Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01655/18.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA; INTERDIÇÃO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE; AGENTE DE EXECUÇÃO; PROCESSO DISCIPLINAR; PRESCRIÇÃO
Sumário:1 – Tendo o tribunal a quo entendido face à prova documental produzida e disponível nos autos, que não se verificava matéria de facto controvertida carecida de acrescida prova, não se mostra censurável o facto de ter sido indeferido requerimento de prova testemunhal, tendo assim julgado desnecessária a realização de audiência prévia, uma vez que todas as questões controvertidas já tinham sido objeto de debate entre as partes, na fase dos articulados – Cfr. arts. 7.º-A e 88.º, n.º 1, al. b), ambos do CPTA.

2 - Resulta do n.º 3 do art. 87.º-B do CPTA, que nas ações que devam prosseguir, o tribunal pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins previstos nas alíneas d), e) e f) do no 1 do artigo anterior, proferindo, nesse caso, despacho para os fins indicados, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, o que corresponde à situação em apreciação.

3 - Acresce que resulta do atual nº 2 do artigo 87.º-B do CPTA, na redação introduzida pelo D.L. nº 118/2019, de 17 de Setembro, que "o juiz pode dispensar a realização de audiência prévia quando esta se destine apenas ao fim previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior", ou seja, quando a audiência prévia se destina a facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, sendo que o nº 2 do artigo 13º do referido DL nº 118/2019, se refere expressamente que as alterações introduzidas por este diploma se aplicam aos processos administrativos pendentes.

4 – Referia o art. 135.º nº 1 do então vigente Estatuto da Câmara dos Solicitadores que “O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre o conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração.
Em qualquer caso, é o próprio nº 2 do mesmo artigo que incontornavelmente afirmava que “As infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o processo criminal, quando este for superior”.
O mesmo regime resulta do n.º 2 do art. 184.º do atual Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, ao afirmar que “Se a infração disciplinar constituir simultaneamente infração criminal para a qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, o procedimento disciplinar apenas prescreve após o decurso deste último prazo”.

5 - “O ilícito disciplinar não é um minus, mas um alliud relativamente ao ilícito criminal.
No entanto, sendo assumidamente mais rigorosa e exigente a prova obtida em sede criminal, naturalmente que não colide com a referida autonomia, o facto de, em sede administrativa, se ater como boa a prova obtida em sede criminal.
Assim, apesar da afirmada autonomia entre os dois processos, a decisão disciplinar não pode deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada julgou provados e que são também objeto de apreciação no processo disciplinar.
A decisão criminal proferida, transitado em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, podendo, contudo, a Administração proceder a uma qualificação jurídica diversa dos mesmos, à luz do direito administrativo disciplinar.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.
Recorrido 1:CAAJ
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I Relatório

D., no âmbito da Ação Administrativa intentada contra a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, tendente, em síntese, a impugnar a decisão por esta proferida a 27/03/2018, que lhe aplicou a sanção disciplinar de interdição definitiva do exercício da atividade profissional de agente de execução, inconformado com a Sentença proferida em 30 de março de 2021, através do qual a ação foi julgada “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/D. nas suas alegações de recurso, apresentadas em 17 de maio de 2021, as seguintes conclusões:

“1. A decisão recorrida enferma de um desvio processual suscetível de gerar ou influir no exame e na decisão da causa, designadamente por violação do princípio do contraditório decorrente do n.º 3, do art.º 3.º, do CPC, o que conduz à nulidade da decisão recorrida.
2. O Recorrente só com a notificação da sentença proferida teve conhecimento da dispensa da audiência prévia a que alude o art.º 87.º B, do CPTA, pelo que o presente recurso jurisdicional interposto dessa sentença é o meio adequado para reagir contra essa nulidade.
3. Aliás, o despacho a dispensar a realização da audiência prévia, proferido no próprio relatório da sentença, é contrário ao despacho anteriormente proferido, de 18.03.2019, proferido 2 anos antes, no qual se defere a realização da audiência prévia, tendo em conta a oposição manifestada pelo Requerente à sua dispensa, por entender ser necessária e imprescindível à boa decisão da causa.
4. O Tribunal não só omitiu a prolação do despacho de dispensa da audiência prévia no tempo devido, como privou as partes de se pronunciarem e de requererem a realização da audiência prévia potestativa, prevista no art.º 87.º - B, n.º 3, do CPTA.
5. Pelo que, estamos perante uma nulidade processual, por estar coberta por decisão judicial, traduzida na omissão de um ato processual devido (omissão do despacho de dispensa da realização da audiência prévia), em tempo processualmente útil e adequado, que assegure o contraditório às partes sobre a diferente tramitação da causa e o uso de poderem requerer a realização da audiência prévia, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 3 do CPTA.
6. Pelo exposto, a decisão final de mérito em saneador-sentença, com dispensa de audiência prévia, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso, implicando a revogação da decisão que dispensou a convocação da audiência prévia e, consequentemente, a nulidade dos atos praticados subsequentemente a tal decisão e que da mesma dependam em absoluto, ou seja, in casu a sentença (saneador/sentença). Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio, caso assim não se entendesse;
7. A decisão recorrida enferma de erro de julgamento, em matéria de direito, fazendo uma errada aplicação da lei e orientação jurisprudências.
8. O entendimento do Tribunal a quo plasmado na decisão recorrida que entendeu que ainda não havido findado o prazo de prescrição do procedimento disciplinar previsto nos artigos 135.º, n.º 2, do ECS e do artigo 184.º do EOSAE, sem atender à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), esvazia por completo o preceituado no art.º 178.º da LGTFP.
9. De acordo com os artigos 181.º e seguintes do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), o procedimento disciplinar não se cinge à enunciação dos princípios orientadores do poder disciplinar.
10. É contrária à lei, a interpretação dos artsº 135.º ECS e art.º 184.º EOSAE isoladamente sem a aplicação do art.º 178.º da LGTFP, por remissão do art.º 189.º do EOSAE, no sentido de que considerar que o prazo de prescrição do processo disciplinar de 10 anos, sem se atender ao prazo máximo de 18 meses para a conclusão do procedimento disciplinar, estipulado no art.º 178.º, n.º 5, do LGTFP.
11. No presente caso, o prazo de 18 meses foi largamente ultrapassado, dado que o acórdão referente ao Processo n.º 15847/09.4TDPRT, transitou em julgado em 18/03/2016 e, apenas e só, em 27/02/2018, a Recorrida, notifica o Recorrente, da decisão final do procedimento disciplinar.
12. Pelo exposto, o procedimento disciplinar nº 59/2012 mostra-se assim prescrito nos termos dos artsº 135.º ECS e art.º 184.º EOSAE, conjugado com o artigo 178º, n.ºs 5 e 6, da LTFP, e extinta a responsabilidade disciplinar do arguido, no que concerne à sua conduta no âmbito do processo judicial em referência. Sem prescindir,
13. É igualmente inequívoco que a decisão do Tribunal a quo enferma em erro de julgamento, fazendo uma errada aplicação da lei e orientações jurisprudenciais, quando na sentença recorrida concluiu que a Recorrida não violou os direitos de defesa do Autor ao não proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido, aqui Recorrente, no processo disciplinar que lhe foi instaurado, fazendo uma errada interpretação dos arts.º 168.º do ECS e 204.º EOSAE.
14. No caso concreto, ao ser omitida a inquirição das testemunhas arroladas pelo Recorrente, arguido no processo disciplinar, foi violada uma das fases obrigatórias e essenciais do processo disciplinar, estipulado pelos normativos supra descritos, a fase de defesa do arguido.
15. Pelo que a Recorrida violou gravemente o princípio do dever legal de defesa dos direitos do Autor, bem como o princípio da igualdade e proporcionalidade que encontram acolhimento no art.º 268.º, n.º 3, da CRP.
16. A omissão da inquirição de testemunhas requerida pelo Recorrente, arguido no processo disciplinar n.º 59/2012, deve ser apreciada, em conjugação com os arts. 168.º do ECS e posterior art.º 204.º do EOSAE, à luz da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06, nomeadamente no seu art. 218.º, no qual estatui que o instrutor pode recusar diligências de prova requeridas pelo arguido, porém, para indeferir o requerimento de prova apresentado pelo arguido, teria de proferir despacho fundamentado, com enunciação das razões pelas quais as diligências de prova requeridas sejam reputadas de impertinentes e desnecessárias, o que não aconteceu no presente caso.
17. O instrutor, in casu, aceitou a inquirição das testemunhas, notificando a mandatária do arguido para indicar os factos pelos quais as testemunhas deviam ser inquiridas, considerando, desta forma, que a diligência instrutória de produção da prova testemunhal se revelava pertinente e necessária para a boa decisão e apreciação do processo.
18. Apenas no relatório final do procedimento disciplinar, a Recorrida, para corrigir um alegado “lapso” ao referir que o arguido não indicou os factos pelos quais as testemunhas deviam ser inquiridas, quando o mesmo não correspondia à verdade dos factos, alega, pela primeira vez, que a audição das testemunhas se mostra desnecessária atenta a factualidade em discussão e os elementos de prova carregados para os autos de procedimento disciplinar.
19. A não inquirição da prova testemunhal arrolada pelo Recorrente, sem apontar qualquer fundamento, equivale à falta de demonstração da materialidade fática que o Recorrente propunha em sua defesa, incorrendo, desta forma, a entidade, aqui Recorrida, em vício de violação de lei como omissão de diligência legalmente devida.
20. Pelo supra exposto, estamos perante uma nulidade do procedimento disciplinar, por ofensa ao conteúdo de um direito fundamental de defesa, o que traduz na nulidade insuprível, conducente à anulação do ato que puniu o Recorrente com a pena de Interdição definitiva do exercício da atividade profissional.
21. A decisão recorrida traduz-se numa interpretação abusiva e que vai contra os elementares princípios de direito sancionatório, como seja, mormente, o princípio do contraditório.
22. A decisão recorrida ao considerar que não existe qualquer nulidade, enferma em evidente erro jurídico, ao conceber o direito disciplinar como um mero "processo de partes", pondo de lado o princípio da legalidade e bem assim a necessidade de melhor apurar as circunstâncias que determinaram a prática desses factos, as quais se revelam de especial importância, mormente para a correta escolha e determinação do tipo e medida da pena a aplicar.
23. A decisão recorrida enferma numa errada aplicação das orientações jurisprudenciais, uma vez que, a temática da necessária pronúncia do instrutor sobre o pedido de realização das diligências de prova requeridas pelo arguido, em sede disciplinar, tem assumido, coerente e uniforme Doutrina e igual Jurisprudência dos Tribunais Superiores, defendendo que o instrutor só pode recusar a inquirição das testemunhas de defesa arroladas pelo arguido na resposta à acusação, se considerar os respetivos depoimentos patentemente dilatórios (cf. desnecessários) ou impertinentes, o que deve fundamentar por escrito, não preenchendo esse requisito a mera afirmação de que a matéria da acusação está suficientemente provada.
24. In casu, o Recorrente (arguido no processo disciplinar em causa) pretendia, através da inquirição das testemunhas que arrolou e cuja inquirição a Requerida omitiu, demonstrar factos que até então não tinham sido levados em conta, permitindo, dessa forma, a alteração da decisão que viesse a ser tomada, fosse ao nível da natureza da sanção ou do menor grau de intensidade da atuação que lhe foi imputado.
25. A concretização do direito de defesa do arguido, aqui Recorrente, e a necessidade de descoberta da verdade dos factos, impunha que aquela diligência instrutória de inquirição das testemunhas arroladas pelo Recorrente tivesse tido lugar.
26. Pelo que, se poderá conclui, que foi indevidamente recusada por parte da Recorrida, a produção de prova testemunhal apresentada pelo Recorrente, redundando essa omissão em nulidade do processo disciplinar e da decisão de aplicação de sanção.
27. Pelo supra exposto, deve ser declarada a nulidade do processo disciplinar e, consequentemente, a da própria decisão disciplinar de aplicação da sanção de interdição definitiva de exercício da atividade profissional.
Face ao exposto sempre com o mui respeito que é devido, deverá ser julgado procedente por provado o presente Recurso de Apelação, revogando-se a sentença do tribunal ad quo, condenando o Recorrido no pedido, com as demais consequências, fazendo assim inteira e sã Justiça!”

A aqui Recorrida/Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 27 de junho de 2021, concluindo:

“A. Vem o Recorrente invocar a violação do contraditório, por ter sido dispensada a realização de audiência prévia sem terem sido ouvidas as partes. Alega ainda que o despacho em causa é contrário a outro anteriormente emitido, em 18.3.2019.
B. Como consta do despacho impugnado, o regime legal atualmente vigente, desde novembro de 2019, retira toda a razão ao que vem invocado pelo Recorrente.
C. O artigo 87º-B do CPTA foi alterado, pela Lei nº 118/2019, de 16 de Novembro, passando a prescrever o seu nº 2 que o juiz pode dispensar a realização de audiência prévia quando esta se destine apenas ao fim previsto na alínea b) do nº 1 do artigo anterior.
D. Adere-se ao decidido: “além de não ter sido realizada qualquer diligência instrutória, para além da junção do Processo Administrativo instrutor, já foi a causa suficientemente debatida pelas partes nos articulados, pelo que, por apelo ao dever de gestão processual e ao princípio da adequação formal do processo, se revelaria de absolutamente inútil a realização da audiência prévia”.
E. Ainda que assim não fosse, a audição das partes não modificaria o ato, dada a desnecessidade de realização de audiência prévia, pelo que a sua realização sempre se traduziria em ato inútil, o que seria suficiente para transformar qualquer ilegalidade em mera irregularidade.
F. Invocou o Recorrente a prescrição do procedimento disciplinar, ao abrigo do disposto no art. 135.º do então vigente Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
G. Ao caso, porém, é aplicável o disposto no n.º 2 do art. 135.º, 2 – “As infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o processo criminal, quando este for superior”.
H. Altera agora o Recorrente a sua posição, numa fase processual em que tal não se mostra possível, passando a considerar aplicável ao caso o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, que, por conter um prazo geral de prescrição de 5 anos, sempre seria lei menos favorável, prevalecendo, pois, a lei vigente na data da prática das infrações.
I. De facto, a atual invocação da violação do artigo 178.º, n.º 5 do EOSAE é questão nova e, como tal, a não poder ser objeto de recurso, que se destina a reapreciação do decidido (ou da omissão de pronúncia). Desde logo porque não foi objeto de anteriores contraditório e decisão.
J. Ainda que assim não fosse, o regime aplicável é o que consta do então vigente Estatuto Câmara dos Solicitadores. Ora, não pode agora o Recorrente aplicar umas vezes este regime e outras o regime do EOSAE, consoante as regras isoladas que em cada um deles se mostram mais favoráveis à sua tese.
K. Ademais, o art. 178.º da LTFP não é aplicável enquanto direito subsidiário, pois o EOSAE tem regra especifica sobre a prescrição – ao art. 184.º - norma que é autossuficiente, prevendo os prazos de prescrição a que se encontra submetido o processo disciplinar instaurado a agentes de execução.
L. Em qualquer caso, o prazo de conclusão da não tem natureza imperativa mas antes ordenadora.
M. As testemunhas indicadas pelo Recorrente não foram ouvidas por se ter considerado que tal audição se mostrava desnecessária, em face dos factos imputados àquele e à prova documental já existente no processo, o que apenas poderá ser compreendido em face dos factos que lhe foram imputados no processo disciplinar.
N. E cabia ao Recorrente invocar e provar que a audição da prova testemunhal por si indicada seria de tal modo relevante que poderia alterar a decisão sancionatória, pois só então a não audição poderia ser considerada como violadora do seu direito de defesa, o que não fez.
O. E é falso que a não audição de testemunhas não haja sido justificada.
P. Por outro lado, as condutas do Recorrente foram já provadas e sancionadas como crimes de falsificação e peculato e a decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, Termos em que o presente recurso deve improceder, mantendo-se a decisão impugnada.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido, por despacho de 29 de junho de 2021.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 5 de agosto de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Há que apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, que entende que a Sentença Recorrida enferma, nomeadamente, de erro de julgamento, em matéria de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:

“A) A 16/12/2012, e na sequência de uma participação, a Comissão para a Eficácia das Execuções deliberou instaurar um processo disciplinar contra o Autor, por factos ocorridos no âmbito do processo judicial que correu termos sob o nº 17/02.0TACVL-A, no ano de 2008 e seguintes (cf. fls. 1 e seguintes do PA);
B) O processo disciplinar referido em A) foi autuado sob o nº 59/2012 (cf. idem);
C) A 26/06/2012, o 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda comunicou à Comissão para a Eficácia das Execuções, junto da Ré, a sentença proferida no âmbito do processo nº 198/10.0TAGRD, que condenou o Autor pelo crime de falsificação de documento, por factos ocorridos no ano de 2009, a qual foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e que aqui se dá por integralmente reproduzida (cf. fls. 322 e seguintes do PA);
D) A 29/05/2013, o Departamento de Investigação e de Ação Penal do Porto comunicou à Ré o despacho de arquivamento do processo que correu termos sob o nº 15847/09.4TDPRT (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 2);
E) A 06/11/2014, a Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto comunicou ao Conselho Regional do Sul da Câmara dos Solicitadores a decisão proferida no âmbito do processo nº 15847/09.4TDPRT, por factos ocorridos em Junho de 2008, que condenou o Autor pela prática do crime designado de peculato, decisão parcialmente confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, e que aqui se dá por integralmente reproduzida (cf. fls. 1365 e seguintes do PA);
F) A 27/01/2017, a Ré proferiu despacho de acusação contra o Autor no âmbito do processo disciplinar nº 59/2012, por factos ocorridos nos anos de 2008 em diante, e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 1579 e seguintes do PA);
G) A 03/02/2017, e através do ofício C-124/2017, a Ré comunicou ao Autor o despacho de acusação proferido, mais o informando, designadamente, do seguinte:
“(…) 1. No prazo de vinte (20) dias a contar da data de receção do presente ofício poderá, querendo, exercer o seu direito de defesa;
2. A defesa é subscrita pelo arguido(a) ou por mandatário judicial devidamente constituído para o efeito, devendo expor de forma clara e concisa os factos e as razões que a fundamentam. (…) 4. Na defesa pode, querendo, juntar documentos, arrolar testemunhas, não superior a
3 (três) por cada facto, e requerer quaisquer diligências que podem ser recusadas quando sejam manifestamente impertinentes ou desnecessárias. (…)” (cf. fls. 1586 do PA);
H) A 25/02/2017, o Autor remeteu à Ré, por via de correio eletrónico, a sua defesa escrita, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cf. fls. 1598 e seguintes do PA);
I) A 07/03/2017, e através do ofício C-320/2017, a Ré comunicou ao Autor o seguinte:
“(…) 1. Foi recebida a sua resposta no dia 07/03/2017.
2. Na mesma foi junta prova testemunhal ora em momento algum foram retidos os pontos da matéria de facto aos quais a testemunha deverá ser inquirida e a sua morada.
3. Sob pena de indeferimento as testemunhas não deverão ser mais de dez (10) e no máximo de três (3) para cada facto, nos termos do disposto no nº 2 e 3 do artigo 168.º do ECS, e do n.º 1 e 3 do artigo 49.º do Regulamento Disciplinar da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Regulamento n.º 91/2007, de 24 de Maio (publicado na 2.ª Série do Diário da República).
4. Requer assim que sejam indicados os pontos da matéria de facto aos quais as testemunhas deverão ser inquiridas e sua respetiva morada, no prazo de 10 (dez) dias úteis contados da data de receção da presente notificação.” (cf. fls. 1593 do PA);
J) A 20/03/2017, o Autor remeteu missiva à Ré, procedendo à indicação dos factos aos quais deveriam ser inquiridas as testemunhas por si arroladas no exercício do direito de defesa (cf. fls. 1825 e seguintes);
K) A 27/02/2018, a equipa instrutora designada pela Ré elaborou o relatório final no âmbito do processo disciplinar nº 59/2012, e do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…) II – Ponto Prévio. Até à elaboração da acusação, o presente processo disciplinar esteve suspenso, nos termos da alínea a), do n.º 3 do artigo 135.º, do ECS tendo estado a aguardar as sentenças proferidas no âmbito dos processos crimes n.ºs 15847/09.4TDPRT e 198/10.0TAGRD. No entanto, por já não se considerar necessário para o apuramento da verdade nos presentes autos disciplinares estarem a aguardar a conclusão dos referidos processos crimes, e atendendo à circunstância dos factos constantes dos processos se revelarem suficientes, os presentes autos prosseguem para a fase subsequente, pelo que se procede à apresentação do presente relatório final. No dia 25/02/2017 o arguido apresentou defesa na qual requeria a inquirição de seis (6) testemunhas, foi-lhe solicitado através de ofício n.º C-321/2017 de 07/03/2017 «Sob pena de indeferimento as testemunhas não deverão ser mais de dez (10) e no máximo de três (3) para cada facto, nos termos do disposto no n.º 2 e 3 do artigo 168.º do ECS, e do n.º 1 e 3 do artigo 49.º do Regulamento Disciplinar da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Regulamento n.º 91/2007, de 24 de Maio (publicado na 2.ª Série do Diário da República). Requer assim que sejam indicados os pontos da matéria de facto aos quais as testemunhas deverão ser inquiridas e sua respetiva morada, no prazo de 10 (dez) dias úteis contados da data da receção da presente notificação». Assim, nos termos do artigo 218.º, LTFP, por não ter indicado os pontos da matéria de facto aos quais as testemunhas deveriam responder, bem como, os factos já se encontram suficientemente provados através da prova documental produzida, por não ser útil ao apuramento da verdade, indefere-se a inquirição das testemunhas requerida pelo arguido.
III – Dos Factos Provados. (…) Atentos os factos carreados à instrução do presente processo disciplinar, e finda a fase de defesa do(a) arguido(a), consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a boa decisão da causa: 1. O agente de execução D., ora arguido, é titular da Cédula Profissional n.º 3629, com domicílio profissional registado no sítio da internet da Câmara dos Solicitadores e do Colégio de Especialidade de Agentes de Execução sito na Rua Santos Pousada, n.º 441, Sala 4-F, 4000-486 Porto. 2. No exercício da sua função, o arguido era titular das seguintes contas bancárias sedeadas no Banco Millennium BCP: - Conta bancária n.º (...) conta-cliente; - Conta bancária n.º (…) conta-cliente; - Conta bancária n.º (…) conta-cliente; - Conta bancária n.º (…) conta-cliente exequente; - Conta bancária n.º (…) conta-cliente exequente; - Conta bancária n.º (…) conta-cliente exequente; 3. O arguido exerce funções de agente de execução até à presente data. Compulsados os autos, atentos os factos recolhidos pela instrução do presente processo disciplinar, considera-se existirem fortes indícios de que:
Da atuação do arguido no âmbito do Processo Judicial n.º5/04.2TBGRD-F: 4. No dia 16/02/2008, o Agente de Execução arguido foi nomeado para o processo executivo supra identificado de execução comum para pagamento de quantia certa, autuado sob o n.º 5/04.2TBGRD-F, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, 2.º Juízo(…). 5. O AE arguido lavrou auto de citação do executado. 6. Desse documento decorria que no dia 08/09/2009, pelas 14:00h, na Rua (…), o AE deixou aviso com a indicação para a citação com dia e hora certo, ficando consignado que a diligência seria realizada no dia 09/09/2009, pelas 14:00horas, conforme certidão lavrada autonomamente. 7. Também ali se deixou consignado que a citação foi efetuada mediante afixação na morada supra referida de nota de citação com a indicação de que o duplicado e os documentos anexos ficavam à disposição do executado na secretaria judicial, tendo indicado como testemunhas certificando a validade do ato, os seus colaboradores que assinaram tal documento. 8. No item 12 daquele documento «observações», o AE arguido consignou que «apurou no local, junto de vizinhos a efetiva residência do citando». 9. O executado já há cerca de quatro anos que não residia naquele local, encontrando-se desde essa data em Angola, donde nunca regressou. 10. Aquando da realização da citação o AE arguido alegou que tinha recolhido informações junto de vizinhos daquele, para confirmar a morada em causa. 11. O AE arguido alegou que as pessoas em causa eram vizinhas do executado, mas que não se quiseram identificar. 12. Na citação do executado estiveram presentes dois colaboradores do AE arguido. 13. O AE arguido sabia que estava a criar um documento para fazer fé em juízo. 14. Os vizinhos do executado sabiam que aquele já não residia no local. 15. Em diversos outros processos judiciais eram notórias as dificuldades de citação e/ou notificação do executado. 16. Apesar do AE arguido ter garantido que apurou junto de vizinhos que o executado residia naquele local, a realidade é que não tendo procedido à identificação dessas pessoas, a veracidade das declarações do AE arguido é falsa.
Das movimentações irregulares verificadas nas contas-clientes do arguido – Deliberação n.º 545/2014: 17. Na sequência da ação de fiscalização extraordinária no escritório do AE arguido foram analisados aleatoriamente alguns processos judiciais que se encontravam na posse daquele. 18. Para o desempenho da sua atividade o AE arguido, por imposição legal, tem que proceder à abertura de uma conta denominada «conta-cliente», a qual tem por fim o depósito de todo o dinheiro ou valores penhorados que sirvam para pagamento das quantias exequendas, o que sucede in casu. 19. O arguido, enquanto solicitador de execução e no âmbito dos processos executivos, atua na qualidade de oficial público. 20. Enquanto solicitador, o arguido «sob fiscalização da Câmara e na dependência funcional do juiz da causa, exerce as competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe forem atribuídas por lei». 21. Enquanto solicitador encontrava-se obrigado a ser titular de conta bancária denominada «conta cliente». 22. Todas as quantias recebidas no âmbito de processos de execução, não destinadas ao pagamento de tarifas liquidadas, têm que ser depositadas na conta-cliente de solicitador de execução. 23. As quantias depositadas em conta-cliente não constituem património próprio do solicitador. 24. Encontra-se vedado ao solicitado de execução a possibilidade de qualquer movimentação da conta-cliente dissociada dos processos judiciais a que respeita. 25. À data dos factos os juros creditados pelas instituições de crédito resultantes das quantias depositadas na conta-cliente de solicitador de execução eram entregues proporcionalmente aos terceiros que a eles tenham direito. 26. Entre Janeiro e Junho de 2008, o AE arguido transferiu certa de 1.500,000,00€, proveniente da conta-cliente, para a sua conta pessoal, tendo-os utilizado em diversos produtos e/ou aplicações financeiras, em seu próprio nome e benefício. 27. O valor em causa encontrava-se provisionado na conta-cliente. 28. O AE arguido obteve um ganho pessoal de 37.152,13€, em virtude dessas aplicações, a título de juros. 29. No dia 06/06/2008 o AE arguido repôs o montante na conta-cliente, após a notificação da ação de fiscalização, a realizar pela Câmara dos Solicitadores. 30. Entre Janeiro e o dia 6 de Junho de 2008, isto é, entre a data em que se iniciaram as transferências da «conta-cliente» para a conta pessoal que perfizeram 1.500.000€ e a data em que esse valor foi reposto na conta originária, o AE arguido realizou na conta pessoal diversas aplicações financeiras, reportando-se todas elas a depósitos a prazo cuja remuneração se encontrava indexada à cativação de determinada quantia. 31. Com a sua conduta, o AE arguido utilizou em benefício próprio os dinheiros que sabia pertencerem em parte aos exequentes, os quais lhe foram entregues, entraram na sua posse e lhe eram acessíveis em razão das suas funções de agente de execução, utilizando-os para fins alheios àqueles a que se destinavam. 32. Atuou com a intenção de utilizar as quantias pertencentes aos exequentes, em benefício próprio e de se apropriar dos rendimentos obtidos com as mesmas, bem sabendo que tais quantias não lhe pertenciam na totalidade, que atuava contra a vontade dos seus legítimos proprietários, bem como contra as regras deontológicas a que se encontrava adstrito. 33. A reposição efetuada pelo arguido foi apenas do capital inicial, locupletando-se com os montantes dos juros resultantes das aplicações financeiras, entretanto vencidas, com prejuízo dos terceiros que a eles teriam direito.
Da movimentação irregular de quantias: 34. O Agente de Execução arguido recebeu vários requerimentos executivos, para dar início a execuções comuns para pagamento de quantias certas, representando o exequente Banco Credibom, S.A. (litigante em massa). 35. No dia 05/08/2014 o AE arguido enviou uma carta ao exequente para que este procedesse ao pagamento de montantes alegadamente em dívida. 36. O valor em causa deveria ser transferido para a conta com o NIB n.º (…). A conta não correspondia a nenhuma das que o AE arguido era titular no exercício da sua atividade profissional, mas correspondia a uma conta pessoal.
Da autuação do arguido no âmbito do Processo Judicial n.º 10608/06.5TBVNG: 38. No dia 05/12/2006 o Agente de Execução arguido foi nomeado para o processo executivo supra identificado, para dar início à execução comum para pagamento de quantia certa, autuado sob o n.º 10608/06.5TBVNG, a correr termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, no 4.º Juízo de Execução, em que era exequente M. e executados S. e outros. 39. A M. era uma entidade que administrava os bens da exequente e consequentemente quem recebia os montantes penhorados. 40. No entanto, a exequente cessou a sua colaboração com esta empresa. 41. No dia 18/01/2013 a exequente comunicou aos autos esta alteração dando conta que os montantes penhorados deveriam ser remetidos para um novo NIB, que de imediato indicou. 42. No dia 06/08/2014 o AE arguido notificou a mandatária da exequente para que esta indicasse o NIB para efeitos de adjudicação da penhora do vencimento da executada. 43. A mandatária da exequente prestou novamente essa informação ao AE. 44. No dia 18/09/2014 o AE arguido emitiu IUP com o NIB da M., procedendo à transferência de 1.600,00€ para aquela entidade. 45. O AE arguido tendo sido confrontado com esse erro informou que deveria ser a exequente a tentar obter o montante junto da entidade que recebeu o valor incorretamente. 46. Até à data da participação disciplinar a exequente não tinha recuperado a quantia em causa. Deste modo, 47. O arguido não movimentou de forma regular as contas-clientes por si tituladas. 48. O arguido apropriou-se de quantias pecuniárias que eram devidas aos exequentes. 49. O arguido não praticou diligentemente os atos processuais de que estava incumbido. 50. O arguido não prestou contas da atividade realizada e não entregou prontamente as quantias, objetos ou documentos de que era detentor por causa da sua atuação como agente de execução. 51. O arguido não manteve as contas-clientes segundo o ECS e o modelo e regras aprovados pela Câmara. 52. O arguido usou indevidamente as quantias provenientes das contas-cliente. 53. O arguido não prestou os esclarecimentos que lhe foram solicitados pelo tribunal. 54. O arguido usou de meios e de expedientes ilegais, violando por ação ou omissão os deveres consagrados no estatuto, nas demais disposições legais aplicáveis e nos regulamentos internos. 55. O arguido praticou atos próprios da sua qualidade Agente de Execução sem que para tal tenha sido designado, excedendo o âmbito da sua competência e usando meios ou expedientes ilegais ou desproporcionados. IV – Prova. A prova documental é toda a constante dos presentes autos de processo disciplinar, a qual aqui se dá por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
V – Defesa do Arguido. Veio em sua defesa o arguido alegar: (…). Da apreciação da defesa deduzida: Analisada a defesa do arguido, entendemos que a mesma é totalmente improcedente. (…) Relativamente à atuação do arguido no âmbito do processo judicial nº 5/04.2TBGRD-F, o arguido já foi no processo nº 198/10.0TAGRD julgado e condenado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, o poder jurisdicional e disciplinar são autónomos entre si. A CAAJ é competente para exercer o poder disciplinar sobre os agentes de execução quanto a factos por estes praticados no exercício das suas funções já o tribunal criminal analisou a matéria criminal, aplicando-se penas autónomas e distintas. Quanto à alegada prescrição nos termos do n.º 1 do artigo 135.º do ECS, a CAAJ tomou conhecimento efetivamente dos factos no dia 09/08/2014 com a deliberação n.º 454/2014. Por conseguinte, deverão considerar-se prescritos, e extinta a responsabilidade disciplinar do arguido, no que concerne à sua conduta no âmbito do processo judicial em referência. Sem conceder, sempre se dirá que em relação ao facto de o arguido não ter apresentado queixa-crime pelo crime de falsidade de depoimento, contra a principal testemunha do processo n.º 198/10.0TACBR e também executada no referido processo executivo n.º 5/04.2TBGRD e a mesma ter vindo a ser condenada, em nada altera os factos praticados pelo aqui arguido que estão a ser objeto de análise. O argumento ainda apresentado de que o processo executivo n.º 5/04.2TBGRD-F, se encontrar extinto por integral pagamento da dívida exequenda, incluindo o pagamento dos honorários e despesas do AE, aqui arguido, não extingue a responsabilidade disciplinar do mesmo. No que tange as contas clientes o alegado pelo aqui arguido, operações bancárias e pertença de dinheiro, bem como o alegado sobre a movimentação irregular de quantias, serem processos findos ou delegados não é fundamento para a violação do disposto no n.º 4 do artigo 124.º do ECS quando diz: «é obrigatório o registo informático de todos os movimentos das contas-clientes do agente de execução efetuados no âmbito de cada processo, devendo ser observadas as demais normas e procedimentos definidos em regulamento aprovado pelo Conselho Geral» incorrendo na infração prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 131.º-A, do ECS (com redação atual nos artigos 171.º, 181.º, do EOSAE). No que concerne ao alegado «lapso» informático no âmbito do processo 10608/06.5TBVNG o mesmo não pode ser aceite. Pois, no dia 18/01/2013 a mandatária da exequente comunicou aos autos a alteração de NIB vindo novamente, e em resposta ao arguido, no dia 9/09/2014 remeter para o seu despacho do dia 18/01/2013. O arguido deveria ter verificado o NIB antes de ter procedido à transferência, não praticando assim diligentemente os atos processuais de que estava incumbido. Relativamente aos restantes factos o arguido vem impugná-los de forma genérica sem sustentação de prova material, sendo dada como improcedente por não provada. (…)
VI – Dos deveres violados do concurso das infrações praticadas e da sanção disciplinar. Atendendo aos factos acima elencados e à prova produzida nos presentes autos, na determinação da responsabilidade disciplinar do AE arguido há que atentar que a prática dos factos mencionados na parte III do presente relatório verifica que o agente de execução, ora arguido, com a sua conduta cometeu (6) seis infrações, o que conduz a uma situação de concurso de infrações, a saber: A) «Praticar diligentemente os atos processuais de que esteja incumbido, com observância escrupulosa dos prazos legais ou judicialmente fixados» (alínea a) n.º 1 do artigo 123.º do ECS, a que corresponde atualmente o vertido na alínea a), do n.º 1, do artigo 168.º do EOSAE). Da factualidade vertida nos pontos 42.º a 46.º da parte III do presente relatório final resulta que o arguido não praticou diligentemente os atos processuais de que estava incumbido. Nos artigos supramencionados o arguido demonstrou uma sistemática inércia processual, atuando de forma demorada sem razões processuais que justifiquem os sucessivos atrasos. Ao agir conforme descrito o arguido violou o dever supra mencionado, incorrendo na infração disciplinar prevista no n.º 1, do artigo 133.º do ECS que estatui que «Constitui infração disciplinar a violação, por acção ou omissão, dos deveres consagrados no presente estatuto, nas demais disposições legais aplicáveis e nos regulamentos internos», a que corresponde atualmente o vertido no n.º 1 do artigo 180.º e n.º 1 do artigo 181.º, ambos do EOSAE. B) «Falta de provisão ou Irregularidade na Conta-clientes» (n.º 1 do artigo 125.º e n.º 1 do 133.º do ECS, Regulamentos n.º 201/2007, de 16 de Agosto, e n.º 386/2012, de 30 de Agosto, a que corresponde atualmente o vertido nos artigos 171.º, 172.º e 181.º, do EOSAE). Da factualidade vertida nos pontos 25.º a 33.º da parte III do presente relatório final, resulta que o arguido transferiu cerca de 1.500.000,00€ provenientes da conta-clientes, para sua conta pessoal, tendo-os utilizado em diversos produtos e/ou aplicações financeiras. Obteve um ganho pessoal de 37.152,13€. Da factualidade vertida nos pontos 35.º a 37.º da parte III do presente relatório, resulta que o arguido tentou receber pagamentos para uma conta pessoal, não autorizada estatutariamente, quando já se encontrava suspenso preventivamente. Ao agir conforme descrito o arguido violou o dever supra mencionado, incorrendo na infração prevista no n.º 1, do artigo 133.º do ECS que estatui que «Constitui infração disciplinar a violação, por ação ou omissão, dos deveres consagrados no presente estatuto, nas demais disposições legais aplicáveis e nos regulamentos internos», a que corresponde atualmente o vertido no n.º 1 do artigo 180.º e n.º 1 do artigo 181.º, ambos do EOSAE. C) «Não ter contabilidade organizada nem manter as contas-clientes segundo o ECS e demais legislação aplicável» (alínea e), do n.º 2, do artigo 131.º-A e n.º 4 do artigo 124.º, do ECS, a que corresponde o vertido nos artigos 171.º e 172.º, do EOSAE). Da factualidade vertida nos pontos 25.º a 33.º da parte III do presente relatório final, resulta que, o arguido movimentou as contas-clientes de forma irregular, nomeadamente com a utilização das quantias pertencentes aos processos em proveito próprio. Da factualidade vertida nos pontos 35.º a 37.º da parte III do presente relatório final, resulta que, o arguido não tinha intenção de utilizar as contas autorizadas para receber pagamentos referentes aos processos judiciais, pretendendo eximir à organização a sua contabilidade conforme estabelece o Estatuto. Ao agir conforme descrito o arguido violou o dever supra mencionado, incorrendo na infração disciplinar prevista no n.º 1, do artigo 133.º do ECS que estatui que «Constitui infração disciplinar a violação, por ação ou omissão, dos deveres consagrados no presente estatuto, nas demais disposições legais aplicáveis e nos regulamentos internos», a que corresponde atualmente o vertido no n.º 1 do artigo 168.º e n.º 1 do artigo 181.º, ambos do EOSAE.
VII – Da ilicitude e da culpa. Ao atuar nos termos supra descritos, o arguido atuou de forma ilícita e acresce o facto de não se verificar nenhuma das causas de exclusão da ilicitude previstas na nossa ordem jurídica (cf. n.º 1 do artigo 31.º do Código Penal ex vi artigo 141.º do ECS), e atuou de forma culposa, na medida em que não se encontra igualmente verificada nenhuma das causas de exclusão da culpa previstas na ordem jurídica (cf. artigo 148.º do ECS) que possam influir na presente proposta de aplicação de sanção disciplinar. As referidas condutas são imputáveis ao arguido, uma vez que não existem factos que permitam duvidar da sua imputabilidade, consciência da ilicitude e capacidade de determinação pela norma jurídica. Ao atuar nos termos supra expostos, o arguido atuou com dolo direto, nos termos da alínea a) do artigo 147.º do ECS e do artigo 13.º e do n.º 1 do artigo 14.º do Código Penal, aplicável ex vi artigo 141.º do ECS. Pese embora o arguido conhecesse as normas que lhe eram aplicáveis no exercício da sua função como agente de execução, em especial as normas relativas à movimentação a débito das quantias detidas por conta do exercício da sua função a título de levantamento de honorários, e as normas relativas à utilização das contas cliente, optou antes por livremente movimentar essas quantias de forma ilícita, bem sabendo que tais condutas não lhe eram permitidas e constituíam ilícito disciplinar.
VIII – Das circunstâncias agravantes e atenuantes. Na determinação da sanção disciplinar a propor há que considerar a circunstância atenuante, atendendo ao exercício efetivo da solicitadoria, pelo arguido, por período superior a 5 (cinco) anos, sem qualquer sanção disciplinar, de acordo com o vertido na alínea a) do artigo 146.º do ECS (corresponde atualmente vertido na alínea a) do n.º 2 do artigo 191.º do EOSAE). Verifica-se ainda preenchida a circunstância agravante de acumulação de infrações, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 147.º do ECS (corresponde atualmente o vertido na alínea d) do n.º 3 do artigo 191.º do EOSAE), na medida em que se verifica o cometimento de quatro infrações no mesmo momento.
IX – Da medida da sanção disciplinar aplicável. Em face do supra exposto, a cada uma das infrações disciplinares praticadas, poderão, em abstrato, ser aplicadas as seguintes sanções disciplinares: a) Pela prática da infração prevista na Alínea A) do ponto VI do presente relatório final, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 123º do ECS, a que corresponde atualmente o vertido na alínea a) do n.º 1 do artigo 168.º do EOSAE uma sanção disciplinar de multa no valor de 1.000,00€ (mil euros), prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 142.º do ECS, conjugado com o n.º 4 do artigo 145.º, ex vi n.º 1 do artigo 131.º-B do mesmo Estatuto (a que corresponde atualmente o vertido na alínea c) do n.º 1 e 4 do artigo 190.º do EOSAE). b) Pela prática das infrações disciplinares descritas nas alíneas b) e c) do ponto VI do presente relatório final uma pena de expulsão, prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 142.º do ECS, conjugado com o n.º 6 do artigo 145.º, ex vi o n.º 1 do artigo 131.º-B do mesmo Estatuto, a que corresponde atualmente a sanção disciplinar de interdição definitiva do exercício da atividade profissional prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 190.º do EOSAE. Mas a punir numa única sanção disciplinar nos termos do artigo 193.º do EOSAE.
X – Proposta. Face ao supra exposto, e atendendo ao tempo, entretanto decorrido, propõe-se o arquivamento parcial do presente processo disciplinar, por extinção da responsabilidade disciplinar do agente de execução no que tange à sua conduta processual no âmbito do processo judicial nº 5/04.2TBGRD-F, atendendo à prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 184.º, do EOSAE (anterior n.º 1 do artigo 135.º do ECS). Atendendo ao grau de gravidade das infrações disciplinares mencionadas considerando a existência de circunstâncias agravantes propõe-se a aplicação da pena de expulsão, prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 142.º do ECS, conjugado com o n.º 6 do artigo 145.º, ex vi o n.º 4 do artigo 131.º-B do mesmo Estatuto, a que corresponde atualmente a sanção disciplinar de interdição definitiva do exercício da atividade profissional prevista no n.º 1, alínea e) do artigo 190.º EOSAE. (…)” (cf. fls. 1826 e seguintes do PA);
L) A 27/03/2018, a Comissão de Disciplina da Ré proferiu despacho de concordância com os fundamentos de facto e de direito constantes do relatório final (cf. idem);
M) A 22/05/2018, por carta registada com aviso de receção, a decisão indicada no ponto anterior foi comunicada ao Autor, tendo o referido aviso sido assinado a 24/05/2018 (cf. fls. 1832 e seguintes do PA);
N) A 04/06/2018, a Ré procedeu à inserção da informação da aplicação da pena de expulsão ao Autor no Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Agentes de Execução (cf. fls. 1839 do PA);
O) Na mesma data, foram bloqueadas a débito as contas-clientes tituladas pelo Autor (cf. fls. 1844 do PA);
P) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 21/06/2018 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).

IV – Do Direito

Vem interposto recurso jurisdicional da Sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 27/03/2018, que julgou totalmente improcedente a Ação interposta pelo aqui Recorrente, na qual se peticionava a anulação da sanção disciplinar de interdição definitiva do exercício da atividade profissional de agente de execução.

Diga-se desde já que que o discurso jurídico fundamentador constante da decisão de 1ª instância se mostra suficiente e adequado ao fim em vista, não merecedor de censura, pela sua completude e rigor.

No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão de 1ª instância:

Da arguida prescrição do procedimento disciplinar:
Começa o Autor por alegar que, de acordo com o previsto na alínea a) do nº 3 do artigo 135º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (doravante abreviadamente ECS, o qual foi revogado pela Lei nº 154/2015, de 14 de Setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, EOSAE), o procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre o conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração, suspendendo-se o referido prazo durante o tempo em que o processo disciplinar estiver suspenso, a aguardar despacho de acusação ou de pronúncia em processo penal. Invoca que, a 29/05/2013, a Ré teve conhecimento do despacho de acusação proferido no processo nº 15847/09.4TDPRT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal – Juiz 14, pelo que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar quanto aos factos aí constantes terminou a 29/05/2016. Pugna, assim, pela extinção da sua responsabilidade disciplinar, no que concerne à sua conduta no âmbito do processo judicial em referência.
Em sede de contestação, veio a Ré defender-se por impugnação. Salvaguarda que, para além do referido processo crime, correu termos contra o Autor também o processo nº 198/10.0TAGRD. Refere que nos aludidos processos foi o Autor condenado pelos crimes de falsificação de documentos e peculato, crimes estes cujo prazo prescricional é de 10 anos.
Conclui, assim, que, de acordo com o previsto no nº 2 do artigo 135º do ECS, o procedimento disciplinar não prescreveu.
(…)
Ora, conforme resulta da factualidade dada como provada, concretamente, nos pontos A) a F), o procedimento disciplinar no qual foi proferida a decisão ora sob escrutínio foi instaurado a 16/12/2012, na sequência de participação para o efeito, e por factos que remontavam a Junho de 2008 e ao ano de 2009. Mais se apurou que os referidos factos foram também alvo de processos-crime, nos quais o aqui Autor surgia arguido, que correram termos sob os nºs 15847/09.4TDPRT e 198/10.0TAGRD, tendo o Autor sido condenado pela prática dos crimes de falsificação de documentos e de peculato.
Ora, de acordo com o prescrito nos artigos 118º, nº 1, alínea b), 257º e 375º, todos do Código Penal, e atenta a formulação do nº 2 do artigo 135º do ECS, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar passa a ser de 10 anos, que não de três.
Note-se, ainda, que à luz do previsto na alínea b) do nº 3 do artigo 135º dos referidos estatutos, o prazo de prescrição do processo disciplinar suspende-se durante o tempo em que o processo disciplinar estiver pendente, a partir da notificação da acusação.
Nestes termos, o prazo de 10 anos teve o seu início em Junho de 2012, momento no qual a Ré tomou conhecimento dos factos suscetíveis de consubstanciar infração disciplinar. Além do mais, a contagem de tal prazo suspendeu-se, por pendência do procedimento disciplinar, após a notificação da decisão de pronúncia no âmbito do Processo nº 15847/09.4TDPRT.
Consequentemente, tendo a decisão final sido prolatada em Março de 2018, e sido dada conhecer ao Autor em Maio desse mesmo ano, resulta claro que ainda não havia findado o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, tal como o previsto no artigo 135º, nº 2, do ECS.
Idêntica conclusão se alcança por via da aplicação do artigo 184º do EOSAE. Face ao que vem de se expor, improcede a arguida extinção do procedimento disciplinar, por prescrição, o que desde já se declara.
Da arguida nulidade da decisão final, por omissão da inquirição das testemunhas arroladas pelo Autor:
Veio o Autor pugnar pela ilegalidade do processo disciplinar no âmbito do qual foi proferida a decisão ora sob escrutínio, por ter ocorrido uma clara e grave violação do seu direito de defesa. Invoca, para tanto, que as testemunhas de defesa por si arroladas, em momento próprio, nunca foram inquiridas, o que configura uma violação do previsto no nº 3 do artigo 204º do EOSAE, e também do consagrado no anterior artigo 168º, nº 2, do ECS, bem assim como do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Peticiona, consequentemente, a revogação do procedimento disciplinar.
Na sua contestação, veio a Ré defender-se por impugnação. Alega, em suma, que as testemunhas indicadas pelo Autor não foram ouvidas por se ter considerado que tal audição se mostrava desnecessária, em face dos factos imputados e a prova documental já carreada para os autos. Invoca que tal diligência probatória tampouco seria até inadmissível, à luz do previsto no nº 2 do artigo 393º do Código Civil. Pugna, a final, pela improcedência do arguido vício.
Desde já se adiante que assiste razão à Ré, no que a esta matéria respeita.
Efetivamente, conforme resulta do probatório coligido, concretamente, dos pontos H) a J), requereu o Autor, no exercício do seu direito de defesa, a realização de diligência instrutória de inquirição de testemunhas. Mais foi dado como assente que, notificado que foi para o efeito, procedeu à indicação dos factos sobre as quais iria incidir a realização da requerida prova.
Ora, compulsado o relatório final, parcialmente transcrito no ponto K) do probatório, resulta cristalino que, não obstante ter a Comissão Instrutora incorrido em lapso, ao referir que o Autor não havia requerido produção de prova testemunhal, o certo é que tratou de fundamentar o porquê da desnecessidade da realização de tal diligência instrutória, atenta a factualidade em discussão e os elementos de prova documental já carreados para os autos de procedimento disciplinar.
A realização de tal diligência instrutória não é obrigatória, à luz das previsões do artigo 168º do ECS e posterior artigo 204º do EOSAE, sempre podendo a mesma ser recusada pelo órgão instrutor, caso se revele de impertinente ou desnecessária para o conhecimento dos factos da responsabilidade do solicitador participado. In casu, tratou a Ré de fundamentar o porquê da recusa da realização de tal prova, sendo que o lapso em que incorre apenas consubstanciaria uma mera irregularidade formal, não suscetível de pôr em crise a validade da decisão impugnada.
Mais se afirme que, conforme tem sido jurisprudência reiterada e uniforme dos tribunais superiores portugueses, a decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares, revelando-se, assim, impertinente a realização de prova testemunhal tendo por intuito abalar tal materialidade.
Neste sentido, vejam-se, a título de mero exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/06/2007, P. 01058/06; e do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 07/04/2017, P. 794/11.8BESNT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso vertente, e conforme supra se viu, os factos imputados ao Autor e que consubstanciam infrações disciplinares foram também alvo de processos-crime, cujas decisões finais de condenação haviam já transitado em julgado. Assim, impunha-se à Ré respeitar o caso julgado material, não podendo esta deixar de atender aos factos ali dados como provados, revelando-se efetivamente de inútil e impertinente, em sede de procedimento disciplinar, a realização de prova testemunhal quanto a essa mesma factualidade.
Do que vem de se expor se conclui que em momento algum violou a Ré os direitos de defesa do Autor, assim improcedendo a arguição de nulidade, o que desde já se declara. Prosseguindo,
Do arguido erro sobre os pressupostos de facto, pela consideração da forma ilícita e culposa do Autor:
Veio ainda o Autor imputar ao ato impugnado o vício de erro sobre os pressupostos de facto. Alega, para tanto, que resultou provado que nas contas-cliente de que é titular nunca existiu falta de provisão, tendo todos os pagamentos sido efetuados atempadamente, e que nunca praticou qualquer irregularidade em tais contas de forma dolosa e consciente, conforme a Ré pretende fazer crer, mas apenas de forma inconsciente. Pugna, a final, pela anulação da decisão final.
Em sede de contestação, veio a Ré afirmar que o que levou ao sancionamento do Autor não foi a existência de mais do que uma conta-cliente, conforme pretende fazer crer, mas antes por ter depositado numa conta bancária pessoal valores de processos judiciais, que não lhe pertenciam, e por ter realizado com tais valores aplicações financeiras em benefício próprio. Argui que o demais alegado pelo Autor é irrelevante, pugnando pela improcedência do arguido vício. Vejamos.
Como é pacífico na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores portugueses, a impugnação contenciosa de sanção disciplinar não constitui uma renovação ou revisão do processo disciplinar, pelo que é pela prova neste produzida que deverá conhecer-se da sua regularidade, da prática das faltas imputadas ao arguido e da qualificação jurídica das apuradas. A averiguação da matéria de facto que a Administração faz em sede de processo disciplinar insere-se naquilo que se costuma designar por “discricionariedade técnica”, sendo insindicável, salvaguardados os casos de erro grosseiro, uso de critérios manifestamente desajustados ou desvio de poder.
No caso presente, em momento algum veio o Autor imputar à decisão sob sindicância qualquer erro palmar ou grosseiro na avaliação da prova carreada aos autos, e na fixação da matéria de facto, limitando-se a impugnar a mesma, e a repetir o por si já arguido aquando do exercício do direito de defesa, em sede de procedimento disciplinar.
Atenta a arguição do Autor, está tal sindicância subtraída aos poderes deste Tribunal, sob pena de violação do princípio de separação de poderes, constitucionalmente consagrado (artigo 2º da CRP).
Mas sempre se sublinha que, conforme já se adiantou supra, no que a matéria de facto dada como assente no procedimento disciplinar diz respeito, pese embora a autonomia deste relativamente aos processos criminais que correram termos, a decisão disciplinar, não pode deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada julgou provados e que são também objeto de apreciação no processo disciplinar.
Assim, “O caso julgado penal apenas abrange os factos provados (e os seus autores), já não os factos não provados», por isso, «a decisão proferida em processo penal, transitado em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, podendo, contudo, a Administração proceder a uma qualificação jurídica diversa dos mesmos, à luz do direito disciplinar” (Acórdãos do STA de 28/01/1999, rec. 32788 e de 18.02.99, rec. 37476, e L. Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, p. 116.
Assim sendo, também este Tribunal se encontra vinculado aos factos dados como provados nas referidas decisões penais, sem que de forma alguma fique afetado o direito do Autor a uma tutela jurisdicional efetiva, conforme o artigo 268º da CRP, pois, como é sabido, os meios de defesa do arguido, em processo penal, estão particularmente assegurados e os meios de investigação, são muito mais amplos e eficazes que os existentes em processo disciplinar.
Face a tudo quanto vem de se expor, improcede o arguido vício de erro sobre os pressupostos de facto, o que desde já se declara.
Da alegada violação do princípio da proporcionalidade:
Por fim, veio o Autor arguir a ilegalidade da pena aplicada, uma vez que, não obstante ter o mesmo beneficiado das circunstâncias atenuantes previstas no artigo 146º do ECS, não colhe a Ré as devidas consequências das mesmas, na determinação da sanção a aplicar. Alega não se vislumbrar quaisquer razões substantivas, nem virem as mesmas invocadas, para se concluir quer pela incompetência profissional, quer pela falta de idoneidade moral para o exercício de função, pelo que não se revela a sanção aplicada de necessária, adequada e proporcional, mais violando o princípio da culpabilidade, assim pugnando pela anulação da decisão impugnada.
Em sede de contestação, veio a Ré alegar que, considerando os factos integradores do ilícito disciplinar em causa, a sua gravidade, os fins a prosseguir, bem como a margem de liberdade do ente disciplinar na fixação das penas disciplinares e sua graduação, a pena aplicada não é desproporcionada. Mais invoca a discricionariedade que assiste à Administração na fixação da pena disciplinar, não tendo o Autor invocado factos que integrem o conceito de erro manifesto ou grosseiro na sua determinação, pelo que não cabe ao Tribunal o seu controlo.
Assiste plena razão à Ré.
Nos termos do artigo 266º, nº 2 da CRP os “órgãos e agentes administrativos devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade". Por sua vez o nº 2 do artigo 5º do CPA dispõe que as “decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar”.
Este princípio releva autonomamente quando a lei confere à Administração uma margem de autonomia decisória, constituindo um limite material interno ao poder discricionário. Na verdade, se o ato for vinculado a eventual injustiça resulta diretamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade. Este princípio implica a necessidade de adequação das medidas administrativas aos objetivos a serem prosseguidos, por um lado, e a necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desnecessários aos destinatários das decisões administrativas, por outro.
Este princípio, no âmbito do processo disciplinar, diz respeito à adequação da pena imposta à gravidade dos factos reputados como ilícitos, constituindo, por isso, um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida concreta da pena disciplinar.
Assim, perante todo o circunstancialismo factual apurado, e não se verificando qualquer erro manifesto na dosimetria concreta da pena, não vemos como possa afirmar-se a violação dos princípios da proporcionalidade e adequação, da proibição do excesso, ou que a pena pudesse, subsidiariamente, ser outra, menos gravosa.
Efetivamente, tem constituído jurisprudência constante do STA que é possível ao tribunal analisar da existência material dos factos imputados ao arguido e averiguar se os mesmos constituem infrações disciplinares mas já não lhe cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo se for invocado, nomeadamente, desvio de poder, erro sobre os pressupostos, “erro grosseiro e manifesto”, violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, porquanto é uma tarefa da Administração que se insere na chamada “discricionariedade técnica ou administrativa” (entre outros, os acs. do STA de 18/01/2000 proc. n.º 038605, de 17/05/2001 (Pleno) - proc. n.º 040528, de 07/02/2002, proc. 048149, de 07/02/2004, proc. n.º 048149, de 12/10/2004, proc. n.º 0692/04, de 03/11/2004, proc. n.º 0329/04, de 31/05/2005, proc. n.º 02036/03, de 16/02/2006 e proc. n.º 0412/05, de 21/03/2006 (Pleno).
(…)
Ora, em momento algum veio o Autor imputar, em sede de petitório, qualquer erro manifesto ou grosseiro à Ré na determinação da medida da pena.
Aliás, perante os factos provados no processo disciplinar não é possível afirmar que a pena disciplinar de expulsão, ou interdição definitiva do exercício da atividade profissional, aplicada ao Autor seja excessiva ou desproporcional, atenta a prática, reiterada e cumulada, de três distintas infrações disciplinares, antes se mostrando adequada à gravidade da sua conduta, aos deveres violados, à responsabilidade que sobre si impendia e ao grau de negligência que revelou nessas condutas.
Nestes termos, improcede o alegado pelo Autor, no que a esta sede respeita, o que desde já se declara.”

Vejamos:
O Recorrente suscita desde logo a violação do contraditório, por ter sido dispensada a realização de audiência prévia, mais afirmando que o controvertido despacho contradirá o anterior despacho de 18.3.2019.

Refere-se no referido Despacho:
“Ouvidas que foram as partes quanto à eventual dispensa de realização da audiência prévia, a qual teria como finalidade exclusiva aquela prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 87º-A, veio o Autor opor-se, por reputar a realização de tal diligência de necessária e imprescindível para a boa decisão da causa.”

Em qualquer caso, como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 762/16.3BECBR, de 18-12-2020, “1 – Tendo o tribunal a quo entendido face à prova documental produzida e disponível nos autos, que não se verificava matéria de facto controvertida carecida de acrescida prova, não se mostra censurável o facto de ter indeferido os requerimentos de prova testemunhal, tendo assim julgado desnecessária a realização de audiência prévia, uma vez que todas as questões controvertidas já tinham sido objeto de debate entre as partes, na fase dos articulados – Cfr. arts. 7.º-A e 88.º, n.º 1, al. b), ambos do CPTA.
2 - Resulta do n.º 3 do art. 87.º-B do CPTA, que nas ações que devam prosseguir, o tribunal pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins previstos nas alíneas d), e) e f) do no 1 do artigo anterior, proferindo, nesse caso, despacho para os fins indicados, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, o que corresponde à situação em apreciação.
3 - Acresce que resulta do atual nº 2 do artigo 87.º-B do CPTA, na redação introduzida pelo D.L. nº 118/2019, de 17 de Setembro, que "o juiz pode dispensar a realização de audiência prévia quando esta se destine apenas ao fim previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior", ou seja, quando a audiência prévia se destina a facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, sendo que o nº 2 do artigo 13º do referido DL nº 118/2019, se refere expressamente que as alterações introduzidas por este diploma se aplicam aos processos administrativos pendentes.
É assim patente que, em qualquer caso, se mostraria inútil qualquer eventual anulação do decidido em decorrência da não realização de Audiência Prévia, uma vez que idêntica decisão poderia vir a ser adotada regular e licitamente em momento ulterior.”

Aqui chegados, mostra-se que o referido e contestado despacho se encontra em conformidade com o regime legal vigente, não padecendo de qualquer vício.
Atente-se ainda que a prova relevante se mostra predominantemente documental, ao que acresce a condenação do aqui Recorrente criminalmente, em face que que a eventual inquirição de testemunhas não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida, em face do que se mostraria inútil e redundante.
Invocou ainda o Recorrente a prescrição do procedimento disciplinar, ao abrigo do art. 135.º nº do então vigente Estatuto da Câmara dos Solicitadores que referia que “O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos sobre o conhecimento, por órgão da Câmara, da prática da infração.
Em qualquer caso, é o próprio nº 2 do mesmo artigo que incontornavelmente afirmava que “As infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o processo criminal, quando este for superior”.
O mesmo regime resulta do n.º 2 do art. 184.º do atual Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, ao afirmar que “Se a infração disciplinar constituir simultaneamente infração criminal para a qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, o procedimento disciplinar apenas prescreve após o decurso deste último prazo”.

Assim, e uma vez que resulta dos factos provados A) e F) que as condutas do Recorrente deram origem a dois procedimentos criminais – Procº n.ºs 15847/09.4TDPRT e 198/10.0TAGRD, através dos quais o mesmo veio a ser condenado por falsificação de documento e peculato, com pena de prisão e 3 anos, suspensa, e de 4 anos de prisão efetiva, respetivamente, vindo esta a ser reduzida a 3 anos e a ser suspensa, é patente que o prazo prescricional não seria só de três anos.
Efetivamente, podendo potencialmente a pena de tais crimes atingir os 5 anos (art. 257.º do CPenal) ou 8 anos (art. 375.º do CPenal), o prazo de prescrição seria de 10 anos (art. 118.º, n.º 1, al. b) do CCPenal).

Deste modo, não merece censura a decisão recorrida, mormente quando afirmou que “(…) conforme resulta da factualidade dada como provada, concretamente, nos pontos A) a F), o procedimento disciplinar no qual foi proferida a decisão ora sob escrutínio foi instaurado a 16/12/2012, na sequência de participação para o efeito, e por factos que remontavam a Junho de 2008 e ao ano de 2009. Mais se apurou que os referidos factos foram também alvo de processos crime, nos quais o aqui Autor surgia arguido, que correram termos sob os nºs 15847/09.4TDPRT e 198/10.0TAGRD, tendo o Autor sido condenado pela prática dos crimes de falsificação de documentos e de peculato.
Ora, de acordo com o prescrito nos artigos 118º, nº 1, alínea b), 257º e 375º, todos do Código Penal, e atenta a formulação do nº 2 do artigo 135º do ECS, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar passa a ser de 10 anos, que não de três.
Note-se, ainda, que à luz do previsto na alínea b) do nº 3 do artigo 135º dos referidos estatutos, o prazo de prescrição do processo disciplinar suspende-se durante o tempo em que o processo disciplinar estiver pendente, a partir da notificação da acusação.
Nestes termos, o prazo de 10 anos teve o seu início em Junho de 2012, momento no qual a Ré tomou conhecimento dos factos suscetíveis de consubstanciar infração disciplinar.
Além do mais, a contagem de tal prazo suspendeu-se, por pendência do procedimento disciplinar, após a notificação da decisão de pronúncia no âmbito do Processo nº 15847/09.4TDPRT.
Consequentemente, tendo a decisão final sido prolatada em Março de 2018, e sido dada a conhecer ao Autor em Maio desse mesmo ano, resulta claro que ainda não havia findado o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, tal como o previsto no artigo 135º, nº 2, do ECS”.

Veio agora recursiva e inovatoriamente o Recorrente afirmar que seria antes aplicável o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, que, por conter um prazo geral de prescrição de 5 anos, sempre seria este o prazo aplicável.

De facto, a recursivamente invocada violação do artigo 178.º, n.º 5 do EOSAE sempre se mostraria uma questão nova, insuscetível de ser colocada nesta fase.

Efetivamente, como decorre do sumariado no acórdão deste TCAN nº 509/16.4BEPNF, 21-05-2021, “A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas.
Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram”.

Em qualquer caso, está por provar que não fosse aplicável à controvertida situação o Estatuto Câmara dos Solicitadores, sendo que o aqui Recorrente terá de se cingir a sua argumentação a um único bloco de legalidade, não podendo ir ziguezagueando entre regimes jurídicos diversos, escolhendo normas de um ou de outro, conforme se lhe mostre potencialmente mais favorável.

Acresce que o art. 178.º da LTFP não é aplicável enquanto direito subsidiário, uma vez que o direito especial aplicável - EOSAE - tem regra especifica sobre a prescrição – ao art. 184.º - não se mostrando necessário recorrer a norma supletiva, sendo que quando à conclusão do procedimento, os prazos se mostram meramente ordenadores.
No que respeita à igualmente suscitada falta de inquirição das testemunhas arroladas, entende o Recorrente que se terá verificado a violação do seu direito de defesa.

Em qualquer caso, a Administração justificou essa ausência de inquirição, por inutilidade e desnecessidade da mesma, uma vez que os elementos de prova já disponíveis, de natureza predominantemente documental, e o desfecho dos processo criminais, tornavam inútil qualquer inquirição testemunhal, a qual não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão, mormente quanto à matéria de facto dada como provada.

A este propósito, afirmou-se no Relatório Final do PD, que “(…) assim, nos termos do artigo 218.º, LTFP (…) bem como, os factos já se encontram suficientemente provados através da prova documental produzida, por não ser útil ao apuramento da verdade, indefere-se a inquirição das testemunhas Ré pelo arguido”.
Efetivamente, nos termos do Art.º 218.º, n.º 3, da LTFP, “O instrutor pode recusar a inquirição das testemunhas quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador”.
Mais, decorre do n.º 1 do art. 26.º do Regulamento Disciplinar da Câmara dos Solicitadores n.º 91/2007, publicado no Diário da República n.º 100/2007, Série II, de 2007-05-24 que “Na fase de instrução do processo o número de testemunhas a inquirir é o que o relator entender necessário à descoberta da verdade, podendo dispensar as testemunhas que julgar desnecessárias, mesmo se dentro do limite imposto no n.º 7 do artigo 162.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores”.
Em Processo disciplinar, a circunstância do trabalhador na resposta à nota de culpa requerer, nomeadamente, a inquirição de testemunhas, a sua recusa não significa, necessariamente, a violação dos direitos de defesa do trabalhador.

Não logrou o aqui Recorrente demonstrar, nem nada indicia ou prova que a eventual inquirição das testemunhas indicadas no procedimento disciplinar, teria a virtualidade de fazer infletir o sentido da decisão disciplinarmente adotada.
Mesmo a afirmação recursivamente feita, de acordo com a qual “pretendia, através da inquirição das testemunhas que arrolou e cuja inquirição a Requerida indeferiu, demonstrar factos que até então não tinham sido levados em conta, permitindo, dessa forma, a alteração da decisão que viesse a ser tomada, fosse ao nível da natureza da sanção ou do menor grau de intensidade da atuação que lhe foi imputado”, mostra-se predominantemente conclusiva, não referindo sequer, e em concreto, o que se provaria e o que ficou por provar.
E a questão da não inquirição de testemunhas no Procedimento disciplinar, não deixou de ser justificada, contrariamente ao recursivamente afirmado.
Com efeito, como se refere na Sentença Recorrida, “(…) compulsado o relatório final, parcialmente transcrito no ponto K) do probatório, resulta cristalino que, não obstante ter a Comissão Instrutora incorrido em lapso, ao referir que o Autor não havia requerido produção de prova testemunhal, o certo é que tratou de fundamentar o porquê da desnecessidade da realização de tal diligência instrutória, atenta a factualidade em discussão e os elementos de prova documental já carreados para os autos de procedimento disciplinar.
A realização de tal diligência instrutória não é obrigatória, à luz das previsões do artigo 168º do ECS e posterior artigo 204º do EOSAE, sempre podendo a mesma ser recusada pelo órgão instrutor, caso se revele de impertinente ou desnecessária para o conhecimento dos factos da responsabilidade do solicitador participado. ln casu, tratou a Ré de fundamentar o porquê da recusa da realização de tal prova, sendo que o lapso em que incorre apenas consubstanciaria uma mera irregularidade formal, não suscetível de pôr em crise a validade da decisão impugnada”.

Não é ainda desprezível em termos de prova o facto das condutas tidas como prevaricadoras do Recorrente terem já sido dadas como provadas e sancionadas criminalmente enquanto crimes de falsificação e peculato.

Como igualmente ficou dito na Sentença Recorrida, “(…) conforme tem sido jurisprudência reiterada e uniforme dos tribunais superiores portugueses, a decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares, revelando-se, assim, impertinente a realização de prova testemunhal tendo por intuito abalar tal materialidade.

Efetivamente, a decisão penal condenatória, transitada em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares (Cfr. AC STA nº 0794/11.8BESNT 01069/17, de 15-11-2018).

Como igualmente se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 6/17.0BEPNF-A, de 27 julho de 2018 Procº n.º 6/17.0BEPNF-A, “O ilícito disciplinar não é um minus, mas um alliud relativamente ao ilícito criminal.
No entanto, sendo assumidamente mais rigorosa e exigente a prova obtida em sede criminal, naturalmente que não colide com a referida autonomia, o facto de, em sede administrativa, se ater como boa a prova obtida em sede criminal.
Assim, apesar da afirmada autonomia entre os dois processos, a decisão disciplinar não pode deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada julgou provados e que são também objeto de apreciação no processo disciplinar.
A decisão criminal proferida, transitado em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, podendo, contudo, a Administração proceder a uma qualificação jurídica diversa dos mesmos, à luz do direito administrativo disciplinar.

Em face do que precede, os factos que determinaram a condenação disciplinar, haviam já determinado a condenação criminal, com trânsito em julgado, em face do que a instrução do procedimento disciplinar não o podia ignorar, enquanto caso julgado material, em face do que a inquirição de testemunhas não poderia ter a virtualidade de alterar a factualidade dada como provada e o sentido da decisão adotada.
* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença Recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
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Porto, 8 de outubro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães