Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02339/18.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA;
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA; REEMBOLSO;
INTERESSE EM AGIR; DEDUÇÃO OFICIOSA;
Sumário:
I. A nulidade da decisão por contradição com os seus fundamentos verifica-se quando estes conduzam a um resultado logicamente oposto ao que é expresso na decisão, não sendo nula a decisão que contenha os fundamentos que conduzem logicamente à decisão.

II. O interesse em agir constitui um pressuposto processual, não previsto expressamente na lei, mas pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência, consistindo na necessidade de usar do processo, de instaurar a ação, e não se exigindo uma necessidade absoluta, terá de haver uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a ação.

III. Tem interesse em agir o sujeito passivo que pretende impugnar o ato de indeferimento de um pedido de reembolso de pagamentos especiais por conta que foram objeto de dedução oficiosa à coleta de um exercício objeto de liquidação adicional de IRC.

IV. Atento o disposto do art. 93.º, n.º 1 do CIRC, na redação aplicável, não podia a Administração fiscal no âmbito de uma liquidação adicional da qual resultou um aumento da matéria coletável para o exercício em questão ter oficiosamente deduzido o correspondente montante relativo a pagamentos especiais por conta efetuados pelo contribuinte (e não deduzidos por falta de coleta apurada na autoliquidação), e, com esse fundamento, negado o pedido de reembolso do mesmo.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

[SCom01...] - SGPS, SA, inconformada com o acórdão proferido em 2020-02-10 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a exceção de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu a Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância na ação administrativa que interpusera tendo por objeto o despacho de indeferimento proferido em 2018-06-19 pelo Diretor Adjunto da UGC, que recaiu sobre o pedido de reembolso de pagamentos especiais por conta referentes ao exercício de 2010 no montante de EUR 163.814,16, vem interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
- CONCLUSÕES:
i. A causa de pedir dos presentes autos é constituída, nomeadamente, pela circunstância de a Recorrida, em lugar de ter tramitado o procedimento de reembolso de PEC na sequência do correspondente pedido, indeferiu tal reembolso com base no facto de ter deduzido unilateralmente tal crédito numa ulterior liquidação adicional.
ii. Como ressuma da sentença recorrida, para decidir pela absolvição da Ré da instância entende o Tribunal a quo, nomeadamente: i) que a tramitação do procedimento de reembolso foi satisfeita pela Ré; ii) que a decisão de tal procedimento não constituiu um indeferimento; e, por conseguinte, iii) que falta à Recorrente o interesse em agir.
iii. Nos termos da lei, o PEC traduz-se num pagamento de imposto POR CONTA do imposto devido a final11 [Neste sentido Cfr. Teresa Gil, Pagamento Especial por Conta, Fisco, 107-108, Março 2003, p.12; António Carlos dos Santos, A deriva inconstitucional do actual regime do pagamento especial por conta, Fisco, 122-123, Outubro 2007, p.9.], ou ADIANTAMENTO DE IRC.
iv. O IRC entregue em determinado exercício, através do PEC, pode ser deduzido pelo Contribuinte à colecta do exercício a que respeita, até à sua concorrência, ou, se insuficiente, até ao quarto exercício seguinte, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 93.º do Código do IRC.
v. Caso tal dedução não seja possível, nasce na esfera jurídica do Contribuinte um direito de crédito perante a AT na exacta medida da prestação tributária entregue em excesso – materializado num reembolso de IRC.
vi. Nos termos da lei, que tanto a possibilidade de dedução do imposto, como o pedido do seu reembolso encontram-se na plena disponibilidade do Contribuinte e dependem inteiramente da sua iniciativa - respectivamente, pela inclusão na declaração de rendimentos do período de tributação, ou requerimento autónomo dirigido à AT.
vii. Como ressuma dos autos, em lugar de tramitar o pedido de reembolso que lhe havia sido solicitado em 21.08.2010, decidiu a AT, passados quatro anos do pedido (!), compensar unilateralmente o crédito de PEC numa liquidação adicional de imposto de 17.09.2014.
viii. Apenas quando instada a pronunciar-se sobre o pedido de reembolso de PEC veio a AT, a 19.06.2018, indeferir tal pedido - como consta no ponto 4 da matéria assente.
ix. Ora, por um lado, o Tribunal a quo dá como provado no ponto 4 da matéria assente que “foi o pedido de reembolso do PEC de 2010, referido supra, indeferido”, mas, por outro lado, conclui que a mesma decisão “não constituiu uma decisão de indeferimento”.
x. Neste aspecto, salvo o devido respeito, afigura-se patente a contradição entre os fundamentos e a decisão – o que constitui causa de nulidade da sentença12 [Cfr. art. 125.º CPPT.].
xi. Como resulta dos autos – mormente do documento n.º 1 junto à petição e constante a fls. 118-137 dos autos - a AT notificou a Recorrente da decisão de indeferimento do seu pedido de reembolso de PEC.
xii. Como resulta igualmente da sobredita decisão, a Recorrente foi notificada pela AT para, querendo, apresentar acção administrativa contra tal decisão de indeferimento – o que, para além de infirmar a conclusão retirada pelo Tribunal a quo, justifica o recurso da Recorrente à tutela jurisdicional que a Constituição lhe garante.
xiii. Apesar de a Recorrente ter circunscrito a questão jurídica em discussão nos presentes autos – que se concretiza em saber se, face à lei, a AT pode proceder unilateralmente à dedução do reembolso de PEC numa liquidação adicional de imposto - o Tribunal a quo recusou conhecer tal questão através da conclusão i) de que inexiste decisão de indeferimento e ii) que a Recorrente não tem interesse em agir.
xiv. Entende o Tribunal a quo que a AT “já proferiu uma decisão confirmando a titularidade da Autora quanto ao direito ao reembolso dos identificados PEC´s” – obnubilando um pequeno “pormenor”: o de que «esse reembolso já não é possível, na medida em que foi deduzido à colecta de IRC, ano de 2011.”
xv. Salvo o devido respeito, ao assim decidir, o Tribunal a quo desvaloriza em absoluto não apenas a forma legal de dedução do PEC mas, sobretudo, o facto de a compensação unilateral da AT numa liquidação adicional ter ocorrido muito depois do término do prazo legal de decisão do pedido de reembolso de PEC.
xvi. Ora, fora da acção executiva, a lei não permite a dedução ou compensação de qualquer crédito decorrente de reembolso de IRC numa liquidação adicional de imposto.
xvii. Se assim fosse, como se disse, virtualmente todos os pedidos de reembolso de IRC poderiam ser indeferidos - bastando que a ATA fizesse liquidações adicionais de imposto, para apurar “colectas oficiosas” às quais a própria deduziria os PEC’s pagos e suportados pelo Contribuinte.
xviii. Como decidido em sentença dada pelo mesmo Tribunal [Cfr. Processo n.º 1465/14.0BEPRT.], numa situação em tudo semelhante, já transitada em julgado:
«(…) resulta claro da redacção do art.º 93.º, n.º 1, do Código do IRC que a dedução do PEC é efectuada ao montante apurado na declaração anual a que se refere o artigo 120.º, ou seja, na declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) que os sujeitos passivos deste imposto devem submeter através de um procedimento de autoliquidação.
Se assim é, então a Administração Tributária não pode utilizar o PEC de um exercício para efeitos de dedução à colecta de imposto de um dos quatro períodos de tributação seguintes que foi apurada, não através da referida declaração do sujeito passivo, mas através de uma liquidação adicional oficiosa em resultado de correcções à matéria tributável efectuadas em sede de procedimento de inspecção.
xix. Quando muito, a AT apenas se encontrava legalmente habilitada a compensar o crédito tributário em causa em sede executiva, nos termos do disposto no artigo 89.º do CPPT - nos mesmos moldes em que o faria com qualquer outro crédito a reembolso de IRC.
xx. Como resulta expressamente do texto da lei, o artigo 87.º n.º 1 do CIRC estabelece, de forma clara, que a dedução do PEC é efectuada “na declaração a que se refere o artigo 112.º” – ou seja, na declaração periódica de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo para efeito de autoliquidação – pelo que a lei não remete, expressa ou implicitamente, para a dedução na liquidação adicional de IRC prevista no artigo 91.º do CIRC.
xxi. Daí que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a decisão administrativa em causa nos autos é claramente lesiva dos direitos da Recorrente em matéria tributária – sendo, por conseguinte, salvo o devido respeito, evidente o seu interesse em agir.
xxii. Num processo em tudo semelhante ao dos presentes autos, a mesma Mma. Julgadora que proferiu a sentença sob recurso decidiu em sentido diametralmente oposto – mormente invocando o decidido no sobredito Processo n.º 1465/14.0BEPRT.
xxiii. Nos presentes autos, como se disse, para concluir pela pretensa falta de interesse em agir, entendeu a Mma. Juiz que a decisão final impugnada «(…) ao contrário do que pretende fazer crer a Autora, não constituiu uma decisão de indeferimento. A decisão que foi proferida consubstanciou-se na “inexistência de qualquer montante de PEC efectuado em 2010 que pudesse ser objecto de reembolso.”».
xxiv. Em sentido inverso, na sentença dada no Processo n.º 1917/19.4 BEPRT, a Mma. Juiz entendeu que «No caso dos autos, o despacho de indeferimento do pedido de reembolso do PEC, de 22.04.2019, consubstancia um ato administrativo de conteúdo negativo que produziu efeitos na esfera jurídica da Autora, ao contrário do que defende a Ré.».
xxv. Sem sindicar a legalidade do procedimento adoptado pela AT - a que obsta com a excepção de falta de interesse em agir - o Tribunal dá como adquirido e conforme à lei o acto unilateral de compensação ou dedução oficiosa do crédito de reembolso de PEC numa liquidação adicional de imposto.
xxvi. Ora tal (ilegal) procedimento da AT constituía, precisamente, a causa de pedir nos presentes autos e, por conseguinte, materializava o interesse em agir da Recorrente, na qualidade da Administrada.
xxvii. Conforme é Jurisprudência deste Tribunal ad quem14 [Cfr. Ac. TCAN de 21.04.2016, dado no proc. n.º 00371/12.6BEVIS; de 04.05.2012, dado no proc. n.º 00386/07.6BEMDL, e de 30.11.2012, dado no proc. nº 00198/10.0 BECBR – e, no mesmo sentido, Ac do Pleno do STA, de 27.07.96, REC. 23486; de 25.05.2001, REC. 43440; de 07.01.2002, Rec. 45909; de 29.04.2003, Rec. 0363/03; de 11.10.2006, Rec. 614/06; de 21.05.2008, Rec. 70/06; de 11.03.2009, Rec. 01084/08 e de 28.10.2010, Rec. 0390/10.], como acto confirmativo apenas pode ser legalmente qualificado o acto administrativo que reitera com os mesmos fundamentos, de facto e de Direito, uma anterior decisão – o que manifestamente não sucede no caso dos autos.
xxviii. Deste modo, a decisão administrativa de indeferimento do pedido de reembolso de PEC, como acto lesivo e desfavorável, é, para além do mais, judicialmente impugnável – sendo que tal decisão foi assim configurada pela própria AT, que, como deflui dos autos, notificou expressamente a Recorrente para intentar a presente acção administrativa.
xxix. Logo, tal como anteriormente decidido pela Mma. Juiz no processo n.º 1465/14.0BEPRT, “o despacho de indeferimento do pedido de reembolso do PEC, de 22/04/2019, consubstancia um acto de conteúdo negativo que produziu efeitos na esfera jurídica da Autora” – motivo pelo qual tem manifesto interesse em agir.
xxx. Para sustentar a decisão recorrida, refere o Tribunal a quo, que “a Administração não só confirma o direito da Autora, como, também, afirma que efectivou ou concretizou esse direito, através da sua dedução à colecta de IRC, ano de 2011” incorre o Tribunal a quo, numa petição de princípio: a que de a lei consente a “efectivação” do crédito a um reembolso de IRC (PEC) através da sua compensação oficiosa e unilateral numa liquidação adicional.
xxxi. A extinção unilateral do crédito de reembolso de IRC, por parte da AT, através de um procedimento reputado de ilegal, constitui o “interesse processual”, a “causa legítima da acção”, o “motivo justificativo”, a “necessidade de agir” e, por conseguinte, a “necessidade de tutela jurídica” da Recorrente.
xxxii. Na presente acção administrativa, está em causa, mais do que a mera anulação da decisão administrativa, a condenação da AT na tramitação do reembolso de PEC que (ilegalmente) considerou concretizado.
xxxiii. Ora, nestes casos, para aferir do interesse em agir, a lei apenas exige “que o ato administrativo em causa tenha eficácia externa, medida designadamente através da suscetibilidade de lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos do demandante15 [Cfr. Ac. TCAS de 21.01.2015, proc. n.º 06242/10.] - como é indubitavelmente o caso.
Termina pedindo:
Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por via disso, anular-se a decisão recorrida - o que se fará por obediência à Lei e por imperativo de JUSTIÇA!
***
A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:
CONCLUSÕES
A) No período de tributação de 2010, efetuou a A., dois pagamentos especiais por conta que totalizaram o montante de €163 814,16.
B) A “[SCom01...], SGPS, SA.”, no período em análise, foi tributada individualmente pelo RETGS sendo de referir que, no período 2010 o Grupo [SCom01...] não gerou colecta suficiente para absorver o PEC de 2010, tendo transitado para 2011, o saldo relativo ao PEC efetuado em 2010 no montante de €163 814,16, sendo dedutível à coleta do Grupo [SCom01...] SGPS, SA nos períodos de 2011 a 2014.
C) À data em que a presente ação foi intentada (18/09/2018), a Autora já havia sido notificada da decisão da Administração Tributária de que:
1. O valor de 163.814,16 euros do PEC objeto de pedido de reembolso por parte da [SCom01...], foi deduzido nos termos do n.º 1 do artigo 93º à coleta do período de 2011 do Grupo [SCom01...] na liquidação n.º ...90 objeto de compensação em 05-05-2015 (conforme anexo 1 e 2).
2. Qualquer reembolso desta importância representaria uma devolução indevida por se mostrar duplicada.
3. Conclui-se pela inexistência de qualquer montante de PEC efetuado em 2010 que possa ser objeto de reembolso.”
Na verdade
D) ao pedido consubstanciado na tramitação do pedido de reembolso do PEC, e no respetivo reembolso já foi dado provimento por banda da AT.
E) Em consequência da inspecção realizada ao período de 2011, de que resultou liquidação adicional de IRC, com o n.º ...90, de 05-05-2015, a AT deduziu o montante de €163 814,16, correspondente ao PEC de 2010, que foi integralmente absorvido pela colecta gerada no período de 2011 (cf. inf. UGC, junta com o PA).
F) Às empresas do Grupo [SCom01...], grupo fiscal em que a Autora era ela própria a sociedade dominante, a coleta do grupo foi alterada tendo absorvido Integralmente o montante global de PEC disponível nesse período, conforme liquidação n.º ...90 de 05-05-2015, sendo que o montante correspondente ao PEC efetuado em 2010, foi integralmente absorvido pela coleta gerada no período de 2011.
G) E é perfeitamente legal o regime de dedução do PEC., nos termos em que o fez a AT, e o regime regra de devolução dos PECs. opera por dedução à colecta – art.º 93.º/1 CIRC.
Aliás,
H) A compensação é, nos termos do art.º 847.º e 853.º do Código Civil, uma forma legítima, prevista na lei de o credor fazer saldar o seu crédito e donde decorre agora fundamento legal para o procedimento da AT.
I) Conforme Pires de Lima e Antunes Varela, in C. Civil anotado vol II, pag. 135, Coimbra Editora, 1986, em comentário ao art.º 847.º, do C. Civil “(…). A compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito libertando-se do seu débito, por uma espécie de acção directa.”
J) Cuja posição encontra ainda acolhimento na Jurisprudência do STA2 [Acórdão do Pleno da SCA do STA, de 28-09-2006, Proc.º n.º - 47540], relativamente à compensação dos créditos do Estado, de se transcreve o essencial:
I – A norma do artigo 853º, nº 1, do CC, erigida em favor do Estado, não estabelece uma proibição absoluta que impeça em qualquer caso a compensação dos créditos do Estado sobre um particular.
II – A proibição ali prevista é apenas relativa, de modo a impedir que o devedor particular (particular compensante), para se livrar da sua dívida ao Estado, possa tomar a iniciativa de opor um crédito seu (crédito activo) perante o seu credor (o Estado) a fim de que este inclua na compensação o crédito que detém em relação a si (crédito passivo).
III – Assim sendo, a norma não exclui a possibilidade de ser o Estado (Estado compensante) a tomar a iniciativa da compensação, de maneira a opor um crédito seu (crédito activo) sobre um contra-crédito (crédito passivo) que o particular detenha contra si.
K) O que remete diretamente a ação da AT., para domínio dos princípios da legalidade, da indisponibilidade e da proibição da moratória, consagrados nos art.ºs 8.º, 30.º e 36.º da Lei Geral Tributária, mas também haverá de se ter em conta a subordinação aos princípios da eficácia e da eficiência do sistema fiscal, da atuação Administração Tributária e da Administração Pública, que resultam da Constituição e perpassam pelos Códigos Tributários, bem como pela legislação administrativa.
Assim,
L) entende bem o Tribunal “quo” quando julga verificada a falta de interesse em agir, porque o interesse está relacionado com “a existência ou inexistência de um direito ou de um facto que decorra da sequência da alegação de uma determinada situação de conflitualidade entre ambos os sujeitos ou da alegação de um estado de incerteza objetivamente determinado passível de comprometer o valor ou a negociabilidade da relação jurídica”.
M) Colhe-se da Doutrina, que o interesse em agir pressupõe um interesse “directo, pessoal e legítimo”, e que este se diz directo “quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado”, e se diz pessoal “quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na própria esfera jurídica do interessado”, e é legítimo “quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente” (Prof. Freitas do Amaral, in “Direito Administrativo”, vol. IV, pg.s 170 e 171).
N) A própria A., admite-o e demonstra o probatório que foi em devido tempo integrada do valor requerido nesta PI., embora por via da dedução do pec em causa na liquidação adicional de 2011.
O) E acontece que, evidentemente, a tramitação do pedido de reembolso foi levada a efeito e o consequente reembolso efetuado e transferido para a esfera da A., o que retira todo o fundamento às pretensões deduzidas.
P) O interesse da A., não é legítimo e não goza da proteção do Direito.
Q) A Autora, que deduziu impugnação contra a liquidação onde se operou a dedução, não demonstra ter prestado a necessária garantia para sustar a cobrança.
R) Além do que, se decair na impugnação não será onerada com os juros respeitantes à parte liquidada pelo reembolso, se vencer, eventualmente, será ressarcida por juros nos termos legais.
S) A lograr provimento, a tese da A., nesta ação, estaríamos perante uma dupla reintegração sua, no que não se concede e só por mera hipótese abstrata se equaciona.
E, posto tudo o que antecede, é manifesto que
T) não encontram justificação as invocações deste recurso no que respeita a erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de Direito e de uma contradição entre os fundamentos e a decisão.
U) Também resulta manifesto que a Sentença posta em crise pelo Recurso de modo algum obstou à obtenção da tutela judicial visada pelo A., sendo claro que o Tribunal conheceu previamente da exceção antes de se debruçar sobre o mérito da ação.
V) E a falta de interesse em agir constitui uma exceção dilatória, é de conhecimento oficioso e dá lugar à absolvição da instância.
W) Pelo que, julga corretamente a Sentença recorrida as decorrentes consequências jurídicas com a verificação da falta do interesse em agir, pressuposto processual elementar concernente à parte.
X) Absolvendo consequentemente a Ré AT., da instância, com o que e deve manter-se vigente na ordem jurídica por considerar adequadamente os factos invocados, aplicando corretamente o Direito, estar em consonância com a Jurisprudência e de acordo com a melhor Doutrina, razões pelas quais não pode revelar qualquer dos vícios que lhe vêm apontados no Recurso.
Termina pedindo:
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.ª, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente e ser mantida a Sentença recorrida por ser consequente com os factos e aplicar corretamente o Direito, com o que será feita a costumada JUSTIÇA.
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal foi oportunamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo vindo requerer ou promover.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a decisão sob recurso padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, ou de erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do mesmo ao caso concreto, ao julgar procedente a exceção de falta de interesse em agir e, em consequência, absolver a R. da instância.
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II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
No saneador-sentença prolatado pela primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III – FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos:
1. A Autora, [SCom01...] – SGPS, S.A., em 31/03/2010 e 28/10/2010 procedeu ao pagamento do 1º e 2º pagamento especial por conta, respetivamente, respeitantes ao ano de 2010, no valor global de € 163.814,16. – cfr. Informação n.º.... - INDN/2018 junta ao processo administrativo (PA) junto a fls. 118-137 dos autos;
2. Os pagamentos especais por conta a que se alude supra não foram deduzidos à coleta no próprio exercício de 2010, nem nos quatro exercícios posteriores (2011, 2012, 2013 e 2014). – cfr. facto não controvertido; decisão de indeferimento junta como documento 1 à p.i.;
3. Em 21/08/2010, a Autora apresentou junto do Serviço de Finanças ..., requerimento a solicitar o reembolso dos pagamentos especiais por conta aludidos supra. – cfr. requerimento junto como documento 2 à p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Por despacho de 19/06/2018, exarado na Informação n.º.... - INDN/2018, foi o pedido de reembolso do PEC de 2010, referido supra, indeferido, nos seguintes termos:
(…)
Face ao exposto, da análise efetuada foi possível concluir que:
1. O valor de 163.814,16 euros do PEC objeto de pedido de reembolso por parte da [SCom01...], foi deduzido nos termos do n.º 1 do artigo 93º à coleta do período de 2011 do Grupo [SCom01...] na liquidação n.º ...90 objeto de compensação em 05-05-2015 (conforme anexo 1 e 2).
2. Qualquer reembolso desta importância representaria uma devolução indevida por se mostrar duplicada.
3. Conclui-se pela inexistência de qualquer montante de PEC efetuado em 2010 que possa ser objeto de reembolso. (…)”. – cfr. decisão final junta como document1 1 à p.i. e que integra o PA de fls. 118-137 dos autos;
5. Através de ofício n.º ...75, de 28/06/2018, remetido através de carta registada – registo dos CTT nº RF........94PT – foi levado ao conhecimento da Autora a decisão a que se alude supra. – cfr. ofício junto ao PA de fls. 118-137 dos autos;
Mais se provou que:
6. A coberto da ordem de serviço n.º ...55, a Autora foi sujeita a procedimento inspetivo externo, âmbito geral, com incidência no exercício de 2011. – cfr. facto não controvertido; decisão junta como documento 1 à p.i. e que integra o PA junto aos autos;
7. Na sequência das correções resultantes do identificado procedimento inspetivo, em 17/09/2014, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º ...90, exercício de 2011. – cfr. facto não controvertido; decisão junta como documento 1 à p.i. e que integra o PA junto a fls. 118-137 dos autos;
8. A coleta apurada na sequência das correções, exercício de 2011, absorveu integralmente os montantes dos PEC´s referidos em 1. – cfr. facto não controvertido; decisão junta como documento 1 à p.i.;
9. Em 16/02/2015, a Autora deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional identificada em 7., ação que corre termos sob o n.º 555/15.5BEPRT. – cfr. documento 4 junto à p.i.; consulta SITAF;
Factos não provados
Inexistem factos a dar como não provados com interesse para a decisão em causa.
*
Motivação:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da posição assumida pelas partes e da análise crítica dos documentos juntos aos autos, não impugnados, e do processo administrativo, assim como, de consulta ao SITAF, tudo tal como indicado acima por referência a cada concreto ponto da matéria de facto.
*
II.2. Fundamentação de Direito
Uma vez que a Recorrente imputa à decisão sob recurso nulidade por contradição com os respetivos fundamentos (cf. conclusões ix e x do recurso), há que começar por averiguar da respetiva existência.
Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA, constitui nulidade da decisão a oposição dos fundamentos com a decisão.
Tal nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente a um resultado oposto ao que é expresso na decisão, sendo relevante para este efeito a oposição que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir, pelo que não será nula a decisão que contenha os fundamentos que conduzem logicamente à decisão.
De facto, importa manter presente que, e como vem sendo esclarecido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o regime das nulidades destina-se apenas a remover aspetos de ordem formal que inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido (neste sentido, veja-se, designadamente, o Acórdão proferido pelo STJ em 2021-05-25, no proc. 558/20.8T8GMR.G1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Ora, e, não obstante aqui se reconhecer que a Recorrente tem razão quando aponta uma inconsistência à decisão, na qual por um lado se dá como provado no ponto 4 da fundamentação de facto que o pedido de reembolso do PEC foi indeferido, mas por outro se conclui que a mesma decisão não constitui uma decisão de indeferimento, a verdade é que a mesma não padece da nulidade que lhe imputa.
Com efeito, a decisão proferida foi a de julgar procedente a exceção de falta de interesse em agir e, em consequência, absolver a Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância na ação administrativa, não se tendo ali deixado de alinhavar fundamentos que a sustentam com um mínimo de coerência lógica, como de resto foi percecionado pela Recorrente.
Assim, e para tanto, argumentou-se na decisão sob recurso que o ato administrativo impugnado não teve a virtualidade de privar a Recorrente do direito que invoca, pois, a ATA teria, entretanto, proferido uma outra decisão confirmando a titularidade do direito ao reembolso do PEC na liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2011.
Ora, saber se a argumentação ali expendida reflete uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço é já uma outra questão, passível de conduzir à conclusão de que a decisão padece de erro de julgamento de direito, e não de nulidade.
Assim sendo, e atento o exposto, é de julgar improcedente a nulidade da decisão recorrida por contradição com os respetivos fundamentos.
Importa então passar à apreciação do alegado erro de julgamento de direito da decisão sob recurso.
Tal como foi já aqui referido, em causa está a decisão de julgar procedente a exceção de falta de interesse em agir e, em consequência, absolver a Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância na ação administrativa.
Tem-se por adquirido que o interesse em agir constitui um pressuposto processual, não previsto expressamente na lei, mas pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido em 2022-10-27 pelo STJ, no proc. 82/19.1T8STB.E1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt), consistindo o mesmo na “(…) na necessidade de usar do processo, de instaurar a acção; não se exigindo uma necessidade absoluta, terá de haver uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção” (cf. VARELA, João de Matos Antunes; BEZERRA, J. Miguel; NORA, Sampaio e – Manual de processo civil. 2ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 1985, pág. 170/171).
Na ação administrativa em apreço a aqui Recorrente impugnou o despacho proferido em 2018-06-19 pelo Diretor Adjunto da UGC, que recaiu sobre o pedido que oportunamente formulara de reembolso de pagamentos especiais por conta respeitantes ao exercício de 2010 no montante de EUR 163.814,16 (cf. ponto 3, da fundamentação de facto).
No seu requerimento a Recorrente explicitou que tendo efetuado os pagamentos especiais por conta, e não lhe tendo sido possível deduzir o correspondente montante nos termos e para os efeitos do disposto no então n.º 3 do art. 93.º do CIRC - por não ter apurado no próprio período de tributação ou até ao quarto período subsequente coleta suficiente para o efeito -, solicitou o reembolso da respetiva quantia, no montante de EUR 163.814,16.
Sem questionar o preenchimento dos pressupostos legalmente exigidos para o pretendido reembolso, na decisão de indeferimento do pedido formulado pela Recorrente, a Administração fiscal sustentou-se na circunstância de “a coleta apurada, relativamente ao período de 2011, para o grupo [SCom01...] foi de 7.284.208,60 euros, a qual absorveu integralmente o montante global de PEC disponível nesse período, no valor global de 1.008.564,36 euros (…), sendo que o montante de 163.814,16 euros correspondente ao PEC efetuado em 2010 está incluído nesse montante”, tal como resulta da informação que a sustentou (cf. ponto 4, da fundamentação de facto).
Já no âmbito da presente ação, vem a Fazenda Pública alegar que o montante referente ao pretendido reembolso terá sido objeto de compensação efetuada na sequência da referida liquidação adicional de IRC do exercício de 2011.
Entende a aqui Recorrente, constituindo, aliás, a causa de pedir da ação administrativa em apreço, que tendo direito ao reembolso do PEC, não podia a Administração fiscal ter-lhe negado esse mesmo direito, pois o correspondente regime legal não lhe permitia ter procedido oficiosamente à respetiva dedução ou compensação.
Ora, quer estivesse em causa uma “dedução oficiosa” do PEC ou a “compensação” do correspondente montante com imposto em dívida pela aqui Recorrente, o facto é que nem uma nem outra circunstância legitimam a conclusão de que a sua pretensão, tal como claramente expressa no requerimento que formulou perante a Administração fiscal, foi satisfeita.
De facto, o que a Recorrente requereu à Administração fiscal foi que o montante em questão fosse reembolsado, tal como resultava do disposto no n.º 1 do art. 93.º do CIRC, e não que fosse deduzido à coleta do exercício de 2011, ou objeto de compensação.
Se tem razão ou não nessa sua pretensão, é uma outra questão, mas que não se confunde com e é logicamente posterior à de saber se tem interesse em agir.
Ora, tanto é quanto basta para que se conclua que o Tribunal a quo erra quando conclui que a aqui Recorrente não tem interesse em agir através da presente ação, porque a sua pretensão terá já sido satisfeita, devendo por isso o recurso em apreço ser julgado totalmente procedente.
Aqui chegados, e uma vez que o Tribunal de primeiro conhecimento da causa, ao julgar procedente uma questão prévia, não conheceu do pedido formulado pela Autora na ação, há que promover o respetivo conhecimento em substituição, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 149.º do CPTA.
Na ação administrativa em apreço, e que tem por objeto o despacho de indeferimento proferido em 2018-06-19 pelo Diretor Adjunto da UGC, que recaiu sobre o pedido de reembolso de pagamentos especiais por conta referentes ao exercício de 2010 no montante de EUR 163.814,16, a Autora pede que seja anulada a decisão impugnada, e que a Ré, aqui Recorrida, seja condenada a tramitar o procedimento de reembolso do PEC.
Para tanto, sustenta-se na alegação de que tal ato padece de erro de julgamento de direito nos pressupostos, uma vez que a Administraçao fiscal não estaria legitimada para no âmbito da liquidação adicional de IRC de 2011 promover a dedução oficiosa dos montantes referentes ao PEC.
Com efeito, e como foi já aqui referido, dos autos resulta que, e atento o disposto no n.º 7 do art. 90.º do CIRC, na redação então em vigor, norma da qual resultava que da dedução relativa ao PEC não poderia resultar um valor negativo, a Recorrente não declarou no período de 2010 a 2014 o montante de EUR 163.814,16 referente a PEC oportunamente entregues, uma vez que o Grupo [SCom01...] não gerou naqueles exercícios coleta suficiente para o absorver.
Em consequência de uma inspeção realizada ao exercício de 2011, e no âmbito da liquidação adicional de IRC n.º ...90, a Administração Tributária procedeu à dedução oficiosa daquele montante, que foi integralmente absorvido pela coleta gerada por força daquela liquidação adicional, para aquele período.
Comecemos então por recordar o exato teor do art. 93.º do CIRC, na redação em vigor, aqui em causa (destacado nosso):
Artigo 93.º
Pagamento especial por conta
1 - A dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º
2 - Em caso de cessação de actividade no próprio período de tributação ou até ao terceiro período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado nos 90 dias seguintes ao da cessação da actividade.
3 - Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito desde que preenchidos os seguintes requisitos:
a) Não se afastem, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10%, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças;
b) A situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação.
Ora, e tal como alegado pela Recorrente, do disposto no n.º 1 do art. 93.º do CIRC resultava explicitamente que a dedução relativa ao pagamento especial por conta, então regulado pelo art. 106.º do CIRC, deveria ser efetuada “ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º”, do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte.
Sucede que a declaração a que se referia o art. 120.º do CIRC, na redação então em vigor, era a declaração periódica de rendimentos que os sujeitos passivos de IRC se encontravam obrigados a apresentar [cf. alínea b) do n.º 1 do art. 117.º do CIRC, na redação então em vigor], ou seja, a declaração modelo 22 através da qual cabia aos sujeitos passivo de imposto, então como agora, formalizar a correspondente autoliquidação.
Assim sendo, e ainda que, tal como refere a Recorrida, o regime regra de “devolução” dos PEC operasse por dedução à coleta nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 93.º do CIRC, a verdade é que o que expressamente resultava daquela norma era que a mesma teria de ser feita no âmbito da autoliquidação efetuada pelos sujeitos passivos, não legitimando por isso a Administração tributária a efetuar tal dedução oficiosamente, no contexto de uma liquidação adicional por si promovida, como sucedeu no caso em apreço.
Por outro lado, e relativamente à argumentação expendida pela Ré em sede de contestação e no âmbito do presente recurso, sempre se dirá que ainda que a Administração fiscal possa, efetivamente, proceder à compensação de créditos do sujeitos passivos nas suas dívidas tributária tal como, aliás, expressamente resulta do disposto no art. 89.º do CPPT, não o poderá fazer se o crédito objeto da compensação for obtido ilegalmente, contrariando o que é expressamente ditado pela lei, como é o caso, em que é manifesta a violação do disposto no n.º 1 do art. 93.º do CIRC.
Tanto é quanto basta para que se conclua que é correta a argumentação da A., aqui Recorrente, quanto alega que o ato administrativo impugnado padece de erro nos pressupostos de direito por patente violação do disposto no n.º 1 do art. 93.º do CIRC.
Por fim, e quanto ao alegado pela Recorrida, que argumenta que a concessão do pretendido reembolso levaria a que a Recorrente beneficiasse duas vezes do montante em causa, não lhe cabe razão, pois perante a constatação de que a dedução oficiosa violou a lei, deverá daí retirar as devidas consequências, tanto mais que se encontra obrigada pela Constituição ao respeito pelo princípio da legalidade.
Ou seja, e dito por outras palavras, sendo a dedução “oficiosa” ilegal, é a mesma que cabe corrigir, não podendo a situação que criou ser resolvida através da denegação à Recorrente do seu direito ao reembolso.
Assim sendo, e em face do exposto, deverá a ação ser julgada procedente, e, em consequência, anulado o ato impugnado, e a R. condenada a tramitar o pedido de reembolso em causa, que não poderá ser denegado com a argumentação que o sustentou.
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Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. A nulidade da decisão por contradição com os seus fundamentos verifica-se quando estes conduzam a um resultado logicamente oposto ao que é expresso na decisão, não sendo nula a decisão que contenha os fundamentos que conduzem logicamente à decisão.
II. O interesse em agir constitui um pressuposto processual, não previsto expressamente na lei, mas pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência, consistindo na necessidade de usar do processo, de instaurar a ação, e não se exigindo uma necessidade absoluta, terá de haver uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a ação.
III. Tem interesse em agir o sujeito passivo que pretende impugnar o ato de indeferimento de um pedido de reembolso de pagamentos especiais por conta que foram objeto de dedução oficiosa à coleta de um exercício objeto de liquidação adicional de IRC.
IV. Atento o disposto do art. 93.º, n.º 1 do CIRC, na redação aplicável, não podia a Administração fiscal no âmbito de uma liquidação adicional da qual resultou um aumento da matéria coletável para o exercício em questão ter oficiosamente deduzido o correspondente montante relativo a pagamentos especiais por conta efetuados pelo contribuinte (e não deduzidos por falta de coleta apurada na autoliquidação), e, com esse fundamento, negado o pedido de reembolso do mesmo.
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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida, julgar a ação administrativa procedente, e, em consequência, anular o ato impugnado e condenar a Administração tributária a tramitar o requerimento da Recorrente.
Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Porto, 9 de novembro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Paulo Moura – Irene Neves.