Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02580/17.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PRINCÍPIO DA IGUALDADE; DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL; CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL;
N.ºS 1 A 3 DO ARTIGO 5.º DA LEI N.º 60/2005, DE 29.12, ALTERADO PELA LEI N.º 52/2007, DE 31.08, E COM A REDAÇÃO DADA PELO ARTIGO 30.º DA LEI N.º 3-B/2010, DE 28.04;
FACTOR DE SUSTENTABILIDADE; ARTIGO 83º, N.º1, DA LEI DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2015;
Sumário:
1. Estando em causa um pedido de condenação à prática de ato devido, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, pelo que também é irrelevante eventual divergência entre o conteúdo do acto em si e o conteúdo da notificação do acto.

2. O “direito de igualdade” é um princípio relativo ao reconhecimento de direitos ou imposição de deveres; não é um direito autónomo, com existência por si mesmo; só existe (ou não) igualdade na atribuição de deveres ou de direitos. Não existe igualdade por si mesma, descarnada de qualquer direito ou dever.

3. No caso está em causa a igualdade no reconhecimento do direito à segurança social, em concreto, no respeito pelo princípio da igualdade no reconhecimento do direito a uma pensão sem a redução resultante da aplicação do factor de sustentabilidade e só existiria no caso violação do conteúdo essencial do direito fundamental à segurança social se com essa redução não ficasse garantido para o pensionista um mínimo de existência condigna, o que não é o caso.

4. A norma constante dos n.ºs 1 a 3 do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29.12, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31.08, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, ao reduzir significativamente (em 12,34%) as pensões de aposentação dos subscritores da Ré inscritos até 31.08.1993, procede a uma diferenciação não objectivamente justificada relativamente aos pensionistas de invalidez do regime geral da segurança social.

5. A que acresce a situação de injustiça resultante da aplicação do factor de sustentabilidade às pensões de aposentação dos subscritores da Ré inscritos até 31.08.1993, por um lado, e, por outro lado, a Lei do Orçamento do Estado para 2015 ter previsto, no artigo 83.º, n.º 1, que as pensões de invalidez e as pensões de aposentação e de reforma da Caixa Geral de Aposentações atribuídas com fundamento em incapacidade, independentemente da data da inscrição do subscritor, ficarem sujeitas, a partir daí, em matéria de factor de sustentabilidade, ao regime que sucessivamente em vigor para as pensões de invalidez do sistema previdencial do regime geral de segurança social.

6. Do que se conclui que tais normas, e o acto que as aplicou, violam os princípios da igualdade e do direito à segurança social, embora não o seu conteúdo essencial.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Caixa Geral de Aposentações veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 31.07.2022, pela qual foi julgada (totalmente) procedente a acção intentada por «AA» e condenou a Ré a proceder ao recálculo da pensão de aposentação do Autor, a partir de 01.12.2014, sem aplicação do factor de sustentabilidade e a pagar ao Autor as importâncias devidas em decorrência do recálculo da sua pensão de aposentação.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 5º da Lei nº 60/2005, de 9.12, na redacção atribuída a tal preceito pela Lei nº 11/2014, de 06.03, artigo 3º da Lei nº 52/2007, de 31.08, artigos 133º e 135º do Código do Procedimento Administrativo, bem como artigos 13º, 26º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.


*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª O acto administrativo em causa – o despacho de 2 de Dezembro de 2014 proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações – não padece do vício de violação de lei.

2ª Desde logo, porque a referência que, no ofício que comunicou ao Autor o referido despacho, se fez ao artigo 6º da Lei nº 60/2005, na redacção que a este preceito foi atribuída pela Lei nº 52/2007, de 31 de Agosto, não pode fundamentar a anulação do acto em causa.

3ª Uma coisa é o acto administrativo em si, outra, bem diferente, é o ofício através do qual o acto administrativo foi notificado ao interessado.

4ª Por lapso, o ofício em causa, enviado também no dia 2 de Dezembro de 2014, refere que a pensão foi calculada nos termos do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3B/2010, de 28 de abril. Tal deve-se ao facto de os ofícios que notificam os aposentados serem gerados automaticamente por uma aplicação informática, não estando, à data em que foi proferido o despacho de 2 de Dezembro de 2014, ainda actualizado o respectivo template.

5ª Em todo o caso, no que respeita ao factor de sustentabilidade, é irrelevante aplicar-se ao cálculo da pensão do Autor o artigo 5º da Lei nº 60/2005, na redacção conferida pela Lei nº 52/2007, ou o artigo 5º da Lei nº 60/2005 na redacção conferida pela Lei nº 11/2014.

6ª De uma ou outra forma, o cálculo da pensão do Autor far-se-ia sempre com aplicação do factor de sustentabilidade.

7ª Do 5º da Lei nº 60/2005, na redacção dada pela Lei nº 52/2007, resulta que, no âmbito do regime de protecção social convergente, o factor de sustentabilidade passou a aplicado no cálculo da pensão de aposentação.

8ª Quando o legislador fala em “pensão de aposentação” refere-se a todas as modalidades de aposentação: aposentação voluntária não antecipada, aposentação antecipada, aposentação por incapacidade, aposentação compulsiva. Ou seja, a fórmula de cálculo introduzida pelo artigo 5º da Lei nº 60/2005, aplicável a todas as modalidades de aposentação, a partir de 2007, passou a incluir o factor de sustentabilidade.

9ª A única excepção foi a prevista no artigo 3º da Lei nº 52/2007: o legislador optou por apenas não aplicar o factor de sustentabilidade às pensões por incapacidade permanente e absoluta para o exercício de qualquer profissão ou trabalho (incapacidade absoluta). Nestes casos, à semelhança do regime geral da segurança social então vigente, o factor só era aplicado quando o interessado atingisse 65 anos.

10ª A Lei nº 11/2014, de 6 de Março, que veio estabelecer novos mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, procedeu à quarta alteração à Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.

11ª Alterou novamente a redacção do artigo 5º.

12ª No que respeita ao factor de sustentabilidade, manteve-se a redacção do nº1 e foi alterado o nº 2 que passou a determinar que “A Caixa Geral de Aposentações aplica o fator de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação de acordo com o regime que sucessivamente vigorar para o fator de sustentabilidade das pensões de velhice do sistema previdencial do regime geral de segurança social”.

13ª A manutenção da redacção do nº 1 do artigo 5º significa que se manteve o regime da Lei nº 52/2007: aplicabilidade do factor de sustentabilidade a todas as modalidades de aposentação (incluindo por incapacidade relativa). Na medida em que o artigo 3º da Lei nº 5/2007 não foi revogado, manteve-se a única excepção: não aplicabilidade à aposentação por incapacidade absoluta e permanente para o exercício de qualquer profissão ou trabalho 8por incapacidade absoluta).

14ª Já o novo nº 2 do artigo 5º limita-se a identificar o factor de sustentabilidade que deve ser aplicado na fórmula de cálculo, fórmula essa que, com excepção da aposentação atribuída por incapacidade absoluta, é aplicável a todas as modalidades de aposentação.

15ª O nº 2 do artigo 5º da Lei nº 60/2005, de 9 de Dezembro, na redacção conferida a este preceito pela Lei nº 11/2014, contrariamente ao que considerou o TAF do Porto, não estabelece a que modalidades de aposentação é que se aplica o factor de sustentabilidade.

16ª Isso resulta da conjugação do disposto no nº 1 do artigo 6º da Lei nº 60/2005, com o disposto no artigo 3º da Lei nº 5/2007. De 31 de Agosto, preceito que, como já se disse, não foi revogado pela Lei nº 11/2014 e por isso se manteve em vigor.

17ª A CGA estava obrigada, nos termos do disposto no artigo 43º do Estatuto da Aposentação, na redacção atribuída pelo Decreto-Lei nº 238/2009, a considerar o regime legal vigente na data em que foi realizada a junta médica (14 de Novembro de 2014).

18ª Ao aplicar o factor de sustentabilidade à pensão do Autor, a Caixa Geral de Aposentações limitou-se a aplicar a lei a que estava obrigada, o artigo 5º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção conferida a tal preceito pela Lei nº 11/2014.

19ª Não tendo o artigo 83º da Lei nº 8-B/014, de 31 de Dezembro, natureza interpretativa e por isso eficácia retroactiva, não pôde, em momento posterior, como requereu o Autor, ser recalculada a sua pensão sem aplicação do factor de sustentabilidade.

20ª A norma habilitante do acto administrativo (de acordo com o TAF do Porto, o artigo 5º da Lei nº 60/2005, de 9 de Dezembro, na redacção atribuída pela Lei nº 5/2007) não viola os artigos 13º, 26º e 63º da Constituição da República Portuguesa.

21ª Não viola o artigo 13º porque, em função dos argumentos invocados na exposição de motivos da proposta de Lei nº 136/X (que deu origem à Lei nº 52/2007, de 31 de Agosto), também das diferenças historicamente consagradas entre o regime geral de segurança social e o regime de protecção social convergente, não há arbítrio em aplicar o factor de sustentabilidade às pensões de aposentação por incapacidade para o desempenho das funções habituais e não o aplicar às pensões de invalidez por incapacidade relativa.

22ª Não violando o artigo 13º da CRP, a referida norma habilitante do acto administrativo em causa (despacho de 2 de Dezembro de 2014) também não viola o disposto na parte final do nº 1 do artigo 26º da CRP.

23ª Também não há qualquer violação do artigo 63º da CRP: Constituição não se pronuncia sobre a forma de cálculo das pensões, excepção feita à obrigatoriedade de considerar, neste domínio, a totalidade do tempo de prestação laboral (art. 63.º, n.º 5).

24ª A legislação em matéria de segurança social não é, em geral, passível de afetar o próprio direito à segurança social "como um todo", salvo os casos em que esteja em causa o mínimo de existência condigna, o que não sucede na situação em análise, em que as alterações legislativas estão muito longe de traduzir uma supressão da proteção mínima àqueles que, por força de uma incapacidade relativa, vem a sua pensão ser calculada com aplicação do factor de sustentabilidade.

25ª A sentença proferida elo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, em 3 de Julho de 2022, violou os seguintes preceitos: artigo 5º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção atribuída a tal preceito pela Lei nº 11/2014, de 6 de Março, artigo 3º da Lei nº 52/2007, de 31 de Agosto, artigos 133º e 135º do CPA, bem como artigos 13º, 26º e 63º da CRP.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. O Autor nasceu em ../../1954 – cf. fls. 115 e 456 do processo administrativo.

2. O Autor inscreveu-se na Caixa Geral de Aposentações em 13.02.1975, sob o n.º de subscritor ...59, na categoria de Professor Titular na Escola Secundária ... (3.º ciclo) – cf. fls. 86 dos autos.

3. Em 04.10.2012, o Autor sofreu um acidente de trabalho – cf. fls. 4445 do processo administrativo.

4. Em 26.05.2014, o Ministério da Educação e Ciência, representado pelo Diretor da Escola Secundária ..., e o Autor outorgaram um escrito denominado “Acordo de cessação do contrato de trabalho em funções públicas (Programa de Rescisões por Mútuo Acordo de Docentes)” – cf. fls. 50-52 do processo administrativo.

5. Em 17.06.2014, a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações elaborou Auto relativamente ao Autor, de onde consta, designadamente, a atribuição de incapacidade permanente parcial de 89,90% – cf. fl. 92 do processo administrativo.

6. Em 02.07.2014, o Autor apresentou requerimento de aposentação à Caixa Geral de Aposentações, de onde consta, designadamente, que nasceu em ../../1954, que é Professor na Escola Secundária ... e que o motivo da aposentação se reconduz a “Incapacidade” – cf. fl. 64 do processo administrativo.

7. Em 04.07.2014, sobre o Auto de Junta Médica aludido no ponto 5 recaiu despacho homologatório dos Diretores da Caixa Geral de Aposentações – cf. fl. 92 do processo administrativo.

8. Por ofício de 17.07.2014, a Caixa Geral de Aposentações notificou o Autor, sob o assunto “Junta Médica nos termos do D.L. nº 503/99 de 20.11”, do seguinte:

“(…)
Comunico a V. Exa. que o resultado da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada em 17 de junho de 2014, relativa ao acidente ocorrido em 04 de outubro de 2012, foi o seguinte:
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções;
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho;
Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 89.9% de acordo com o Cap.III nº 4.7 Alínea a); Cap.IV nº 8.1; Cap.IV nº 9; Cap.V nº 3.6; Cap.IV nº 10 Alínea a) da T.N.I.
Informa ainda, de que esta Caixa não pode desencadear o processo de aposentação por incapacidade sem que haja uma manifestação expressa de vontade, seja do subscritor, seja do respetivo serviço.
(…)”
– cf. fl. 97 do processo administrativo.

9. Por ofício de 29.09.2014, a Caixa Geral de Aposentações notificou o autor, sob o assunto “Junta Médica (…)”, de que, de acordo com parecer do Coordenador do Núcleo Médico da Caixa Geral de Aposentações, se mantinha a decisão da Junta Médica de 17.07.2014 – cf. fl. 274 do processo administrativo.

10. Em data não apurada, mas em 2014, a Caixa Geral de Aposentações elaborou informação, sob o assunto “PENSÃO DE APOSENTAÇÃO”, de onde consta o seguinte:

“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
– cf. fls. 153-154 do processo administrativo.

11. Em 02.12.2014, sobre a informação aludida no ponto antecedente recaiu despacho de concordância dos Diretores da Caixa Geral de Aposentações – cf. fls. 153-154 do processo administrativo.

12. Por ofício de 02.12.2014, a Caixa Geral de Aposentações notificou o Autor, sob o assunto “Pensão definitiva de aposentação. (…)”, do seguinte:

“(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
– cf. fls. 155-156 do processo administrativo.

13. Por ofício de 20.02.2015, a Caixa Geral de Aposentações notificou o Autor, sob o assunto “Alteração das condições de aposentação (…)”, do seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. fls. 339-340 do processo administrativo.

14. Em 28.08.2017, o Autor apresentou requerimento à Caixa Geral de Aposentações, através de e-mail, sob o assunto “Requerimento de pedido de recálculo de pensão, Benef.º nº ...59”, pedindo que “(…) seja ordenado o recálculo da pensão do requerente, retirando-lhe o fator de sustentabilidade que foi aplicado ilegalmente, com o consequente pagamento das verbas que lhe são devidas, desde dezembro de 2014” – cf. documentos juntos com a petição inicial, a fls. 26 e 32-34 dos autos.

15. Em 29.08.2017, a Caixa Geral de Aposentações enviou um email ao Autor, sob o assunto “(…) Requerimento de pedido de recálculo de pensão, Benef.º nº ...59”, de onde consta o seguinte:

“(…)
Exmo. Senhor
A aplicação do factor de sustentabilidade decorre da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pela Lei nº 52/2007, de 31 de Agosto.
A partir de 2015-01-01, de acordo com o disposto na Lei do Orçamento de Estado para esse ano, não é aplicado o factor de sustentabilidade até que o pensionista atinge a idade de 65 anos, momento em que a pensão é alterada, através da multiplicação do valor que tiver nessa data pelo factor de sustentabilidade correspondente a esse ano.
Esta situação não se verifica no seu caso, uma vez que o acto determinante da sua aposentação ocorreu em 2014-12-01.
(…)” .

– cf. documento junto com a petição inicial, a fls. 26 dos autos.

*
III - Enquadramento jurídico.

Este e o teor da decisão recorrida na parte mais relevante:

“(…)
Na petição inicial, começa o Autor por pedir a condenação da Ré à prática do ato devido traduzido no recálculo/revisão da sua pensão por incapacidade, com base na fórmula prevista no artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, sem a aplicação do fator de sustentabilidade.
Invoca, para tanto, que o ato administrativo praticado pela Ré em 02.12.2014, que, apesar de ter reconhecido ao Autor o direito à pensão de aposentação, reduziu o montante da sua pensão em 12,34% por aplicação do fator de sustentabilidade para 2014, enferma de (i) erro sobre os pressupostos de direito, (ii) violação do princípio constitucional da igualdade e do direito fundamental à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação e (iii) violação do direito fundamental à segurança social.
Estando em causa um pedido de condenação à prática de ato devido, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, o qual será eliminado da ordem jurídica no caso de proceder o pedido condenatório, conforme preceitua o artigo 66.º do CPTA, segundo o qual “(…) 2 - Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória. (…)”.
Apesar disso, mostra-se pertinente o conhecimento das causas de invalidade apontadas ao ato administrativo desfavorável ao Autor, na medida da sua relevância para o conhecimento do mérito da pretensão de condenação à prática de ato devido.
Posto isto, vejamos.
(i) Do erro sobre os pressupostos de direito
O Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, promulgou o Estatuto da Aposentação, inscrevendo, no artigo 35.º, o fundamento do direito de aposentação, referindo que “O direito de aposentação depende da qualidade de subscritor, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º”, dispondo o artigo 43.º, sobre o regime de aposentação, que “1. O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data em que: a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade; b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o parecer desta, quando lei especial o exija; c) O interessado atinja o limite de idade; d) Se profira decisão que imponha a aposentação compulsiva. 2. O disposto no n.º 1 não prejudica os efeitos que a lei atribua, em matéria de aposentação, a situações anteriores. 3. É irrelevante qualquer alteração de remunerações ocorridas posteriormente à data a que se refere o n.º 2 do artigo 33.º.”.
Mais tarde, foi publicada a Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, que, conforme artigo 1.º, definiu as bases em que assentavam o sistema de segurança social previsto na Constituição e a ação social prosseguida pelas instituições de segurança social, bem como as iniciativas particulares não lucrativas de fins análogos aos daquelas instituições, constando do seu artigo
70.º, acerca dos regimes da função pública, que “1 – Os regimes de protecção social da função pública mantêm-se até serem integrados com o regime geral de segurança social num regime unitário. 2 – A integração prevista no número anterior pode ser feita gradualmente, através da unificação das disposições que regulam os esquemas de prestações correspondentes às diversas eventualidades, sem prejuízo de disposições mais favoráveis.”.
Criadas as condições para a integração de regimes, o Governo solicitou e obteve a necessária autorização legislativa para alterar o Estatuto da Aposentação no sentido de aplicar às pensões de aposentação uma fórmula de cálculo igual à do regime geral de segurança social, abrangendo apenas, no entanto, tal alteração os funcionários e agentes da Administração Pública que se inscrevessem na Caixa Geral de Aposentações a partir da data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de agosto, ou seja, de acordo com o respetivo artigo 2.º, a partir do dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação.
Por seu turno, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, estabeleceu, nos termos do seu artigo 1.º, mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões, consagrando, no artigo 5.º, quanto ao cálculo da pensão de aposentação, que “1 — A pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações inscritos até 31 de Agosto de 1993, com a denominação de P, resulta da soma das seguintes parcelas: a) A primeira parcela, designada por P1, correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005, é calculada com base na seguinte fórmula: R x T1/C em que: R é a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência; T1 é a expressão em anos do número de meses de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005, com o limite máximo de C; e C é o número constante do anexo II; b) A segunda, com a designação de P2, relativa ao tempo de serviço posterior, é calculada de acordo com os artigos 6.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, sem limites mínimo ou máximo, com base na seguinte fórmula: RR x T2×N em que: RR é a remuneração de referência, apurada, nos termos dos artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, a partir das remunerações anuais mais elevadas registadas após 1 de Janeiro de 2006 correspondentes ao tempo de serviço necessário para, somado ao registado até 31 de Dezembro de 2005, perfazer o limite do anexo II; T2 é a taxa anual de formação da pensão, de 2 % até 31 de Dezembro de 2015 e, a partir de 1 de Janeiro de 2016, entre 2 % e 2,3 %, em função do valor da remuneração de referência; N é o número de anos civis com densidade contributiva igual ou superior a 120 dias com registo de remunerações completados a partir de 1 de Janeiro de 2006, para, somados aos anos registados até 31 de Dezembro de 2005, perfazerem o limite do anexo II. 2 — A pensão de aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 continua a ser calculada nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de Agosto.”.
A Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, determinando, no artigo 64.º, referente ao fator de sustentabilidade, que “1 - Ao montante da pensão estatutária, calculada nos termos legais, é aplicável um factor de sustentabilidade relacionado com a evolução da esperança média de vida, tendo em vista a adequação do sistema às modificações resultantes de alterações demográficas e económicas. 2 - O factor de sustentabilidade é definido pela relação entre a esperança média de vida verificada num determinado ano de referência e a esperança média de vida que se verificar no ano anterior ao do requerimento da pensão.”.
No desenvolvimento da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, veio o DecretoLei n.º 187/2007, de 10 de maio, definir e regulamentar o regime jurídico de proteção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, constando do seu preâmbulo, designadamente, o seguinte: “(…) A aprovação do presente decreto-lei procura assim concretizar as medidas mais adequadas para enfrentar os riscos do envelhecimento demográfico, designadamente através da alteração das regras de cálculo das pensões por velhice e invalidez. Desde logo, na pensão por velhice, prevê-se a aplicação, na determinação do montante das pensões, de um factor de sustentabilidade, relacionado com a evolução da esperança média de vida e que é elemento fundamental de adequação do sistema de pensões às modificações de origem demográfica ou económica. Dispõe-se concretamente que o factor de sustentabilidade resulta da relação entre a esperança média de vida em 2006 e aquela que vier a verificar-se no ano anterior ao do requerimento da pensão. Ainda assim, salvaguarda-se que este mecanismo só venha a entrar em vigor a partir de 2008, facultando a todos um melhor conhecimento e antecipação dos respectivos efeitos e até a possibilidade de poderem neutralizar esses efeitos no cálculo das pensões, através de um conjunto de opções estratégicas, garantidas não apenas no quadro da aplicação do presente decreto-lei mas também de outros que com ele necessariamente se articularão. (…)”.
Preceitua o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, sobre o objeto do diploma legal, que “1 - O presente decreto-lei define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, adiante designado por regime geral. 2 — A protecção prevista no presente decreto-lei tem por objectivo compensar a perda de remunerações de trabalho motivada pela ocorrência das eventualidades referidas no número anterior.”, acrescentando, depois, o artigo 2.º do diploma, quanto à caracterização das eventualidades, que “1 - Integra a eventualidade invalidez toda a situação incapacitante de causa não profissional determinante de incapacidade física, sensorial ou mental permanente para o trabalho. 2 - Integra a eventualidade velhice a situação em que o beneficiário tenha atingido a idade mínima legalmente presumida como adequada para a cessação do exercício da actividade profissional. 3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se situação incapacitante de causa profissional a que resulta de acidente de trabalho ou de doença profissional.”.
Segundo o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, concernente ao fator de sustentabilidade, “1 — No momento do cálculo da pensão de velhice ou na data da convolação da pensão de invalidez em pensão de velhice, é aplicável, respectivamente, ao montante da pensão estatutária ou ao montante da pensão regulamentar em curso o factor de sustentabilidade correspondente ao ano de início da pensão ou da data da convolação, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 — Na data da convolação da pensão de invalidez absoluta em pensão de velhice, o factor de sustentabilidade não é aplicável nas situações em que, à data em que complete 65 anos de idade, o beneficiário tiver recebido pensão de invalidez absoluta por um período superior a 20 anos. 3 — O factor de sustentabilidade é definido pela seguinte fórmula: FS = EMV2006
EMVanoi-1
4 — Para efeitos da aplicação da fórmula referida no número anterior, entende-se por: «FS» o factor de sustentabilidade; «EMV2006» a esperança média de vida aos 65 anos verificada em 2006; «EMVanoi-1» a esperança média de vida aos 65 anos verificada no ano anterior ao de início da pensão. 5 — O indicador da esperança média de vida aos 65 anos relativa a cada ano é objecto de publicação pelo Instituto Nacional de Estatística.”.
Acresce que a Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, adaptou o regime da Caixa Geral de Aposentações ao regime geral da segurança social em matéria de aposentação e cálculo de pensões, tendo procedido, no seu artigo 1.º, relativo ao cálculo das pensões, à alteração do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, que passou a ter a seguinte redação: “1 — A pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações inscritos até 31 de Agosto de 1993, com a denominação ‗P‘, resulta da multiplicação do factor de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação pela soma das seguintes parcelas: a) A primeira parcela, designada ‗P1‘, correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005 e é calculada com base na seguinte fórmula: R × T1/C em que: R é a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, com um limite máximo correspondente a 12 vezes o indexante dos apoios sociais (IAS); T1 é a expressão em anos do número de meses de serviço prestado até 31 de Dezembro de 2005, com o limite máximo de C; e C é o número constante do anexo II; b) A segunda, com a designação ‗P2‘, relativa ao tempo de serviço posterior a 31 de Dezembro de 2005, é fixada de acordo com os artigos 29.º a 32.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, sem limites mínimo ou máximo, com base na seguinte fórmula: RR × T2 × N em que: RR é a remuneração de referência, apurada a partir das remunerações anuais mais elevadas registadas a partir de 1 de Janeiro de 2006 correspondentes ao tempo de serviço necessário para, somado ao registado até 31 de Dezembro de 2005, perfazer o limite do anexo II; T2 é a taxa anual de formação da pensão determinada de acordo com os artigos 29.º a 31.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio; N é o número de anos civis com densidade contributiva igual ou superior a 120 dias com registo de remunerações completados a partir de 1 de Janeiro de 2006, para, somados aos anos registados até 31 de Dezembro de 2005, perfazerem o limite do anexo II. 2 — O factor de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação é fixado, com base nos dados publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística, nos seguintes termos: EMV2006/EMVano i-1 em que: EMV2006 é a esperança média de vida aos 65 anos verificada em 2006; EMVano i-1 é a esperança média de vida aos 65 anos verificada no ano anterior ao da aposentação. 3 — Para efeito do disposto nos números anteriores, considera -se como ano da aposentação aquele em que se verifique o facto ou acto determinante referido no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação. 4 — (Anterior n.º 2.)”.
O Decreto-Lei n.º 238/2009, de 16 de setembro, estabeleceu ajustamentos procedimentais relativos à entrega de requerimentos para aposentação e determinou a revisão oficiosa com efeitos retroativos reportados a 1 de janeiro de 2008, para atualização do fator tempo de serviço, de pensões de aposentação voluntária não dependente de incapacidade atribuídas de acordo com a Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, tendo alterado, designadamente, o artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, que passou a ter a seguinte redação: “1 - O regime da aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade fixa-se com base: a) Na lei em vigor e na situação existente na data indicada pelo interessado como sendo aquela em que pretende aposentar-se; b) Na lei em vigor à data em que seja recebido o pedido de aposentação pela CGA, sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 39.º, e na situação existente à data em que o mesmo seja despachado, se o interessado não indicar data a considerar. 2 - Nas restantes situações, o regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data em que: a) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica ou homologado o parecer desta, quando a lei especial o exija; b) O interessado atinja o limite de idade; c) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se prefira condenação penal definitiva da qual resulta a demissão ou que coloque o interessado em situação equivalente. 3 - (Anterior n.º 2.) 4 - (Anterior n.º 3.)”.
A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, definiu, no respetivo artigo 30.º, o conceito de remuneração mensal relevante para efeitos do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, prescrevendo que “1 - A remuneração mensal a considerar no cálculo da parcela da pensão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 52/2007, de 31 de Agosto, corresponde à remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, com um limite máximo correspondente a 12 vezes o indexante dos apoios sociais (IAS), percebida até 31 de Dezembro de 2005 e revalorizada nos termos do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio. 2 - O disposto no número anterior aplica-se às aposentações voluntárias que não dependam de verificação de incapacidade e cujos pedidos sejam recebidos pela Caixa Geral de Aposentações após publicação da presente lei, bem como às aposentações com diferente fundamento com acto determinante posterior àquela data.”.
A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, entrando em vigor em 01.01.2013 segundo o artigo 265.º, alterou, no âmbito do seu artigo 80.º, o artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, o qual passou a ter a seguinte redação: “(…) 1 - ... a) A primeira parcela, designada 'P1', correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005, é calculada com base na seguinte fórmula: R x T1/40 em que: R é a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, com um limite máximo correspondente a 12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS), percebida até 31 de dezembro de 2005; e T1 é a expressão em anos do número de meses de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005, com o limite máximo de 40; b) A segunda, com a designação 'P2', relativa ao tempo de serviço posterior a 31 de dezembro de 2005, é fixada de acordo com os artigos 29.º a 32.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 85-A/2012, de 5 de abril, sem limites mínimo ou máximo, com base na seguinte fórmula: RR x T2 x N em que: RR é a remuneração de referência, apurada a partir das remunerações anuais mais elevadas registadas a partir de 1 de janeiro de 2006 correspondentes ao tempo de serviço necessário para, somado ao registado até 31 de dezembro de 2005, perfazer o limite máximo de 40 anos; T2 é a taxa anual de formação da pensão determinada de acordo com os artigos 29.º a 31.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 85-A/2012, de 5 de abril; N é o número de anos civis com densidade contributiva igual ou superior a 120 dias com registo de remunerações completados a partir de 1 de janeiro de 2006, para, somados aos anos registados até 31 de dezembro de 2005, perfazerem o limite máximo de 40 anos. 2 - O fator de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação é fixado, com base nos dados publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P., nos seguintes termos: EMV (índice 2006)/EMV (índice ano i - 1) em que: EMV (índice 2006) é a esperança média de vida aos 65 anos verificada em 2006; EMV (índice ano i - 1) é a esperança média de vida aos 65 anos verificada no ano anterior ao da aposentação. 3 - A pensão de aposentação dos subscritores inscritos a partir de 1 de setembro de 1993 continua a ser calculada nos termos das normas legais aplicáveis ao cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, alterado pela Lei n.º 64A/2008, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 85-A/2012, de 5 de abril. 4 - Os valores das remunerações a considerar no cálculo da primeira parcela das pensões referidas no n.º 1 são atualizados por aplicação àquelas remunerações anuais de um coeficiente correspondente à percentagem de atualização acumulada do índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral da função pública entre o ano a que respeitam as remunerações e o ano da aposentação. 5 - Para efeito do disposto nos números anteriores, considera-se como ano da aposentação aquele em que se verifique o facto ou ato determinante referido no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação.» 2 - O disposto no número anterior aplica-se apenas aos pedidos de aposentação entrados após a data da entrada em vigor da presente lei.”.
Posteriormente, foi publicado o Decreto-Lei n.º 167-E/2013, de 31 de dezembro, que alterou o regime jurídico de proteção social nas eventualidades de invalidez e velhice do regime geral de segurança social, tendo modificado, designadamente, no respetivo artigo 5.º, o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, atinente ao fator de sustentabilidade, o qual passou a ter a seguinte redação: “1 - No momento do cálculo da pensão de velhice ou na data da convolação da pensão de invalidez em pensão de velhice é aplicável, respetivamente, ao montante da pensão estatutária ou ao montante da pensão regulamentar em curso, o fator de sustentabilidade correspondente ao ano de início da pensão ou da data da convolação, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 5. 2 - Na data da convolação da pensão de invalidez absoluta em pensão de velhice, o fator de sustentabilidade não é aplicável nas situações em que, à data em que a mesma ocorra, o beneficiário tiver recebido pensão de invalidez absoluta por um período superior a 20 anos. 3 - O fator de sustentabilidade é definido pela seguinte fórmula: FS = EMV2000/EMVanoi-1 4 - Para efeitos da aplicação da fórmula referida no número anterior, entende-se por: «FS» o fator de sustentabilidade; «EMV2000» a esperança média de vida aos 65 anos verificada em 2000; «EMVanoi-1» a esperança média de vida aos 65 anos verificada no ano anterior ao de início da pensão. 5 - Ficam salvaguardadas da aplicação do fator de sustentabilidade as pensões estatutárias dos beneficiários que passem à situação de pensionistas de velhice na idade normal de acesso à pensão, ou em idade superior. 6 - [Anterior n.º 5]”.
De ressaltar também que o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 167-E/2013, de 31 de dezembro, dispondo sobre adaptação, estatuiu que “O regime de proteção social convergente será adaptado aos princípios do presente decreto-lei através de legislação própria”.
A Portaria n.º 378-G/2013, de 31 de dezembro, definiu o fator de sustentabilidade e a idade normal de acesso à pensão de velhice para os anos de 2014 e 2015, entrando em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produzindo efeitos a partir de 01.01.2014, estatuindo, no artigo 1.º, acerca da idade normal de acesso à pensão de velhice em 2014 e 2015, que “A idade normal de acesso à pensão de velhice do regime geral de segurança social em 2014 e em 2015, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 167E/2013, de 31 de dezembro, é 66 anos”, adicionando, depois, no artigo 2.º, quanto ao fator de sustentabilidade, que “1 - O fator de sustentabilidade aplicável ao montante estatutário das pensões de velhice do regime geral de segurança social atribuídas em 2014, dos beneficiários que acedam à pensão antes da idade prevista no artigo 1.º, é de 0,8766. (…)”.
De referir, ainda, a Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que estabeleceu mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, procedendo à alteração, no seu artigo 2.º, do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, o qual passou a ter a seguinte redação: “1 - ... a) A primeira parcela, designada 'P1', correspondente ao tempo de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005, é calculada com base na seguinte fórmula: R x T1/40 em que: R é 80 da remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação, com um limite máximo correspondente a 12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS), percebida até 31 de dezembro de 2005; e T1 é a expressão em anos do número de meses de serviço prestado até 31 de dezembro de 2005, com o limite máximo de 40 anos; b) ... 2 - A Caixa Geral de Aposentações aplica o fator de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação de acordo com o regime que sucessivamente vigorar para o fator de sustentabilidade das pensões de velhice do sistema previdencial do regime geral de segurança social. 3 - ... 4 - Os valores das remunerações a considerar no cálculo da primeira parcela das pensões referidas no n.º 1 são atualizados por aplicação àquelas remunerações anuais de um coeficiente correspondente ao índice geral de preços no consumidor sem habitação verificado entre o ano a que respeitam as remunerações e o ano da aposentação. 5 - ...”.
É de ressaltar, outrossim, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, entrando em vigor em 01.01.2015 à luz do artigo 261.º, n.º 1, a qual regulou, no artigo 83.º, o fator de sustentabilidade, nos seguintes termos: “1 - As pensões de invalidez e as pensões de aposentação e de reforma atribuídas pela CGA, I. P., com fundamento em incapacidade, independentemente da data da inscrição do subscritor na Caixa, ficam sujeitas, em matéria de fator de sustentabilidade, ao regime que sucessivamente vigorar para as pensões de invalidez do sistema previdencial do regime geral de segurança social. (…)”.
Já a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016, entrando em vigor no dia seguinte ao da sua publicação nos termos do artigo 218.º, abordou, no artigo 37.º, o fator de sustentabilidade, daí constando que “1 — As pensões de invalidez e as pensões de aposentação e de reforma atribuídas pela CGA, I. P., com fundamento em incapacidade, independentemente da data da inscrição do subscritor na Caixa, ficam sujeitas, em matéria de fator de sustentabilidade, ao regime que sucessivamente vigorar para as pensões de invalidez do sistema previdencial do regime geral de segurança social. 2 — O fator de sustentabilidade a aplicar aos pedidos de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade que tenham sido recebidos pela CGA, I. P., até 31 de dezembro de 2013 e venham a ser despachados depois desta data é o que vigorou em 2013, salvo se o regime aplicável em 2014 for mais favorável.”.
Seguidamente, a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, entrando em vigor em 01.01.2017 nos termos do artigo 276.º, disciplinou, no artigo 53.º, o fator de sustentabilidade, estipulando que “1 — As pensões de invalidez e as pensões de aposentação e de reforma atribuídas pela CGA, I. P., com fundamento em incapacidade, independentemente da data da inscrição do subscritor na Caixa, ficam sujeitas ao regime que sucessivamente vigorar para as pensões de invalidez do sistema previdencial do regime geral de segurança social em matéria de fator de sustentabilidade. 2 — O fator de sustentabilidade a aplicar aos pedidos de aposentação voluntária que não dependam de verificação de incapacidade e que tenham sido recebidos pela CGA, I. P., até 31 de dezembro de 2013, sendo despachados depois desta data, é o que vigorou em 2013, salvo se o regime aplicável em 2014 for mais favorável ao beneficiário.”.
A questão da aplicação do fator de sustentabilidade às pensões por incapacidade relativa do regime de proteção social convergente remonta, assim, ao ano de 2007, com a introdução da aplicação de um fator de sustentabilidade às pensões de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações inscritos até 31.08.1993 pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, que alterou o artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
Essa questão ganhou maior acuidade com a remissão feita pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, para o fator de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação de acordo com o regime que sucessivamente vigorar para o fator de sustentabilidade das pensões de velhice do sistema previdencial do regime geral de segurança social.
Com efeito, desde 2007 que se tem questionado o motivo pelo qual é aplicável às pensões de incapacidade relativa atribuídas pela Caixa Geral de Aposentações um fator de sustentabilidade, que implica a sua redução, quando tal não sucede no âmbito do regime geral da segurança social, pois, aí, o fator de sustentabilidade só é aplicado no momento do cálculo da pensão de velhice ou da convolação da pensão de invalidez em pensão de velhice, à luz do artigo 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que veio estabelecer, como já assinalado, que às pensões de aposentação passou a ser aplicável o fator de sustentabilidade que sucessivamente vigorar para as pensões de velhice do regime geral da segurança social, o fator de sustentabilidade foi fixado, em 2014, em 0,8766, ou seja, em 12,34%, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 378-G/2013, de 31 de dezembro. A aplicação do fator de sustentabilidade às pensões por incapacidade veio a ser acautelada, mas com efeitos unicamente para o futuro, no artigo 83.º, n.º 1, da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, o que significa que esse diploma legal não acautelou a questão da salvaguarda de direitos nem determinou a revisão das pensões por incapacidade atribuídas após 07.03.2014 até 31.12.2014, às quais foi aplicado o fator de sustentabilidade de 12,34% fixado para 2014.
E nem se diga, como invoca o Autor, que o artigo 83.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para 2015 tem natureza interpretativa nos termos do artigo 13.º do Código Civil, visto que, conforme se lê no Acórdão do TRL de 22.10.2019, P. 465/19.7YRLSB-7, “1.– São de natureza interpretativa as leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado. (…)”, pelo que, revertendo ao caso, não estando em causa solução do direito anterior controvertida ou, pelo menos, incerta, a norma não é interpretativa.
Da matéria de facto provada nos autos resulta que o Autor nasceu em ../../1954 e que está inscrito na Ré desde 13.02.1975, com o n.º de subscritor ...59, na categoria de Professor na Escola ... de
... (3.º ciclo) [cf. pontos 1 e 2 do probatório].
Mais se provou que, em 04.10.2012, o Autor sofreu acidente de trabalho, assim como que, na sequência de Junta Médica da Ré realizada em
17.06.2014, a Ré notificou o Autor, por ofício de 17.07.2014, de que, a respeito do acidente, havia-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial de 89,90%, mais tendo a Ré notificado o Autor, por ofício de 29.09.2014, de que, segundo parecer do Coordenador do Núcleo Médico da Ré, se mantinha a decisão da Junta de 17.07.2014 (cf. pontos 3, 8 e 9 do probatório).
Patenteado mostra-se, ainda, que, em 02.07.2014, o Autor apresentou à Ré requerimento de aposentação, de onde consta, designadamente, que nasceu em ../../1954, que era Professor na Escola Secundária ... e, bem assim, que o motivo da aposentação se reportava a “Incapacidade” (cf. ponto 6 do probatório).
Também está assente que, por ofício de 02.12.2014, a Ré notificou o Autor de que, ao abrigo do artigo 97.º do Estatuto da Aposentação, lhe havia sido reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 02.12.2014, tendo sido considerada a situação existente em 01.12.2014, nos termos do artigo
43.º do Estatuto, assim como que o valor da pensão para 2014 era de 2.268,61 €, calculado, de acordo com o artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, com base nos elementos aí indicados, tendo o montante da pensão sido reduzido em 12,34% por aplicação do fator de sustentabilidade para o ano de 2014, sendo a pensão devida desde 01.12.2014, dia 1 do mês seguinte à data da Junta Médica (cf. pontos 10 a 12 do probatório).
Ora, atendendo a que, à data da prática do ato, em 02.12.2014, já se encontrava em vigor a Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que alterou a redação do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, assiste razão ao Autor quando alega que a Ré, ao ter fundamentado a aplicação à sua pensão por incapacidade do fator de sustentabilidade gizado na Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto.
Concluindo-se pela verificação do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, o aludido ato administrativo é anulável, nos termos do artigo 135.º do CPA, segundo o qual “São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”.
Assim, procede o invocado erro nos pressupostos de direito do ato.
(ii) Da violação do princípio constitucional da igualdade e do direito fundamental à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação
Prescreve o artigo 13.º da CRP, sobre o princípio da igualdade, que “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”.
Estabelece o artigo 266.º da CRP, sobre os princípios fundamentais que regem a atuação da Administração Pública, que “(…) 2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”.
Por sua vez, o artigo 5.º do CPA consagra também o princípio da igualdade enquanto princípio geral da atividade administrativa, dispondo que “1 - Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve regerse pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social. (…)”.
Assim, o princípio da igualdade, em sentido amplo, encontra acolhimento nos artigos 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP e 5.º, n.º 1, do CPA, assumindo três vertentes distintas: (i) proibição do arbítrio, (ii) proibição de discriminação e (iii) obrigação de diferenciação.
A proibição do arbítrio “(…) constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. (…)” (cf. Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital. CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. 4.ª Edição Revista. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 339).
Quanto à proibição de discriminação, a mesma “(…) obedece ao propósito de vedar toda a discriminação intolerável, quer a que se traduz em tratar desigualmente o que deve ser igual, quer a que se exprime em tratar igualmente o que deve ser desigual; assim sendo, implica o dever de não agir (não introduzindo desigualdade no que deve ser igual ou introduzindo igualdades no que deve ser desigual), bem como o dever de agir (tratando igualmente o que deve ser igual e impedindo se trate desigualmente o que deve ser igual). (…)” (cf. Sousa, Marcelo Rebelo de/Matos, André Salgado de. Direito Administrativo Geral. Tomo I. 3.ª Edição (reimpressão). Alfragide: D. Quixote, 2016, p. 226).
Já a obrigação de diferenciação “(…) subordina-se à ideia de introduzir todas as diferenciações necessárias para atingir a igualdade substancial, quer tratando desigualmente o que é igual e deve ser desigual, quer tratando desigualmente o que é desigual e deve ser igual (discriminação positiva); deste modo, a obrigação de diferenciação impõe sempre um dever de agir. (…)” (cf. Sousa, Marcelo Rebelo de/Matos, André Salgado de. Direito Administrativo Geral. Tomo I. Cit., p. 226).
Ao lado do princípio geral da igualdade, a Constituição reconhece e garante vários direitos fundamentais específicos de igualdade, que, embora com âmbitos de proteção diferenciados, visam garantir e efetivar o princípio da igualdade, como seja o direito à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação proclamado no artigo 26.º, n.º 1, in fine, da CRP, que faz parte dos direitos, liberdades e garantias pessoais.
Ora, veja-se que o artigo 26.º da CRP, sobre outros direitos pessoais, estatui que “1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. (…)”.
No tocante ao direito à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, aclamado no artigo 26.º, n.º 1, in fine, da CRP, o mesmo constitui, então, um direito pessoal, sendo que “(…) Por um lado, ele implica uma qualquer articulação com o art. 13º, consagrador do princípio geral da igualdade, pois não seria compreensível o aditamento de um novo direito se ele já estivesse consumido pelo princípio da igualdade. O direito à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação terá conteúdo útil e autónomo como um direito especial de igualdade, dada a natureza de direito pessoal beneficiador do regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias; além disso, apresenta-se como um direito subjectivo fundamentalmente reconduzível a um direito à prática de não discriminação. Ao lado desta dimensão subjectiva, recorta-se um conteúdo objectivo que aponta essencialmente para a efectivação e promoção da exigência de igualdade de tratamento. A nota essencial deste novo direito reside na articulação da exigência de protecção com a prática de discriminação. (…)” (cf. Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital. CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. Cit., pp. 469-470). Como vimos, o tema da aplicação do fator de sustentabilidade às pensões por incapacidade relativa do regime de proteção social convergente reporta-se a 2007, em que se introduziu a aplicação de um fator de sustentabilidade às pensões de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações inscritos até 31.08.1993 pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, que alterou o artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
Vimos também que a questão em discussão assumiu novos contornos com a remissão operada pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, para o fator de sustentabilidade aplicável às pensões de velhice do regime geral da segurança social, sendo que, nesse regime geral, apenas é aplicado o fator de sustentabilidade no momento do cálculo da pensão de velhice ou na data da convolação da pensão de invalidez em pensão de velhice, de acordo com o artigo 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que veio estabelecer que às pensões de aposentação passou a ser aplicável o fator de sustentabilidade que sucessivamente vigorar para as pensões de velhice do regime geral da segurança social, verificou-se que o fator de sustentabilidade foi fixado, para o ano de 2014, em 0,8766 (12,34%), como decorre do preceituado na Portaria n.º 378-G/2013, de 31 de dezembro.
Nestes casos, não obstante o facto de a aposentação ser involuntária, uma vez que resulta de uma situação de incapacidade, como acontece com o Autor, os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações vêm as suas pensões especialmente diminuídas em decorrência da aplicação de um fator de sustentabilidade que, na verdade, não é aplicado aos seus congéneres, pensionistas de invalidez do regime geral da segurança social, tal como ressuma do vertido no artigo 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.
Além disso, e como já ressaltado, embora a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015, tenha, no artigo 83.º, n.º 1, acautelado a questão da aplicação do fator de sustentabilidade às pensões de invalidez, apenas produziu efeitos para o futuro, não tendo, assim, regulado a questão da salvaguarda de direitos nem determinado a revisão das pensões por incapacidade atribuídas após 07.03.2014 até 31.12.2014, às quais foi aplicado o fator de sustentabilidade de 12,34%.
Revertendo aos autos, e olhando para o ato administrativo sob censura praticado pela Ré em 02.12.2014, vemos que o mesmo reconheceu ao Autor o direito à aposentação, atendendo à situação existente em 01.12.2014, tendo o valor da pensão para o ano de 2014 de 2.268,61 € sido calculado nos termos do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, com aplicação do fator de sustentabilidade de 12,34% referente ao ano de 2014.
Atendendo ao conteúdo vinculado do ato administrativo praticado pela Ré, a análise da alegação do Autor respeitante à violação do princípio constitucional da igualdade e do direito fundamental à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação far-se-á por referência às normas de competência que fundaram tal ato.
Ora, analisando o artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, a que já se aludiu anteriormente, constata-se que, quanto ao cálculo da pensão de aposentação dos subscritores da Ré até 31.08.1993, como sucede com o Autor, a mesma resulta da multiplicação do fator de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação pela soma das parcelas indicadas no n.º 1 do artigo 5.º, fixado nos termos referidos no n.º 2 desse preceito, considerando-se como ano da aposentação aquele em que se verifique o facto ou ato determinante referido no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, de harmonia com o n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005.
Importa relembrar que a proibição do arbítrio, enquanto vertente do princípio da igualdade, constitui um limite externo da liberdade de conformação dos poderes públicos, abrangendo as condutas que, sem justificação material razoável, tratem de forma desigual o que é e deve ser igual ou tratem de forma igual o que é diferente.
Examinando as normas de competência, vemos que não faz sentido que, nos casos como o do Autor, em que a aposentação é involuntária, por advir de uma situação de incapacidade, os pensionistas da Ré vejam as suas pensões por incapacidade especialmente diminuídas em resultado da aplicação de um fator de sustentabilidade que, de resto, não é aplicado aos seus congéneres, pensionistas de invalidez do regime geral da segurança social, conforme prescrito no Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.
Pelo que o artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, ao reduzir significativamente as pensões de aposentação dos subscritores da Ré inscritos até 31.08.1993, procede a uma diferenciação não consentida pelo princípio da igualdade (na dimensão da proibição do arbítrio) relativamente aos pensionistas de invalidez do regime geral da segurança social, sem que essa diferenciação assente em razões materiais e objetivas que a justifiquem no quadro do ordenamento jurídico, o que configura, por conseguinte, uma diferenciação arbitrária.
Além disso, cabe salientar que a situação de injustiça criada pela aplicação do fator de sustentabilidade às pensões de aposentação dos subscritores da Ré inscritos até 31.08.1993 sai reforçada se atendermos ao facto de a Lei do Orçamento do Estado para 2015 ter previsto, no artigo 83.º, n.º 1, que as pensões de invalidez e as pensões de aposentação e de reforma atribuídas pela Ré, com fundamento em incapacidade, independentemente da data da inscrição do subscritor, ficariam sujeitas, a partir daí, em matéria de fator de sustentabilidade, ao regime que sucessivamente vigorasse para as pensões de invalidez do sistema previdencial do regime geral de segurança social.
Donde, afigurando-se inconstitucionais as normas de competência ao abrigo das quais foi praticado o ato administrativo, por violação do princípio constitucional da igualdade, conclui-se, por inerência lógica, que a Ré praticou um ato administrativo com ofensa desse princípio, sendo, pois, esse ato anulável, nos termos do artigo 135.º do CPA.
Relativamente ao direito à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, plasmado no artigo 26.º, n.º 1, in fine, da CRP, o mesmo tem conteúdo autónomo como direito de igualdade, dada a natureza de direito pessoal beneficiador do regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, apresentando-se como um direito subjetivo reconduzível a um direito à prática de não discriminação, acrescendo-lhe um caráter objetivo, reportado à efetivação e à promoção da igualdade de tratamento.
A respeito do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, atente-se no que resulta do Acórdão do TCAN de 08.01.2016, P. 01665/10.0BEBRG-A: “(…) a violação do conteúdo essencial (núcleo essencial) de um Direito Fundamental pressupõe que o direito em causa seja ¯aniquilado‖ ou, por outras palavras, perca o seu sentido útil, a sua finalidade – assim, gomes canotilho e vital moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1997, anotação do artigo 18.º n.º 3 – só se podendo ¯afirmar a nulidade de um acto porque o mesmo viola o conteúdo essencial de um direito dessa natureza, quando o mesmo atinja o valor fundamental que justificou a criação do mesmo ou, dito de outro modo, quando a prática do acto tiver por consequência desprover decisivamente o cidadão da protecção que esse direito lhe dá‖ – cfr. entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 14/02/2001, P. 41984, de 10/03/2010, P. 046262 e de 06/05/2010, P. 06108/10. Ou seja, o conteúdo essencial de um direito fundamental só é ofendido nos casos de ¯aniquilamento‖ do sentido fundamental do direito subjectivo protegido. (…)”.
Descendo ao caso em apreço, é patente, pelas razões supra aduzidas, que as normas de competência a coberto das quais foi praticado o ato administrativo cuja eliminação da ordem jurídica o Autor pretende obter por via desta ação padecem de inconstitucionalidade por violação do direito fundamental à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, verificando-se, ainda, que o ato administrativo aplicador das normas ofende o conteúdo essencial desse direito, pois, ao determinar a redução da pensão de aposentação do Autor em 12,34%, em condições de desigualdade de tratamento relativamente aos pensionistas de invalidez do regime geral da segurança social, “aniquila” o sentido nuclear do direito protegido pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP.
No tocante à invalidade dos atos administrativos, prevê o artigo 133.º do CPA, sobre atos nulos, que “1 - São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade. 2 - São, designadamente, actos nulos: (…) d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental; (…)”.
A respeito dos atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, ressalta o vertido no Acórdão do TCAS de 03.12.2020, P. 2631/12.7BELSB, onde se lê que: “1. Os vícios dos actos administrativos (…) só são sancionados com a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art.º 161.º, n.º 2, do CPA (anterior 133/2)), nomeadamente quando ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. 2. Quando no art.º 161º, nº 2, alínea d), do CPA, conjugado com o nº 1 do mesmo preceito, se refere que são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem considerar-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os do Título II da Parte I da CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.17º CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos a prestações. (…)”.
Pelo que, estando em causa nestes autos um ato administrativo praticado pela Ré que ofendeu o conteúdo essencial do direito fundamental de igualdade do Autor consagrado no artigo 26.º, n.º 1, in fine, da CRP, que, como já assinalado, consubstancia um direito pessoal, esse ato é nulo, de acordo com o artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA.
(iii) Da violação do direito fundamental à segurança social
Consagra o artigo 63.º da CRP, a propósito da segurança social e solidariedade, que “1. Todos têm direito à segurança social. 2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários. 3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. 4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado. 5. O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º.”.
O direito à segurança social reconhecido no artigo 63.º da CRP “(…) é um típico direito social de natureza positiva cuja realização exige o fornecimento de prestações por parte do Estado, impondo-lhe verdadeiras obrigações de fazer e de prestar (nº 2). (…) A principal incumbência do Estado consiste na organização e manutenção do sistema de segurança social (nº 2), de natureza pública e obrigatória. Por isso, o direito à segurança social consubstancia-se na «garantia institucional» do sistema público de segurança social. Trata-se, portanto, de uma garantia constitucional de serviço público. (…)” (cf. Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital. CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. Cit., p. 815).
Resulta do ato administrativo sob censura que o mesmo reconheceu ao Autor o direito à aposentação, considerando a situação existente em 01.12.2014, tendo o valor da pensão para o ano de 2014 de 2.268,61 € sido calculado nos termos do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, ressalvando, porém, que o montante da pensão havia sido reduzido em 12,34%, por força da aplicação do fator de sustentabilidade para o ano de 2014 (cf. pontos 10 a 12 do probatório).
Neste ponto, cumpre sublinhar, novamente, que, atento o conteúdo vinculado do ato administrativo praticado pela Ré, a análise da alegação do Autor concernente à violação do direito à segurança social far-se-á por referência às normas de competência.
Atentando no artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, verifica-se que, quanto ao cálculo da pensão de aposentação dos subscritores da Ré até 31.08.1993, a mesma resulta da multiplicação do fator de sustentabilidade correspondente ao ano da aposentação pela soma das parcelas indicadas no n.º 1 do artigo 5.º, fixado nos termos do n.º 2 desse preceito, sendo o ano da aposentação aquele em que se verifique o facto ou ato determinante referido no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, à luz do n.º 3 do artigo 5.º da aludida Lei n.º 60/2005.
Em face do exposto, constata-se que as normas de competência com base nas quais foi praticado o ato administrativo enfermam de inconstitucionalidade por violação do direito fundamental à segurança social, atendendo a que implicam uma redução das pensões de aposentação dos subscritores da Ré inscritos até 31.08.1993 em resultado da aplicação do fator de sustentabilidade, pelo que, em consequência, o ato praticado pela Ré, de estrita aplicação das normas legais, também viola esse direito constitucional social, pese embora não ofenda o seu núcleo essencial na medida em que não o inutiliza.
Sendo, assim, inquestionável que o ato administrativo praticado pela Ré violou o direito fundamental à segurança social do Autor, enquanto direito subjetivo do mesmo à proteção social, esse ato é, por isso, anulável, nos termos do artigo 135.º do CPA.
Tudo visto, em face da inconstitucionalidade das normas de competência ao abrigo das quais foi praticado o ato administrativo que determinou a aplicação do fator de sustentabilidade à pensão de aposentação do Autor, isto é, do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pelos motivos acima explanados, impõe-se a recusa da sua aplicação no que concerne ao caso destes autos.
Consequentemente, sendo inválido o ato administrativo praticado pela Ré, desfavorável ao Autor, impõe-se a sua eliminação da ordem jurídica por via da pronúncia condenatória a proferir nesta sede, nos termos do artigo 66.º, n.º 2, do CPTA.
Assim, impõe-se condenar a Ré à prática de um ato que proceda a novo cálculo da pensão de aposentação do Autor, a partir de 01.12.2014, com estribo na fórmula prevista no artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, sem aplicação do fator de sustentabilidade.
Em conclusão, procede, nesta parte, a ação administrativa.
Da condenação da Ré no pagamento ao Autor das importâncias devidas por força do recálculo da pensão por incapacidade a partir de 01.12.2014 e de juros de mora
Veio o Autor pedir, ainda, a condenação da Ré a pagar-lhe as importâncias devidas por força do recálculo da sua pensão de aposentação a partir de 01.12.2014 e juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Conforme frisado no ponto antecedente, impõe-se à Ré que proceda a novo cálculo da pensão de aposentação do Autor, a partir de 01.12.2014, com estribo na fórmula definida no artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, sem aplicação do fator de sustentabilidade.
Pelo que, em decorrência disso, deve a Ré pagar ao Autor os retroativos resultantes da diferença entre o valor da pensão de aposentação que lhe foi atribuído e o que decorrer do novo cálculo da pensão sem aplicação do fator de sustentabilidade.
Quanto aos juros de mora, saliente-se, nos termos do artigo 804.º do CC, acerca dos princípios gerais da mora, que “1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. 2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”.
Acresce referir que, de acordo com o artigo 805.º do CC, sobre o momento da constituição em mora, “1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a) Se a obrigação tiver prazo certo; b) Se a obrigação provier de facto ilícito; c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. (…)”.
Por seu turno, o artigo 806.º do CC, sobre obrigações pecuniárias, reza que “1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal. (…)”.
Considerando que a Ré se constituiu em mora quando, por causa que lhe foi imputável, a prestação devida ao Autor, sendo possível, não foi efetuada no tempo devido, ao abrigo dos artigos 804.º, n.º 2, e 805.º, n.º 2, alínea a), do CC, conclui-se que ficou constituída na obrigação de reparar os danos causados ao Autor, à luz do artigo 804.º, n.º 1, do CC, de sorte que, estando em causa uma obrigação pecuniária, encontra-se a Ré obrigada a pagar ao Autor os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, de harmonia com o artigo 806.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
Assim sendo, procede, nesta parte, a ação administrativa.
(…)”


Entendemos que o Tribunal recorrido decidiu bem, embora divirjamos do enquadramento legal de um dos fundamentos.

Começa por referir a Recorrente que a referência que, no ofício que comunicou ao Autor o despacho em causa, se fez ao artigo 6º da Lei nº 60/2005, na redacção que a este preceito foi atribuída pela Lei nº 52/2007, de 31 de Agosto, não pode fundamentar a anulação do acto em causa, porque uma coisa é o acto administrativo em si, outra, bem diferente, é o ofício através do qual o acto administrativo foi notificado ao interessado e onde se diz que a pensão foi calculada nos termos do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 60/2005, de 29.12, alterado pela Lei n.º 52/2007 e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3B/2010, de 28.04, por mero lapso.

Ora como a própria Requerente acaba por reconhecer no que respeita ao factor de sustentabilidade, o cerne da questão aqui em apreço, é irrelevante aplicar-se ao cálculo da pensão do Autor o artigo 5º da Lei nº 60/2005, na redacção conferida pela Lei nº 52/2007, ou o artigo 5º da Lei nº 60/2005 na redacção conferida pela Lei nº 11/2014.

Não pela interpretação que a Requerente faz, mas, antes, pelo que de essencial se diz na decisão recorrida.

E porque, como na decisão recorrida se sustenta, estando em causa um pedido de condenação à prática de ato devido, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, pelo que também é irrelevante eventual divergência entre o conteúdo do acto em si e o conteúdo da notificação do acto.

Mostrando-se, em todo o caso, pertinente o conhecimento das causas de invalidade apontadas ao acto administrativo desfavorável ao Autor, na medida da sua relevância para o conhecimento do mérito da pretensão de condenação à prática de acto devido, como também se afirma na decisão recorrida.

Dito isto vejamos o acerto da decisão.

Afirma-se na decisão recorrida que no acto impugnado se verifica a violação do conteúdo essencial do direito de igualdade, por um lado.

E, por outro lado, que se verifica a violação do direito fundamental à segurança social, mas não do conteúdo essencial deste direito.

Ora “direito de igualdade” é um princípio relativo ao reconhecimento de direitos ou imposição de deveres. Não é um direito autónomo, com existência por si mesmo.

Só existe (ou não) igualdade na atribuição de deveres ou de direitos. Não existe igualdade por si mesma, descarnada de qualquer direito ou dever.

No caso está em causa a igualdade no reconhecimento do direito à segurança social, em concreto, no respeito pelo princípio da igualdade no reconhecimento do direito a uma pensão sem a redução resultante da aplicação do factor de sustentabilidade.

E, na verdade, como é entendimento pacífico e se reconhece na decisão recorrida, só existiria no caso violação do conteúdo essencial do direito fundamental à segurança social se com essa redução não ficasse garantido para o pensionista um mínimo de existência condigna, o que não é o caso.

Feito este reparo, deve manter-se a decisão recorrida nos restantes fundamentos e, o mais importante, no seu conteúdo decisório, de julgar a acção (totalmente) procedente.

No essencial pelo seguinte fundamento que os argumentos aqui aduzidos pela Recorrente não abalam:

A norma constante dos n.ºs 1 a 3 do artigo 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29.12, alterado pela Lei n.º 52/2007, de 31.08, e com a redação dada pelo artigo 30.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, ao reduzir significativamente (em 12,34%) as pensões de aposentação dos subscritores da Ré inscritos até 31.08.1993, procede a uma diferenciação não objectivamente justificada relativamente aos pensionistas de invalidez do regime geral da segurança social.

A que acresce a situação de injustiça resultante da aplicação do factor de sustentabilidade às pensões de aposentação dos subscritores da Ré inscritos até 31.08.1993, por um lado, e, por outro lado, a Lei do Orçamento do Estado para 2015 ter previsto, no artigo 83.º, n.º 1, que as pensões de invalidez e as pensões de aposentação e de reforma da Caixa Geral de Aposentações atribuídas com fundamento em incapacidade, independentemente da data da inscrição do subscritor, ficarem sujeitas, a partir daí, em matéria de factor de sustentabilidade, ao regime que sucessivamente em vigor para as pensões de invalidez do sistema previdencial do regime geral de segurança social.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida por o não reconhecimento do arrogado direito do Autor violar, como entendeu a decisão recorrida, os princípios da igualdade e do direito à segurança social, embora não o seu conteúdo essencial.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO A RECURSO , mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

*

Porto, 02.02.2024


Rogério Martins
Isabel Costa
Nuno Coutinho