Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00502/23.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/01/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:ACIDENTE DE SERVIÇO;
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL; RECIDIVA; PAGAMENTO DE DESPESAS
Sumário:
1 – Tendo o Autor sido vitima de acidente de serviço, do qual lhe resultou uma situação de incapacidade permanente parcial fixada pela Caixa Geral de Aposentações, a responsabilidade pelo reembolso de despesas de saúde impende sobre esta mesma entidade [Caixa Geral de Aposentações] e não sobre o serviço de origem, por ser essa a solução normativa que inequivocamente decorre, quer do disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 3 alínea a), 5.º, n.º 3, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º, ambos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na decorrência do princípio geral a que se reporta o ponto 4, alínea g) do preâmbulo deste mesmo diploma legal.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP [devidamente identificada nos autos], Ré na acção que contra si [e também contra o Ministério da Administração Interna] foi intentada por «AA» [também devidamente identificado nos autos] visando o reconhecimento e reparação de danos decorrentes de acidente de serviço, ao abrigo do 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, por via da qual foi requerida, em suma, a sua condenação na prática do acto administrativo legalmente devido, que identificou como sendo o pagamento de todas as despesas devidamente comprovadas em que o mesmo incorreu desde 03 de Outubro de 2019, por via da recidiva do acidente de serviço sofrido, acrescidas de juros de mora à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento, assim como o pagamento das demais despesas que venham a ser devidas ao Autor em resultado da mencionada recidiva, incluindo as que forem a esse mesmo título vincendas e devidamente comprovadas, e caso assim não se entenda, que seja condenado o Ministério da Administração Interna, subsidiária ou solidariamente, inconformada, veio apresentar recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual a acção foi julgada procedente, e por via dela reconhecido que a Caixa Geral de Aposentações é a entidade responsável pelo pagamento ao Autor das despesas de natureza médica, medicamentosa e quaisquer outros tratamentos pela recidiva de acidente de serviço sofrido pelo Autor, desde que cumpram as condições legalmente estabelecidas no respectivo regime geral.

*

No âmbito das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1.ª Não se desconhece a jurisprudência que vem defendendo uma interpretação do art.º 5.º e do art.º 34.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11, segundo a qual os encargos emergentes de acidentes de trabalho (sejam em dinheiro sejam em espécie) são da responsabilidade da CGA.
2.ª Porém, a CGA discorda de tal entendimento.
3.ª Quanto à determinação da entidade responsável pela reparação em espécie, nos termos do Decreto-lei n.º 503/99, importa dizer que este diploma veio introduzir um regime de reparação de acidentes em serviço ocorridos na Administração Pública, aproximando-o, com as devidas adaptações, do regime geral de reparação de acidentes de trabalho, então previsto na Lei n.º 100/97, de 13/9 e, atualmente, da Lei n.º 98/2009, de 4/9.
4.ª Uma das diferenças substanciais é o regime de financiamento em matéria de acidentes de trabalho, o qual, no regime geral, é financiado através dos prémios dos contratos de seguro, que as entidades empregadoras estão obrigadas a celebrar, sendo que no regime do Decreto-lei n.º 503/99 não existe financiamento, pois as quotas e contribuições dos trabalhadores abrangidos destinam-se exclusivamente ao financiamento das pensões de aposentação e de sobrevivência.
5.ª Em face do disposto no n.º 3 do artigo 5.º e no art.º 34.º do Decreto-lei n.º 503/99 percebe-se a fácil tentação de apontar a CGA como a entidade responsável pela reparação em espécie (por não existir seguro celebrado pela entidade empregadora). No entanto, há que contar igualmente com o disposto no art.º 6.º do mesmo diploma.
6.ª A regra geral, quanto à reparação de acidentes de trabalho, é a de que cabe à entidade empregadora reparar os danos decorrentes daqueles eventos, dado que é aquela que se aproveita do trabalho realizado (princípio que funda a responsabilidade pelo risco).
7.ª Motivo que levou o legislador, decalcando, aliás, a solução que já vinha inscrita no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 38528, de 23 de novembro de 1951, a prever naquele art.º 6.º as regras específicas sobre o pagamento de despesas resultantes de acidentes em serviço.
8.ª Decorre dessa norma que caso o serviço detenha autonomia administrativa e financeira tem de inscrever no seu orçamento as respetivas verbas para fazer face às despesas decorrentes do acidente; caso o serviço não detenha essa autonomia, tais despesas são suportadas pelo orçamento do Ministério das Finanças. Atente-se, aliás, às palavras do legislador, na al. h) do n.º 4 das disposições preambulares do Decreto-lei n.º 503/99, explicitando que “O presente diploma acolhe, na generalidade, os princípios consagrados na referida Lei n.º 100/97 (lei geral), adaptando-os às especificidades da Administração Pública, e assenta nos seguintes princípios: (…) h) Afectação de verbas do orçamento dos serviços autónomos ou do orçamento do Ministério das Finanças, no capítulo consignado à Secretaria-Geral, para fazer face aos encargos resultantes da aplicação deste regime.”
9.ª De salientar, também, que os sinistrados não são trabalhadores da CGA nem têm sequer que ser seus subscritores, uma vez que, desde 2006-01-01, com a entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29/12, todo o pessoal desde então admitido na Administração Pública deixou de integrar o universo de subscritores da CGA (sendo inscrito no regime geral da segurança social).
10.ª Pelo que, segundo cremos, é à entidade empregadora que – à semelhança do que ocorre no regime geral – cabe reparar os danos decorrentes dos eventos (excluindo as pensões e subsídios previstos para o efeito neste regime), por ser ela que aproveita o trabalho do sinistrado e em cujo desenvolvimento laboral ocorreu o sinistro.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.ªs deve a Sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências.
[…]”


*

O Recorrido não apresentou Contra alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho pelo qual determinou a admissão do recurso e a fixação do seu efeito.

*

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, foram fixados os seguintes factos:

“[…]
1.1 Factos provados:
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Autor é Cabo de Cavalaria da Guarda Nacional Republicana, prestando serviço no Posto Territorial ... - cfr. acordo das partes;
b) No dia 25.08.2008 sofreu um acidente, qualificado como “ocorrido em serviço” por despacho de 23.03.2009, do Tenente General Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana – fls. 36 do PA junto pela CGA;
c) O Autor apresentou requerimento junto da Guarda Nacional Republicana a solicitar a sua presença a junta médica por se considerar numa situação de recidiva, agravamento ou recaída das lesões decorrentes do acidente de serviço identificado na alínea anterior – cfr. fls. 91 e seguintes do PA junto pela Guarda Nacional Republicana;
d) A 13.02.2019 o Autor foi submetido a uma Junta Superior de Saúde, devidamente homologada por despacho do 2º Comandante-Geral, datado de 14.02.2019, da qual decorre que “aceita-se o nexo de causalidade por recidiva/agravamento em relação às queixas actuais face ao acidente ocorrido e 08/2008, justificando-se uma IPP de 5%” com a reabertura do processo e ainda a sua submissão à junta médica da Caixa Geral de Aposentações – cfr. fls. 47 do PA junto pela CGA;
e) A 3 de Outubro de 2019, o Autor foi submetido a junta médica da Caixa Geral de Aposentações, da qual se concluiu pela existência de “uma incapacidade permanente parcial de 5% de acordo com o Capítulo I nº 1.1.1. alínea b) da T.N.I” – cfr. fls. 59 do PA junto pela Caixa Geral de Aposentações;
f) Por despacho de 15.10.2019 foi ordenado o pagamento da quantia de € 10.176,96 como capital de remição a título de reparação total do acidente sofrido – cfr. 134 do PA junto pela Caixa Geral de Aposentações;
g) A Guarda Nacional Republicana pagou ao Autor todas as despesas que este comprovadamente lhe remeteu para reembolso relativo a despesas de fisioterapia, hidroginástica e transporte realizadas até à data de atribuição de incapacidade por parte da Caixa Geral de Aposentações (3 de Outubro de 2019) - por confissão do Autor e ainda fls. 298 e seguintes do PA junto pela Guarda Nacional Republicana;
h) Por despacho de 19.01.2023, do 2º Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, recusou o ressarcimento das despesas com tratamentos médicos realizados pelo Autor n valor de € 3.565,63, por estarem em causas despesas que se efectivaram após a determinação de IPP pela CGA e o seu ressarcimento não competir à entidade empregadora– fls. 298 do PA junto pela Guarda Nacional Republicana;
i) O Autor solicitou junto da Caixa Geral de Aposentações o pagamento das despesas por si suportadas com tratamento de fisioterapia, natação e hidroginástica e deslocações referente ao período temporal entre o após 3 de Outubro de 2019 – doc. ...8, ...0 e ...1 unto com a petição inicial;
j) A 15.03.2023, a CGA recusou o pagamento das despesas remetidas pelo Autor conforme email com seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
cfr. doc. ...9 junto com a petição inicial;


1.2 Factos não provados:
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.
1.3. Motivação:
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como dos documentos constantes do PA, os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
O facto constante da alínea g) dos factos provados foi considerado como provado atenta a expressa confissão do Autor na petição inicial, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 465º do Código de Processo Civil.
O demais alegado pelas partes, ou é conclusivo, ou é matéria de direito ou não releva para a decisão dos presentes autos.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi reconhecido que a Caixa Geral de Aposentações é a entidade responsável pelo pagamento ao Autor das despesas de natureza médica, medicamentosa e quaisquer outros tratamentos decorrentes da recidiva de acidente de serviço sofrido pelo Autor, desde que cumpram as condições legalmente estabelecidas no respectivo regime geral, a que se reporta o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Vejamos então.

Como assim emerge das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, vem sustentada a ocorrência de erro de julgamento em matéria de direito.

Ou seja, não constitui objecto deste recurso jurisdicional a apreciação de qualquer erro de julgamento em matéria de facto, no que se traduz, a final, como assim julgamos, que a Recorrente se conformou com o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo nesse domínio, como assim vazado no probatório da Sentença recorrida, em torno dos factos provados e não provados.

No âmbito das conclusões que a Recorrente enunciou a afinal das suas Alegações de recurso, referiu a mesma, em suma:
(i) que não desconhece a jurisprudência que vem defendendo uma interpretação do artigo 5.º e do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, segundo a qual os encargos emergentes de acidentes de trabalho (sejam em dinheiro sejam em espécie) são da responsabilidade da CGA, mas que discorda desse entendimento.
(ii) que em face do disposto no n.º 3 do artigo 5.º e no artigo 34.º do referido Decreto-Lei n.º 503/99, que percebe a fácil tentação de apontar a CGA como a entidade responsável pela reparação em espécie (por não existir seguro celebrado pela entidade empregadora), mas que há que contar igualmente com o disposto no seu artigo 6.º, atinente às regras específicas sobre o pagamento de despesas resultantes de acidentes em serviço, e de onde decorre que caso o serviço não detenha autonomia administrativa e financeira, essas despesas são suportadas pelo orçamento do Ministério das Finanças.
(iii) que segundo crê, é à entidade empregadora que – à semelhança do que ocorre no regime geral – cabe reparar os danos decorrentes dos eventos (excluindo as pensões e subsídios previstos para o efeito neste regime), por ser ela que aproveita o trabalho do sinistrado e em cujo desenvolvimento laboral ocorreu o sinistro.

Neste patamar.

Depois de fixar a factualidade que entendeu por relevante e com referência aos elementos de prova que a suportam, o Tribunal a quo enunciou as razões que conduziram à procedência do pedido formulado, tendo estribado juridicamente a sua posição, também com a enunciação de jurisprudência, especificando os fundamentos de facto e de direito que de acordo com a sua convicção justificam a decisão.

Tendo enunciado o regime jurídico que julgou ser convocável para efeitos da decisão a proferir, e assim, da requerida condenação da Ré ora Recorrente, Tribunal a quo veio a proferir Sentença de cujo discurso fundamentador para aqui se extrai a respectiva essência, como segue:

Início da transcrição
“[...]
Isto posto, face ao objecto da acção configurado pelo pedido e causa de pedir, o está em causa é saber quem é o responsável pelo pagamento das despesas efectuadas pelo Autor na sequência da recidiva do acidente de serviço por si sofrido.
Do probatório resulta que o Autor foi considerado em situação de recidiva por junta médica da Caixa Geral de Aposentações datada de 3.10.2019, no âmbito da qual lhe foi atribuída uma IPP de 5%.
Resulta também dos autos que, na sequência do reconhecimento da situação da recidiva, o Autor solicitou o direito ao pagamento de despesas médicas e de transporte à Guarda Nacional Republicana ( entidade patronal do Autor na dependência do Ministério Demandado) a qual veio a declinar a responsabilidade pelo respectivo pagamento, por considerar que tal responsabilidade passou a competir à Caixa Geral de Aposentações desde a data em que esta reconheceu a recidiva ao Autor (e lhe fixou uma IPP de 5%).
Por sua vez, também a Demandada Caixa Geral de Aposentações veio a recusar o pagamento daquelas despesas por considerar que o seu pagamento é da responsabilidade da entidade patronal da Autora.
Cabe, portanto, saber sobre quem recai o dever de pagamento das despesas decorrentes de recidiva sofrida pelo Autor - se sobre a Caixa Geral de Aposentações ou sobre o Ministério da Administração Interna.
[…]
Note-se que nos termos do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 99, de 20 de Novembro, tendo sido reconhecida pela Junta Médica da CGA uma situação de recidiva, agravamento e recaída decorrente do acidente de sofrido pelo Autor, tal determina a reabertura do processo, e confere ao trabalhador o trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4º
No caso em apreço, pela Junta Médica da Demandada Caixa Geral de Aposentações foi reconhecida a existência de recidiva ao Autor, tendo-lhe sido fixada uma IPP de 5%.
Por via da fixação dessa incapacidade passo a ser responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações assegurar o reembolso de despesas de saúde de trabalhador de acordo com o disposto no disposto no n. º 3 do art.º 5.º, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do art.º 34.º, ambos do DL n.º 503/99,
Assim, no caso em apreço, e Ré Caixa Geral de Aposentações que é a entidade responsável pelo reparação dos danos resultantes da recidiva do acidente de serviço, designadamente o pagamento das despesas decorrentes de prestações de natureza médica, medicamentosa, fisioterapia ou outras desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico e restabelecimento do estado de saúde físico mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e a sua recuperação para a vida activa, e ainda ao transporte e estada, designadamente para observação e tratamento, de acordo com o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
Assim sendo, não recai sobre o Ministério Demandado qualquer responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes da recidiva do acidente de serviço desde que a CGA fixou a incapacidade permanente parcial daí decorrente.
[...]“
Fim da transcrição

Desde já adiantamos que o que assim foi julgado pelo Tribunal a quo, é para manter, na sua integralidade, pois que não é merecedor da censura jurídica que lhe vem apontada pelo Recorrente.

Vejamos pois.

Como assim deflui das Alegações de recurso e respectivas conclusões, é claro que quanto ao que a Recorrente sustenta em sede da sua pretensão recursiva nesta instância de recurso, mais não são do que os argumentos que já havia deixado expendido aquando da apresentação da Contestação, o que foi objecto de apreciação e decisão por parte do Tribunal a quo.

Ou seja, sustentou a Ré ora Recorrente naquele seu articulado, que não desconhecia a jurisprudência a que o Autor se referiu na Petição inicial [o Acórdão deste TCA Norte, datado de 23 de junho de 2022, proferido no Processo n.º 01594/19.2BEPRT], mas que com ela discordava, pelas razões que então aduziu, e que vem a reproduzir nas suas Alegações de recurso, e que encerram, em suma, o entendimento por si prosseguido de que não pode ser a entidade responsável pelo pagamento das despesas reclamadas, por ser aplicável o disposto no artigo 6.º [Cfr. n.ºs 1 e 2] do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, no sentido de que caso o serviço detenha autonomia administrativa e financeira tem de inscrever no seu orçamento as respetivas verbas para fazer face às despesas decorrentes do acidente, e que caso o serviço não detenha a dita autonomia, tais despesas são suportadas pelo orçamento do Ministério das Finanças.




O Tribunal a quo veio a prosseguir o julgamento de que impende sobre a Ré Caixa Geral de Aposentações o pagamento das despesas em causa, por padecer o Autor de uma incapacidade permanente parcial, em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 3, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º, ambos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e que não recaía assim sobre o Ministério da Administração Interna qualquer responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes da recidiva do acidente de serviço desde a data em que a CGA fixou a incapacidade permanente parcial daí decorrente, e que sempre e de todo o modo, que o direito do Autor ao reembolso das despesas só existirá se o mesmo apresentar os documentos comprovativos, dos quais constem as prescrições médicas e os respectivos documentos de facturação, a situação de acidente de serviço, bem assim caso preencha as demais condições legalmente previstas, nomeadamente aquelas previstas nos artigos 4.º, 6.º e 29.º e seguintes por remissão do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro.

A lei que a Ré ora Recorrente deve observar, sendo um limite à sua actuação, é sobretudo o fundamento da sua acção.

O que a Ré ora Recorrente vem a prosseguir em sede da sua defesa e bem assim neste recurso jurisdicional, é na interpretação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, em termos que não tem sustentação, e que não merece por isso o nosso acolhimento.

Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O que é de dizer que o legislador procura sempre as melhores soluções legislativas para efeitos da ordenação da vida em sociedade, e quando seja interpretado o seu pensamento, essa interpretação deve ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que possa estar imperfeitamente expresso [Cfr. nº. 2 do referido artigo 9.º], o que não se afigura ser o caso.

Com efeito, e como assim julgamos, em conformidade, de resto, com jurisprudência consistente e reiterada pelos Tribunais superiores da jurisdição administrativa [Cfr., entre outros, os Acórdãos deste TCA Norte, datado de 12 de março de 2009, proferido no Processo n.º 01318/06.4BEPRT, de 15 de junho de 2018, proferido no Processo n.º 02794/17.5BEPRT, e de 10 de março de 2022, proferido no Processo n.º 00620/21.0BEAVR; do TCA Sul, datado de 12 de novembro de 2020, proferido no Processo n.º 303/20.8BEALM; e do STA, datado de 04 de novembro de 2021, proferido no Processo n.º 0655/20.0BEPRT], o legislador quis consagrar, e assim consagrou, a responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações no pagamento de despesas como aquelas de que tratam os autos, quando ao requerente/beneficiário tenha sido reconhecido como padecendo de incapacidade permanente, o que na situação dos autos, assim aconteceu, pois que tendo sido submetido a junta médica da CGA no dia 03 de outubro de 2019, tal assim lhe foi reconhecido [Cfr. alínea e) do probatório].

Foi apreciado e decidido por este TCA Norte no referido Processo n.º 00620/21.0BEAVR, e a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que se mostrem devidas, nomeadamente em termos de matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [Cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civi], pois é em tudo aplicável à questão ora em apreço, mormente em torno do dever de reparação por parte da CGA quando ao beneficiário tiver sido reconhecido que o mesmo padece de incapacidade permanente [ainda que parcial], e na linha da jurisprudência deixada enunciada supra, que atento o disposto “[…] no n.º 3 do art.º 5.º, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do art.º 34.º do DL n.º 503/99, é sobre a Caixa Geral de Aposentações e não sobre o serviço de origem que impende a responsabilidade de assegurar o reembolso de despesas de saúde de trabalhador vítima de doença profissional da qual tenha resultado uma situação de incapacidade parcial permanente, também não existe razão para revogar a decisão recorrida com o fundamento de que por via desta decisão se foi mais longe do que a jurisprudência vertida nos acórdãos citados na decisão recorrida, uma vez que, não se arredou a Apelante da obrigação de efetuar a necessária avaliação das despesas que venham a ser apresentadas pela apelada, não sendo correto afirmar-se que foi imposta à CGA uma obrigação automática de pagar sem qualquer condição toda e qualquer despesa cujo reembolso lhe seja apresentado pela Autora, a contar da entrada em juízo da presente ação. […] Deste modo, é seguro concluirmos que a decisão recorrida julgou dentro dos parâmetros definidos pela jurisprudência uniforme e constante que tem sido veiculada pelos tribunais superiores desta jurisdição há já vários anos a esta parte e, naturalmente, sem afastar a sujeição das despesas cujo reembolso seja reclamado ao Réu, da necessidade de cumprimento das condições legalmente estabelecidas, onde se incluem, as exigidas no regime geral para o qual remete o art.º 34.º do DL n.º 503/99. […]”.

Julgamos ser de salientar que o julgamento deste TCA Norte patenteado no Acórdão supra, transitou em julgado.

Por seu turno ainda, no Acórdão deste TCA Norte, datado de 10 de setembro de 2021, proferido no Processo 0655/20.0BEPRT, em que o ora Relator aí interveio como 2.º Adjunto, e também em situação similar, aí se apreciou e decidiu, que “[…] como pacificamente tem sido entendido pela jurisprudência, pese embora a responsabilidade pela efetivação do direito à reparação pertença, em regra, ao serviço ou organismo da Administração Pública no âmbito do qual terá ocorrido o acidente em serviço ou contraída a doença profissional, o [que] é facto é que sempre que já tenha sido atribuída uma “incapacidade permanente” ao funcionário, essa competência dispositiva caberá à Caixa Geral de Aposentações.
Assim, não se reconhece qualquer incumprimento ou violação, nomeadamente, dos artigos 5º, 6º, 13º e 34º do Decreto-Lei no 503/99, de 20 de novembro, confirmando-se assim a decisão recorrida.[…]”, sendo que deste Acórdão foi interposto recurso de Revista para o STA, que em apreciação preliminar, pelo seu Acórdão datado de 04 de novembro de 2021, julgou pela não admissão desse recurso.

Da fundamentação aportada naquele Acórdão do STA datado de 04 de novembro de 2021, para aqui se extrai, com interesse para a decisão a proferir, o que segue:





Início da transcrição
“[…]
12. Este constituiu, aliás, o entendimento firmado em situação similar à dos autos no acórdão deste STA/Formação de Admissão de Preliminar de 10.09.2015 - Proc. n.º 0915/15, entendimento reiterado depois no acórdão da mesma Formação de 29.06.2017 - Proc. n.º 0741/17, ou seja, de que não se mostravam reunidos os requisitos conducentes à admissibilidade da revista, extraindo-se do então neles afirmado, válido também para a situação sub specie, que o acórdão ali recorrido «analisa a questão com detalhada análise dos preceitos aplicáveis, com fundamentação jurídica exaustiva, plausível e com claro apoio na letra de lei, que o art. 34.º … do Dec. Lei 503/99, de 20 de novembro, impõem à CGA o pagamento das “pensões e outras prestações” sempre que do acidente ou doença profissional resultar para o paciente “incapacidade permanente ou morte”. De notar ainda que a sentença da primeira instância decidiu no mesmo sentido, como no mesmo sentido decidiram os vários acórdãos citados na decisão recorrida» e que «ainda que a CGA tenha o encargo de suportar tais despesas resulta do art. 43.º do Dec. Lei 503/99 … o seu direito ao reembolso das “(…) das despesas e prestações que tenha suportado, caso o serviço ou o organismo da Administração Pública possua autonomia administrativa e financeira”. De resto, os valores em causa (…) não têm qualquer projeção em termos de sustentabilidade do regime, mostrando que em termos sociais a questão é muito pouco relevante».
[…]”
Fim da transcrição

Voltando à matéria dos presentes autos, e em suma, sendo certo que no recurso jurisdicional que ora apreciamos, a Recorrente sustentou discordar da jurisprudência avançada na Sentença recorrida, o que é facto é que não identificou qualquer divergência na jurisprudência tirada em torno da matéria em apreço, para além que, como assim julgamos, atento o disposto nos artigos 4.º, alínea g), 5.º, n.º 3 e 34.º, n.ºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, outra não pode ser a interpretação a tirar das normas em causa [incluindo do disposto no artigo 6.º, como invocado pela Recorrente], quando do acidente ou doença profissional resulte para o trabalhador uma incapacidade permanente, ainda que parcial, no sentido de que a responsabilidade pelo pagamento da pensão e outras prestações é da Caixa Geral de Aposentações, sem prejuízo, é claro, como assim apreciou o Tribunal a quo, esse direito só se verifica caso “… o Autor apresente os documentos comprovativos, dos quais constem as prescrições médicas e os respectivos documentos de facturação, a situação de acidente de serviço, bem assim caso preencha as demais condições legalmente previstas, nomeadamente aquelas previstas nos artigos 4º, 6º e 29º e seguintes por remissão do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro.

Ou seja, tendo o Autor sido vítima de acidente de serviço, do qual lhe resultou uma situação de incapacidade permanente parcial fixada pela Caixa Geral de Aposentações, a responsabilidade pelo reembolso de despesas de saúde impende sobre esta mesma entidade [Caixa Geral de Aposentações] e não sobre o serviço de origem, por ser essa a solução normativa que inequivocamente decorre, quer do disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 3 alínea a), 5.º, n.º 3, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º, ambos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na decorrência do princípio geral a que se reporta o ponto 4, alínea g) do preâmbulo deste mesmo diploma legal.

De maneira que, tem assim de improceder a pretensão recursiva da Recorrente, e de ser mantida a Sentença recorrida.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Acidente de serviço; Incapacidade permanente parcial; Recidiva; Pagamento de despesas.

1 – Tendo o Autor sido vitima de acidente de serviço, do qual lhe resultou uma situação de incapacidade permanente parcial fixada pela Caixa Geral de Aposentações, a responsabilidade pelo reembolso de despesas de saúde impende sobre esta mesma entidade [Caixa Geral de Aposentações] e não sobre o serviço de origem, por ser essa a solução normativa que inequivocamente decorre, quer do disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 3 alínea a), 5.º, n.º 3, conjugado com os n.ºs 1 e 4 do artigo 34.º, ambos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na decorrência do princípio geral a que se reporta o ponto 4, alínea g) do preâmbulo deste mesmo diploma legal.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações, IP, mantendo a Sentença recorrida.

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Custas a cargo da Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Porto, 01 de março de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Maria da Conceição Silvestre
Luís Migueis Garcia