Google earth consultado na data da sentença (link indicado no ponto 28) documento 7 junto com a contestação da Contrainteressada.

31. A petição inicial deu entrada neste Tribunal em 23.04.2013 – cfr. carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial.
*
III - Enquadramento jurídico. A violação das normas do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...).

Invocou o Recorrente que as “águas-furtadas” cuja construção foi autorizada, são mais um piso, em violação dos artigos 7º, 1, 23, nº 1, e 16, nºs 1 e 3 do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...).

Vejamos:

Determina o artigo 7.º do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...):

“Definições

Para a interpretação e aplicação deste Regulamento são consideradas as seguintes definições e abreviaturas:

1) «Águas furtadas» - modo tradicional de aproveitamento da área de sótão para habitação, também por vezes designadas por janelas de trapeira. “

De acordo com a matéria de facto dada como provada existe um terceiro piso, tendo em conta a cércea.

Dispõe o artigo 23º, nº1, alínea b), do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...):

“Parâmetros arquitectónicos

1- As construções novas que venham a ocorrer na área de intervenção do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) I devem respeitar rigorosamente as seguintes condicionantes ou regras:

[…]

b) O número de pisos deve ser estabelecido de acordo com as cérceas permitidas para o local, devendo ser cumpridas as disposições contidas nos artigos 15.º e 16.º deste Regulamento”.

Preceitua o artigo 16º do mesmo Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...):

“Implantação e alinhamentos

1 - As construções, reconstruções, ampliações ou alterações de imóveis situados na área do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) I devem respeitar sempre o alinhamento e a cércea das construções adjacentes.
[…]
3 - Para a definição da cércea dominante no conjunto, a respeitar sempre que possível, não será relevante o facto de existirem no local edificações que excedam o seu valor médio”.

Assim sendo, conclui-se, como o fez a sentença recorrida, que a cércea não tem uma altura definida, sendo fixada por reporte às demais construções existentes na zona. Muito embora o edifício à direita tenha uma cércea inferior a cércea do edifício em apreciação nos presentes autos não ultrapassa a cércea de outras construções no local. A cércea dos prédios próximos do prédio em apreço é semelhante à cércea da construção “B”. As normas supra citadas impõem que as novas construções respeitem as construções adjacentes e tal resulta cumprido.

O número de pisos é fixado tendo em conta a cércea (artigo 23º, nº 1, alínea b)).

É certo que no facto 24 deu-se como provado que no local onde foi implantada a construção “B” só são admitidos dois pisos acima da cota da soleira.

No caso concreto, cumpre decidir se o terceiro piso da construção “B” pode ou não considerar-se águas furtadas tal como definido no artigo 7º, nº 1, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...).

Mostra-se acertada, em nosso entender, a posição assumida pela Iª Instância de que a definição do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) não é clara e inequívoca, apelando a esforços interpretativos já que se refere a um modo “tradicional” de aproveitamento da área de sótão para habitação. Este modo “tradicional” é susceptível de ter vários significados, pois que o que para uns será tradicional para outros poderá não ser.

Esta indeterminação é campo da livre apreciação da Administração, a qual só pode ser sindicada em caso de violação de vinculação legal ou erro grosseiro.

Vejamos se há violação, já que face ao que ficou dito, erro grosseiro não se verifica.

Em termos exteriores e do lado da fachada, nada se dispõe que o aproveitamento do “terceiro piso” não possa ser o que lhe foi dado. Não há definição da área usável nem quanto à forma da mesma, apenas havendo limitação da cércea que, como já se sustentou, foi cumprida.

Quanto ao terraço, estabelece o artigo 26º nºs 8 e 10 do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...):

“Coberturas
8 — As águas dos telhados serão acertadas por cumeeira.
[…]
10 — Não são permitidos terraços que, pela sua localização e dimensão, possam comprometer a qualidade dos edifícios ou do conjunto em que se inserem.”

De acordo com o facto dado como provado em 26 o edifício “B” é encimado por terraço e cobertura de ferro e zinco, do que resulta que a cobertura da construção “B” é quase horizontal.

A cumeeira é a parte mais elevada de uma cobertura, pelo que sendo a cobertura da construção “B” quase horizontal, não pode concluir-se ter havido violação do dispositivo do artigo 26º, nºs 8 e 10, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...).

Quanto ao terraço, a proibição não resulta de uma questão estética, mas de uma questão de qualidade dos edifícios ou do conjunto em que se inserem.

Não foi alegado nem demonstrado que a existência do terraço pusesse em causa a qualidade daquela ou das demais construções.

Também não pode concluir-se verificar-se uma dissonância do terraço com o resto dos edifícios.

Dispõe o artigo 7º, nº 25, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...):

“«Dissonância» - qualquer edificação ou elemento que se demarca do ambiente urbano ou rural em que está inserido o seu volume, cor, textura, estilo ou quaisquer outros atributos particulares dissonantes.”

Novamente está em causa a margem de livre apreciação administrativa, pois que envolve apreciações próprias do decisor administrativo e que o Tribunal, atento o princípio da separação dos poderes não pode sindicar.

Para além da medida do dissonante ser subjectiva e envolver valorações próprias que não cabem nos poderes de cognição dos Tribunais, também no Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) não é proibido que os edifícios sejam encimados por terraço, nem impõe que a cobertura das construções seja feita com telha.

Conforme estabelece o artigo 26º, nº 6, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...):

“É obrigatório o uso de telha da região, em cerâmica de cor natural, sempre que se opte por este tipo de cobertura”.

Nada impede que se opte por outro tipo de cobertura. Este preceito deixa claro que a cobertura em telha é uma opção e não uma imposição: caso se opte pela cobertura de telha então é uma imposição que a telha seja da região em cerâmica de cor natural.

Como aconteceu na construção em apreço, em que não se optou pela cobertura de telha. Pelo que não foi violado, como o Recorrente defende, o artigo 7º, nºs 15, 25 e 27 ou o artigo 26º nºs 6, 8 e 10.

Defende o Recorrente que a construção objecto de apreciação nos autos envolve dois edifícios e não apenas um, em violação do artigo 23º, nº 2, e os indicadores urbanísticos para novas construções em NCI, mas da matéria de facto dada como provada resulta que estamos perante um só edifício, com duas habitações, pelo que o Tribunal não violou nenhuma das disposições do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) indicadas pelo Recorrente.

Também não errou na desconsideração do acertamento das águas do telhado por cumeeira, em favor de dois alargados terraços, já que, como vimos, o Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) possibilita a opção pelos terraços.

Quanto à envolvente, estipula o artigo 7º, n.º 27, do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...):

“«Envolvente» — também designado por área, espaço ou zona envolvente, é a porção de espaço, construído ou não, que rodeia ou envolve um monumento, edifício notável, conjunto ou localidade.”

E o artigo 27º determina que:

“Fachadas

1 - No tratamento das fachadas dos imóveis situados na área de intervenção do Plano de Pormenor da Zona Histórica de (...) I deve prestar -se particular atenção à imagem do edifício existente e ou do conjunto urbano em que o mesmo se insere, devendo as novas fachadas apresentar formas e materiais dialogantes com o carácter daqueles.

2- Sempre que nas fachadas existam elementos dissonantes, ligeiros ou profundos, deve proceder-se à sua remoção e à reposição dos elementos adulterados na sua expressão original.

3 - Os imóveis designados «sem interesse» serão, no âmbito de um novo processo de licenciamento de obras, objecto de uma avaliação cuidada, no sentido de se encontrar uma expressão mais dialogante com a imagem da zona histórica.

4 - As fachadas das novas construções devem apresentar, no seu tratamento, uma linguagem arquitectónica contemporânea, respeitando, sem mimetismo, a envolvente próxima, pelo que, não é permitida a reprodução de formas ou imagens do passado.

5 - Não é permitida a colocação de elementos decorativos que de alguma forma possam comprometer a qualidade dos edifícios.

6 - As fachadas posteriores dos edifícios apresentarão tratamento adequado.

7 - Não é permitido o encerramento de varandas na área do presente Plano.

8 - Na área abrangida por este Plano não é admitida ocupação vertical, exceptuando- -se as preexistências no âmbito de uma remodelação.”

Constata-se que o uso de termos com significados imprecisos é frequente nestas normas e que, novamente, o Tribunal está impedido de emitir pronúncia.

Não se ignora que a fachada da construção “B” é diferente das demais, já que a cor é escura e a cobertura é em ferro e zinco e as demais construções são de alvenaria de pedra ou de tijolo com reboco e pintura de branco, com janelas em madeira e de forma guilhotinada, mas não pode é concluir-se que tais diferenças são passíveis de ser consideradas dissonantes ou não dialogantes com as demais.

As normas aplicáveis não dizem claramente que as construções têm que ser todas iguais, pelo contrário, dão liberdade para a diferença mas com o limite de não serem dissonantes.

O que acaba de se expor vale igualmente para as demais invocações do Autor, nomeadamente quanto à alegada dissonância da construção com a zona histórica em que se insere.

A 1ª Instância invoca acórdãos com cujo teor concordamos e que, por isso, reproduzimos e que vão no sentido sustentado.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.03.2006, proferido no processo 01459/06:

«A discricionariedade administrativa, consiste na “(..) liberdade de escolha da Administração Pública quanto a partes do conteúdo (envolvendo a própria necessidade e o momento da conduta), do objecto, das formalidades e da forma de actos seus de gestão pública unilaterais, [e, pese embora se saiba que] alguma doutrina e jurisprudência recente questiona a definição da discricionariedade administrativa como liberdade de escolha, dizendo que há sempre uma e uma só solução administrativa condizente com o interesse público concreto prosseguido, ou seja, condizente com o fim do acto, [todavia] Não tem razão.

Pode haver mais do que uma solução administrativa para prosseguir um certo interesse público concreto – quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao objecto, quer quanto à forma.

Ponto é que o legislador tenha querido atribuir a liberdade de escolha à Administração Pública e que o exercício dessa liberdade não colida com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa.

Não se nos afigura, por isso, legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração ir ao ponto de definir – nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade – um conteúdo, um objecto ou uma forma únicos compatíveis com o fim a prosseguir, e, em função deles, apreciar o acto em questão.

Isso representaria admitir que o Tribunal se pudesse substituir sempre à Administração Pública no traçado de todos os elementos do acto por ela praticado. O que põe em causa a lei – que quis dar à Administração Pública uma liberdade de escolha – assim negada. (..)” (6)

Dito de outro modo, a sindicabilidade contenciosa do agir da Administração Pública pára exactamente na fronteira da “(..) reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa [que] constitui um limite funcional da jurisdição administrativa, pois as opções do órgão administrativo tomadas nesse domínio relevam da esfera do mérito e não da esfera da validade.

A questão, no fundo, é a seguinte: partindo do princípio de que qualquer acto jurídico da Administração pode ser submetido à fiscalização de órgãos jurisdicionais (que o removerão da ordem jurídica na parte em que o julgarem inválido), até onde devem e até onde podem os tribunais controlar a actividade administrativa para que a Administração possa actuar – dentro dos limites da lei e tendo em vista a realização de fins de interesse público – de acordo com os seus próprios critérios?

Em bom rigor, a regra básica e visto o problema em abstracto é de fácil formulação: a margem de livre decisão qua tale é insusceptível de controlo judicial porque respeita ao mérito, à conveniência ou à oportunidade da administração; pelo contrário, tudo o que se situar fora dessa esfera é judicialmente sindicável porque estará em causa a validade da conduta administrativa (e nesse domínio já não há livre decisão mas sim vinculação) (..)” (7).

A via de compromisso entre os princípios da separação de poderes, cfr. artº 111º CRP, e da garantia de controlo judicial da actividade administrativa, cfr. artº 268º nº 4 CRP, traduz-se em que “(..) O exercício ilegal de poderes administrativos (ou seja, o comportamento da Administração contrário à lei em toda a medida em que houver vinculação) é susceptível de controlo da legalidade, e este pode ser levado a cabo quer pelos Tribunais quer pela própria Administração (..)

O mau uso de poderes administrativos (isto é, o seu uso inconveniente em toda a medida em que houver livre decisão) é susceptível de controlo de mérito, e este só pode ser feito pela própria Administração nunca pelos Tribunais. A autonomia pública administrativa qua tale apenas admite, pois, controlo gracioso, não contencioso. (..)”».

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção Tributária), de 03.02.2010, no processo 0844/09a:

«VI - No preenchimento dos conceitos indeterminados pode existir, ou não, a chamada margem de livre apreciação ou discricionariedade técnica. Tanto a questão de saber se houve “razões económicas válidas” ou se a fusão “se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva” é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração.

VII - Nestes casos, o juízo discricionário da administração não pode ser fiscalizado, no ponto específico, pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, o que não reveste uma dimensão violadora do direito consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.” ».

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.02.2008, proferido no processo 0269/02:

“I - O conceito de interesse público a que alude o art.º 13º do DL 422/89, de 2/12 (que prevê a possibilidade de prorrogação dos prazos de concessão dos contratos de exploração de jogos de fortuna ou azar, considerado o interesse público) é um conceito jurídico indeterminado, pelo que a Administração, neste domínio, goza de liberdade de escolha do elemento ou elementos atendíveis para o preenchimento de tal tipo de conceito desde que essa escolha se faça com observância dos princípios que enformam a actividade administrativa, designadamente o da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e do interesse público.”.

Cumpre, pois, concluir pela improcedência de todas as invocações do Autor, e consequentemente manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que mantêm a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o Recorrente, que age em nome próprio – artigo 4º, nº 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 15.05.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco