Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02967/04-Aveiro
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Vital Lopes
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REQUISITOS DA FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO
Sumário:1. O conhecimento do vício de falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indiciários demanda, necessariamente, a elaboração de um juízo de facto sobre qual o discurso formal em que se estribou aquele acto;
2. Invocando a Recorrente erro de facto, porque tal discurso formal se encontra vertido em outros instrumentos de prova ou em outras passagens do RIT que não aquela que foi a considerada na sentença, tem de indicar expressamente quais são esses instrumentos de prova ou passagens do RIT em que se formaliza, a seu ver, a fundamentação do acto, ónus que, a não ser cumprido conduz à imediata rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto (art.º685.º-B, do CPC).
3. O acto não contém a fundamentação legalmente exigível se não permite às partes ou ao tribunal “ad quem” sindicar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido na prática do mesmo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:L..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por L... – Sociedade Exportadora de Cortiça, Lda., contra a liquidação de IVA e juros compensatórios do ano de 1995, no valor total de 6.075.800$00 (30.305,96€).

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1. A decisão recorrida, suportada na prova documental produzida, concluiu que a liquidação de IVA de 1995 deveria ser anulada, pelo facto de, da leitura do relatório constante dos autos não resulta[r] a indicação de qualquer um desses elementos, ou seja, não se especifica[r] de forma objectiva as razões em concreto, que levaram os serviços de inspecção a fixar a matéria tributável com o recurso aos métodos indirectos. Pelo que se conclui, que não se verificavam os pressupostos legitimadores do recurso ao método presuntivo o que, desde logo, é fundamento bastante para a anulação da liquidação, julgando procedente a impugnação, sem condenar a Fazenda Pública em custas, por delas se encontrar isenta.

2. Ora, conforme prescrevem os n.os 1 e 2 do artigo 123.º do CPPT, a sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do Impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública, existindo, e do Ministério Público, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar, sendo certo que o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

3. Ademais, resulta do n.º 1 do artigo 205.º da CRP, bem como dos n.os 1 e 2 do artigo 154.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, designadamente as proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, não podendo consistir na simples adesão aos fundamentos alegados.

4. Com efeito, decorre do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT que constituem causas de nulidade de sentença designadamente a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão e a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

5. No que diz respeito à fixação da matéria de facto, a respectiva fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.

6. Na verdade, a fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção, mas também tem efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.

7. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, havendo sempre a necessidade de fazer uma apreciação crítica da mesma.

8. Por outro lado, importa referir que, no que concerne à prova documental, a discriminação da matéria de facto não pode limitar-se a dar como reproduzidos documentos que constem do processo, mas sim em indicar quais os factos que esses documentos comprovam.

9. Ora, para julgar procedente a presente impugnação, a Meritíssima Juíza a quo alicerçou a sua decisão, assentando a seguinte “(…) matéria de facto: 1 – A impugnante foi objecto de uma inspecção tributária e que deu lugar a correcções em sede [de] IVA do ano de 1995 por aplicação dos métodos indirectos, conforme relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro e constante destes autos de fls. 49 a 57e que aqui se dão por reproduzidas, mas cujos extractos a se seguir se transcrevem: «(…) Nos termos do artº 51 e 52º do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas (CIRC), a aplicação dos métodos indiciários verificar-se-à se ocorrerem erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, e a determinação do lucro tributável pode ser aplicado com base nas margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras…; e com base em coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas… Nos termos do artº 84.º do CIVA, a liquidação com base nos métodos indiciários, far-se-à por carência de elementos que permitam aplicar claramente o imposto (…) Relativamente ao ano de 1995, com base nos elementos anteriormente indicados, bem como o que resulta do controlo quantitativo das matérias primas e produtos acabados (no ano de 1992, 1993 e 1994, o controlo efectuado indica que não há diferenças apuradas significativas, pelo que não há aplicação de métodos indiciários) e que espelham como a contabilidade não reflecte apropriadamente todo o movimento económico/financeiro da [Impugnante], vai-se proceder ao apuramento do rendimento por métodos indiciários (…)”. 2- Dão-se aqui por reproduzidas as notas de liquidação do IVA ora impugnadas e constantes destes autos de fls. 22 a 34. 3- A Impugnante apresentou pedido de revisão nos termos do artº 84.º do CPT. 4- O pedido de revisão da matéria colectável não foi atendido, conforme resulta do descrito na acta n.º 125 e constante destes autos de fls. 58 a 72. Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e na análise dos documentos acima identificados e igualmente não impugnados. FACTOS NÃO PROVADOS: Inexistem, com interesse para a presente decisão.”.

10. Mencionando no segmento da sentença “DE DIREITO: (…) Como se extrai da factualidade apurada, a liquidação adicional aqui em causa foi efectuada na sequência da correcção do lucro tributável, efectuada por recurso a métodos indiciários. (…) Assim, em primeiro lugar, o uso de métodos indiciários só está legitimado quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias (diversas alíneas do n.º 1 do art. 51º do CIRC): inexistência de contabilidade, falta ou atraso na escrituração dos seus livros e registos, irregularidades na sua organização ou execução; recusa de exibição, ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação da contabilidade e demais documentos; existência de diversas contabilidades; erros ou inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido. Em segundo lugar, mesmo que se verifiquem anomalias e incorrecções, os métodos indiciários só podem utilizar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável pelos métodos normais (Art. 51º n.º 2 do CIRC). Na verdade, quando nos situamos no âmbito de uma acção de fiscalização por exame à escrita, necessário se torna que sejam mencionados e descritos todos os dados de facto encontrados donde se permita concluir, pelo cotejo com as declarações apresentadas pelo contribuinte, que estas se mostravam (ou não), correctas. Da mesma forma, é essencial que se demonstre qual o processo mental seguido pela administração para ter optado por determinados valores (presumidos). Ora, da leitura do relatório constante destes autos de fls. 49 a 57, não resulta a indicação de qualquer um desses elementos, ou seja, não se especifica de forma objectiva as razões em concreto, que levaram os serviços de inspecção a fixar a matéria tributável com o recurso aos métodos indirectos. Pelo que se conclui, que não se verificavam os pressupostos legitimadores do recurso ao método presuntivo o que, desde logo, é fundamento bastante para a anulação da liquidação. (…)”- sublinhado e negrito nossos.

11. Porém, defende a Fazenda Pública, que a douta peça decisória recorrida, ressalvado o devido e merecido respeito, incorre em erro de julgamento de facto e de direito, consubstanciado numa incorrecta selecção da matéria de facto dada como provada e na inexacta valoração e exame crítico da prova, e, concomitantemente, em errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas que regem o ónus da prova na verificação dos pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos e no excesso na respectiva quantificação, conforme interpretação conjugada dos n.os 1 e 2 do artigo 84.º do Código do IVA e artigos 81.º e 121.º do CPT, na redacção vigente à data dos factos tributários, que conduz à sua nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 205.º da CRP, do n.º 1 do artigo 154.º do CPC aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, bem como do n.º 2 do artigo 123.º e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.

12. Especialmente no que concerne à consideração pelo tribunal a quo de que “não resulta a indicação de qualquer um desses elementos [dados de facto encontrados donde se permita concluir, pelo cotejo com as declarações apresentadas pelo contribuinte, que estas se mostravam (ou não), correctas e que se demonstre qual o processo mental seguido pela administração para ter optado por determinados valores (presumidos)], ou seja, não se especifica de forma objectiva as razões em concreto, que levaram os serviços de inspecção a fixar a matéria tributável com o recurso aos métodos indirectos”, porquanto conclusão necessariamente contrária decorre da leitura atenta do relatório da inspecção tributária, constante do processo administrativo, para além de que a Meritíssima juiz a quo absteve-se de examinar criticamente a prova documental constante de tal relatório, limitando-se à elaboração de um juízo meramente conclusivo sobre a alegada inexistência da indicação pelos serviços de inspecção tributária das razões para o recurso ao apuramento da matéria tributável com recurso aos métodos indiciários, não revelando o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para decidir como decidiu.

13. Noutra vertente, e tal como determinava o artigo 81.º do CPT, na redacção vigente à data dos factos tributários, a decisão de tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.

14. Ora, os factos reunidos pela AT e descritos no conteúdo do RIT são perfeitamente capazes de demonstrar o percurso que o inspector tributário seguiu para chegar às correcções da matéria colectável por métodos indirectos.

15. Primeiramente, diga-se que não existem dúvidas de que a AT só poderia ter recorrido a métodos de prova indirecta ou presunções.

16. Os indícios recolhidos pelos SIT, no âmbito do procedimento externo, demonstraram claramente que a contabilidade impedia a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.

17. Por outro lado, a avaliação indirecta envolve necessariamente a apreciação de elementos de ordem subjectiva e, consequentemente, com uma menor exactidão.
18. Assim, a partir de factos conhecidos vão deduzir-se outros factos que não se conhecem, seguindo as regras da experiência com razoabilidade e considerando as características específicas do contribuinte em causa, nomeadamente as que se encontram relacionadas com a actividade exercida.

19. Na verdade, perante os indícios existentes de que a contabilidade não merecia credibilidade, restava apenas à AT partir dos elementos que tem disponíveis para apurar as contas reais da empresa.

20. De salientar que a doutrina e a jurisprudência são unânimes no que concerne às dificuldades com que a AT se depara nos casos de aplicação de métodos indirectos, casos em que tem de existir necessariamente uma redução do nível de exigência na prova dos factos relevantes que foram omitidos à contabilidade.

21. Aliás, essa prova deve reger-se por um juízo de probabilidade razoável de forma a ser possível uma aproximação mais fidedigna da real matéria colectável.

22. Deste modo, a AT deverá socorrer-se de elementos possíveis e prováveis, tendo por base parâmetros gerais e comuns, adequados ao caso em apreço.

23. Nessa sequência, é óbvio que o recurso aos métodos indirectos é sempre acompanhado por dúvidas relacionadas com a real matéria colectável, uma vez que ele apenas será capaz de indicar uma aproximação real da quantificação tributária.

24. Como já foi referido, perante a aplicação dos métodos indirectos, os SIT calculam a verdadeira matéria colectável começando a sua análise a partir de factos conhecidos até prever os números que se desconhecem, estando sempre associada uma margem de dúvida, em que o contribuinte pode sair prejudicado ou beneficiado, sendo certo que no caso concreto até saiu beneficiado, tal como consta do parecer do perito da Fazenda Pública no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável.

25. Aliás, analisando o caso em apreço e atendendo às regras da experiência comum, é manifesto e notório que não existe qualquer tipo de excesso nos critérios e resultados a que chegaram os SIT.

26. Por outro lado, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º do CPT, no caso de aplicação de métodos indiciários, não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior (que obriga à anulação do acto impugnado no caso de fundada dúvida), se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.

27. E, ainda, a fundamentação do critério utilizado na determinação da matéria tributável foi perfeitamente assimilada pela Impugnante, uma vez que através da leitura da PI se percebe que aquela está completamente apta a discutir a valorimetria aplicada pela AT.

28. Pelo exposto, entendemos que o RIT contém toda a fundamentação do recurso aos métodos indiciários, legalmente exigível à data dos factos tributários, bem como do critério adoptado, pelo que a liquidação de IVA de 1995 deverá ser mantida.

29. Consequentemente, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão judicial, por padecer a mesma de um erro de julgamento de facto e de direito, por violação dos n.os 1 e 2 do artigo 84.º do Código do IVA e dos artigos 81.º e 121.º do CPT, que conduz à sua nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 205.º da CRP, do n.º 1 do artigo 154.º do CPC aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, bem como do n.º 2 do artigo 123.º e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, assim se fazendo JUSTIÇA.
***

Nos termos vindos de expor e nos que V. Ex.as, sempre mui doutamente poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a douta decisão recorrida por outra que declare improcedente a presente impugnação judicial, conforme se apresenta mais consentâneo com o
Direito e a Justiça».

A recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, indagar (i) se a sentença recorrida está ferida de nulidade por falta de exame crítico das provas; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir pela falta de fundamentação do recurso à avaliação indirecta.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1 - A impugnante foi objeto de uma inspeção tributária e que deu lugar a correções em sede IVA do ano de 1995 por aplicação dos métodos indiretos, conforme relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro e constante destes autos de fls. 49 a 57 e que aqui se dão por reproduzidas, mas cujos extratos a seguir se transcrevem:
“(…) Nos termos do art.º 51° e 52° do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas (CIRC), a aplicação dos métodos indiciários verificar-se-á se ocorrerem erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, e a determinação do lucro tributável pode ser aplicado com base nas margens médias de lucro bruto ou liquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras...; e com base em coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas...
Nos termos do art° 84º do CIVA, a liquidação com base em métodos judiciários, far-se-á por carência de elementos que permitam aplicar claramente o imposto. (...) Relativamente ao ano de 1995, com base nos elementos anteriormente indicados, bem como o que resulta do controlo quantitativo das matérias primas e produtos acabados (no ano de 1992, 1993 e 1994, o controlo efectuado indica que não há diferenças apuradas significativas, pelo que não há aplicação de métodos indiciários) e que espelham como a contabilidade não reflecte apropriadamente todo o movimento económico/financeiro da L..., vai-se proceder ao apuramento do rendimento por métodos judiciários. (…)”

2 - Dão-se aqui por reproduzidas as notas de liquidação do IVA ora impugnadas e constantes destes autos de fls. 22 a 34 destes autos.

3 - A impugnante apresentou pedido de revisão nos termos do art° 84° do CPT.

4 - O pedido de revisão da matéria coletável não foi atendido, conforme resulta do descrito na ata n° 125 e constante destes autos de fls. 58 a 72 destes autos.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e no teor dos documentos identificados e não impugnados».

E mais se consigna na sentença:

«FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem com interesse para a presente decisão».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Invoca a Recorrente nulidade por falta de exame crítico da prova.

O julgamento da matéria de facto comporta dois grandes segmentos, um em que o juiz declara os factos que julga provados e os que julga não provados e, outro, em que procede à análise crítica da prova e enuncia as razões que foram decisivas para formar sua convicção – ar.º653.º, n.º3, do Cód. de Processo Civil.

No que em particular concerne ao exame crítico da prova, deve tal consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.

Pois bem. Tendo a sentença especificado os concretos documentos que relevaram na fixação de cada um dos pontos da matéria de facto, e não havendo instrumentos de prova que se contrariem entre si em aspectos relevantes para a decisão de facto, tem-se por satisfeita a exigência do exame crítico da prova posto que suficiente para sindicância da decisão sobre a matéria de facto, quer pelos intervenientes processuais, quer pelo tribunal de recurso.

Questão diversa, que não se confunde com a falta de apreciação crítica da prova, é a do erro de julgamento de facto.

O conhecimento do vício de falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indiciários no apuramento da matéria colectável do imposto demanda, necessariamente, a elaboração de um juízo decisório de facto sobre qual foi o discurso formal em que se estribou aquele acto.

Invoca a Recorrente que o tribunal “a quo” seleccionou mal a matéria de facto, nomeadamente, formou o seu juízo quanto à falta de fundamentação da decisão de recurso à avaliação indirecta, com base no extracto do relatório de inspecção que transcreveu, quando essa fundamentação se encontraria em outros instrumentos de prova e, em particular, em segmentos, não transcritos, do mesmo relatório e que não foram valorados na decisão.

O art.º685º-B do CPC, impõe certos ónus ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto que, não sendo cumpridos, terão como consequência a imediata rejeição do recurso.

Assim, dispõe o n.º1 desta norma que o impugnante deve:
“Especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” - alínea a);
“Especificar os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida” – alínea b).

Ora, a Recorrente não especifica que outros instrumentos de prova ou parte do teor do relatório – que não aquela que foi transcrita na sentença - pretende ver contemplada no probatório e valorada na apreciação da questão relativa à fundamentação do recurso à avaliação indirecta.

Ou seja, a Recorrente alega que a sentença errou de facto ao seleccionar uma parte do relatório que não reflecte a fundamentação da decisão de recurso a métodos indirectos, mas não indica o instrumento de prova e, em particular, a passagem do teor do relatório em que, afinal, está vertida tal fundamentação (ou se completa a fundamentação).

Assim, rejeita-se o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.

É também assacada à sentença erro de julgamento de direito. Vejamos.

Na altura em que foi elaborado o relatório de inspecção e sobre o mesmo recaiu despacho concordante de 21/01/1997, a matéria relativa à fundamentação da tributação por métodos indiciários ou presunções continha-se no Código de Processo Tributário, estabelecendo o seu art.º81.º que ”A decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação”.

Tratava-se, já então, de uma exigência de fundamentação acrescida relativamente àquela que, para a generalidade dos actos tributários ou em matéria tributária, se previa nos artigos 21.º e 82.º, do mesmo CPT.

Como se doutrinou no Acórdão do STA, de 11/12/2002, proferido no proc.º01434/02, «A fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto (fundamentação por adesão ou remissão).
Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente, a motivação do acto.
O que tudo constitui jurisprudência e doutrina tão correntes, que se toma desnecessária a sua enumeração aqui e agora.
A violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação - artºs. 89° e 120° al. c) do CPT.
Cfr. Alfredo de Sousa e J. Paixão, CPT Anotado, 2ª edição, pág. 165».

Descendo aos autos, como se constata do teor do relatório, no seguimento de uma acção de fiscalização, foram efectuadas correcções ao lucro tributável e ao IVA da impugnante com recurso a métodos indiciários.

O recurso a métodos indiciários na determinação do lucro tributável já então estava condicionada à verificação de certos requisitos taxativos, dispondo o art.º51.º do Código do IRC – que tinha aplicabilidade na definição dos casos em que se tornava necessário o recurso a presunções ou estimativas por carência de elementos que permitam apurar o Imposto sobre o Valor Acrescentado (cf. art.º84.º do Código do IVA) – o seguinte:

«1 – A determinação do lucro tributável por métodos indirectos verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Inexistência de contabilidade, falta ou atraso na escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades com o propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;
d) Erros ou inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.

2 – A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
3 – (…)»

Ora, como se apreende do relatório, não se cumpre a exigência de fundamentação, ao menos quanto à externação, de modo claro, suficiente e, por imposição constitucional, acessível (cf. art.º268.º, da CRP), dos motivos por que não foi possível a comprovação e quantificação da matéria colectável pelo método directo, isto é, com base nos elementos da contabilidade e escrita do contribuinte.

Dizer que “relativamente ao ano de 1995, com base nos elementos anteriormente indicados, bem como o que resulta do controlo quantitativo das matérias-primas e produtos acabados (…) e que espelham como a contabilidade não reflecte apropriadamente todo o movimento económico/ financeiro da L..., vai-se proceder ao apuramento do rendimento por métodos indiciários…”, não permite acompanhar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração tributária na prática do acto, nem sindicar, esclarecidamente, que “elementos anteriormente indicados” são os referidos (isto a págs.15 de um relatório com 18 páginas), nem em que consistiu o resultado do assinalado “controlo quantitativo das matérias-primas e produtos acabados” que inviabilizou o apuramento directo da matéria colectável.

A sentença não incorreu pois no erro de julgamento que lhe vem assacado ao concluir pela falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indiciários e, por esse motivo determinar a anulação da liquidação de IVA impugnada.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 12 de Fevereiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro