Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01246/21.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA. OMISSÃO DE PRONÚNCIA. PETIÇÃO INICIAL. JUNÇÃO DE DOCUMENTO COMPROVATIVO DA EMISSÃO DO ACTO
Sumário:I) – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando ficam sem resposta - que não esteja prejudicada - “os problemas concretos a decidir”.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Associação ... – ... (Rua ..., .... ..., ...), em acção administrativa intentada contra Município ... (Praça ..., ...) e contra-interessada A..., S. A. (Rua ..., ... ...), absolvidos da instância, julgada “verificada a excepção dilatória inominada decorrente da falta de junção dos documentos comprovativos da prática dos 2 actos administrativos ora impugnados”.

O recorrente conclui que «O Tribunal a quo, na douta sentença proferida, ao decidir pela extinção da instância sem se ter pronunciado sobre o requerimento do recorrente, para que a Ré juntasse aos autos os documentos de prova em seu poder, omitiu o dever de pronúncia que nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, determina a nulidade da sentença.».

Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.
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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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As incidências processuais:
1º) – A autora intentou a presente acção nos termos da sua p. i., na qual peticionou a final (cfr. p. i.):
a) Declarar nulos os seguintes despachos proferidos por órgãos do Município ...:
1-O despacho de 28/03/2013, da autoria do Vereador do Pelouro do Urbanismo da CM_, que deferiu o pedido de licença de construção em infração ao RPDMP.
2- O despacho de 16/11/2017 da autoria do Vereador dos Pelouros do Urbanismo, do Espaço Público e Património da CM_, que deferiu, o pedido de alteração da licença referida na alínea anterior, apresentado antes da emissão do respetivo alvará.
b) Condenar o Município ... a ordenar a demolição das obras realizadas pela ré contra-interessada ao abrigo dos atos cuja nulidade se pede que seja declarada na alínea anterior;
c) Condenar a ré contra-interessada a demolir as obras, entretanto já realizadas (e as que venham a ser) por si ao abrigo dos atos cuja nulidade se pede que seja declarada na alínea a);
d) Subsidiariamente, para a hipótese de improceder o pedido objeto da alínea a), condenar o réu a declarar a caducidade do referido despacho de 28/03/2013.
2º) – E na qual também indicou (idem):
IV – Meios de Prova
1- Documental
a) - Requer-se se ordene ao réu que, para além dos processos instrutores onde foram praticados os atos impugnados, traga aos autos os processos administrativos n.ºs NUD/7797/01/CM, NUD/52647/04/CM_, NUD/10309/09/CM_, NUD/279788/16/CM_ e NUD/281661/16/CM_.
3º) – Despacho de 15-12-2021 determinou (cfr. fls. 295):
«Notifique-se a Autora para que, no prazo de 10 [dez] dias, proceda à junção aos autos dos documentos comprovativos da prática dos actos administrativos ora impugnados, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 79.º do CPTA, sob pena de o Réu e a contra-interessada serem absolvidos da presente instância, em conformidade com o n.º 7 do artigo 87.º do CPTA.».
4º) – Na sequência, a autora juntou documentos (cfr. fls. 320 a 330 – cópia (i) do alvará NUD 515247/2020/CM_ no Proc. ...7/CM_ relativamente a obras licenciadas pelo despacho de 09/12/2020, (ii) da proposta de deferimento do pedido de emissão de alvará de obras de 07/09/2020 no Proc. ...7/CM_, (iii) informação I/...7/CM_ de 02/06/2017 no Proc. ...7/CM_ em que se emite parecer desfavorável e (iv) uma notícia com o título “Revisão do PDM viabiliza obra da ...”).
5º) – Ao que foi dada a decisão recorrida, em termos que aqui se têm presentes, pela qual réu e contra-interessada foram absolvidos da instância, julgada “verificada a excepção dilatória inominada decorrente da falta de junção dos documentos comprovativos da prática dos 2 actos administrativos ora impugnados”.
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A apelação

O art.º 79º, n.º 3, a) do CPTA, estabelece que «Sem prejuízo dos demais requisitos exigidos pela lei processual civil, a petição inicial deve ser instruída com a prova documental e designadamente: a) Quando seja deduzida pretensão impugnatória, com documento comprovativo da emissão da norma ou do ato impugnados;».
Na decisão recorrida considerou-se que «a Autora incumpriu com o ónus que lhe incumbia à luz da alínea a) do n.º 3 do artigo 79.º do CPTA (…) excepção dilatória inominada ou atípica enquadrável nos exemplificativos n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e artigo 577.º do CPC.
Excepção dilatória esta que, não tendo sido sanada na sequência do convite para o suprimento que lhe fora endereçado pelo Tribunal, leva, inevitavelmente, à absolvição dos Réus da presente instância, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC e do n.º 7 do artigo 87.º do CPTA».
Com acolhimento na jurisprudência deste TCAN, em casos análogos.
Por ex.:
- Ac. de 10-02-2017, proc. n.º 03033/13.3BEPRT:
1 – Nos termos dos artigos 78.º, n.º 2 – d) e 79.º, n.º 2 do CPTA, o Autor é obrigado a juntar aos autos o ato que pretende impugnar. Caso não o tenha junto, o Juiz convida a parte a apresentar o mesmo, por se tratar de documento essencial de que a lei faz depender o prosseguimento da causa, como resulta do art.º 88.º, n.º 2 do CPTA.
2 - Por outro lado, o n.º 4 do art.º 88.º do CPTA, determina que a falta de suprimento ou correção solicitada pelo Tribunal, implica a absolvição da instância, sem possibilidade de substituição da petição.
3 – Tendo os Recorrentes ignorado o Despacho do tribunal a quo para junção aos autos do ato objeto de impugnação, essa circunstância não poderá ser ignorada, determinando a absolvição da instância.
4 – O facto de os Recorrentes terem vindo afirmar singelamente, já depois de declarada a absolvição da instância, que o ato objeto de impugnação se encontraria no Processo Administrativo, não tem a virtualidade de sanar a irregularidade detetada, uma vez que a sua junção ao processo judicial constitui um ónus do Autor.
- de 14-02-2020, proc. n.º 00415/17.5BEPRT:
I) – Determina o art.º 87º, n.º 7, do CPTA: “A falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.”.
Como neste último se cita, «a falta de documentos que devam instruir a petição, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, quando não suprida, pode conduzir à absolvição da instância, na medida em que esses documentos se destinam a demonstrar a existência dos pressupostos processuais de que depende o prosseguimento do processo (impugnabilidade do ato; interesse em agir; verificação de uma situação de omissão, indeferimento ou recusa da prática de ato).” (M. Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário…”, 4ª ed., 2017, pág. 671, nota 819).».
Mas não há agora que perscrutar da bondade da decisão recorrida.
Pelo menos não sem ver do que é censura da recorrente.
Aponta à decisão nulidade por omissão de pronúncia.
A qual não ocorre.
O art.º 615º, 1, d), do CPC, sanciona com nulidade as sentenças em que o julgador «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; a “omissão de pronúncia” que constitui nulidade está intimamente ligada à exigência prescrita no art.º 608º, n.º 2, do CPC, nos termos do qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Questões são “as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, não se confundindo com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia”, sendo "em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver" (Ac. do STJ, de 03-10-2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1).
Numa palavra, “os problemas concretos a decidir” (Ac. do STJ, de 11-01-2000, proc. n.º 99A1062; “dissídio ou problema concreto a decidir” - Ac. do STJ, de 9-11-2016, proc. 235/14.6JELSB.L1.S1).
Ora, requerer ao tribunal “a quo” que “se ordene ao réu que, para além dos processos instrutores onde foram praticados os atos impugnados, traga aos autos os processos administrativos (…)”, é, como a própria autora de antecedente encimou, apenas requerimento de meio de prova; não constitui “a se” “questão” que ao tribunal se confronte para dirimir; nem ao seu propósito nenhuma foi suscitada.
Do que então ocupava no desenvolvimento da lide, decidiu-se quanto ao que de lei é exigência profícua a um salutar progresso.
Mesmo na óptica como a recorrente coloca, erigindo em “questão” o seu requerimento de prova, com a decisão recorrida aflora concomitante ausência de nulidade, pois “Não se verifica nulidade da decisão por omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa tenha ficado decidida (implícita ou tacitamente) no julgamento da matéria com ela relacionada» (Ac. do STJ, de 12-01-2021, proc. n.º 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1).
Concluindo, na (ou, se se preferir, noutro enquadramento de perspectiva, “com a”) decisão recorrida não assoma qualquer omissão de pronúncia; pelo que a censura do recurso não tem fundamento, nada mais havendo que apreciar.
Sem prejuízo de uma última palavra.
Para afirmar que o caso não acolhe a afirmação de “litigância de má-fé, nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 542º do CPC e impor a aplicação de uma taxa sancionatória excecional, nos termos do artigo 531º do CPC”.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas: da responsabilidade da recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza.

Porto, 1 de Julho de 2022.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa