Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00005/04.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Vital Lopes
Descritores:OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS.
FONTE LEGAL.
IRC.
CUSTOS.
AJUDAS DE CUSTO.
PERDAS DE BENS DO ACTIVO IMOBILIZADO.
DEDUTIBILIDADE FISCAL.
Sumário:1. As obrigações acessórias têm de ter fonte legal, não podendo a AT exigir dos contribuintes o cumprimento de obrigações “praeter legem” unicamente orientada por motivos que se prendem com a eficácia da sua acção fiscalizadora;
2. As circulares administrativas emanadas pela AT são vinculativas apenas para os respectivos serviços, não podendo os procedimentos fixados em instrumentos de direito circulatório derrogar o princípio da legalidade tributária;
3. Na redacção da Lei 87.º-B/98, de 31/12, a expressão ajudas de custo “facturadas a clientes”, que constava da alínea f) do n.º1 do art.º41.º do CIRC para efeitos da dedutibilidade integral do seu valor, correspondia a encargos a esse título debitados aos clientes e incluídos no valor da factura, não se exigindo a discriminação do seu montante na própria factura, nem qualquer formalidade na sua escrituração.
4. Destinando-se os bens que integram o activo imobilizado à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material desses bens, seja a que título for, designadamente por furto ou roubo, não pode deixar de relevar, pelo seu valor líquido (art.º23.º, alínea g), do CIRC), como realidade «indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por M..., S.A., da liquidação adicional de IRC n.º8310010032, referente ao exercício de 1999, no montante global de 483.547,43€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A. Em causa estão as liquidações adicionais de IRC do exercício de 1999, no que se refere às correcções efectuadas pela Administração Tributária (doravante, AT) das importâncias relevadas na contabilidade como custos do exercício, relativas a Perdas em existências, no montante de € 15.844,39, a Ajudas de custo, no montante de € 1.169.570,76, e a Abates de imobilizado, no montante de € 25.164,40.
B. Na verificação dos vícios invocados pela Impugnante, a decisão recorrida anulou as liquidações na sua totalidade.
C. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento de facto e de direito relativamente às correcções enumeradas no Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária patente dos autos, pelas razões que passa a expender.
D. No que respeita à primeira das correcções Perdas em existências decorrente de abate por obsolescência, a Impugnante não comunicou à AT a intenção de o fazer, para que o referido abate pudesse e devesse ser testemunhado.
E. As quebras extraordinárias de existências por obsolescência ou depreciação do seu valor, são consideradas como custo fiscal, nos termos e para efeitos do citado art. 23° do CIRC, mas desde que o sujeito passivo comunique previamente à Ai’ a intenção de proceder ao seu abate.
F. Este entendimento decorre do Oficio-circulado nº 35264, de 24/10/1986, da Direcção de Serviços do IVA e, considera que como forma segura de elidir a presunção prevista no art. 80º do CIVA, os sujeitos passivos terão vantagem em ter na sua posse elementos justificativos das faltas ou perdas das suas existências, i. e., das mercadorias destruídas ou inutilizadas.
G. Esta especial relevância no desenvolvimento dos procedimentos adequados a elidir a presunção contida naquela norma, é aliás recomendada no Parecer Jurídico emitido pela Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas n.° AC0045, de Outubro de 1996, e neste sentido se pronunciou o Acórdão do TCASul, no processo nº 00749/98 de 13/10/1998.
H. O o lucro tributável determina-se através da contabilidade, devendo a escrita estar organizada segundo a lei comercial e fiscal e regras do POC sob pena de não ser de presumir a veracidade dos dados dela constantes nos termos do disposto no artº 75º da LGT. E, por força dessas regras e ajuda do disposto nos art.s 17º a 98º do CIRC, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.
I. I. e., a base está na contabilidade, mas a legislação fiscal tendo em atenção os seus fins próprios, prevê a existência de emendas a estabelecer às regras contabilísticas. Nesse sentido a relação específica entre o direito fiscal e a contabilidade evidencia-se ao nível dos custos fiscais. Aliás no conceito genérico de custo fiscal ínsito no art. 23° do CIRC, começa-se por demonstrar, ao utilizar o termo “comprovadamente” uma preocupação com a certeza necessária para que certa situação possa ser enquadrada como custo.
J. Assim, contrariamente ao sentenciado, entendemos que, independentemente de ausência de normativo legal no CIRC, que imponha a observância dos procedimentos adequados ao abate das existências,
K. crê-se que tal determinação decorre da outorga ao sujeito passivo do ónus da alegação e prova da congruência dos elementos escriturados, sob pena de não ser de presumir a veracidade dos dados constantes da escrita, face ao disposto no art. 75º’ da LGT e, por outro lado, de violação dos mais sãos princípios e directrizes contabilísticas e princípios legais e constitucionais atinentes à conduta da AT, enquanto sujeito activo da relação jurídica tributária.
L. A realização de um mero documento interno no qual constem as existências sujeitas a abate, efectuado pelo sujeito passivo, sem o conhecimento ou comunicação à AT e portanto sem qualquer controle por parte daquela. como parece defender a douta sentença sob recurso, fundamentada na inexistência de uma disposição legal no citado compêndio legislativo, consubstanciar-se-ia numa clara violação dos elementares princípios de justiça, capacidade contributiva e equidade.
M. No que respeita, à segunda das correcção a referente a Ajudas de custo sujeitas a não aceitação como custo fiscal na proporção de 20%, nos termos do art. 41°. n.° 1, alínea f) do CIRC,
N. considerou a AT que o procedimento utilizado pelo sujeito passivo não comprova a facturação ao cliente daquelas verbas.
O. A Lei n.° 87-B/98, de 31/12, introduziu alterações ao art. 41° n.° 1, alínea f) do CIRC. Esta disposição que vigora para o exercício de 1999 passou a prever situações diferentes em termos de ajudas de custo.
P. No âmbito do procedimento inspectivo, a AT considerou que o sujeito passivo não comprova a facturação aos clientes: a) a facturas emitida não menciona que inclui qualquer valor a título de ajudas de custo, b) a factura emitida apenas faz menção ao auto de medição que lhe serve de suporte, c) o auto de medição não faz referencia, em nenhuma das rubricas em que se reparte, a ajudas de custo, a titulo de ajudas de custo, d) o documento interno produzido não é do conhecimento do cliente.
Q. E, o sujeito passivo, sustenta mesmo que a inscrição e autonomização das ajudas de custo na factura é irrelevante, em razão de uma Informação fornecida à “Antram”, pela Direcção de Serviços do IRC, Proc. 528/99.
R. Contudo, fez uma errónea interpretação e aplicação das razões de facto e de direito, bem como dos fundamentos que estão subjacentes àquela Informação, prestada sobre uma concreta e específica realidade tributária, que não a da Impugnante.
S. O preceito cm causa - art. 41°, n.° 1, alínea f) do CIRC -, é uma norma anti-abuso, visa obstar à pratica de comportamentos evasivos.
T. Ante a expressão “facturadas a clientes”, tem-se entendido que só se aceitarão para efeitos fiscais as ajudas de custo e deslocações, desde que os respectivos montantes estejam expressamente evidenciados na facturação a emitir ao cliente.
U. Conforme neste sentido se pronunciou a mesma Direcção de Serviços, no Proc. 1332/99 [Informação 783/99], prestada a uma empresa, cuja actividade é em tudo idêntica à da Impugnante.
V. Pelo que, se não conforma a Fazenda Publica com a douta sentença recorrida, ao considerar que “a posteriori a impugnante provou os requisitas de que a lei faz depender a aceitação das ajudas de custo como um custo integral fiscal” e tampouco quando adiante acrescenta que, “cessa o motivo que legitimou o acto tributário.”
W. Finalmente, no que respeita, à última das correcções referente a Abates de imobilizado, no montante de € 25.164,40, desconsiderada pela AT, pelo não preenchimento do conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23º do CIRC, em que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e,
X. em que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar doutros interesses e que não pode, por isso, ser considerado custo.
Y. Esta é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem na sua origem e na sua causa um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa.
Z. A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.
AA. É para definir o grupo dos elementos negativos que o art. 23º do CIRC enuncia a titulo exemplificativo as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. [Neste sentido, entre outros o Acórdão do TCAS, processo n. 01486/06, de 30/01/2007].
BB. Daí que, não se conforma a Fazenda Pública quando na aplicação do direito aos factos o Tribunal a quo refere a dado momento que “a lei não faz depender a relevância fiscal de perdas resultantes de furto de activos do imobilizado da comprovação de que o respectivo risco não era segurável.”
CC. Nesta medida, encontra-se legitimada a actuação da AT, devendo por conseguinte manter-se as correcções efectuadas, por não consideração como custo fiscal.
DD. A douta sentença recorrida violou as disposições legais supracitadas.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida».

A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes «Conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou totalmente procedente a impugnação e o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da garantia bancária prestada nos termos legais.
B. Para tal decisão, entendeu o tribunal a quo que nos autos foi produzida prova susceptível de permitir a conclusão de acordo com a qual são perdas comprovadamente indispensáveis à manutenção da fonte produtora e assim custos fiscalmente relevantes, as quebras extraordinárias de existências por depreciação do seu valor, os encargos suportados com ajudas de custo e os abates por furto de imobilizado,
C. No entanto, entende a FP que a sentença em causa padece de um erro de julgamento de facto e de direito, pelo que a prova produzida, mormente o depoimento das testemunhas inquiridas, não é por si só suficiente para concluir no sentido em que o fez a douta sentença sob recurso.
D. Em resumo, entende a recorrente que dos elementos probatórios carreados para o processo resulta que, no que diz respeito às perdas em existências, a impugnante não comunicou à Administração fiscal a intenção de abater por obsolescência as existências, por forma a que o referido abate pudesse e devesse ser testemunhado. Vale-se, para o efeito, da norma do artigo 23° do CIRC, da norma do artigo 80º do CIVA, de doutrina administrativa, de um parecer da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e de um Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul.
E. Conclui a recorrente, quanto a este ponto, no sentido de entender que, “independentemente de ausência de normativo legal no CIRC, que imponha a observância dos procedimentos adequados ao abate de existências”, a questão central cm decisão deve reconduzir-se à verificação, por parte do sujeito passivo, “do ónus da alegação e prova da congruência dos elementos escriturados”, tudo sob pena “de não ser de presumir a veracidade dos dados constantes da escrita, face ao disposto no art. 75.° da LGT e, por outro lado, de violação dos mais sãos princípios e directrizes contabilísticas e princípios legais e constitucionais atinentes à conduta da AF enquanto sujeito activo da relação jurídica tributária”.
F. No que diz respeito à correcção referente às ajudas de custo, entende a FP que, ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, não logrou a impugnante provar “os requisitos e que a lei faz depender a aceitação das ajudas de custo como uni custo integral fiscal”, para o que convoca unia interpretação do conceito de “despesas com ajudas de custo facturadas a clientes” baseada, única e exclusivamente, numa Informação proferida pela Direcção de Serviços do IRC, no âmbito do processo nº 1332/99 - Informação nº 783/99.
G. Finalmente, a respeito da correcção proposta em matéria de abates de imobilizado, refere a FP, não sem antes tecer uma série de considerações doutrinárias a respeito do conceito de indispensabilidade ínsito na norma do artigo 23° do CIRC, que “não se conforma a Fazenda Pública quando refere a dado momento que a lei não faz depender a relevância fiscal de perdas resultantes de furto de activos do imobilizado da comprovação de que o respectivo risco não era segurável”.
H. Sem mais alegações, termina a recorrente dizendo que é nesta medida que deve conclui-se no sentido de considerar “legitimada a actuação da AT, devendo por conseguinte manter-se as correcções efectuadas pela AT relativas a Perdas em existências, no montante de € 15.844,39, a Ajudas de custo, no montante de € 1.169.570,76, e a Abates de imobilizado, no montante de € 25.164,40”.
I. Contudo, falece qualquer razão ao recurso da FP, nos exactos termos em que na sede própria recorrida se decidiu que lhe falecia razão: a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece qualquer censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123° do CPPT e pelos nº 2 e 3 do artigo 659º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125º do CPPT e no artigo 668° do CPC.
J. A sentença é eximia no modo como identifica os factos objecto de litígio, sintetiza a pretensão da impugnante e a posição do representante da Fazenda Pública, bem como os respectivos fundamentos, no modo como fixa as questões que ao tribunal cumpre solucionar e no modo como descrimina a matéria provada c fundamenta - de facto e de direito - as suas decisões.
K. A motivação apresentada pelo tribunal na sentença recorrida corresponde a todas as exigências de clareza c transparência da justiça, permitindo a todos os interessados o acompanhamento linear da forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a sua decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. A motivação da decisão proferida pelo tribunal a quo existe e é suficiente, na medida em que através dela é possível conhecer em rigor as razões do decisor,
L. Aliás, em rigor, não chega a ser sequer esta a razão do inconformismo da recorrente, porquanto não é possível identificar, em todo o seu articulado de alegação, uma única crítica ao modo como a sentença se encontra fundamentada, ao modo como a matéria de facto se encontra valorada ou, finalmente, ao modo como é a mesma fundida no itinerário cognoscitivo percorrido pelo tribunal na tomada de decisões em matéria de direito.
M. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário - impugnado - face às questões jurídicas suscitadas, fazendo tábua rasa de toda a matéria de facto de que foi feita prova - quer testemunhal quer documental - nas instâncias próprias, e a repetir as mesmas razões que já tinha tornado públicas no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos de dedutibilidade, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância em matéria de fontes de direito.
N. No que diz respeito à primeira questão decidida na sentença recorrida, a recorrente vale-se de uma lógica argumentativa que desconsidera - sem fundamentar - a prova efectuada pela impugnante, e, para além disso, que se baseia em disposições legais - as do artigo 23° do CIRC e do artigo 80º do CIVA - não mobilizáveis no caso concreto; o artigo 23° do CIRC não admitido na desconsideração de um custo que, sendo efectivo, se vem a demonstrar - através da prova produzida nas instâncias próprias - inevitável e, por isso, imprescindível ou indispensável à prossecução da actividade produtiva, e o artigo 80º do CIVA não imprestável a qualquer correcção à matéria colectável apurada com vista à sua tributação em sede de IRC.
O. Acresce que, para além destas normas, nenhuma outra orientação administrativa ou contabilística, das mobilizadas pela recorrente, é sobreponível à realidade legislativa vigente, em tudo o que, para além dela, inove.
P. O próprio Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul citado pela recorrente, o proferido no âmbito do processo n° 00749/98, de 13.10.1998, nada diz de diferente; para este Tribunal deve ser feita uma comprovação das perdas, podendo, contudo, esta comprovação revestir uma qualquer forma credível.
Q. Neste particular, bem vai a sentença recorrida, a qual decide com legalidade e justiça.
R. Por outro lado, no que diz respeito á segunda questão decidida na sentença recorrida, a recorrente alega, nas suas motivações de recurso, que o conceito de “despesas com ajudas de custo facturadas a clientes”, ínsito no corpo da norma do artigo 42° do CIRC (na alínea f) do seu n° 1), não pode senão ser interpretada no sentido da Informação proferida pela Direcção de Serviços do IRC, no âmbito do processo n° 1332/99 - Informação n° 783/99 -, de acordo com a qual “só se aceitarão para efeitos fiscais as ajudas de custo e deslocações, desde que os respectivos montantes estejam expressamente evidenciados na facturação a emitir ao cliente”. Não tendo a impugnante logrado provar tal evidenciação expressa dos montantes respeitantes a ajudas de custo na facturação emitida aos seus clientes, não poderão os mesmos, conclui, ser considerados integralmente dedutíveis para efeitos fiscais.
S. Está-se, também aqui, perante uma argumentação assente em meras orientações administrativas, não emprestáveis para o fim para que são usadas: o de sobreposição ao texto legal aplicável e o do reforço (agravamento) das condições de acesso a determinado enquadramento fiscal das operações.
T. Como bem vislumbra a sentença recorrida, a extensão e o alcance daquele conceito (“despesas com ajudas de custo facturadas a clientes”) não se encontra minimamente definido na norma da alínea f) do n° 1 e do artigo 41° do CIRC, a qual limita-se a definir que não são aceites como custo “as despesas com ajudas de custo [...], não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, do respectivo beneficiário” (o sublinhado é nosso).
U. Perante tal incerteza na definição do conceito em causa, a impugnante provou que actuou «com base numa interpretação plausível da lei e de boa fé, porque seguiram as orientações do Fisco”, não podendo por isso ser prejudicada, e provou ainda - através das declarações que veio a juntar como documento aos autos de impugnação judicial -que todos os clientes aos quais eram facturadas as ajudas de custo em referência conheciam a sua inclusão no valor global facturado e aceitavam o seu valor.
V. É por tudo isto - como refere - que o tribunal recorrido decide no sentido de considerar verificados os requisitos de que a lei faz depender a aceitação das ajudas de custo fiscal integral, o que não pode deixar de ser mantido.
W. Finalmente, a respeito da terceira questão decidida na sentença recorrida,
a recorrente alega que “não se conforma a Fazenda Pública quando refere a dado momento que a lei não faz depender a relevância fiscal de perdas resultantes de furto de activos do imobilizado da comprovação de que o respectivo risco não era segurável.”
X. Estranha a recorrida tal alegação, pois que a Administração fiscal nunca se valeu do argumento da comprovação da não cobertura do risco de furto por seguro para fundamentar o acto de liquidação que emitiu - no relatório de inspecção tributária, a Administração fiscal limitou-se a, de forma lapidar, fundamentar a não aceitação fiscal dos encargos com a norma do artigo 23° do CIRC -, fazendo-o apenas muito mais tarde quando foi chamada a decidir a reclamação judicial apresentada pela impugnante;
Y. e, por outro lado, porque, ainda que o tivesse feito, nada lograria com essa argumentação já que a necessidade de prova em que assenta - a prova da não cobertura do risco de furto por seguro - seria esta sempre absolutamente dispensável por não se encontrar legalmente prevista e por ser, no caso, absurda (cfr. “Não existem seguros obrigatórios pata os casos em análise. As companhias de seguro ou não seguram os bens, nomeadamente os que se encontram no Congo, em função do elevado risco, ou exigiram apólices de elevado valor que não compensa segurá-los em termos económicos atendendo à exiguidade dos seus valores face ao activo total da empresa.”).
Z. Assim, bem decidiu o tribunal recorrido, de acordo com o qual, na medida em que o argumento em referência não foi utilizado como fundamento do acto tributário de liquidação, não tem o mesmo o efeito de colocar a impugnante na posição de ter que alegar e provar a impossibilidade ou inconveniência de segurar o risco de furto de imobilizado, e, ainda que o fosse, não seria esta uma exigência legal.
AA. Em consequência, nos termos acima assinalados, e nos mais de direito observados na sentença recorrida, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e à douta sentença recorrida reconhecida a sua conformidade com as disposições dos artigos 123° e 125° do CPPT e dos artigos 659° e 668° do CPC.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO
IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, E A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
INTEGRALMENTE MANTIDA».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), importa conhecer se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito relativamente às correcções assentes em: i) perdas em existências; ii) ajudas de custo; iii) abates em imobilizado.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1.º - Na sequência da acção inspectiva levada a efeito à impugnante aos exercícios de 1997 a 1999, resultaram entre outras a liquidação de IRC n.°8310010032, no montante de €483.547,43, com data limite de pagamento de 31.07.2002.
2.° - Inconformada, a ora impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação em causa, a qual veio a ser expressamente indeferida - cfr. doc. de fls.15 dos autos.
3.° - Do indeferimento expresso apresentou impugnação relativamente a parte da liquidação de IRC n° 8310010032, respeitante ao exercício de 1999 quanto à relevância fiscal dos custos suportados com “perdas em existências” (€15.844,39), “ajudas de custo” (€1.169.570,76), “abates de imobilizado” (€25.164,40).
4.° - As demais correcções foram aceites e pagas pela impugnante.
5. °- Em 27.12.2002, a ora impugnante pagou as quantias impugnadas, ao abrigo do regime especial de pagamento das dívidas fiscais previsto no Dec.Lei n.°248-A/02, de 14/11, no montante de €205.359,83 - cfr. doc. de fls. 153 a 155 dos autos.
6.° - A impugnante anteriormente designada por M…, S.A., alterou o seu nome na sequência da incorporação por fusão da actividade de construção e obras públicas da empresa designada por E….
7.° - Na actividade desenvolvida pela impugnante é normal proceder-se ao abate de existências, que, por motivos vários (acessórios em stock de máquinas que são vendidas, peças que se deterioram, por desgaste, condições naturais, etc), já não são aptas à actividade - cfr. depoimento de J....
8.° - Normalmente, o abate é feito anualmente na sequência do inventário aos stocks - cfr. depoimento de J....
9.° - É feito um inventário exaustivo e detalhado de todas as existências abatidas, muitas delas são peças pequenas e inominadas - cfr. depoimento de J....
10.° - Em 1999, com a alteração da lei quanto aos requisitos para a aceitação fiscal das ajudas de custo (art.41°, n.°1, al.f), do CIRC, na redacção dada pelo art.30° da Lei n.°87-B/98, de 31/12), criou-se um estado de incerteza na impugnante sobre quais os procedimentos e contornos concretos das facturas e documentos anexos para a aceitação fiscal desses gastos - cfr. depoimento de S... e Má....
11.° - O assunto foi discutido na Administração da impugnante e foram solicitadas opiniões a consultores, que se revelaram inconclusivas - cfr. depoimento de S... e Má....
12.° - A principal questão traduzia-se na dúvida se a lei exigiria que se discriminasse autonomamente o valor das ajudas de custo nas facturas, quando tal não seria possível por obrigação contratual, uma vez que, os concursos públicos de obras públicas não previam este aspecto - cfr. depoimento de S... e Má....
13.° - A discussão deste assunto, por ser um problema comum às várias empresas do sector de construção civil e obras públicas, foi realizada, também, no seio das associações do sector (ANEOP - Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas, mas sem decisões seguras e definitivas - cfr. depoimento de S... e Má....
14.° - Entretanto, a impugnante tomou conhecimento do Despacho do Subdirector Geral de serviços do IRC sobre este assunto efectuado à ANTRAM - cfr.depoimento de S... e Má....
15.° - A ANEOP deu conhecimento dele aos seus associados - cfr. doc. de fls.156 e 157 dos autos.
16.° - Á data dos factos, a impugnante só conheceu este despacho, não tendo conhecimento de qualquer outra informação da administração fiscal sobre este assunto para outros contribuintes - cfr. depoimentos de S... e Má....
17.° - A impugnante decidiu aplicar os procedimentos descritos no Despacho à ANTRAM, por entender que o mesmo seria de aplicar a todos os contribuintes - cfr. depoimentos de S... e Má....
18.° - A impugnante alterou o seu procedimento quanto ás ajudas de custo que, passou a realizar-se de acordo com o descrito no Despacho à ANTRAM: há um boletim itinerário por cada ajuda de custo suportada, é com base nela que os trabalhadores são compensados desses encargos pelo departamento de recursos humanos, cada ajuda de custo é imputada nos custos da obra respectiva, por data e designação concreta, a impugnante tem uma contabilidade analítica, com autonomização, por obra, de todos os proveitos e custos a ela associados - cfr. depoimentos de S... e Má....
19.° - Os clientes podiam conhecer o valor exacto das ajudas de custo associadas a cada obra e a cada factura e auto de medição - cfr. depoimentos de S... e Má....
20.° - Após a inspecção a que foi submetida, a impugnante tentou obter declarações da maior parte dos clientes em que aceitam e reconhecem os valores das ajudas de custo associadas a cada uma das facturas de 1999 - cfr. doc. de fls.51 a 82 e fls.104 a 131.
21.° - A minuta desses documentos foi feita pela impugnante, o seu departamento comercial e de estrangeiros falou com os clientes, dando-lhe conta, pela contabilidade analítica, do valor das ajudas de custo associadas a cada factura, os clientes emitiram esses documentos originais, por eles assinados e carimbados que atestam a informação que, segundo o Fisco, teria de constar das facturas - cfr. depoimentos de S... e Má....
22.° - É normal que na actividade de construção civil e obras públicas existam consideráveis e avultadas ajudas de custo, em especial quando se trata de um processo de internacionalização - cfr. depoimentos de S... e Má....
23.° - Ao seguir o procedimento descrito no Despacho à ANTRAM, a impugnante actuava convencida da correcção dos seus procedimentos - cfr. depoimentos de S... e Má....
24.° - Após a inspecção tributária, a impugnante adequou os seus procedimentos burocráticos das ajudas de custo às exigências descritas na inspecção tributária - cfr. depoimentos de S... e Má....
25.° - A actividade da impugnante tem uma grande dispersão geográfica. Os activos (máquinas) estão em estaleiros espalhados pelo país e no estrangeiro, por vezes em países com conflitos sociais - cfr. depoimentos de S..., J... e Má....
26.° - Os estaleiros são locais a que acedem inúmeras pessoas, trabalhadores próprios e de subempreiteiros, há sistemas de segurança, mas que não podem ser tão pesados, que criem obstáculos à actividade diária, ou que fiquem muito caros - cfr. depoimentos de J... e Má....
27.° - Em 1999, houve alguns furtos ou perdas de imobilizado, nomeadamente de algumas máquinas que se encontravam no Congo, deflagrou nesse país uma guerra civil e os trabalhadores só tiveram tempo para fugir e as máquinas ficaram lá e estragaram-se - cfr. depoimentos de J... e Má....
28°. - Ocorreram também, alguns furtos de imobilizado em estaleiros localizados em Portugal - cfr. depoimentos de J... e Má....
29.° - O valor dos bens furtados em 1999 traduz-se no montante de €25.164,40 para um activo imobilizado total da impugnante superior a 10 milhões de euros - cfr. depoimentos de J... e Má....
30.º - A impugnante participa os furtos à polícia, e passado algum tempo se dos mesmos nada se souber, abate-os do seu activo imobilizado - cfr. depoimentos de J... e Má....
31.° - As empresas de seguro ou se recusam a fazer seguros para estes bens, que se encontram no estrangeiro em países em guerra, real ou potencial ou, ou, para os que se encontram em Portugal, o valor da apólice é tão caro, que em termos económicos e estatísticos não compensa segurá-los - cfr. depoimentos de S..., J... e Má...».


4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

No seguimento de uma acção inspectiva a que foi sujeita, foram efectuadas correcções à matéria tributável do IRC da impugnante, ora Recorrida, com referência ao exercício de 1999.

Tais correcções consistiram na desconsideração fiscal de custos contabilizados com “perdas em existências”, no montante de 15.844,39€; “ajudas de custo”, no montante de 1.169.570,76€; e “abates de imobilizado”, no montante de 25.164,40€.

A liquidação adicional resultante daquelas correcções veio a ser objecto de impugnação judicial, que em 1ª instância foi julgada totalmente procedente.

Não se conformando com a sentença da 1ª instância, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso jurisdicional imputando àquela sentença erro de julgamento de facto e de direito na apreciação que fez das correcções levadas a efeito. Vejamos.

Relativamente à primeira das correcções em causa, relativa a “perdas em existências”, deixou-se consignado na sentença, o seguinte:

«A desconsideração, em termos fiscais, do valor das perdas em existências resultantes de abate baseia-se na inexistência de uma comunicação prévia à administração fiscal por parte da sociedade impugnante para que o mesmo pudesse ser testemunhado.
De acordo com a administração fiscal, a falta de comunicação ao Fisco da intenção de proceder ao abate determina que a perda resultante do mesmo não se possa considerar “comprovadamente indispensável à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora” - art.23° do CIRC.
Porém, no indeferimento da Reclamação Graciosa reconhece-se que “o CIRC não contempla nenhum preceito legal semelhante ao do art.80° do CIVA, nem disposição legal que determine a observância de procedimentos no que concerne às perdas em existências” (cfr. p. 11 da informação n.°121.ATJ/03).
Efectivamente, a lei fiscal não contém qualquer regra ou preceito que faça depender a aceitação fiscal das perdas/abate de existências, de prévia comunicação ao Fisco desse facto, para que a possa presenciar, querendo, facto que aliás é reconhecido na decisão de indeferimento expresso da Reclamação.
A AF não pode, sob pena de violação do princípio da legalidade, ditar aos contribuintes o conjunto de formalidades que considera necessário para a aceitação fiscal destes encargos.
O art23° do CIRC refere-se à indispensabilidade ou não da perda para a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora. Não se reporta à indagação da verificação material (ou não) dessa perda.
Nos termos do art.23° do CIRC, a perda existiu.
A prova da existência da perda, da ocorrência ou não do abate das existências, compete à administração fiscal.
A presunção de veracidade da contabilidade do contribuinte, estabelecida pelo art.75° da LGT, determina que é à Administração fiscal que cabe provar que a perda não se realizou.
A indispensabilidade do custo compete ao contribuinte.
O que a Administração fiscal discute é se a M… procedeu ao não ao abate.
As quebras extraordinárias de existências por depreciação do seu valor são perdas comprovadamente indispensáveis à manutenção da fonte produtora e são, portanto custos com efeitos fiscais, nos termos do art.23° do CIRC.
Pelo que a aceitação fiscal das perdas resultantes de abate de existências devidamente relevado na contabilidade, não depende da observância de quaisquer formalidades legais, pelo que o acto tributário em questão violou o art.112° da CRP».

A Administração tributária não aceitou a contabilização da perda extraordinária, por obsolescência ou diminuição de valor, de existências inventariadas.

A seu ver, a contabilização da perda não está devidamente documentada, estando unicamente apoiada num documento interno do sujeito passivo, sem qualquer possibilidade de controlo do que nele se refere por parte da Administração tributária, pois que não foi feita a esta a necessária comunicação prévia da intenção de proceder ao abate de existências, obrigação decorrente do disposto no art.º80.º, do Código do IVA e do direito circulatório, concretamente do entendimento preconizado no Ofício-circulado n.º35264, de 24/10/1986, da Direcção de Serviços do IVA.

Nos termos do disposto no n.º1 do art.º75.º, da Lei Geral Tributária, “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

Decorre do preceito citado que as obrigações acessórias do sujeito passivo, que o n.º2 do art.º31.º, da LGT define como “…as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações”, são unicamente as decorrentes da lei, não podendo ser aditadas outras obrigações através de instrumentos de direito circulatório.

No mesmo sentido, dispõe o n.º4 do art.º59.º, da LGT, que “A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei…”.

Ora, a própria Administração tributária reconhece que não decorre de lei expressa a obrigação de o sujeito passivo lhe comunicar previamente a intenção de proceder ao abate de existências por obsolescência ou perda de valor, apenas que tal obrigação acessória resulta implícita de um conjunto de preceitos normativos que se destinam a possibilitar-lhe o exercício da acção fiscalizadora sobre a situação tributária dos contribuintes, que lhe está cometida por lei (art.º63.º, da LGT).

Todavia, a eficácia da acção fiscalizadora não legitima a exigência do cumprimento acrescido de obrigações acessórias orientadas para esse fim, não previstas na lei.

E, portanto, ou a Administração tributária indica a obrigação acessória de fonte legal que o sujeito passivo incumpriu na contabilização da perda extraordinária, ou tem de aceitar esse registo, ou dado da contabilidade, como verdadeiro, bem que presuntivamente, à luz do disposto no n.º1 do art.º75.º, da LGT.

Por outro lado, não é aceitável trazer à colação, em sede de IRC, o disposto no art.º80.º do Código do IVA, como faz a Fazenda Pública.

Com efeito, na redacção então vigente (1999), dispunha tal preceito: “Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrarem em qualquer desses locais”.

Esse art.º80.º do Código do IVA, conjugava-se com o anterior art.º79.º do mesmo Código, cujo n.º1 estabelecia: “Sempre que necessário, poderão os funcionários encarregados da fiscalização proceder à inventariação das existências físicas de qualquer estabelecimento”.

Ou seja, constatada em acção de fiscalização, desconformidade entre o resultado apurado por contagem das existências físicas (inventário físico) com os elementos reflectidos no inventário espelhado nas demonstrações financeiras da entidade inspeccionada (registo de inventário), presumem-se adquiridos os bens encontrados não reflectidos no registo do inventário e transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos, reflectidos no registo do inventário e não encontrados.

Se o sujeito passivo procedia ao abate de existências e não procedia a ajustamentos no registo de inventário, em caso de fiscalização constatava-se a desconformidade e os bens em falta no inventário físico presumiam-se transmitidos para efeitos de IVA, cabendo ao sujeito passivo, nos termos gerais de direito (cf. art.º350.º, do Código Civil), o ónus de ilidir a presunção para evitar a sujeição ao imposto (cf. art.º1.º, n.º1 alínea a), do Código do IVA e ).

Assim, mesmo no domínio do IVA, a citada norma do art.º80.º do respectivo Código, não legitimava a Administração tributária a prevalecer-se da presunção dele decorrente fora das situações aí expressamente contempladas e, nomeadamente, em situações como a dos autos, em que o próprio sujeito passivo registou contabilisticamente, como perda extraordinária, o abate das existências que declarou ter levado a efeito.

Cremos ser esse, aliás, o alcance do Ofício-circulado n.º35264, de 24/10/1986, da Direcção de Serviços do IVA, de que a Fazenda Pública também se socorre para justificar a propugnada exigência de comunicação prévia da intenção do abate de existências, ao considerar que os sujeitos passivos terão vantagens em ter na sua posse elementos justificativos das faltas ou perdas das suas existências, das mercadorias destruídas ou inutilizadas, como forma segura de ilidir a presunção prevista no art.º80.º do CIVA.

Em qualquer caso, as circulares administrativas emanadas pela Administração tributária são vinculativas apenas para os respectivos serviços, não podendo os procedimentos fixados por instrumentos de direito circulatório derrogar o princípio da legalidade tributária [cf. Acórdão do TCA Sul, de 24/04/2007, proferido no proc.º01704/07].

Com pertinência, escreve Freitas Pereira, “Fiscalidade”, Almedina 2ª edição, a pág.179: «…importa, desde já, clarificar que se costumam distinguir em função dos seus destinatários, os regulamentos internos e os regulamentos externos, consoante obriguem unicamente os agentes administrativos a quem são dirigidos, dentro da disciplina hierárquica a que os mesmos estão obrigados e no âmbito da gestão normal de um determinado departamento, ou vinculem igualmente os particulares, no âmbito dos poderes executivos conferidos à administração por uma lei.
Ora, só o regulamento externo pode ser fonte de direito fiscal. Os regulamentos internos – que normalmente tomam a forma de despachos, instruções ou circulares ou ofícios circulares – não obrigam os particulares e não têm que ser tomados em conta pelos tribunais».

Concluindo, não tendo a Recorrente demonstrado a fonte legal da exigência de comunicação prévia à Administração tributária da intenção de proceder ao abate das existências obsoletas ou em perda de valor, não pode, unicamente por esse fundamento, desconsiderar fiscalmente a correspondente perda extraordinária que o sujeito passivo fez reflectir na sua contabilidade e declaração, não incorrendo em erro de julgamento a sentença recorrida que no mesmo sentido o entendeu.

Improcede este segmento do recurso.

Insurge-se também a Recorrente contra a sentença na apreciação que fez da correcção dos custos contabilizados pela impugnante e ora Recorrida, com ajudas de custo.

A seu ver, tais custos não estão suficientemente documentados, porquanto se tem entendido, face à legislação em vigor, que só são de aceitar para efeitos fiscais as ajudas de custo e deslocações desde que os respectivos montantes estejam expressamente evidenciados na facturação a emitir pelo sujeito passivo ao cliente. Vejamos.

Deixou-se consignado na sentença, a propósito desta correcção, o seguinte:

«O acto recorrido não aceita como custo fiscal o montante de 1.169.570,76 euros, valor correspondente a 20% de 5.847.853,82 euros, relativo a encargos com ajudas de custo que a administração fiscal entendeu que não estariam devidamente facturadas a clientes, por tais verbas não constarem autonomamente das facturas aos clientes.
O procedimento da M... não pode ser aceite, uma vez que “o documento interno produzido não é do conhecimento do cliente”, que assim não saberia qual o valor das ajudas de custo em pagamento.
Na verdade, tal como ficou provado com a entrada em vigor do art.41°, n.°1, ali), do CIRC, na redacção do art.30° da Lei n.°87- B/98, de 31/12, criou-se um quadro de incerteza quanto aos requisitos concretos para a assunção integral das ajudas de custo como um custo fiscal.
A lei não explicou o que se deveria entender por ajudas de custo facturadas a clientes.
A impugnante discutiu o assunto internamente e nas Associações do Sector.
Tendo a impugnante tomado conhecimento de um despacho emitido pela administração fiscal para a ANTRAM relativamente a este assunto, alterou os seus procedimentos quanto às ajudas de custo, em conformidade com o teor desse Despacho.
Após a inspecção tributária, adequou os seus procedimentos quanto as ajudas de custo em conformidade com o determinado pela AF.
Efectivamente, do Despacho da ANTRAM não resulta que o seu conteúdo se prenda com as especificidades do sector dos transportes.
Os contribuintes que actuaram com base numa interpretação plausível da lei e de boa fé, porque seguiram as orientações do Fisco, não podem ser prejudicados.
Apesar da impugnante não ter efectuado o pedido ao Fisco, demonstrou, que actuou na confiança depositada pelo teor do Despacho da ANTRAM a que teve acesso.
Argumenta a AF que as facturas, tal como foram emitidas, não permitem ao cliente o cabal conhecimento do valor das ajudas de custo nelas incluído.
A impugnante em cooperação com a justiça veio a obter uma declaração dos seus clientes que atestam o conhecimento e aceitação do valor das ajudas de custo inseridas nas facturas em causa.
A obtenção das referidas declarações mostra que os clientes da impugnante conheceram e aceitaram, os concretos valores em que se decompunham os montantes globais das facturas.
Embora à posteriori, a impugnante provou os requisitos de que a lei faz depender a aceitação das ajudas de custo como um custo fiscal integral.
Com a entrega das referidas declarações, provou, embora a posteriori, que os clientes, aquando do pagamento, sabiam e conheciam o valor das ajudas de custo incluídos nessas facturas.
Pelo que cessa o motivo que legitimou o acto tributário.
Aliás, face ao princípio constitucional da tributação pelo lucro real - art.º104°, n.°2, da CRP, que tais encargos teriam que assumir a sua integral relevância fiscal quando, da análise da contabilidade interna não oferece quaisquer dúvidas sobre a autenticidade e conexão empresarial desses custos, sua facturação aos respectivos clientes, e expressa aceitação por parte destes».

Na redacção da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro, estabelecia o n.º1 do art.º41.º, do Código do IRC, no segmento pertinente: “Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(…)
f) As despesas com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS, na esfera do respectivo beneficiário”.

Na redacção da Lei n.º30-G/2000, de 29 de Dezembro, àquele preceito passou a corresponder o art.º42.º do Código do IRC, e a sua alínea f) passou a ter a seguinte redacção: “As despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário”.

Como se alcança do cotejo das duas disposições, a que vigorava ao tempo dos factos (1999) revela-se menos exigente quanto aos registos e formalidades necessários ao controlo das deslocações efectuadas por via das quais foram pagas pela entidade patronal ajudas de custo aos seus trabalhadores. E é à redacção da lei vigente ao tempo aquela que importa ter em conta.

Ora, naquela redacção (da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro), para que os encargos contabilizados com ajudas de custo pudessem ser relevados, na sua totalidade, como custo do sujeito passivo em sede de IRC, exigia-se apenas a sua escrituração, sem dependência de qualquer formalidade, e que tais ajudas de custo fossem facturadas a clientes, ou, fossem passíveis de tributação em IRS na esfera do respectivo beneficiário.

A Administração tributária não põe em causa a escrituração das ajudas de custo pagas pelo sujeito passivo. Entende é que o sujeito passivo não comprova a facturação das ajudas de custo aos clientes. E na falta desse requisito, afastou a dedutibilidade integral do encargo contabilizado com tais ajudas de custo, desconsiderando fiscalmente 20% do respectivo valor (i.e., 5.847.853,82€ x 20% = 1.169.570,76€).

Todavia, a leitura que faz da expressão “facturadas a clientes”, como significando que só são fiscalmente aceites na sua totalidade as ajudas de custo e deslocações desde que os respectivos montantes estejam discriminados na facturação emitida aos clientes, não é de acolher.

Ajudas de custo facturadas aos clientes são os encargos a esse título debitados aos clientes e incluídos no valor (global) da factura, não mais que isso.

Neste entendimento, se o sujeito passivo se arroga a dedução integral do encargo contabilizado com ajudas de custo (que é o caso), tem o ónus bastante de provar que debitou aos clientes nas facturas emitidas o montante das ajudas de custo escrituradas, ainda que não tenha discriminado o montante dessas ajudas de custo na facturação emitida a esses clientes.

E essa prova – que no fundo se reconduz à prova dos requisitos de dedutibilidade integral como custo do valor das ajudas de custo escrituradas (art.º23.º, n.º1, do Código do IRC) – pode alcançar-se por qualquer meio, não havendo em sede de IRC restrições em matéria probatória por estar em causa a tributação do rendimento real.

Escreve, a propósito, Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, a pág.80: «Entendemos, seguindo o que julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva».

Mais adiante, traçando as “linhas de força” que, em matéria de prova da existência dos custos, decorrem das decisões dos nossos tribunais, escreve o Autor: «…nos casos em que a lei exige requisitos formais acrescidos para a prova da existência de um determinado custo, a falta do cumprimento de tais exigências acarretará, normalmente, a sua não-aceitação para efeitos fiscais».

Como vimos, porém, na lei vigente ao tempo dos factos (1999), não se exigia qualquer requisito formal acrescido para comprovação do custo com ajudas de custo nem para a sua dedutibilidade integral em sede de IRC, bastando que o correspondente encargo estivesse escriturado e fosse debitado aos clientes nas facturas emitidas.

Ora, quanto a este último requisito, que a Administração fiscal deu por não verificado e por esse motivo afastou a dedutibilidade integral do custo, a sentença consignou no probatório, entre o mais, que: “após inspecção a que foi submetida, a impugnante tentou obter declarações da maior parte dos clientes em que aceitam e reconhecem os valores das ajudas de custo associadas a cada uma das facturas de 1999; a minuta desses documentos foi feita pela impugnante, o seu departamento comercial e de estrangeiros falou com os clientes, dando-lhes conta, pela contabilidade analítica, do valor das ajudas de custo associadas a cada factura, os clientes emitiram esses documentos originais, por eles assinados e carimbados que atestam a informação que, segundo o Fisco, teria de constar das facturas; é normal que na actividade de construção civil e obras públicas existam consideráveis e avultadas ajudas de custo, em especial quando se trata de um processo de internacionalização”.

Esses factos, assentes em prova documental (cf. declarações dos beneficiários das facturas, a fls.51 a 82 e 104 a 131), complementada pela prova testemunhal produzida nos autos pela impugnante, são bastantes para conduzir ao juízo efectuado na sentença e à conclusão, que se acompanha, no sentido de que a impugnante logrou fazer prova, embora “a posteriori”, dos requisitos legais de que depende a dedutibilidade integral das ajudas de custo escrituradas, provando com a entrega das referidas declarações que os clientes a quem foram emitidas as facturas conheciam e reconhecem que as ajudas de custo estavam reflectidas, embora não discriminadas, no valor das mesmas.

O que torna o custo dedutível na sua totalidade, não incorrendo em erro de julgamento a sentença que nesse sentido decidiu, improcedendo também o recurso por este fundamento.

Por fim, insurge-se a Recorrente contra a sentença na apreciação que fez da correcção referente a “Abates de imobilizado”, no montante de 25.164,40€.

A seu ver e tal como deixou escrito nas Conclusões, «É para definir o grupo dos elementos negativos que o art.º23º do CIRC enuncia a titulo exemplificativo as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. Daí que, não se conforma a Fazenda Pública quando na aplicação do direito aos factos o Tribunal “a quo” refere a dado momento que “a lei não faz depender a relevância fiscal de perdas resultantes de furto de activos do imobilizado da comprovação de que o respectivo risco não era segurável”».

Nas suas Conclusões [w) a y)], diz a Recorrida estranhar tal alegação, “…pois que a Administração fiscal nunca se valeu do argumento da comprovação da não cobertura do risco de furto por seguro para fundamentar o acto de liquidação que emitiu - no relatório de inspecção tributária, a Administração fiscal limitou-se a, de forma lapidar, fundamentar a não aceitação fiscal dos encargos com a norma do artigo 23° do CIRC -, fazendo-o apenas muito mais tarde quando foi chamada a decidir a reclamação judicial apresentada pela impugnante; e, por outro lado, porque, ainda que o tivesse feito, nada lograria com essa argumentação já que a necessidade de prova em que assenta - a prova da não cobertura do risco de furto por seguro - seria esta sempre absolutamente dispensável por não se encontrar legalmente prevista e por ser, no caso, absurda (cfr. “Não existem seguros obrigatórios pata os casos em análise. As companhias de seguro ou não seguram os bens, nomeadamente os que se encontram no Congo, em função do elevado risco, ou exigiram apólices de elevado valor que não compensa segurá-los em termos económicos atendendo à exiguidade dos seus valores face ao activo total da empresa.”).

No segmento relativo à apreciação desta correcção, deixou-se consignado na sentença: «A AF recusou conferir efeitos fiscais à perda suportada pela impugnante com furtos de imobilizado, por esta “ não ser aceite como custo fiscal nos termos do n.°1 do art.23° do CIRC”, por não serem necessários para a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.
No indeferimento da Reclamação Graciosa, ao mesmo tempo que se abandona o argumento inicial do art.23° do CIRC, sustenta-se a não-aceitação fiscal dessas perdas por não se ter demonstrado que o risco de tais furtos não era segurável
As razões de facto e de direito em que se baseiam as correcções à matéria tributável consolidam-se aquando da notificação ao contribuinte da fundamentação.
Só assim se evita, um clima de incerteza incompatível com o princípio da segurança jurídica, estruturante do nosso sistema fiscal.
Pelo que, não teria a impugnante de alegar e provar a impossibilidade ou inconveniência de segurar o risco de furto de imobilizado. ^
Acresce que, a lei não faz depender a relevância fiscal de perdas resultantes de furto de activos do imobilizado da comprovação de que o respectivo risco não era segurável.
Não existem seguros obrigatórios para os casos em análise.
As companhias de seguro ou não seguram os bens, nomeadamente os que se encontravam no Congo, em função do elevado risco, ou exigiram apólices de elevado valor que não compensa segurá-los em termos económicos atendendo à exiguidade dos seus valores face ao activo total da empresa».

Pois bem, importa desde logo fixar qual é a fundamentação da correcção relativa a “Abates de imobilizado” que deve prevalecer – se a constante do relatório de inspecção, se a que veio a ser posteriormente avançada em sede de reclamação graciosa – pois é com relação à fundamentação prevalecente que se tem de ajuizar da legalidade da correcção.

Como se doutrinou no Acórdão do STA, de 18/05/2011, proferido no proc.º0156/11, «…o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.
Como se disse, entre outros, no acórdão deste STA de 28/10/2009, proferido no recurso n.º595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o acto de liquidação que foi mantido pelo acto de indeferimento da reclamação» (sublinhado nosso).

No caso em exame, basta atentar na petição inicial para se constatar que o objecto da impugnação é o acto tributário de liquidação e não a decisão da reclamação graciosa.

Pois bem. Do relatório de inspecção tributária, com relação à correcção relativa a “Abates de imobilizado”, apenas consta o seguinte (cf. fls.52 do apenso instrutor): «O s.p. considerou indevidamente como custo o montante de 5.045.008$00 correspondente ao valor líquido de imobilizado furtado ou roubado, não aceite como custo fiscal nos termos do n.º1 do art.º23.º do CIRC, por não serem encargos manifestamente indispensáveis à obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto».

Nada se refere quanto ao requisito de o risco (de furto ou roubo) ser segurável ou não segurável e, nessa medida, não pode ser exigida à impugnante como condição da aceitação fiscal do custo contabilizado, como bem se entendeu na sentença recorrida, a prova de que o evento não é segurável, nos termos do disposto no art.º42.º, n.º1 alínea e), do Código do IRC (anterior art.º 41.º).

Resta ver se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à indispensabilidade do custo, que no fundo é o único requisito da aceitação fiscal do custo que importa considerar em vista da externada fundamentação que consta do relatório de inspecção.

Como salienta Rui Duarte Morais, ob. cit., a págs. 103, no activo imobilizado, «estão em causa bens que devem ser contabilizados no imobilizado, por se destinarem a permanecer na empresa, sob a mesma forma, de maneira durável (por mais de um exercício).
Não releva, pois, a natureza dos bens, mas a função que lhes é atribuída na empresa. Tais bens são “instrumento”, directo ou indirecto, da produção (por ex., máquinas, equipamento, mobiliário, etc.) ou de obtenção de outros proveitos (por ex., um edifício dado de arrendamento por uma sociedade com outro objecto social) ou seja, não se destinam a ser vendidos ou transformados».

Nos termos do art.º17.º, n.º 1, do Código do IRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do art.º3 é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

No art.º23.º daquele Código enuncia-se, a título exemplificativo, as situações que podem integrar o grupo dos elementos negativos a relevar para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrando como critério definidor que se consideram como custos ou perdas «os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

Destinando-se os bens que integram o activo imobilizado à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material desses bens, seja a que título for, designadamente por furto ou roubo, não pode deixar de relevar, pelo seu valor líquido (cf. art.º23.º, alínea g), do CIRC), como realidade «indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

Isso porque, como se escreveu no Acórdão do TCA Sul de 27/03/2012, proferido no proc.º05312/12, que acompanhamos, «só não são indispensáveis “os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”, isto é, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se “como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte”».

Pelo que vindo unicamente questionada a indispensabilidade da perda, que não a sua comprovação (aliás, em sede de dedutibilidade, só faz sentido discutir o requisito da indispensabilidade com relação a custos comprovados), a mesma não poderá deixar de relevar como componente negativa do lucro tributável, nos termos do disposto nos artigos 17.º e 23.º, do Código do IRC.

Também por este último fundamento o recurso não logra provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 12 de Março de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro