Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00175/19.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Margarida Reis
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL, INDEFERIMENTO LIMINAR, PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS PARA O CONHECIMENTO IMEDIATO DA RECLAMAÇÃO, PRESCRIÇÃO
Sumário:Padece de erro de julgamento, por errada interpretação das normas processuais aplicáveis, a sentença que, transcorrida toda a tramitação processual da reclamação de decisão do órgão da execução fiscal, a “indefere liminarmente”, com fundamento na falta dos pressupostos processuais para o respetivo conhecimento imediato.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:F.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

F, com os demais sinais nos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 26 de agosto de 2019, que indeferiu liminarmente a reclamação do ato do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de declaração de prescrição de dívida referente a imposto sobre sucessões e doações respeitante ao ano de 2010, no montante de EUR 3 704,33, em cobrança coerciva no Processo de Execução Fiscal n.º 2496201001035606, instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Real.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1ª O presente recurso jurisdicional interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, vertida na Douta Sentença proferida, no âmbito do processo acima identificado, em que Indefere liminarmente a reclamação apresentada;
2ª Como consta dos autos, no âmbito do Processo executivo n.º 2496201001035606, o reclamante apresentou reclamação, do Despacho do chefe do serviço de finanças do Concelho de Vila Real, vertida no Oficio N.º 1649 2019-04-09, onde indefere o pedido e ordena o Prosseguimento dos autos;
3ª O Processo executivo N.º 2496201001035606, resulta do óbito da mãe do reclamante aqui recorrente, Ana de Jesus Monteiro Veiga e Silva, ocorrido em 31 de Outubro de 2002, processo 27966 do Serviço de Finanças de Vila Real diz respeito ao Imposto S/Sucessões e Doações;
4ª Como o referido nos artigos 11.º da P.I. Reclamação, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, tem sido enorme a controvérsia jurídica, no âmbito do referido Processo executivo n.º 2496201001035606;
5ª Controvérsia jurídica, originada por uma série de actos administrativos/tributários, realizados pelo serviço de finanças de Vila Real;
6ª Para além dos Processos judiciais descritos no referido art. 11 da P.I./Reclamação, o aqui reclamante, apresentou em 16 de Agosto de 2019, no serviço de Finanças de Vila Real, novo Processo de Reclamação dirigido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que corre termos sob o n.º 337/19.5BEMDL, que aqui se dá por inteiramente reproduzido;
7ª Como referido também no art. 11.º da P.I./Reclamação, no âmbito do Processo de Reclamação n.º 199/18.0BEMDL, correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, onde foi proferida Sentença em 20 de Setembro de 2018, que aqui se dá por inteiramente reproduzida. Cfr. Doc. n.º 6 junto Com a P.I.;
8ª Na referida Sentença o Meritíssimo Juiz decidiu “Consequentemente, julgo extinta a presente instância por impossibilidade da lide, e absolvo o reclamante da instância - art. 278.º al. e) do CPC, ex vi art. 2.º al. e) do CPPT”
9ª Como o referido também no art. 11.º da P.I./Reclamação de atos do órgão de execução fiscal, Processo de Reclamação n.º 217/17.9BEMDL, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 13 de Setembro de 2018, que aqui se dá por inteiramente reproduzido. Cfr. Doc. n.º 4 junto com a P.I.;
10ª No referido Acórdão, pelos Venerandos Juízes Desembargadores, foi decidido “(...), conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a Sentença recorrida e consequentemente julgar procedente a reclamação judicial e anular o Despacho do Chefe de Finanças de Vila Real”;
11ª Acontece, também no âmbito do Processo executivo n.º 2496201001035606, a AT, o serviço de finanças de Vila Real, através do ofício N.º 1649 2019-04-09, dando cumprimento à decisão proferida no processo n.º 217/17.9BEMDL, profere novo Despacho, indeferindo a reclamação e ordenando o prosseguimento dos autos executivos;
12ª Como consta dos autos, o reclamante aqui recorrente, foi notificado do ofício N.º 1649 2019-04-09, do Chefe de Finanças, em 15 de Abril de 2019;
13ª Como consta também dos autos e referido supra, o Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do Processo n.º 217/17.9BEMDL, proferiu Acórdão em 13 de Setembro de 2018;
14ª Com o devido respeito, somos de opinião que o despacho proferido em 15 de Abril de 2019 através do ofício N.º 1649 2019-04-09, pelo Chefe de Finanças foi proferido passados cerca de 7 meses, depois do prazo previsto no art. 175.º do CPTA;
15ª Com o devido respeito somos de opinião que o referido Despacho do Chefe de Finanças de Vila Real, está ferido de caducidade, nos termos do art. n.º 109.º n.º 1 al. b) do CPA, caducidade que aqui se invoca;
16ª Também nos termos do art. 173.º n.º 2 do CPTA, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, aplicações de sanções ou a restrição de direitos ou interesse legalmente protegidos;
17ª Ora com o devido respeito, o ato/Despacho do chefe de finanças de Vila Real, é um ato que impõe deveres, encargos, ónus ou sujeições, aplicação de sanções, sendo por isso nulo, nulidade que aqui também se invoca;
18ª Como o referido no artigo 10 da P.I./Reclamação, o despacho notificado ao executado aqui reclamante em 15-04-2019, enferma dos mesmos vícios, dos mesmos erros, já anteriormente invocados, nos processos infra referidos, bem como a eventual dívida a ele associada se encontra também prescrita, dado o tempo decorrido;
19ª O despacho realizado pela AT (Serviço de Finanças), como o referido no artigo 12 da P.I./Reclamação, é injusto, ilegal, viola a litispendência e o caso julgado nos termos do arts. 580.º e seguintes do CPC, ofende os Princípios da justiça. da boa fé, da razoabilidade, da proporcionalidade, da Legalidade, dispostos na Lei Geral Tributária e consagrados na Constituição da República Portuguesa;
20ª Na Sentença aqui recorrida, o Meritíssimo Juiz a quo, considerou em suma, que o processo não é urgente, tendo também indeferido liminarmente a reclamação apresentada;
21ª Considerou como Facto Provado 1. que “Para o que interessa relevar o Reclamante não invocou prejuízo irreparável, nem alegou factos que, se provados, levassem a concluir por aquele tipo de prejuízo - cfr. PI”;
22ª Ora com o devido respeito não podemos concordamos com o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”;
23ª No âmbito do Processo executivo N.º 2496201001035606, como o referido nos artigos 13 a 17.º da P.I./Reclamação, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, a conduta do serviço de finanças, a contraria à boa fé, em claro Abuso de Direito, tem ocasionado enormes danos patrimoniais e não patrimoniais e prejuízo irreparável;
24ª O prosseguimento do processo executivo, a manutenção, o accionamento das garantias prestadas e a prestação de novas garantias, é um facto notório que causam prejuízo sério e irreparável;
25ª Consideremos também, que qualquer processo executivo, provoca prejuízos aos executados;
26ª Assim foram invocados e alegados factos, pelo reclamante da existência de prejuízo irreparável;
27ª Com o devido respeito somos de opinião que o Facto provado 1., deve ser considerado como não provado e excluído da matéria de facto;
28ª Pelo que deve ser deferida a reclamação apresentada e seja ordenado o prosseguimento dos autos;
29ª O Meritíssimo juiz na Douta Sentença não se pronunciou, sobre as questões materiais, suscitadas na reclamação judicial e em controvérsia, algumas de conhecimento oficioso, com o devido respeito, somos de opinião que se verifica omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º n.º 1 al. d) do Código Processo Civil, que se traduz numa causa de nulidade da Sentença, que aqui também se requer.”
Termina pedindo:
“Nestes termos e nos demais de direito, que serão por V.ª Ex.ª doutamente supridas, ao presente recurso deve ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da decisão recorrida, e
Assim se fazendo a já costumada Justiça”
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A Recorrida não contra-alegou.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por considerar ser patente que o não conhecimento da questão da prescrição acarreta um prejuízo irreparável nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 278.º, do CPPT, mais propugnando que este Tribunal conheça, em substituição, pela procedência da exceção dilatória da litispendência, uma vez que a questão da prescrição da dívida em causa foi já objeto de decisão judicial, ainda não transitada em julgado.
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Dada a natureza urgente do processo, foram dispensados os vistos [cf. art. 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
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Questões a decidir no Recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa analisar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por desconsiderar factos invocados e alegados pelo Recorrente quanto à existência de prejuízo irreparável, e de nulidade, por omissão de pronúncia.
Importa ainda que seja apreciada a questão, de conhecimento oficioso, da ocorrência da exceção dilatória de litispendência, suscitada pelo Ministério Público na primeira instância e no presente recurso, tendo as partes sido oportunamente convidadas a pronunciar-se sobre esta questão, nos termos e para o efeitos do disposto no art. 665.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi art. 281.º, do CPPT.
Na sequência do convite formulado por este Tribunal para que as partes se pronunciassem sobre a exceção de litispendência, a Fazenda Pública nada veio dizer, tendo-se o Recorrente pronunciado a fls. 185 dos autos (numeração do SITAF), ali referindo, em síntese, que o despacho aqui reclamado não cumpre o determinado no acórdão proferido por este Tribunal no âmbito do processo n.º 217/17.9BEMDL, motivo pelo qual para além do presente recurso dever ser julgado procedente, devem também “a AT, o serviço de finanças de Vila Real serem condenados por abuso de direito e como litigantes de má fé.”
II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto:
“Factos provados
1. O Reclamante não invocou prejuízo irreparável no despacho impugnado que determinou o prosseguimento dos autos (Proc. n.º 2496201001035606), nem alegou factos que, se provados, levassem a concluir por aquele tipo de prejuízo – cfr. à contrário, PI”.
Trata-se, no entanto, não de um facto, mas antes uma asserção do Tribunal a quo sobre o entendimento que perfilhou relativamente ao (in)cumprimento pelo Reclamante, aqui Recorrente, do requisito processual previsto no n.º 3 do art. 278.º do CPPT para que a ação assuma caráter urgente.
Assim sendo, e fazendo uso do dever resultante do disposto no n.º 1 do art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, a fundamentação de facto é alterada, desconsiderando-se o “facto” dado como provado na sentença, e considerando-se provados os seguintes factos e ocorrências processuais consideradas indispensáveis para a fundamentação da decisão:
1. Em 8 de outubro de 2010 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Real contra o ora Recorrente o Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º 2496201001035606, originado por dívida de Imposto Sucessório do ano de 2010 no montante de EUR 3.704,33, com data limite de pagamento em 2007-11-07 (cf. autuação e certidão de dívida n.º 37/2010, a fls. 4 e 5 dos autos, numeração do SITAF).
2. Em 10 de abril de 2014, o ora Recorrente interpôs junto do TAF de Mirandela uma impugnação judicial, a que veio a ser atribuída o n.º 210/14.3BEMDL, tendo por objeto a liquidação do imposto sobre sucessões no valor de EUR 3.704,33 em execução no PEF n.º 2496201001035606, na qual expressamente invocou a prescrição da dívida, assim como a caducidade do direito de liquidação (cf. certidão constante a fls. 103 a 117, dos autos - numeração do SITAF -, e consulta ao SITAF).
3. Em 5 de junho de 2017, foi exarada sentença na impugnação judicial n.º 210/14.3BEMDL, absolvendo a Autoridade Tributária do pedido, encontrando-se a mesma pendente de decisão de recurso neste Tribunal Central Administrativo Norte (cf. certidão constante a fls. 103 a 117, dos autos - numeração do SITAF -, e consulta ao SITAF).
4. Em 22 de junho de 2017, o ora Recorrente interpôs junto do TAF de Mirandela a reclamação de ato do órgão de execução fiscal a que foi atribuído n.º 217/17.9BEMDL, tendo por objeto decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real, proferida em 2017-06-05, que indeferiu o pedido de prescrição da dívida exequenda no PEF n.º 2496201001035606 (cf. certidão constante a fls. 103 a 117, dos autos - numeração do SITAF -, e consulta ao SITAF).
5. Em 10 de outubro de 2017, foi proferida pelo TAF de Mirandela sentença julgando improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal a que foi atribuído n.º 217/17.9BEMDL, tendo o ora Recorrente interposto recurso jurisdicional da mesma perante este Tribunal Central Administrativo Norte (cf. certidão constante a fls. 103 a 117, dos autos - numeração do SITAF -, e consulta ao SITAF).
6. Em 13 de setembro de 2018, foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte no recurso referido no ponto anterior, concedendo provimento ao mesmo, revogando a sentença recorrida, julgando procedente a reclamação e anulando o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real, com a seguinte fundamentação (cf. certidão constante a fls. 103 a 117, dos autos - numeração do SITAF -, e consulta ao SITAF):
“(…) Analisado o despacho recorrido constata-se que o mesmo é ambíguo e obscuro não permitindo compreender o sentido da decisão, parece mesmo reportar a outro processo, pois o pedido efetuado pelo Recorrente, na sua reclamação reportava-se única e exclusivamente à “caducidade do direito à liquidação e a prescrição da dívida tributária".
Da sua leitura, conjugada com o requerimento do Recorrente que o antecedeu, não é possível aferir o processo logico-intelectual e fáctico-jurídico da decisão.
Não é viável reconstruir o pensamento do decisor, tendo em conta as datas do facto tributário e de eventuais causas de interrupção e suspensão da prescrição invocada.
Assim, condo se encontra incorreta a alusão ao processo de oposição judicial n.º 206/14.5BEMDL (que se reporta a liquidação se SISA no valor de € 1 615,12), por referência ao processo executivo n.º 2496201001035606 no valor € 3704;33 € e aqui em causa quando o processo correto é o processo n.º 210/14.3BEMDL e ainda não transitado em julgado, conforme decorre da matéria de facto dada como provada nos pontos n.°s 2 a 11 e não impugnada.
Como supra se disse, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do ato, para o que há de ser um discurso claro e racional, permitindo que, através dos seus termos, se compreender os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, e congruente, de modo que a decisão constitua uma conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
No caso em apreço foram elencados determinados factos, - instauração do processo n.º 206/14.5BEMDL e seu transito em julgado – tendo concluído de imediato pelo indeferimento do requerido, pelo que se encontra insuficientemente fundamentado.
Nesta conformidade, a sentença recorrida ao julgar inexistir falta de fundamentação incorreu em erro de julgamento não se podendo manter na ordem jurídica pelo que terá de ser revogada e também não se pode manter o ato recorrido, na medida em que está eivado de falta ou insuficiente fundamentação do ato, o que implica a sua anulação.
Face ao assim decidido fica prejudicado o conhecimento da prescrição invocada pese o mesmo ter negado a sua arguição. (…)”
7. Em 26 de março de 2019, a Chefe de Finanças Adjunta, por delegação de competência, exarou despacho no PEF n.º 2496201001035606 com o seguinte teor (cf. despacho a fls. 14 e 15 dos autos, numeração do SITAF):
Dando cumprimento à decisão proferida no processo n.º 217/17.9BEMDL, relativo à reclamação apresentada pelo executado no PEF 2496201001035606, nos termos da qual foi decidido “conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e consequentemente julgar procedente a reclamação judicial e anular o despacho do Chefe de Finanças de Vila Real.”
Nestes termos e na sequência da decisão proferida, tem de ser proferido novo despacho desta feita sem o vício assacado, assim:
Nos termos do artigo 48.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT) as dívidas tributárias prescrevem, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Por sua vez, o artigo 49.º do citado diploma legal, contempla as causas de interrupção e suspensão da prescrição, sendo, nos termos da citada norma, causas interruptivas a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo.
Sendo necessário frisar que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar (n.º 2 do art.º 49.º da LGT).
Por sua vez. o n.º 4 do referido artigo elenca, em várias alíneas, as causas de suspensão da prescrição, indicando-se, porque tem relevância para o caso em análise, a alínea b) nos termos da qual suspende-se a prescrição “enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”
Posto isto, passando ao caso concreto, estamos perante um processo executivo respeitante à liquidação adicional, realizada nos termos do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto S/Sucessões e Doações, no âmbito do processo de Imposto Sucessório n.º 27966, instaurado por óbito da mãe do executado ocorrido a 31 de outubro de 2002.
O processo de execução fiscal (PEF) foi instaurado a 8 de outubro de 2010 e o executado foi citado a 19 de outubro de 2010. Sendo importante referir aqui que, na sequência da citação a 19-10-2010 veio o executado a 29-10-2010 junto do Serviço de Finanças apresentar reclamação graciosa da liquidação referindo que (…) “tendo tomado conhecimento da citação com registo simples, processo n.º 2496201001035660, certidão 2010/0000038”, ou seja, foi o mesmo, efetivamente, citado.
Ora, como vimos supra, um a das causas de interrupção da prescrição é a citação, portanto, no caso em análise, com a citação verificou-se a interrupção da prescrição e, com ela, a inutilização de todo o prazo decorrido até essa data, iniciando-se aí (na data da citação) novo prazo de prescrição.
Depois, associado a este PEF temos várias ações (reclamações, oposições, impugnações) com as devidas garantias associadas, sendo elas, como vimos supra, causas de suspensão da prescrição.
Pelo exposto INDEFIRO o pedido ordenando pelo prosseguimento dos autos.
NOTIFIQUE-SE, informando que poderá querendo, recorrer do presente despacho nos termos do artigo 276.º do CPPT.”

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A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.

Este Tribunal tem conhecimento das supracitadas ocorrências processuais apuradas por consulta ao SITAF por virtude do exercício das suas funções, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 2, alínea c) do CPC [aplicável ex vi art. 2.º alínea e) do CPPT].
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II.2. Fundamentação de Direito
Começa o Recorrente por imputar à sentença recorrida o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, por entender que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões suscitadas na reclamação da decisão do órgão da execução fiscal sob recurso.
Mais defende que é um facto notório que o prosseguimento do processo executivo é causador de um prejuízo irreparável, donde o único facto provado na sentença “deve ser considerado não provado e excluído da matéria de facto”, devendo ser ordenado o prosseguimento dos autos e deferida a Reclamação, sendo que quanto a esta questão não qualifica o vício que imputa à sentença.
Não sendo indiferente a correta qualificação do vício imputado à decisão sob recurso, por serem distintas as respetivas consequências, importa esclarecer que o que os vícios que o Recorrente pretende assacar à sentença sob são a da existência de erro de julgamento, de direito e de facto.
Com efeito, há muito que se encontra pacificada – na jurisprudência e na doutrina – a noção de omissão de pronúncia, que diz respeito, tão só, às situações em que falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão.
Assim sendo, a omissão de pronúncia apenas ocorrerá naqueles casos em que “o tribunal deixa por conhecer questões que foram suscitadas pelas partes sem indicar razões para justificar essa abstenção de conhecimento e se da decisão jurisdicional também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento ficou prejudicado” (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, doravante STA, proferido em 20-04-2020, no proc. 0151/07.0BECTB 0602/18, disponível para consulta em www.dgsi.pt/sta).
Ora, no caso em apreço o que se constata é que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação das normas processuais aplicáveis, e não numa nulidade por omissão de pronúncia.
De facto, interpretada a decisão recorrida, o que dela se retira é que nela se considerou – erradamente – que o conhecimento das questões suscitadas pelo Recorrente se encontravam prejudicadas pela falta dos requisitos processuais necessários ao conhecimento imediato da Reclamação.
Será, pois, a existência do vício de erro de julgamento que aqui se apreciará.
Importa ainda esclarecer que, destinando-se os recursos ordinários a permitir que o Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas (cf. neste sentido, SOUSA, Miguel Teixeira de – Estudos Sobre o Novo Processo Civil. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 1997, pág. 373-375, e GERALDES, António Abrantes – Recursos em Processo Civil. 6.ª edição atualizada. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 29), estava vedado ao Recorrente trazer à apreciação deste Tribunal questões novas, que não sendo de conhecimento oficioso, não foram suscitadas e discutidas na 1.ª instância (cf. nesse sentido os acórdãos proferidos pelo STA em 2019-10-30, no proc. 0280/12.9BEBJA 0410/18; em 2012-06-27, no proc. n.º 218/12; em 2012-02-23, no proc. n.º 1153/11; em 2012-01-25, no proc. n.º 12/12; em 11/5/2011, no proc. n.º 4/11; em 2009-07-01, no proc. n.º 590/09; em 2008-12-04, no proc. n.º 840/08; em 2008-10-30, no proc. nº 112/07; em 2004-06-02, no proc. n.º 47978, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Por esse motivo este Tribunal não apreciará o conteúdo das alegações do Recorrente a que se reportam os parágrafos 14 a 17 das conclusões de recurso, por se tratar de questões que não foram invocadas na Petição Inicial, aqui sendo invocadas pela primeira vez.
No que diz respeito ao erro de julgamento imputado à decisão sob recurso, tem o Recorrente razão.
Com efeito, não restam dúvidas que a decisão de “indeferimento liminar” se revela incorreta, tendo o Tribunal a quo feito uma interpretação errada das regras de direito processual aplicáveis.
Desde logo, porque a decisão de indeferimento liminar se encontra reservada para aquelas situações em que por determinação legal (como é o caso, atento o disposto no n.º 2 do art. 278.º do CPPT) ou do juiz, a petição inicial lhe é apresentada para despacho liminar e, nesse momento, e porque o pedido se revele manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e que deva conhecer oficiosamente, a mesma deva ser indeferida, de imediato.
É o que resulta com meridiana clareza do disposto no art. 590.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
Não é, por isso, correto o “indeferimento liminar” da petição inicial depois estabilizada a instância, com o chamamento da Fazenda Pública para a mesma, e de a reclamação ter percorrido toda a sua tramitação.
Por outro lado, tendo o Tribunal a quo entendido que não estava reunidos os pressupostos previstos para o conhecimento imediato da reclamação, a decisão correta a proferir não era a de “indeferimento liminar” ou, atenta a fase processual em que foi proferida, a de absolvição da Fazenda Pública da instância, mas antes a de ordenar a “devolução da reclamação ao órgão da execução fiscal, a fim de ser processada a subida no momento que [fosse] adequado” (cf. neste sentido SOUSA, Jorge Lopes de – Código de Procedimento e Processo Tributário. Anotado e Comentado. Vol. IV. 6.ª edição. Lisboa: Áreas Editora, 2011, pág. 302).
Com efeito, e como explica o citado Autor, “Se a reclamação teve subida imediata, mas indevidamente, não deve ser proferida uma decisão de rejeição ou indeferimento liminar, que é adequada a situações em que seja evidente a falta de pressupostos processuais ou improcedência da reclamação, mas antes no sentido e não tomar dela conhecimento nesse momento e ordenar a baixa do processo” (idem, ibidem; destacado nosso).
Sucede que a decisão em crise também errou ao considerar que não se encontravam reunidos os requisitos para o conhecimento imediato da reclamação.
Com efeito, o prejuízo irreparável a que se alude no n.º 3 do art. 278.º do CPPT é o de que a própria reclamação “fique sem finalidade alguma por força da sua subida diferida”, assim perdendo a sua utilidade (cf. acórdão do STA proferido em 2012-04-19, no proc. 0293/12, e no mesmo sentido, o acórdão proferido em 2011-05-25, no proc. 0444/11, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Refira-se ainda que se considera que a interpretação mais adequada do n.º 3 do art. 278.º, por ser a que melhor se compatibiliza com o dever de promoção da justiça que recai sobre o Tribunal [cf. art. 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT], é a que vai no sentido de considerar que esta disposição abrange “(…) nos casos de subida imediata das reclamações dos atos do órgão da Administração que dirige a execução fiscal aqueles em que, independentemente da alegação e prova de prejuízo irreparável, a sua subida diferida lhes retiraria toda a utilidade” (cf. acórdão do STA proferido em 2008-01-09, no proc. 0738/07, e, no mesmo sentido, o acórdão do STA proferido em 2009-01-28, no proc. 0986/08, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
Por outro lado, a PI da reclamação em causa não apenas invoca como revela um esforço no sentido de alegar a existência do prejuízo irreparável, e ainda que entendesse que não o fez de modo perfeito, sempre cabia ao Tribunal a quo a sua interpretação em respeito pelo princípio iura novit curia, plasmado no n.º 3 do art. 5.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
De qualquer modo, também sobre esta matéria a jurisprudência do STA se encontra pacificada, no entendimento de que, não sendo fechado o elenco de situações enumeradas no n.º 3 do art. 278.º do CPPT, se impõe “a subida imediata da reclamação judicial para apreciação da prescrição da dívida exequenda” (cf. acórdão do pleno da secção de contencioso tributário do STA proferido em 2011-07-06, no proc. 0459/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta).
De facto, é evidente que se a execução prosseguisse os seus termos, excutindo o património do Reclamante para fazer face à divida ali em cobrança, a reclamação em que se pretende o reconhecimento da (alegada) prescrição da dívida perderia toda a sua utilidade.
Pelo também neste ponto a decisão sob recurso erro na interpretação que faz da lei processual.
Ora, em face do que já aqui se referiu, sobre a extemporaneidade e incorreção da decisão sobre recurso, e a que a interpretação da sentença deve fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente (cf. arts. 236.º, n.º 1 e 238º, n.º 1 do Código Civil), e ainda que, na interpretação da decisão judicial ter-se-á que atender à parte decisória propriamente dita (ao dispositivo final), aos seus antecedentes lógicos, ao contexto, a toda a fundamentação que a suporta e mesmo à globalidade dos atos que a precederam (cf. neste sentido, designadamente, os acórdãos proferidos pelo STJ em 2009-11-05, no proc. n.º 4800/05.TBAMD-A, em 2011-02-03, no proc. n.º 190-A/1999, em 2012-04-26, 26/04/2012, no proc. n.º 289/10.7TBPTB, em 2014-03-20, no proc. n.º 392/10.3TBBRG; e o acórdão proferido pelo TRG em 2019-06-27, no proc. 606/06.4TBMNC-D.G1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/), estamos em condições de interpretar a sentença sub judice como sendo uma verdadeira decisão de improcedência do pedido do ora Recorrente, e ainda de concluir que, por se encontrar ferida de erro de julgamento, a mesma não pode subsistir, devendo por isso ser revogada.
Ora, por se entender que este Tribunal está em condições e dispõe dos elementos necessários para conhecer em substituição do Tribunal a quo, passaremos agora à apreciação do peticionado pelo Recorrente.
Compulsada e interpretada a petição inicial, o que se conclui é que o que o Recorrente efetivamente pretende é o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda no PEF n.º 2496201001035606.
De facto, se bem se compreende a sua restante alegação – na qual afirma que “o despacho, é ilegal, injusto, mantém os vícios, os erros já invocados, viola a Litispendência e o Caso Julgado”, argumentos que invoca e repete no art. 1.º e 12.º da PI -, parece a mesma repousar sobre uma incorreta interpretação da decisão prolatada no acórdão proferido por este Tribunal no âmbito do proc. 217/17.9BEMDL (cf. ponto 6, da fundamentação de facto).
Com efeito, o que dali resulta é tão somente que se considerou que o ato reclamado no âmbito da reclamação n.º 217/17.9BEMDL padecia do vício de falta de fundamentação, pelo que deveria ser repetido, expurgado desse vício formal, ou seja, revelando os respetivos fundamentos, e não, como parece ter entendido o ora Recorrente, que o mesmo devesse necessariamente reconhecer a pretendida prescrição da dívida.
É aliás o que resulta de forma explicita da frase com que encerra o acórdão, na qual é claramente afirmado que “Face ao assim decidido fica prejudicado o conhecimento da prescrição invocada pese o mesmo [ato] ter negado a sua arguição”.
De qualquer forma, é visível que o que o Recorrente realmente pretende é que seja reconhecida a prescrição da dívida exequenda.
Ora, e assim sendo, não pode deixar de se concluir pela existência da exceção dilatória de litispendência.
A questão da litispendência suscitada pela Digna Magistrada do M.º Público no presente recurso, fora também já suscitada no parecer pré-sentencial proferido pelo Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância, tendo no entanto a mesma sido (indevidamente) ignorada na decisão sob recurso.
Sobre esta questão, foi o Recorrente aqui ouvido, dando-se assim o devido cumprimento ao princípio do contraditório.
No entanto, da intervenção do Recorrente, a convite deste Tribunal, resulta claro que persiste no entendimento errado relativamente ao sentido supracitado acórdão proferido por este Tribunal no âmbito da impugnação judicial nº 217/17.9BEMDL.
Não será por isso demais esclarecer que, como de resto resulta com meridiana clareza do respetivo teor, o motivo pelo qual o ato proferido pelo Chefe de Finanças em 2017-06-05 foi anulado pelo acórdão proferido em 2018-09-13 (cf. ponto 6, da fundamentação de facto), foi apenas e tão só por se ter entendido que o mesmo não se encontrava devidamente fundamentado.
Donde o mesmo encontra-se plenamente cumprido pela decisão proferida em 26 de março de 2019, e reclamada na Reclamação aqui sob recurso (cf. ponto 7, da fundamentação de facto), pois da mesma constam com clareza os fundamentos pelo quais se entende que a dívida não se encontra prescrita.
Ou seja, e dito de outro modo, a decisão proferida no PEF em 2019-03-26 pela Chefe de Finanças Adjunta, revelando com clareza os motivos pelos quais o Serviço de Finanças entende que a dívida não se encontra prescrita, cumpre integralmente o decidido no supracitado acórdão.
Por esse motivo, não tem o Reclamante qualquer razão quando suscita a litigância de má-fé por parte da Fazenda Pública, sendo esta sua alegação totalmente destituída de fundamento.
Prosseguindo, há que apreciar a suscitada questão da litispendência.
A litispendência é uma exceção dilatória nominada (cf. art.x), que ocorre quando se verifique a repetição de uma causa, estando ainda a anterior em curso, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão judicial [cf. art. 580.º do CPC, aplicável ex vi art.2.º, alínea e) do CPPT], em prejuízo da respetiva utilidade e eficácia (cf. neste sentido, Freitas, José Lebre de, e Alexandre, Isabel – Código de Processo Civil Anotado. Vol. 2.º. 3.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2018, pág. 590), e assim se tutelando “no essencial, o prestígio e a credibilidade da função judicial e os valores da segurança jurídica e da certeza do direito” (cf. neste sentido, GERALDES, António Abrantes, Pimenta, Paulo, e Sousa, Luis Filipe Pires de – Código de Processo Civil Anotado. Vol. I. 2.ª edição, reimpressão. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 684).
Sucede que, sobre a questão da litispendência se pronunciou já este Tribunal, em situação similar, no sentido da sua não verificação, em acórdão proferido em 2020-04-23, no âmbito do processo que aqui correu termos com o n.º 337/19.5BEMDL, e que passamos a citar:
“Se bem interpretamos, o tribunal a quo considerou que se verificava uma situação de litispendência entre este processo de reclamação judicial deduzida contra o despacho que indeferiu a declaração de prescrição da obrigação tributária e a impugnação judicial deduzida contra a liquidação que lhe subjaz, em que também teria sido suscitada a questão da prescrição da dívida, sendo que a decisão aí proferida foi objecto de recurso, que também se encontra pendente neste Tribunal Central Administrativo Norte.
Com o devido respeito, diga-se, desde já, que não acompanhamos o assim decidido.
Como é sabido, a litispendência (bem como o caso julgado) constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, pressupondo a repetição de uma causa, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artigo 580.º, nºs 1 e 2, do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT).
E de acordo com o artigo 581.º, n.º 1, do CPC "repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir".
Por seu turno, nos termos do disposto neste preceito legal, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2); há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3); e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (nº 4).
No caso vertente, embora seja certo que as partes são as mesmas, é manifesto que não pode deixar de se concluir não se verificarem os outros dois requisitos (identidade de causa de pedir e de pedido), como resulta, desde logo, da diferente natureza e finalidade dos dois meios processuais em causa.
Com efeito, a prescrição da dívida exequenda invocada como causa de pedir na reclamação judicial visa a anulação do despacho reclamado (que a não declarou) e o cancelamento das garantias prestadas e conduz à extinção da execução fiscal, enquanto na impugnação judicial deduzida contra a liquidação que subjaz à dívida exequenda e em que se visa a anulação desta liquidação, a prescrição aí invocada é totalmente alheia à (i)legalidade da liquidação que aí se discute e não visa a anulação da mesma. Não se verifica, pois, qualquer repetição da causa, até porque têm por objecto actos distintos. Na verdade, a prescrição invocada na impugnação judicial apenas poderá ser apreciada a título incidental, relevando apenas para a eventual inutilidade superveniente da lide de impugnação, não contendendo com as questões de mérito que aí são suscitadas.
Assim, inexistindo qualquer identidade de causa de pedir e de pedido nos dois meios processuais aqui em confronto, é de concluir que não se verificam os requisitos da excepção de litispendência, pelo que não pode manter-se a decisão recorrida que assim não entendeu.
É certo que, podendo a questão da prescrição da obrigação tributária ser apreciada na impugnação judicial para aferir da eventual (in)utilidade do prosseguimento da lide – e ainda que, por ser proferida a título incidental, não constitua caso julgado fora do processo - existe o risco de serem proferidas decisões contraditórias sobre essa questão, o que o tribunal deve evitar que aconteça - neste sentido, em situação semelhante, acórdão do STA de 12/1/2011, Processo 0703/10.
No entanto, para evitar julgados contraditórios sobre a questão da prescrição, tal como se entendeu neste acórdão do STA, também nós consideramos não se justificar aqui a suspensão da instância até haver decisão no recurso interposto da sentença proferida na impugnação judicial. Em primeiro lugar, porque no processo de impugnação judicial aqui em confronto e contrariamente ao que vem referido na decisão recorrida, não foi ainda decidida a questão da prescrição da obrigação tributária. Como decorre esses autos, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou procedente a excepção da caducidade do direito de impugnar e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública do pedido. O que significa que, mesmo que o TCAN, onde está pendente o recurso dessa decisão, conceda provimento ao recurso e revogue tal decisão, os autos terão de baixar ao tribunal de 1ª instância para aí prosseguirem os devidos termos.
Depois, nenhuma certeza existe de que o tribunal vá apreciar, incidentalmente, a questão da prescrição na impugnação judicial (v.g. pode entender que não a deve conhecer ou não dispor de elementos que lhe permitam esse conhecimento).
Ademais, a não suspensão destes autos é a que, neste contexto, também melhor assegura uma tutela jurisdicional efectiva do direito do ora Recorrente à apreciação jurisdicional da questão da prescrição e, por outro lado, atenta a natureza urgente do processo de reclamação dos autos é expectável que seja primeiramente proferida decisão sobre tal questão nestes autos e da qual, com vista a evitar julgados contraditórios, deverá ser dado oportuno conhecimento àquele processo de impugnação judicial.”
É quanto basta para que, e assumindo os supracitados fundamentos explanados no citado acórdão, aqui se considere que não se verifica a invocada litispendência.
Assim sendo, e em face da revogação da decisão recorrida, cumpriria que aqui se conhecesse em substituição do Tribunal a quo.
No entanto, também quanto ao conhecimento em substituição, são aqui válidas as razões pelas quais no supracitado acórdão entendeu não estarem reunidas as condições para tal, pelo que aqui reproduzimos a respetiva fundamentação no que a esta questão diz respeito, e que fazemos nossa:
“Face à revogação da decisão recorrida, impunha-se que este Tribunal, caso nenhum motivo a tal obstasse, conhecesse, em substituição do tribunal a quo, ex novo, do mérito da causa [artigo 665.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º alínea e), do CPPT]. O que passava, desde logo, por conhecer da prescrição da obrigação tributária. Porém, perante a total omissão pelo tribunal a quo da fixação da matéria de facto pertinente par a apreciação de mérito das questões suscitadas nos autos, não é possível a este tribunal conhecer do fundo da causa, uma vez que a seleção da matéria de facto para esse efeito deve ser feita pelo juiz da 1ª instância e, no caso, inexiste julgamento da matéria de facto para conhecer do mérito da causa e, por outro lado, o Tribunal superior só em casos excecionais poderá afastar o juízo valorativo das provas feito por aquele [acórdão do TCAN de 19/10/2006, Processo 00081/02].
Como decorre do artigo 662º, nº1, do CPC, o tribunal de recurso pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto. Ainda, do nº 2, alínea c), deste normativo resulta a possibilidade de ser anulada oficiosamente a decisão proferida na 1ª instância, desde que o processo não disponibilize todos os elementos probatórios que, em conformidade com o disposto no nº 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, se repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se considere indispensável a ampliação desta.
Portanto, o tribunal de recurso, com vista a uma eventual alteração da matéria de facto, pode reapreciar ou reexaminar a decisão do tribunal recorrido sobre essa matéria, mas não pode efectuar esse julgamento de facto sem que na 1ª instância o mesmo tenha sido efectuado, uma vez que tal implicaria o inviabilizar da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. Ou seja, o tribunal ad quem só pode efectuar um novo julgamento de facto e de direito se a decisão proferida pelo tribunal a quo contiver o enquadramento de facto e de direito e a competente decisão, o que não se verifica in casu - neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 17/10/2001, Processo nº 26193, acórdãos do TCAN de 19/10/2006, Processo 00081/02 (supra citado), de 9/11/2006, Processo 00345/04 e de 9/2/2012, Processo 01552/08 e do TCAS de 16/11/2010, Processo 03922/10.
Em suma, o conhecimento pelo tribunal de recurso do mérito da causa em substituição do tribunal recorrido nos termos previstos no artigo 665.º, nº 2 do CPC tem os seus poderes circunscritos aos termos e com os limites impostos pelo artigo 662.º do mesmo diploma.”
Em face do exposto, conclui-se não ser possível conhecer em substituição do mérito dos presentes autos, pelo que se impõe a baixa dos mesmos ao tribunal de 1ª instância, a fim de aí, e se a tal nada obstar, após se proceder ao necessário julgamento da matéria de facto, seja proferida decisão de mérito sobre a questão da prescrição da dívida exequenda.
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Atendendo a que o presente recurso é julgado procedente, e revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, é condenada pelas custas a Recorrida [cf. art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT].
No entanto, e porque não contra-alegou, não lhe é aqui devida a taxa de justiça pelo impulso processual [cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP -, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
Por outro lado, também nada é devido a título de encargos, por não se terem verificado.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte sinopse conclusiva:

Padece de erro de julgamento, por errada interpretação das normas processuais aplicáveis, a sentença que, transcorrida toda a tramitação processual da reclamação de decisão do órgão da execução fiscal, a “indefere liminarmente”, com fundamento na falta dos pressupostos processuais para o respetivo conhecimento imediato.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando a baixa dos autos ao TAF de Mirandela para que, e se a tal nada mais obstar, após preliminar aquisição dos elementos necessários e pertinentes se proceda à fixação da matéria de facto e se conheça do mérito da reclamação.
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Custas pela Fazenda Pública.
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Porto, 5 de novembro de 2020


Margarida Reis (relatora) - Cláudia Almeida - Paulo Moura